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Primeira Edição: Discurso pronunciado na Assembléia Constituinte, na sessão comemorativa do Primeiro Aniversário da Vitória da Nações Unidas. (Comemoração da Vitória e contra a política de blocos)
Fonte: Luiz Carlos Prestes, Problemas Atuais da Democracia, pág. 331-360. Editorial Vitória, 1947
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo,
junho 2006.
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O Sr. Carlos Prestes — Sr. Presidente. Peço a palavra.
O SR. Presidente — Tem a palavra o Senhor Carlos Prestes.
O Sr. Carlos Prestes — Senhor Presidente, Srs. Representantes: Há um ano, na data de hoje, tinha fim, na Europa, a segunda grande hecatombe guerreira deste século. Há um ano, nesta data, depois de dias de luta e sangue, terminava a batalha de Berlim. Os soldados soviéticos obrigavam a ajoelhar-se a seus pés os generais orgulhosos de Hitler.
Findava a grande batalha de Berlim, travada principalmente pelas tropas soviéticas, com o concurso dos exércitos anglo-americanos, que lutavam no Elba, com o concurso glorioso da nossa F. E. B.[Força Expedicionária Brasileira], que lutava na Itália, e com o concurso de todos os povos que, no continente, lutavam contra o opressor nazista.
Infelizmente, Srs. Constituintes, ao comemorarmos, pela primeira vez, esta data de paz, nada tem de tranqüilizadora a situação mundial.
Imensas são ainda as ameaças terríveis, os indícios de que pouco progredimos durante o ano decorrido, apesar da derrota posterior do fascismo na Ásia. Pouco progredimos no caminho da construção da paz, tão desejada pelos povos do mundo inteiro. Mas é justamente essa intranqüilidade, esse estado de desassossego por que passa o mundo nos dias de hoje, os ruídos soturnos que já se parecem ouvir de uma terceira conflagração mundial, conflagração que, Senhores, dado o aperfeiçoamento dos meios de luta, da técnica guerreira, a existência de novas armas, a energia atômica, conflagração que nessas condições seria de conseqüências imprevisíveis para a humanidade — é justamente essa situação de desassossego, de alarma, pouco tranqüilizador no quadro mundial, que nos obriga a todos nós, homens amantes da paz e do progresso, a recordar na data de hoje, o que foi a brutalidade da carnificina, a refletir particularmente sobre suas origens e causas e, ainda, a proceder a exame de consciência para verificar se estamos fazendo tudo, sem displicência, sem omissões, na luta pela paz, por sua organização, senão uma paz definitiva, ao menos uma paz longa, duradoura, tão duradoura quanto possível, a fim de evitarmos uma terceira carnificina em tão pequeno período de tempo, em tão poucos anos, durante este século dito da civilização, do progresso — século XX.
Este, concidadãos, o motivo principal da homenagem que da tribuna, em nome da bancada de meu Partido, queremos prestar a todos quantos souberam lutar pela paz, pela civilização, pelo progresso da humanidade, e dar seu sangue ou a vida para que fosse derrotado o nazismo, a barbárie guerreira, no que já teve de mais bestial e que tão seriamente ameaçou a humanidade de retrocesso, para a escravidão, para o regime da humilhação permanente, de completa submissão ao poder do capital em sua forma mais vil, de exploração do homem pelo homem.
Pensamos, Senhores, nos milhões de seres humanos sacrificados pela guerra. Curvemo-nos diante da bravura, da dignidade, do espírito de sacrifício dessa juventude que tombou, destes milhões de jovens europeus — ingleses, franceses, iugoslavos, poloneses, russos, ucranianos — desses milhares de jovens americanos, entre os quais os nossos jovens patrícios que marcharam para a Europa, onde foram, derramar o sangue pela liberdade, certos que participavam de luta memorável, de luta decisiva contra todas as tiranias, pela liberdade do homem, pela independência dos povos e pela emancipação de nossa própria pátria.
Quantos destes morreram, repousam lá no cemitério de Pistóia! Morreram pensando, como aqueles jovens de 14, que participavam efetivamente da última guerra.
Mas, Senhores, recordemos ainda os que, mais conscientes, souberam lutar contra o fascismo desde antes mesmo de suas iniciativas guerreiras: os anti-fascistas de todo o mundo — e posso reunir os nomes gloriosos de Barbusse e Romain Rolland; os antifascistas do mundo inteiro, sacrificados nos cárceres dos governos da reação,, dos «quislings», dos ditadores do mundo inteiro. Entre eles, as figuras gigantescas desses homens que, seis anos antes do início da carnificina, já se levantavam contra o fascismo, contra o nazismo, em seu próprio antro, para desmascará-lo em suas aventuras guerreiras de domínio da humanidade. Refiro-me a esses baluartes do proletariado — Dimitrov, o herói de Leipzig, e Thaelmann — que representam tudo quanto havia ainda de sadio e puro no povo alemão. Inclusive, Senhores, permiti-me relembrar aqui, com a emoção que podereis imaginar, a esposa querida, entregue aos carrascos de Hitler pelos mesmos bandidos que assassinaram nossos irmãos nas prisões do Estado Novo, prisões e policiais que ainda, infelizmente, não desapareceram de nossa pátria.
Recordemos ainda, neste instante, o glorioso povo de Espanha, uma das primeiras e sem dúvida uma das maiores vítimas do fascismo na Europa; esse glorioso povo espanhol que, atacado pela força bruta do fascismo, traído pelos seus chefes e militares, esquecido e traído também pelas democracias do ocidente, ainda vacilantes, e enganado pelos governos de traição e capitulação dos Daladier e Chamberlain — esse povo glorioso que soube resistir com heroísmo e ainda hoje luta pela liberdade e independência da pátria, malgrado a tentativa de se repetir ainda agora essa comédia trágica da não-intervenção, infelizmente. Senhores, com o concurso desgraçado do Sr. Veloso, que, mal-orientado pelo Sr. João Neves — também, ao que parece, amigo de Salazar — prefere ficar com os banqueiros ingleses e americanos em vez de ouvir a voz do povo brasileiro, do heróico proletariado de Santos e inclusive desta nossa Assembléia Constituinte.
O Sr. Acurcio Torres — V. Excia. esquece que o Sr. João Neves da Fontoura foi sempre bom servidor do povo brasileiro.
O Sr. Carlos Prestes — O Sr. João Neves é o orientador da atuação do Sr. Leão Veloso no Conselho da Organização das Nações Unidas.
O Sr. Aureliano Leite — Uma vez que V. Excia. fala no martirológio político do Brasil recente, não se esqueça, observando o que se passa no mundo, da grande figura de Giacomo Matteoti, um dos primeiros a cair na Itália, sob o punhal e as pistolas dos fascistas. V. Excia. vê esse nome na cronologia da História Universal de H. Wells, onde só entraram os maiores vultos da literatura, da ciência, da guerra, da política.
O Sr. Carlos Prestes — Vossa Excelência tem razão; pretendia homenagear essa figura, citando também os nomes de Barbusse e Romain Rolland, os dois destacados antifascistas que se seguiram a Matteoti e tombaram na luta.
Senhores, vim a esta tribuna para reverenciar, comovidamente, a memória de todos os que tombaram lutando contra o fascismo, muito especialmente dos nossos soldados e oficiais da FEB, marinheiros e aviadores, e de todos aqueles que, durante os anos de reação e de ditadura, morreram nos cárceres do Estado Novo, ou, então enlouqueceram sob as torturas dos Serafins & Companhia, ainda hoje carinhosamente tratados e bem-aproveitados pelos Srs. Liras, Imbassaís, Oliveiras Sobrinhos e outros.
Às vítimas do fascismo, ao heroísmo dos soldados, devemos todos a grande vitória que nesta data festejamos: a grande vitória das Nações Unidas sobre o nazismo e a possibilidade, ainda existente no mundo, de conservarmos a paz por período mais longo.
Mas é evidente que tanto esforço, tanto heroísmo, tanta coragem e desprendimento, tanto sacrifício não podem ser inúteis. Os nossos soldados morreram lutando contra o nazismo pela liberdade, pela paz, e pelo progresso, e também, não nos esqueçamos, pela independência, pela emancipação de nossa Pátria.
