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Verão de 1946. Foi examinado o caso Schacht, Doenitz e Raeder, Schirach e Sauckel, Seyss-Inquart e Speer, Neurath e Papen, Jodl e Fritzsche voltaram sucessivamente para o banco dos réus depois do seu interrogatório. Procuradores e advogados de defesa pronunciaram já os seus discursos.
Em todos os tribunais do mundo é este o momento em que os juízes se retiram para deliberarem e lavrarem o veredicto de sentença. Mas em Nuremberga o processo continua.
Enquanto não há um único réu cujo caso não tenha sido já examinado, há ainda advogados que ainda só se estão a preparar para os debates. Um deles é o doutor Latemser, que deve defender o Estado-Maior-General alemão.
A maior parte das organizações criminosas julgadas pelo Tribunal Internacional nasceram na época do movimento nazi. Trata-se, em primeiro lugar, do próprio partido nazi, da SA, das SS, do SD, da Gestapo. Todas devem a sua origem e desenvolvimento ao nacional-socialismo, excepto uma, que precedeu o hitlerismo e se tornou sua poderosa aliada: o Estado-Maior-General alemão. Os políticos iam e vinham, as guerras eram ganhas ou perdidas, os regimes mudavam, mas o Estado-Maior-General alemão permanecia. Permanecia para desempenhar o seu sinistro papel de organizador de uma política de banditismo, de agressão. Foi por isso que a Conferência de Ialta dos chefes de governo da coligação anti-hitleriana proclamou como tarefa essencial:
«Desmembrar para sempre o Estado-Maior-General alemão que por reiteradas vezes maquinou a ressurreição do militarismo alemão».
Grandes-almirantes Doenitz (à esquerda) e Raeder (à direita): Nurembrega foi o seu último porto de atracagem (clique na imagem para maior resolução) |
No processo de Nuremberga o Ministério Público salientou a muito correcta ideia de que para a humanidade a sorte do Estado-Maior-General alemão era muito mais importante que a dos indivíduos que dele fizeram parte. Keitel e Jodl, Raeder e Doenitz, Kesselring e Manstein tinham saído de cena e não conduziriam nunca mais legiões alemãs para o combate. O mesmo não se passava com o Estado-Maior!
O Ministério Público exigia que o Tribunal Internacional o declarasse culpado (bem como o Alto Comando das Forças Alemãs) de maneira a levar ao castigo todos os grandes chefes da Wehrmacht. Na lista apresentada pelo Ministério Público figuravam 131 nomes de marechais-de-campo e de generais que constituíam o núcleo do Estado-Maior (107 estavam vivos na altura do processo). Depois de esta organização ter sido declarada culpada, as autoridades judiciais dos Aliados podiam infligir um castigo severo (incluindo a pena de morte) a cada um desses oficiais pelo simples facto de ter sido seu membro…
Mas não era tudo. Considerando o Estado-Maior-General alemão como uma organização criminosa, erguia-se um sério obstáculo, tanto jurídico como político e moral, ao seu restabelecimento. Dizia o vogal americano Telford Taylor:
— Bem pouco será feito se nos contentarmos com arrancar o fruto envenenado da árvore. É muito mais difícil cortar a árvore pela raiz, mas é a única coisa que, a longo prazo, dará um bom resultado.
Excelentes palavras! Mas os juizes ocidentais não as ouviram.
Como é possível que em 1946 se tenha impedido a condenação do Estado-Maior-General alemão, ao passo que o general Taylor, mandado para a reforma pouco depois, era alvo dos mais violentos ataques?
O advogado Laternser, antigo nazi e oficial hitleriano, tentou primeiro apresentar a defesa do Estado-Maior alemão como uma tarefa internacional da corporação do oficialato. Lia sistematicamente os jornais e revistas da América, nomeadamente o Army and Navy Journal, que expressava indignação dos generais americanos por verem o Tribunal Internacional levantar a mão contra representantes da «honrosa profissão militar». E declarava Laternser no processo:
— Se os chefes militares alemães estão hoje perante este Foro como organização pretensamente «criminosa», essa acusação não diz respeito só a eles, visa na realidade o princípio do soldado ou, pelo menos, o princípio do comando militar em geral.
Laterser gostaria de fazer passar o caso do Estado-Maior alemão por uma simples tentativa de o Ministério Público de Nuremberga assassinar os seus adversários.