Trata-se agora de refletir maduramente sobre as causas da guerra e os erros dos estadistas, dos democratas, que naqueles anos de preparação guerreira tanto erraram repito, por displicência, por omissão, quanto, também — devemos confessá-lo — por covardia e egoísmo.
A própria vitória que hoje comemoramos dá-nos magnífica lição. Ela só foi possível devido à colaboração sincera de todos os povos e seus governos.
As necessidades da guerra mostraram ser possível aquilo que até 1941 se afigurava a muitos estadistas, a muitos democratas, algo de irrealizável. Refiro-me à colaboração do mundo capitalista com a parte já socialista da humanidade; à colaboração da Grã Bretanha, dos Estados Unidos, com a União Soviética, essa colaboração, pela qual lutou, durante anos seguidos, o representante da União Soviética na Liga das Nações: Litivinov.
«A paz — assegurava Litivinov — só é possível com a colaboração de todos. A paz é indivisível».
Era esse pacto de segurança coletiva, de todos os democratas, que poderia, talvez ainda, evitar a guerra.
A guerra, no entanto, criou as condições para tornar possível essa colaboração, a colaboração dos governos da Inglaterra e dos Estados Unidos, dos governos capitalistas com o governo socialista da União Soviética, aquela colaboração, aquela organização coletiva de segurança, a que se referiu Litivinov, pela qual lutou durante anos seguidos e que foi sempre combatida pelos Chamberlain, Laval, Daladier e pelos isolacionistas americanos. E é justamente esta colaboração dos povos amantes da paz, sobretudo das grandes democracias a única possibilidade de realmente ainda salvar a paz.
Nós, marxistas, estamos certos, estamos seguros — afirmamo-lo todos os dias — de que o imperialismo é a guerra e o capitalismo, enquanto existir, principalmente na sua forma moderna dos grandes trustes, dos grandes monopólios, leva, inevitavelmente, à guerra. Com os trustes e monopólios, a luta pelo mercado, pelas fontes de matéria prima e pela exploração dos países potencialmente ricos, mas ainda atrasados, os povos são levados a choques entre si e, inevitavelmente, à guerra.
Mas, senhores, se estamos disso convencidos, não negamos, no entanto, que depois da hecatombe cujo fim hoje comemoramos pela primeira vez, nesta ilustre Assembléia, existem no mundo condições para a paz, senão definitiva, senão permanente, pelo menos duradoura, para a paz mais longa do que a desejada por estes senhores dos trustes, dos grandes monopólios, que já hoje agitam o mundo, apresentam ou buscam pretextos de toda a sorte para dividir para desagregar o bloco das Nações Unidas e, particularmente, separar as três grandes democracias, as duas democracias capitalistas e a grande democracia socialista.
Mas para que essa paz, essa união seja possível, é indispensável, justamente, a fim de desarmar os provocadores de guerras, ocultos por detrás dos ditadores fascistas e que se aproveitam da derrota militar do nazismo, e realmente liquidar, moral e politicamente, o fascismo, é indispensável acabar com os focos fascistas, ainda sobrexistentes no mundo.
É necessário acabar também, senão da noite para o dia, que seria utópico, mas progressivamente, com as bases econômicas do fascismo, com as bases econômicas desse imperialismo que já atingiu ao ultra, ao super-imperialismo e leva inevitavelmente, ao fascismo e à guerra.
É o que os povos, já na França, na Checoslováquia, na própria Inglaterra, apesar das resistências naturais, vão conseguindo com a nacionalização de bancos, a nacionalização da indústria pesada, nacionalização das minas, com a marcha enfim, para a nacionalização das grandes empresas, das maiores empresas capitalistas, aquelas decisivas para a economia de cada povo.
Senhores, para realmente consolidar essa união, indispensável à paz, torna-se fundamental, como disse, a consolidação da democracia pela liquidação dos focos fascistas principalmente na Espanha e em Portugal; das forças fascistas poloneses que ainda ocupam o norte da Itália, dos exércitos nazistas, infelizmente ainda organizados na Alemanha, na zona ocupada pela Inglaterra, dos exércitos japoneses, ainda guardados como reservas para, na Ásia, serem jogados contra os povos coloniais da Indonésia, da Malaia, da Birmânia, que lutam por sua emancipação.
Senhores, para consolidar, realmente, essa colaboração das três grandes nações, de todas as nações amantes da paz, torna-se indispensável marcharmos para a realização efetiva da Carta do Atlântico, assegurando a todos os povos a independência, no verdadeiro sentido de poderem criar seus governos próprios, populares e nacionais. Estão, evidentemente, defendendo o fascismo, procurando pretextos para novas guerras aqueles, como Churchill, que, depois de tudo quanto fez à frente do povo inglês na luta contra o nazismo, se presta, hoje, a ser o porta-voz da reação no mundo inteiro. Deseja que o mundo pare, que o status quo não seja modificado e os povos continuem sofrendo a opressão imperialista, porque, para Churchill, cada povo que se liberta, cada povo que luta para sua emancipação tem, por detrás de si, o dedo da União Soviética.
O Sr. Plínio Barreto — Lendo os jornais de hoje, vê-se que Churchill, em seu discurso, procura defender a tese que V. Excia. está sustentando: uma união mais estreita entre a Inglaterra, os Estados Unidos e a Rússia para o estabelecimento de uma paz duradoura.
O Sr. Carlos Prestes — Agradeço o aparte de V. Excia., que vem justamente confirmar a situação difícil em que se encontram no mundo inteiro esses provocadores de guerras. Hoje, dizem uma coisa, mas, quando verificam a repercussão desagradável de suas palavras, voltam atrás.
V. Excia., por certo, não ignora o discurso, em Fulton, feito por Churchill, em que, falando, em tese, na união, na unificação dos esforços, na verdade, deseja, sempre que encontra um pretexto, buscar a divisão das Nações Unidas.
A tese de Churchill é a de que o mundo deve permanecer como se encontra; que os povos coloniais continuem oprimidos e explorados, porque em cada povo, que luta pela sua emancipação, descobre o dedo da União Soviética, do desmoralizado fantasma comunista.
Aqui mesmo, em nossa Pátria, a luta, as provocações contra o nosso Partido se sucedem. Os provocadores, porém, quando sentem que a democracia ainda se defende, que os democratas estão realmente alertados e que se levantam contra medidas arbitrárias, contra os protestos pueris para fechar ou acabar com a legalidade do Partido Comunista, silenciam ou voltam atrás e são os primeiros a falar em democracia, em liberdade para todos os partidos. É a mesma situação no quadro mundial para os provocadores de guerra. A situação é de fato difícil e, por isso, afirmamos existir possibilidade de paz no mundo. Tal possibilidade decorre do golpe tremendo que sofreu o imperialismo com a derrota dos exércitos nazistas, porque estes não vieram do nada; surgiram com a ajuda dos grandes trustes ingleses, americanos e franceses que prestigiaram Hitler, como gendarme da Europa, para ser atirado contra a pátria do socialismo e contra o proletariado revolucionário do mundo inteiro.
A derrota do nazismo foi um golpe para o imperialismo, e os povos da Europa criam, nos dias de hoje, seus governos próprios, realmente democráticos e populares. O proletariado, no mundo inteiro, realiza, na prática, pela primeira vez, de maneira efetiva, as grandes palavras de Marx:
«Proletários de todos os Países, uni-vos».
O proletariado de todos os países livres da Inglaterra, da América, da França e da União Soviética na monumental Conferência de agosto e setembro do ano passado, unificou-se na grande Federação Mundial de Sindicatos que abrange, nos dias de hoje, cerca de 70 milhões de trabalhadores, organização que os policiais do Sr. Lira e a sua imprensa chamam de espúria. Essa organização, no entanto, foi fundada pelo operariado de todo o mundo.
A força do proletariado e da democracia torna, sem dúvida, difícil a tarefa dos provocadores de guerra, que estão atentos e procurando pretextos, criando casos, dia a dia, para manter este estado de alarma e estabelecer a cisão, a separação das grandes nações.
Ninguém mais do que nós folgará de ver Churchill renegar seu discurso de Fulton, ele que lutou eficientemente com toda a energia e deu provas, durante a guerra, de que se estava batendo pela organização efetiva da paz universal, pela união de todas as nações democráticas e, principalmente, pela colaboração das três grandes democracias, colaboração indispensável para que, nos dias de hoje, os países possam existir. A cisão dessas três grandes potências será a guerra no mundo inteiro, pois esta hoje não poderá ser parcial.
O Sr. Plínio Barreto — Parece-me que V. Excia. é um pouco severo quando atribui a Churchill a posição de provocador de guerra. Ele está procurando, no seu modo de ver, muito patriòticamente, a defesa do Império Britânico, realmente ameaçado.
O Sr. Carlos Prestes — A defesa do Império Britânico! A defesa do imperialismo britânico, da permanente exploração dos povos coloniais. Fala-se muito da democracia britânica, mas que democracia é essa, quando 40 milhões de ingleses, vamos dizer, oprimem 400 milhões de indianos que lutam pela sua emancipação? Isso é que é defesa do Império? É a isso que Churchill chama de defesa do Império Britânico?
O Sr. Plínio Barreto — Esta política imperialista esta sendo amplamente modificada pelo governo da Inglaterra.
O Sr. Carlos Prestes — Até hoje nada vimos de prático; as palavras são muito interessantes, mas não basta.
Ainda hoje, os jornais fazem alusão à retirada de tropas inglesas do Egito. Até onde irão essas medidas? Precisamos verificá-las na prática. Até onde irão os ingleses em suas promessas de que o povo indiano possa ter direito de instituir seu próprio governo?
Esse problema é para todos nós, brasileiros, de grande importância. Sentimos bem o que seja a opressão e a expiração do capitalismo estrangeiro em nossa pátria.
O Sr. Segadas Viana — Ainda hoje, os jornais se referem ao Conselho das Nações Unidas que ainda não recebeu comunicação oficial da retirada das tropas soviéticas do Irã.
O Sr. Carlos Prestes — As tropas foram retiradas; os jornais de anteontem já faziam esta comunicação. A questão do Irã foi uma dessas provocações de guerra, mas houve um acordo entre os governos do Irã e da União Soviética. Apesar do acordo, os provocadores de guerra levaram a questão para o Conselho de Segurança, questão aliás, que está em discordância com as próprias regras a serem seguidas naquele Conselho. Seria a mesma coisa se levássemos para lá a questão das bases brasileiras, ocupadas pelas tropas americanas, quando o Governo brasileiro nada tivesse reclamado.
O Sr. Gabriel Passos — A política da Rússia, aproximando-se das fontes de petróleo, não é também uma política imperialista, da maneira por que se está desenvolvendo? O imperialismo não é uma questão de aproximação das fontes de matéria prima?
O Sr. Carlos Prestes — O imperialismo, o capital financeiro que necessita de mercados, na União Soviética não existe. O capital está socializado.
O tratado da União Soviética com o Irã é diametralmente oposto a todo tratado de exploração dos povos, porque o tratado da União Soviética é no sentido de explorar petróleo em igualdade de condições com o Irã.
Assim, quem emprega capitais é a Rússia, ficando o Irã com a metade do petróleo extraído. Compreende-se que esta é, realmente, uma ótima exploração.
Imperialismo é o capital financeiro, procurando explorar os outros povos. A União Soviética só tem lutado, até hoje, pela libertação dos povos. Quando Kemal Pachá, na Turquia, quis a industrialização do país, foi à Rússia que pediu ajuda, para obter empréstimo sem juros, recebendo maquinaria e técnicos para desenvolver a indústria.
Sabemos bem quais as condições em que é colocado o capital em nossa Pátria e em todos os países coloniais e semi-coloniais. Sem dúvida, há sempre um lado progressista. Empresas como a Light trazem sempre algum progresso, não podemos negá-lo; mas esse não é o aspecto fundamental da questão, porque o capital estrangeiro é que vem deformar nossa economia, sugando, de maneira premente, o sangue, o esforço do nosso povo, não permitindo, de fato, o desenvolvimento da economia nacional.
Observemos nossa agricultura, por exemplo. É ela, por acaso, orientada segundo os interesses dos brasileiros, no sentido, realmente, de nossa economia? — Não, Senhores porque o interesse do povo estaria em produzirmos trigo e não café. Mas o café é que interessa aos banqueiros, que ficam com o ouro dele resultante e ganham, também, através do trigo que exploram e que importamos.
Um Sr. Representante — Na Rússia, sofrem vexames iguais.
O Sr. Carlos Prestes — É um equívoco de V. Excia.
Apesar de toda a campanha contra a União Soviética, nos dias de hoje, conhecemos o que é a luta na Ásia Menor, Arábia, Egito, Indonésia, Malásia e Birmânia. Não há quem afirme que, na Romênia, Polônia e outros países, os povos estejam, por acaso, lutando contra a União Soviética. Ao contrário, estão recebendo ajuda da Rússia, para o desenvolvimento da sua economia. Foi com o auxílio dos soviéticos que o povo polonês conseguiu fazer, agora, a reforma agrária, dividindo com o povo latifúndios que pertenciam a um só senhor feudal e que, hoje, estão nas mãos de milhares de camponeses. Essa, a atuação da União Soviética; e é por isso que os homens do capital, os elementos mais reacionários do capitalismo se levantam contra ela. Mas não conseguem, nem mesmo nas fronteiras da Rússia, criar uma luta que de longe se assemelhe com a que se trava na Indonésia, Índia, Birmânia, Malásia, Egito e Ásia Menor, nem à própria luta na Grécia, que não está sob o domínio russo, mas sob a pressão da bota do imperialismo inglês.
O Sr. Gofredo Teles — V. Excia. permite um aparte?
O Sr. Carlos Prestes — Pois não.
O Sr. Gofredo Teles — Estou ouvindo com o máximo interesse o discurso de V. Excia.; entretanto, devo dizer que a questão está colocada de modo completamente errado.
O Sr. Carlos Prestes — É a opinião de V. Excia.. que, certamente, virá à tribuna defender seu ponto de vista.
O Sr. Gofredo Teles — Ninguém negará que a questão se divide em dois campos — o dos espiritualistas e o dos materialistas; e podemos estar certos de que, com a vitória do materialismo no mundo, nunca haverá união, porque a matéria separa os homens — só o espírito os une.
O Sr. Carlos Prestes — Agradeço o aparte. Trata-se, porém, de discussão filosófica, para a qual o momento não me parece oportuno. Creio que V. Excia. está completamente equivocado a respeito do que seja materialismo marxista, dialético. O materialismo de que fala o nobre colega não significa, evidentemente o materialismo vulgar de que somos acusados; porque, Senhores, não são os comunistas que vivem nos cabarés e cassinos; os comunistas, quando não estão trabalhando, estão sofrendo no fundo do cárcere! Materialistas gozadores são os homens de grandes capitais, ricos; não os pobres operários e trabalhadores! Não se trata desse materialismo; V. Excia. está equivocado.
O Sr. Aureliano Leite — Também há idealismo no materialismo.
O Sr. Carlos Prestes — Trata-se do materialismo filosófico.
O Sr. Gofredo Teles — Então é, também, filosofia.
O Sr. Carlos Prestes — Repito; o momento não é oportuno para tal discussão. Peço aos nobres colegas licença para continuar.
Senhores: Nessa luta pela paz, pela colaboração das Nações Unidas, pela unidade, principalmente das três grandes democracias, cada povo estará vigilante na defesa da democrata em sua própria pátria. O fascismo foi derrotado, mas, infelizmente, subsistem aqueles focos a que já me referi. Esse fascismo ainda existe, ainda existe vivo e claro. Reacionários e fascistas declarados ainda ocupam postos de importância no aparelho estatal. Essa é a verdade dura, a realidade em nossa Pátria. E são esses elementos que se voltam contra o proletariado e as liberdades democráticas, tudo fazendo para arrastar os governantes, sobre os quais exercem pressão, justamente devido aos postos que ocupam. Alguns são militares e ainda comandam tropas. Mas, Senhores, faço uma ressalta: — Ninguém mais do que eu reconhece, em nosso Exército, nas nossas forças armadas o seu caráter profundamente democrático. O Exército Brasileiro — creio que já disse desta tribuna — é dos mais democráticos do Continente. Mas não podemos também negar, que, dentro dele, ainda existem alguns fascistas impenitentes, homens que ainda não se conformaram com a derrota do fascismo e que se utilizam dos postos que ocupam para, falando em nome do Exército, pressionar autoridades débeis e vacilantes a fim de lançá-las contra o povo e a democracia em nossa Pátria.
O Sr. Bastos Tavares — O Presidente da República é general do Exército Brasileiro.
O Sr. Carlos Prestes — Sei disso; e, ainda hoje, terei ocasião de citar palavras do General Gaspar Dutra contrárias a provocações da natureza das que se vêm sucedendo em nossa Pátria, durante os três meses de seu governo.
Senhores: como fotografia desse resto do fascismo, tivemos ainda há poucos dias, a vergonha do 1.º de Maio deste ano. Essa data, que, em nossa Pátria, deveria ser de festa para o proletariado, um grande dia de vitória da Democracia, pois, pela primeira vez se comemorava a data dos trabalhadores em paz, depois de uma guerra terrível, livre, já, da ditadura, e com esta Assembléia funcionando, trabalhando para que tenhamos uma Constituição realmente democrática — o que foi o 1.º de Maio deste ano em nossa Pátria? — Foi um 1.º de Maio de provocações, que a Polícia tentou utilizar para um golpe sobre as organizações operárias e particularmente contra o Partido Comunista! Foram os tanques na rua, as metralhadoras, os transportes embalados, o Governo parecendo tremer de medo ante um proletariado pacífico, um povo ordeiro como o nosso, que demonstrou seu espírito de ordem, seu desejo de paz, nesse mesmo 1.º de Maio.
Em Recife, foi para a praça pública e o Governador interino do Estado — honra lhe seja feita — não quis metralhar o povo; permitiu a realização de um comício de mais de duzentas e cinqüenta mil pessoas que, organizadamente, em perfeita ordem, ouviram e aplaudiram os seus oradores, e, posteriormente, se retiraram para casa, sem de forma alguma abalar as instituições ou tentar qualquer golpe contra o governo. E isso em Recife, onde o proletariado é, sem dúvida, de grande entusiasmo, de grande força e tem como que dentro do coração a gloriosa tradição do povo de Pernambuco.
A prova de Recife, Senhores, mostra quanto foi injustificada, inepta — permitam-me a expressão — a atitude da polícia particularmente da Capital da República, da polícia de São Paulo, dos interventores do Rio Grande, de Minas Gerais, do Pará, e de outros Estados, contra as manifestações populares, contra as expansões cívicas do proletariado.
Tenho em meu poder uma série de telegramas, de documentos de protesto do Brasil inteiro.
Possuo alguns em mão. De Itabapoama, no Estado do Rio de Janeiro, recebi o seguinte: (Lê)
«Levamos conhecimento bancada comunista delegado município proibiu representante comitê municipal fazer uso alto-falante cidade dia 1.º Maio tendo recolhido cadeia secretário organização e instaurado contra o mesmo processo de desacato. Pela devolução de nossa bases. Comitê Municipal de Bom Jesus de Itabapoama».
De Santos, onde as arbitrariedades atingiram ao auge, empregando-se, inclusive a pata de cavalo e o chanfalho, contra o proletariado que ia comemorar o 1.º de Maio. Dizem o seguinte:
«A célula comunista da Estiva de Santos, traz a esta bancada o nosso protesto contra arbitrariedades cometidas pleno primeiro de Maio contra o povo de Santos Praças José Bonifácio e República pisando-o a patas de cavalo. Incompatível com a era vivemos protestam contra fechamento da União Geral dos Sindicatos de Santos que abriga seu seio 37 sindicatos. Saudações comunistas — Ari da Silva Souza».
«Camarada Prestes a célula da Estiva de Santos do Partido Comunista do Brasil pede-lhe faça alvo o nosso protesto na Câmara contra arbitrariedades cometidas pela polícia do Senhor Oliveira Sobrinho, pisando com cavalos pleno Primeiro de Maio o povo e contra o fechamento da União Geral dos Sindicatos que abriga em seu seio trinta e sete sindicatos. Metralhadoras postadas navio «Mar Caribe» já tombaram um companheiro. Saudações comunistas. — Ari da Silva Souza».
De Belém do Pará, também protestando contra as arbitrariedades da polícia. Telegrama de Porto Alegre:
«Abaixo assinados, moradores Porto Alegre protestam veementemente contra medidas reacionárias proibindo manifestações dia do trabalhador».
De Campos, no Estado do Rio de Janeiro. De São Paulo De outras cidades, tenho aqui telegramas de protesto, pelo mesmo motivo.
O Sr. Artur Fischer — Quanto ao Rio Grande do Sul, peço permissão para contestar. Estive presente e verifiquei. Foi uma das maiores manifestações operárias de 1.° de Maio.
O Sr. Carlos Prestes — Está aqui o telegrama que acabei de ler.
O Sr. Artur Fischer — Não é exato. Posso afirmar que não é verdade, porque estive presente.
O Sr. Carlos Prestes — Verificaremos. Os jornais disseram que não houve manifestações.
Estive em Recife no dia 1.º de Maio e pude verificar a indecisão do próprio Governo. O que houve, foi um telegrama-circular, para todo o País, não da Presidência da Republica, não do Ministro da Justiça, nem mesmo do Chefe de Polícia, Sr. Pereira Lira, mas do Delegado de Ordem Social, Sr. Imbassaí, aos Delegados da Ordem Social dos Estados, comunicando que estavam proibidos os comícios, e as passeatas, sem dizer de ordem de quem, nem até onde ia a proibição.
As autoridades mais vacilantes, mais medrosas, se submeteram. Homens um pouco mais corajosos, porém, como o Sr. Interventor da Bahia, resolveram deixar de lado o telegrama e permitir a manifestação. Em Recife só se realizou porque, apesar da proibição policial, proclamada pelo rádio de 5 em 5 minutos, às 3 horas da tarde, mais de 100.000 pessoas estavam no Parque 13 de Maio, e o Interventor, naturalmente humano, incapaz de mandar atirar contra o povo, resolveu o mais acertado: voltar atrás e permitir a realização do comício, coisa, que devemos, sem dúvida, aplaudir, porque os estadistas quando cedem ao povo só se engrandecem.
É justamente neste momento, Senhores, quando passamos por um 1.º de Maio vergonhoso, que se usa novamente daquela velha linguagem de 1937, a mesma linguagem dos tempos do Plano Cohen, que naquela época, durante todo o ano de 1937, estava em preparação, senão já guardado na gaveta dos que o utilizaram para liquidar a democracia. E esses restos de fascismo em nossa Pátria, ligados naturalmente a grandes empresas imperialistas; esses provocadores de guerra no mundo inteiro, o que desejam, o que sentem necessário, como primeiro passo, para a liquidação da democracia, é a exemplo de 37, manter a luta contra o comunismo, extinguir o partido Comunista. É a linguagem que se repete em ondas, em vagas que são silenciadas pela reação popular, pela atitude digna dos democratas, inclusive dentro desta Assembléia, que soube reagir à altura contra todas as provocações à vida legal do Partido Comunista.
O momento, Senhores, é oportuno e solene para solicitar a atenção de todos os democratas sobre o que se prepara por trás dessa linguagem policial anticomunista, linguagem que se vem repetindo em ondas, e em vagas cada vez mais altas, porém detidas pelo povo, pelos democratas, mas que poderão vencê-los adiante, se os democratas não se souberem unir para lutar pela democracia.
E a esses democratas sinceros que nos dirigimos, aproveitando justamente a solenidade desta sessão, na data em que homenageamos aqueles que se sacrificaram na luta contra o nazismo, em prol da liberdade, da paz, da democracia, da emancipação da nossa Pátria; a esses democratas pedimos recordem o que foi preparação do golpe funesto de 10 de Novembro de 1937. Basta, Senhores, consultar os jornais do ano passado, para se ver o que foi a preparação desse golpe fascista.
Permitam-se ler somente algumas palavras do próprio General Góis Monteiro. Em entrevista ao «Correio da Noite», a 6 de Março de 1945, S. Excia. confessa o que foi o Plano Cohen.
E outras entrevistas a jornais que estão aqui e podem ser consultados pelos Srs. Representantes, como «O Globo», «Correio da Manhã», «O Jornal», o Sr. General Góis Monteiro declara que, já em Janeiro de 37, o plano a ser executado em 10 de Novembro estava preparado. E S. Excia. pode falar de cadeira.
Neste recorte do «Correio da Noite», diz S. Excia. a respeito do Plano, infelizmente em 45, quando a ditadura já estava no ocaso:
«Também não foi o Estado Maior quem autorizou a publicação de um documento apócrifo, que lhe chegou ao conhecimento — como inúmeros outros que lá vão ter e, como é natural, não têm divulgação, ainda que sejam identificadas as suas origens».
E concluindo:
«Ao contrário, ao verificar que esse documento estava sendo difundido, interví para cessar a divulgação, alegando que o Estado Maior, não se poderia responsabilizar pela autoria do documento e, mesmo que soubesse a sua origem, teria que mantê-la em sigilo. Mais tarde passado mais de um ano, o Estado Maior adquiriu a certeza da procedência do documento, o qual era integralista e não comunista.»
Isso declarou o General Góis Monteiro em entrevista ao «Correio da Noite», e em outras entrevistas, em série, que deu a «O Jornal», e outros periódicos desta Capital.
Além disso, também, se manifestaram o Gal. João Guedes da Fontoura, no «Diário da Noite», de 17 de Março de 45; o Sr. Pedro Aleixo, em «O Globo», de 13 de Março de 45, o General João Gomes, no «Correio da Manhã», de 10 de abril de 45. Todos depuseram sobre a origem do Plano Cohen e da campanha anticomunista, de toda aquela luta contra o chamado fantasma, o perigo comunista, que agora se tenta reviver em nossa Pátria, graças à energia, à atividade dos Srs. José Carlos de Macedo Soares, do Sr. Oliveira Sobrinho, dos Srs. Lira, dos Srs. Imbassaí e de mais alguns que procuram arrastar o Governo em aventuras desastrosas para a reação, contra o povo.
O Partido Comunista, Senhores, é um Partido político e luta, evidentemente, pela maioria. É um direito que tem, como Partido político, de lutar para alcançar o poder. Como usar esta linguagem de legislação para contrariar, ou para impedir a expansão do comunismo?! Pois, Senhores, qual o partido que não luta pelo poder? Qual o partido que não deseja alcançar a maioria?
Trata-se, exclusivamente, de métodos a empregar, e nós nos estamos utilizando dos métodos democráticos. É um direito que ninguém nos pode negar, a não ser um Hitler, a não ser a tirania nazista, que impediu o homem de pensar, ou uma ditadura como a do Sr. Getúlio Vargas, em que somente um homem podia pensar.
Ora, se temos o direito de defender nossas idéias, de lutar por elas, temos o de alcançar a maioria e de lutar pelo poder, como já reconheceu o próprio Sr. Gaspar Dutra, Excelentíssimo Presidente da República, como se vê da carta que passo a ler:
«Rio de Janeiro, 17 de Abril de 1945. — Prezado ilustre amigo comandante Atila Soares. Estou de posse de sua carta de 13 do corrente, que reputo, pelo seu conteúdo tranqüilizador, um documento altamente significativo, neste grave instante nacional, de confusão e sobressalto.
Não precisarei repetir-lhe os meus propósitos de assegurar a restauração democrática num ambiente de ordem, serenidade e amplas garantias públicas, dentro das minhas atribuições funcionais.
Como candidato, só me anima o desejo de servir ao Brasil, fiel aos ditames da minha consciência de cidadão, apoiado nos dados da minha experiência no trato dos negócios do Estado e ainda sob as inspirações doutrinárias das forças políticas que me levarão às urnas, sob a organização partidária ora em elaboração.
Ao lado desses compromissos de honra, de consciência e de princípios, bem compreendo que no mundo inteiro, ao impulso dos sofrimentos espalhados pela guerra, dos sacrifícios vividos pelos combatentes, e à luz de novos elementos em jogo dos problemas humanos, uma reforma geral se anuncia no campo da organização social e política dos povos.
Diante de tais fatos, a minha posição, presentemente, em face do comunismo, posso manifestar ao ilustre amigo, com absoluta franqueza e sinceridade, é a única que julgo lícita a qualquer homem com responsabilidade na vida pública nacional: reconheço-lhe o pleno direito de existência legal.
Que se organize, que viva como qualquer outro partido, disputando eleitoralmente a sua supremacia, e procure, por meio dos seus representantes, influir na vida administrativa e política do País.
Este o ponto de vista em que me coloco, e que defenderei enquanto os comunistas mantiverem entre nós a linha de conduta que hoje assumem, de renúncia aos processos violentos e de acatamento às autoridades constituídas, (a) Eurico Gaspar Dutra».
Temos, assim, o direito de lutar, legalmente, para realizar essas idéias, esse programa do Partido Comunista, reconhecido como sociedade civil e registrado nos tribunais eleitorais.
O Sr. Segadas Viana — Folgo em ouvir V. Excia. declarar que deseja, pelos meios democráticos, alcançar as posições políticas...
O Sr. Carlos Prestes — Repto V. Excia. a assinalar um só fato, indicando não ser pelos métodos democráticos que o Partido Comunista tem procurado alcançar as posições.
O Sr. Segadas Viana — ... porque dois autores, que V Excia. conhece e têm grande simpatia pela Rússia — Beatriz Webb e seu esposo — informam que, na Rússia, existe um delegado governamental em todas as oficinas de impressão, porque, enquanto o povo está ignorante, é preciso que só seja tornada pública uma orientação consentânea com a do Partido Comunista, para evitar que outras idéias se expandam no País. É isso o que está, creio, no primeiro volume, escrito por aqueles autores.
O Sr. Carlos Prestes — É possível que V. Excia. esteja enganado.
O Sr. Segadas Viana — Não estou.
O Sr. Carlos Prestes — Confesso a V. Excia. que não é oportuno o momento para desmascarar calúnias contra a Rússia. Quanto ao Brasil, o Partido Comunista está empregando meios legais e democráticos para fazer a propaganda de suas idéias e organizar o povo para a luta eleitoral. Essa a nossa posição e do nosso Partido.
Somos socialistas, lutamos pela completa emancipação do homem, pela negação completa da exploração do homem pelo homem, mas, sendo socialistas, não pretendemos, por forma alguma, nem hoje, com não pretendíamos em 1935, apesar de havermos sido condenados por isso, implantar o socialismo da noite para o dia. Somos materialistas, somos objetivos e sabemos que se não implanta o comunismo, nem o socialismo, da noite para o dia. Comunistas, lutamos pela negação dessa situação de miséria atual, mas essa negação só poderá ser construída com os materiais de que dispomos.
Hoje, no Brasil, o fundamental, o essencial é lutar contra esse atraso, que são todos esses restos feudais, para abrir perspectivas ao desenvolvimento rápido e decisivo da economia nacional, da economia capitalista. O proletariado, num país como o Brasil, sofre mais dessa miséria, desse atraso do que, propriamente, da exploração capitalista.
O Sr. Segadas Viana — Permita-me V. Excia. mais um aparte. Estou de acordo com V. Excia., quando diz que não estamos nessa sessão para desmascarar invenções sobre a Rússia. Estamos aqui, sim, para prestar homenagem à Força Expedicionária Brasileira, para nos congratularmos com as Nações Unidas, sem explanações doutrinárias.
O Sr. Carlos Prestes — Estamos prestando à memória dos nossos mortos de Pistóia e a quantos se sacrificaram na luta contra o nazismo a melhor de todas as homenagens, qual a de alertar aos sinceros democratas na defesa da Democracia, da expansão e independência da nossa Pátria, porque foi por isso que morreram os nossos soldados, aviadores e marinheiros. (Muito bem).
Senhores, não há portanto, razão de ser para esta campanha sistemática, contra o Partido Comunista, contra o comunismo em geral. Uma idéia não se combate pela força, pela violência, pelas medidas policiais. (Muito bem) Cremos que isto se acha suficientemente provado pela própria experiência da ditadura. Não foram nove anos de opressão, de terror, durante os quais a Polícia me manteve em situação de isolamento completo, total, que conseguiram modificar as minhas idéias. Uma idéia se combate com outras idéias. As idéias não podem ser esmagadas, nem eliminadas. Só podem ser substituídas.
O Sr. Sousa Leão — V. Excia. entretanto, quando saiu da prisão, foi para apoiar a ditadura, que realmente o deteve.
O Sr. Carlos Prestes — Há equivoco de V. Excia.
O Sr. Souza Leão — É notório.
O Sr. Carlos Prestes — Não saí da prisão para apoiar a ditadura, mas para lutar contra os golpes, contra a substituição violenta de homens no poder, porque, para nós Democracia não é dar simples golpes de estado e homens, substituir por exemplo, o Sr. Getúlio Vargas por um magistrado, ou por um general qualquer. Isso não é Democracia. Democracia é lutar para que o povo intervenha realmente na vida pública, se eduque politicamente pelas próprias atividades políticas; e, através de processos democráticos, queira de fato, substituir os homens de governo.
Na verdade, lutamos contra os golpes; lutamos contra todos aqueles que, certa ou erradamente, pensavam ser meio de acabar a ditadura o substituir o Sr. Getúlio Vargas arbitrariamente, por um golpe de generais preparado por oficiais no Quartel General.
Isso não é Democracia — substituir um ditador por outro.
Foi bastante o Sr. José Linhares governar três meses para se verificar que um magistrado, quando é ditador, mostra-se igual a qualquer outro ditador.
O Sr. Piza Sobrinho — Sem o golpe, o Sr. Getúlio Vargas sairia do governo?
O Sr. Carlos Prestes — É difícil, em política, fazermos hipóteses.
A verdade é que nosso povo lutava e luta, pela Democracia. O Senhor Getúlio Vargas, de forma alguma, poderia deixar de realizar as eleições a 2 de Dezembro. Não tinha força para isso. O pleito se processaria e, se a União Democrática Nacional não se tivesse preocupado tanto com os golpes, se olhasse mais para o processo eleitoral, e fosse, efetivamente, tratar da organização de suas forças, talvez, as eleições de dois de Dezembro não lhe tivessem trazido a dolorosa surpresa que, desta tribuna, foi confessada.
O Sr. Souza Leão — Se o Senhor Getúlio Vargas houvesse concordado em convocar a Constituinte, dando um golpe, V. Excia. estaria com o ditador.
O Sr. Carlos Prestes — A Constituinte foi convocada pelo Ministro José Linhares.
Lutávamos para que se convocasse a Constituinte e se realizassem as eleições a dois de Dezembro, ou mais tarde, porque éramos de opinião que o pleito, realizado com mais tempo, representaria melhor a manifestação do nosso povo.
Senhores, em política, consideramos que os homens têm grande importância, mas eles não são decisivos. Os acontecimentos criam os homens: estes, porém, não fazem o que querem. O próprio Sr. Getúlio Vargas, para ficar no governo durante quinze anos, teve de adaptar-se, muitas vezes, às circunstâncias. E ai está sua habilidade de estadista — ter sabido adaptar-se às circunstâncias. Os governantes não fazem o que querem. Se o Sr. Getúlio Vargas conseguiu manter-se no poder durante quinze anos, foi porque teve de ceder ao povo e deixar que se processassem as eleições, de qualquer maneira; do contrário, viria abaixo, como, realmente, veio.
Por isso, lutamos e desmascaramos esses provocadores anticomunistas. Usam a mesma linguagem de 1937. Por trás dessas provocações, estão as mesmas intenções. O golpe contra o Partido Comunista será o primeiro de uma série que terminará no aniquilamento da Democracia em nossa Pátria. Não há exagero em dizermos que, nessa luta contra o comunismo, mesmo nessa que já agora foi modificada, o que há é este ratinho, saído da montanha de provocações: nada mais do que um art. 177, em nova forma, porque, pelo que dizem os jornais, e também os homens de governo, o que se deseja é expulsar dos postos de confiança, dos cargos do funcionalismo público, do Exército ou de outros, todos quantos, a critério das autoridades superiores, forem considerados comunistas. É a perseguição, é o art. 177 da Constituição sob nova forma. Nada mais do que isso. É o filhotismo a ressurgir, porque, se um desses senhores quiser um cargo, será muito fácil acusar de comunista aquele que o ocupa no momento atual. É contra isso que alertamos a Casa, é para isso que chamamos a atenção de toda a Nação. O partido, como partido político, luta e continuará lutando pela sua vida legal. Tem tanto direito a isso quanto qualquer outro partido e a legislação é clara. Aqueles que quiserem que o Partido Comunista desapareça do ambiente político de nossa pátria precisam provar aquelas duas restrições da legislação eleitoral: as relações diretas com o estrangeiro, o recebimento do «ouro de Moscou» ou as atividades subversivas do Partido.
O Sr. Jales Machado — V. Excia. não reconhece ao partido fascista o mesmo direito de lutar pelos seus ideais?
O Sr. Carlos Prestes — Não reconheço esse direito ao partido fascista, porque seria o suicídio da democracia permitir em nome da democracia, em abstrato, a vida do fascismo. Os nossos soldados lutaram e morreram para que o nazismo e o fascismo fossem aniquilados. O fascismo é o retrocesso, é a volta à Idade Média, à reação, à brutalidade à exploração. Como deixar liberdade para isso? Seria verdadeiro suicídio. A idéia fascista, ninguém a poderá retirar da cabeça dos fascistas. Os fascistas são fascistas. O governo pode afastar esses fascistas impenitentes dos postos que ocupam, desde que estão realmente prejudicando a nação, porque, para se manterem em seus cargos, para defesa das posições, começam por aniquilar a democracia. O fascismo não pode sobreviver em regime democrático.
O Sr. Jales Machado — V. Excia. acaba de dizer que não se arranca uma idéia pela força.
O Sr. Carlos Prestes — Perfeitamente. Mas não se trata de arrancar idéia; trata-se de arrancar os fascistas dos postos que estão ocupando. Não nos iludamos que seja possível a um fascista deixar de ser fascista; é sempre fascista e impenitente. Agora, se é fascista, que não venha perturbar a marcha da democracia em nossa pátria, que seja afastado da posição, do posto de confiança que ocupa, para não fazer o que está fazendo contra a democracia. Por exemplo: esse Coronel fascista que está na Delegacia da Ordem Política e Social, que manda telegrama proibindo comícios e passeatas sem dizer por ordem de quem. Cabe ao governo tomar medidas para impedir essas perturbações da ordem, para evitar que esses inimigos da Democracia continuem perturbando a marcha da democracia e afastando o povo do governo, justamente no momento em que este mais necessita do apoio do povo para resolver os graves problemas da hora presente. Por isso, somos contra o fascismo. Não ternos a ilusão de arrancar a idéia do fascista, mas o fascista pode ser arrancado dos postos de importância, principalmente quando ocupando postos de confiança no governo.
O Sr. Bias Fortes — V. Excia. está revelando que não é democrata.
O Sr. Carlos Prestes — Nossa democracia é democracia objetiva, democracia para o progresso de nossa pátria, democracia para que o povo possa realmente gozar do direito de reunião. Não é democracia em que os fascistas ocupem postos de importância para impedir que o povo goze da democracia. Democracia é governo em benefício da maioria e não de uma minoria de fascistas ou de elementos que ocupam postos de importância para defender os interesses das nações imperialistas e do capital estrangeiro.
O Sr. Dantas Júnior — Isso é democracia de um partido só.
O Sr. Carlos Prestes — Não é democracia de um exército, com soldados brasileiros, sob o comando de oficiais partido só. É outra questão. Não se trata de democracia burguesa. Na Rússia há democracia socialista. Veja bem. O que é partido político? É organização para defesa dos interesses de uma classe ou de uma camada social.
Na União Soviética não há condições econômicas ou sociais que permitam a existência de outros partidos, porque lá só existe o proletariado. Os senhores podem acusar a União Soviética do que quiserem, mas lá não encontrarão um burguês, um explorador das massas.
O Sr. Osório Tuiutí — Estou ouvindo o discurso de V. Excia. com todo o acatamento, mas peço permissão para dizer que V. Excia. está desvirtuando completamente o sentido desta sessão, prevalecendo-se da tribuna para fazer a defesa de suas idéias e a propaganda do Partido Comunista. (Palmas).
O Sr. Carlos Prestes — Senhor Deputado, estou no gozo de um direito, prestando homenagem aos nossos mortos, defendendo a democracia, pela qual lutaram e morreram. (Muito bem).
Quanto ao sentido do debate, a culpa não é minha, porque respondo aos apartes e às intervenções dos ilustres colegas.
Senhores, o motivo principal da campanha contra o comunismo, é, internamente, salvar as posições dos fascistas, porque os fascistas sabem e sentem que não poderão manter-se nessas posições à medida que a democracia progredir, e, daí, os golpes de todas as formas que tentam contra a democracia; salvar os lucros extraordinários; espoliar cada vez mais o povo; salvar os interesses das grandes empresas imperialistas, como a Light, a Leopoldina e outras. E o motivo externo é a tendência, a preocupação, o desejo de arrastar nossa pátria como país submetido, colônia muito própria a fornecer soldados para as aventuras guerreiras do imperialismo.
Não é por acaso que as bases militares — pese aos desmentidos oficiais — continuam nas mãos dos imperialistas, como ainda hoje confessa um dos Subsecretários do Departamento de Estado. E ainda ontem os jornais desta Capital publicaram o projeto apresentado pelo Presidente Truman sobre a cooperação militar no continente. É a doutrina de Monroe essencialmente defensiva, transformada em ofensiva. É o bloco pan-americano que ressurge em flagrante desrespeito à Carta de São Francisco, que fundou a Organização das Nações Unidas. É repto evidente do governo norte-americano à unidade mundial e particularmente à colaboração das três grandes potências. Esse bloco pan-americano põe em perigo a paz no hemisfério e no mundo, levanta suspeitas na Grã-Bretanha e na URSS, que são outros dois grandes elementos no Conselho de Segurança. Para que os Estados Unidos necessitam dessa organização militar, de todo o continente, senão para enfrentar as duas outras grandes potências?
Coloca ainda, sob o domínio norte-americano, países como o nosso, ainda atrasados, sem indústria pesada. As nossas forças armadas passarão à categoria de elementos submissos às forças norte-americanas. É inevitável. Pela maneira por que está sendo projetado nos Estados Unidos esse bloco pan-americano, essa organização militar do continente, visa ele colocar nossas forças armadas, frente ao exército ultra-moderno dos Estados Unidos, nas condições — tomadas as devidas proporções — de nossas polícias estaduais frente ao Exército nacional. E, mais dia, menos dia, teremos o nosso Exército, com soldados brasileiros, sob o comando de oficiais norte-americanos. É esse o caminho, é essa tendência do imperialismo yankee. Estamos alertando: Ninguém mais do que nós deseja que isso não se realize, e lutaremos contra tal coisa. Mas hoje, mesmo o Ministro da Marinha chega a declarar-se muito satisfeito com o projeto do Presidente Truman, de submissão completa das nossas forças armadas às norte-americanas. É a tese defendida pelo Presidente Truman em sua carta ao Parlamento americano.
O Sr. Toledo Pisa — Não será com o mesmo objetivo que a União Soviética está reunindo em torno de si os estados balcânicos?
O Sr. Carlos Prestes — Chamo a atenção dos Srs. Constituintes para essa tendência de formação de um bloco no hemisfério, não para defesa, porque ninguém nos ameaça, mas para o ataque.
É para se conseguir tudo isso que se deseja liquidar a democracia, a começar pelo fechamento do Partido Comunista, pelas perseguições às organizações operárias, pela campanha contra os comunistas. Nós, democratas e comunistas, aproveitamos a solenidade de hoje, para, homenageando as vítimas do fascismo, rendendo nosso preito de gratidão a todos que souberam lutar pela paz, declarar que prosseguiremos inabaláveis na luta contra o fascismo, pela sua completa e efetiva extinção da face da terra, para ampliação, garantia e consolidação da democracia em nossa pátria. Para essa luta chamamos todos os homens dignos — homens e Partidos — dispostos a marchar com todos que queiram, de fato, defender a democracia.
Sabemos o quanto é grave o momento que atravessamos e difícil a solução dos problemas nacionais. Esses problemas, no entanto, precisam ser resolvidos com urgência, porque o povo não pode morrer de fome e as brutalidades policiais só nos podem levar ao caos e à guerra civil. Ainda são possíveis, no entanto, soluções pacíficas e democráticas. É para alcançá-las, que estamos prontos a apoiar o governo, a colaborar com ele, não em busca de postos ou prefeituras ou interventorias, mas para que se chegue, como urge, a medidas práticas e eficientes, a favor do povo.
Foi isso que ainda hoje afirmamos em nota da Comissão Executiva do nosso Partido, que diz o seguinte:
1 — A Comissão Executiva do PCB, em reunião de 6-5-46, examinou a situação nacional em seu conjunto, especialmente os graves e vergonhosos acontecimentos de 1.º de Maio e as recentes e mais descaradas provocações policiais contra a existência legal do Partido Comunista. É de assinalar, que apesar da derrota militar do nazi-fascismo, a grande data mundial dos trabalhadores, ao contrário do que aconteceu no mundo civilizado, decorreu ainda desta vez aqui em nossa terra sob o signo da reação e do fascismo. Tanques e canhões foram trazidos à rua para completar o quadro terrorista das notas policiais com que a reação tentou aproveitar o dia dos trabalhadores para mais um golpe contra a democracia e em defesa dos interesses das grandes empresas imperialistas. O que se tentou mais uma vez, pelo terror policial e por meio de toda a sorte de provocações, foi separar o povo e o proletariado do seu Partido, o PCB, insistentemente ameaçado em sua vida legal e apresentado à Nação, qual em 1937, nos tempos do Plano Cohen, como principal culpado da mobilização policial e guerreira do governo contra o povo. a classe operária e suas organizações.
2 — Se as provocações de Março último contra o Partido e seus dirigentes tiveram cunho marcadamente internacional e imperialista, já as de agora, pela própria forma primária e truculenta de que se revestiram, traem a origem mais próxima dos restos do fascismo em nossa terra que lutam desesperadamente para sobreviver e ainda conseguem arrastar a maioria dos homens do governo em suas aventuras contra o povo e mais particularmente contra a classe operária e suas organizações, especialmente o nosso Partido. Trata-se de um pequeno grupo de militares fascistas como Alcio Souto, Filinto Müller, Imbassaí e poucos mais que ainda ocupam postos importantes na tropa e no aparelho estatal e tudo fazem, em seu desespero de vencidos, por impedir ou barrar a marcha da democracia em nossa terra. A esses militares juntaram-se os políticos reacionários e policiais de profissão, como J. C. de Macedo Soares, Negrão de Lima, Pereira Lira, Oliveira Sobrinho e poucos mais, todos igualmente sem nenhuma influência ou prestígio popular, mas ativos na luta contra a democracia e ainda capazes, graças aos postos que ocupam, de arrastar o governo em aventuras reacionárias, e ditatoriais, visando a volta do fascismo, da censura, da violência contra o povo e do terror policial.
3 — Esse pequeno grupo civil e militar pelas próprias dificuldades com que luta para sobreviver, apóia-se cada vez mais no imperialismo, especialmente no capital ianque mais reacionário, que por sua vez dele se serve para a defesa de seus interesses mais imediatos na exploração crescente de nosso povo, visando chegar à sua completa e total submissão colonial e impunemente arrastá-lo às aventuras guerreiras em evidente preparação no mundo inteiro pelos elementos mais reacionários do capital financeiro inglês e norte-americano.
4 — De outro lado, as vacilações do governo, seu medo ao povo, cada vez mais evidente, e que parece crescer à medida que se agrava e aprofunda a crise econômico-financeira, facilita, sem dúvida, a obra nefasta dos remanescentes do fascismo que se sentem dentro do governo cada vez mais fortes e necessários, em condições de tentar novas aventuras contra o povo e a democracia. É que a crise financeira e econômica, no ponto a que já chegamos, não é mais possível fazer frente com paliativos e simples decretos-leis mais ou menos formais, inócuos ou impraticáveis. A carestia e a inflação estão a exigir medidas práticas e urgentes, tanto mais quanto se agrava a crise econômica com as conseqüências já sensíveis da inflação sobre a economia nacional, a começar pela pecuária já em plena crise, mas sensível também para a indústria que já começa a sentir a concorrência dos artigos importados, o que leva à diminuição de horas de trabalho e até ao fechamento de fábricas com o conseqüente e catastrófico resultado do desemprego operário.
5 — Incapaz até agora de enfrentar com decisão e energia tão graves problemas, separa-se o governo cada vez mais do povo, deixando-se facilmente arrastar pelos aventureiros fascistas que prometem anular pela força e pelo terror de medidas policiais o prestigio popular crescente de nosso Partido, e exigem do governo uma política interna e externa cada vez mais reacionária e impopular. É, no exterior, o desprestígio do Brasil com a atuação reacionária do seu representante na ONU a apresentar-se como defensor de Franco justamente no momento em que o heróico proletariado de Santos nega-se a descarregar os barcos espanhóis e em que a Assembléia Constituinte proclama por unanimidade sua solidariedade ao povo republicano de Espanha. É, no interior, a política de provocações sucessivas contra o proletariado e suas organizações, como o MUT, e particularmente contra o Partido Comunista, cuja vida legal é insistentemente ameaçada. E, ainda agora, nova tentativa contra a liberdade política e de pensamento com a volta do artigo. 177 da famigerada Carta de 1937, sob nova forma e especialmente dirigido contra os comunistas que se pretende apresentar como perigosos à segurança do Estado.
6 — Arrastado, assim, em sua política, pelos remanescentes do fascismo e pelos agentes mais descarados do capital financeiro internacional, separa-se o governo cada vez mais do povo e, incapaz de resolver os graves problemas da hora que atravessamos, marcha cada vez mais para a reação, para medidas cada vez mais violentas contra o povo miserável e esfomeado, vítima das filas, do câmbio negro, da exploração crescente dos homens dos lucros extraordinários e cada vez mais desiludido e desesperado. É fácil imaginar a que se pretende chegar, respondendo com a violência e o arbítrio policial aos reclamos de um povo miserável e esfomeado. No caminho da reação e do fascismo por que se vai deixando levar o governo marchamos a passos rápidos para o caos e a guerra civil. Esse perigo que nos ameaça e a que nos querem levar os remanescentes do fascismo tão poderosos no seio de um governo que ainda se diz democrata e quando se redige uma Carta Constitucional que se promete não ser idêntica ao monstrengo fascista de 1937. Esse o perigo que nos ameaça e pelo qual devem desde logo ser responsabilizados os homens no poder e todos aqueles que contra tão negra perspectiva não quiserem desde já lutar com decisão e energia.
7 — No entanto, a solução pacífica dos graves problemas desta hora é ainda possível e por ela luta e continuará a lutar sem desfalecimento o PCB. Basta que os governantes se aproximem do povo, ouçam-no ao invés de se deixarem levar pelos reacionários e fascistas que os cercam e os comprometem, basta que se deseje de fato, resolver de maneira objetiva e prática, o problema da miséria popular, buscar com honestidade e com a ajuda do próprio povo soluções para os problemas que o atormentam; basta que se aceitem a prática da democracia pelo respeito aos direitos fundamentais do cidadão; basta que se faça uma política externa e interna de acordo com a vontade manifesta da maioria da Nação.
A Comissão Executiva chama mais uma vez a atenção de todo o Partido para que insista nessa luta por uma solução pacífica dos graves problemas desta hora, pela apresentação em cada momento e em cada região das soluções práticas e viáveis em benefício do povo e do progresso nacional, daqueles problemas, os mais urgentes e imediatos.
8 — Com o mesmo fim, e em nome do Comitê Nacional do PCB, dirige-se a Comissão Executiva por este meio a todos os patriotas e democratas, a todos os Partidos políticos não-fascistas, num apelo veemente para que se unam em defesa da democracia ameaçada e para que, assim unidos, participem da solução pacífica dos problemas nacionais de maneira a evitar o caos, a guerra civil, novo e desnecessário derramamento do sangue do nosso povo.
Os comunistas estendem sincera e fraternalmente a mão a todos — homem e Partidos políticos — que queiram de fato lutar pela democracia, pela liquidação definitiva dos restos do fascismo no Brasil, que queiram lutar pela solução pacífica dos graves problemas nacionais da hora que atravessamos e em defesa da paz e sua consolidação no mundo inteiro. Frente às ameaças da reação e do fascismo torna-se cada vez mais indispensável a união extensiva e formal de todos os patriotas e democratas que já não poderão agora impunemente repetir o erro suicida dos anos de 1935-37, quando por displicência ou omissão, entregaram sem luta o terreno à camarilha fascista, sem escrúpulos, ativa e ambiciosa.
9 — O PCB dirige-se ainda aos homens do governo não comprometidos com o fascismo e que desejem sinceramente a solução pacífica dos problemas nacionais. O PCB luta pela paz e pela democracia e está pronto a apoiar o governo, a colaborar mesmo com eles, desde que queira realmente resolver de maneira prática os problemas da miséria e da fome do povo, garantir a democracia e liquidar de fato os restos do fascismo em nossa Pátria. Os comunistas não disputam posições a não ser junto ao povo e pelos métodos democráticos, nem fazem cambalachos, mas estão prontos a fazer quaisquer acordos seja com quem for, desde que realmente favoráveis ao povo e à democracia. Nas eleições que se avizinham procuraremos acordos eleitorais para chapas de unidade, desde que sejam na base de um programa popular e da escolha judiciosa de candidatos que possam merecer a confiança do proletariado e do povo. Serão esses os candidatos, comunistas ou não, que merecerão o apoio do PCB.
10 — Mas a Comissão Executiva ao fazer tais declarações chama a atenção de todo o Partido para a necessidade urgente de reforçar suas ligações com as grandes massas trabalhadoras e de organizar cada vez melhor suas fileiras e ao próprio povo. A solução pacífica dos problemas nacionais ainda é possível, mas na medida em que o proletariado e o povo a reclamarem organizadamente do governo e das classes dominantes. A situação exige de todos os comunistas o maior cuidado contra as provocações simultaneamente com a máxima firmeza, energia, persistência, coragem e audácia na luta em defesa da democracia e dos direitos fundamentais do cidadão.
O acatamento às decisões do governo não deve significar submissão passiva às ordens arbitrárias da polícia, contra a quais devemos protestar por todos os meios legais, de forma a esgotar todos os recursos antes de aceitá-las e contra elas fazendo uso de formas de luta cada vez mais altas e vigorosas. A iniciativa dos organismos de base precisa ser cada vez maior e vale sem dúvida, muito mais que quaisquer comunicações ou apelos aos organismos superiores. O essencial, enfim, está na verdadeira mobilização de massas contra as arbitrariedades policiais e na nítida compreensão que pode ter todo o Partido de que acatar as decisões das autoridades e lutar pela solução pacífica dos problemas nacionais não significa ficar de braços cruzados nem conformar-se, oportunisticamente, sem protesto, com as arbitrariedades e violências policiais. Nessa luta pela democracia amplia-se cada vez mais o campo de ação dos comunistas que devem fazer esforços redobrados no sentido de ganhar novas camadas sociais para o lado do proletariado e das grandes massas trabalhadoras do campo. O essencial está em saber lutar efetivamente pela paz e a democracia, pela melhoria das condições de vida do povo em geral, pela liquidação definitiva e imediata de nossas bases militares ainda em poder do imperialismo. Foi assim que vencemos até agora as provocações policiais e fascistas contra a legalidade de nosso Partido e será seguindo os mesmos preceitos, de forma cada vez mais consciente e organizada, que venceremos as vagas de provocação que ainda virão até à definitiva liquidação dos restos do fascismo e a garantia e consolidação da democracia em nossa Pátria.
A Comissão Executiva do Partido Comunista do Brasil — Rio, 6 de Maio de 1946».
Em homenagem, senhores, à grande data de hoje, reforcemos nossa luta pela paz, pela colaboração das Nações Unidas, pela liquidação dos focos fascistas. Não vacilemos na luta em defesa da democracia, nem nos deixemos, por egoísmo, por displicência ou omissão, enganar pelos fascistas que, repetindo a desmoralizada manobra de 1937, voltam a falar em perigo comunista, para tentar um novo golpe contra a democracia, a independência e o progresso do Brasil. (Muito bem, muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado).
Inclusão | 18/08/2011 |