— Para encontrar exemplos é preciso remontar dois mil anos de história. Os romanos estrangularam o seu inimigo Jugurta na prisão e perseguiram com a sua vingança Aníbal até poderem meter-lhe na mão, no pátio do seu hóspede e amigo, a taça envenenada...
O advogado fez o melhor que pôde para erguer uma muralha da China entre o caso de Goering e Ribbentrop de um lado, e o do Estado-Maior-General do outro. Numerosos sintomas, entre os quais o discurso de Churchill pronunciado em Fulton levavam-no a prever que a sua defesa seria apoiada por certos meios ocidentais.
Chegou o dia de o Tribunal examinar as acusações imputadas ao Estado-Maior-General alemão. Na sala de audiências o número de militares americanos tinha nitidamente aumentado. Patterson, ministro da Guerra dos EUA, rodeado de generais, estava sentado na galeria dos convidados. A imprensa reaccionária americana era toda invectivas. Os militarões dos Estados Unidos viravam-se contra o Ministério Público, censurando-o por
«não ter nenhum respeito pela profissão de soldado nem pelos que tinham de se preparar para a guerra».
Referindo-se ao ponto de acusação que exigia que o Estado-Maior-General fosse declarado criminoso, a revista americana Journal of Criminal Law and Criminology escrevia:
«Na base de uma tal teoria do Direito poder-se-iam um dia encarcerar e até executar os antigos alunos de West Point(23) e de outras escolas militares... e, bem entendido, os oficiais do Estado-Maior, do serviço dos planos de mobilização, se algum dia os Estados Unidos, o diabo seja surdo, perdessem uma guerra...»
A situação era favorável ao Dr. Laternser. Citou como testemunhas numerosos generais hitlerianos, precisamente os que figuravam na lista do Estado-Maior-General e iam ser levados a julgamento e, se este fosse declarado criminoso, punidos. Compareceram Brauchitsch, Manstein, Kesselring, Rundstedt e outros.
Depois o advogado pronunciou um discurso que foi aplaudido por toda a camarilha militar imperialista. Laternser queria persuadir o Tribunal de que o Estado-Maior-General alemão nunca tinha tido nada a ver com a política de agressão hitleriana.
— Quando alguém se torna soldado, passa a pertencer de corpo e alma ao oficial que o comanda. Não deve decidir se a causa pela qual parte para a guerra é boa ou má. Os seus inimigos são escolhidos para ele e não por ele. O seu dever é obedecer e não questionar.
O defensor pensava ter assim apresentado sob o melhor aspecto a condição dos generais alemães. Eles mais não eram do que homens às ordens e tinham tido a infelicidade de serem comandados por um falhado como Hitler. Era ele próprio quem fazia tudo, por isso era ele o único culpado. Ele e a sua camarilha concebiam os planos de agressão e os generais mais não tinham do que executá-los.
— A figura de Hitler — perora o advogado cheio de zelo — pode na verdade ser comparada à de Lucifer! Do mesmo modo que este, sobe, a uma desconcertante velocidade, com prodigioso impulso, a sua via resplandecente, atinge a altura suprema e cai de seguida na mais profunda escuridão, o mesmo se passa com Hitler. Quem alguma vez ouviu dizer que Lucifer tivesse precisado de ajudantes, de conselheiros, de instigadores na sua fulgurante subida? Não é pelo contrário ele que arrasta, pela força da sua aparição, todos os outros com ele até aos mais altos cumes, para de seguida cair com eles no mais profundo dos abismos? Será que se pode pensar que um homem desta natureza possa preparar um plano de longo alcance, rodear-se de um círculo de conspiradores e buscar junto deles ajuda e conselho para a sua ascensão?
Suponhamos por momento que Hitler partilhava o banco dos réus com os outros grandes criminosos de guerra e que tinha, tal como eles, um advogado de defesa. A situação deste teria certamente sido ainda menos invejável. Porque ainda nunca até então tinha sido preciso julgar um criminoso tão monstruoso. Hitler sabia o que o esperava e tinha-se cobardemente escapado ao julgamento dos povos. A verdade é essa. Mas podemos imaginar sem dificuldade como teria o advogado de Satanás encetado a sua defesa. Teria procurado desmentir que Hitler fosse o único responsável. Não tendo a menor possibilidade de ilibar o seu cliente, ele teria apresentado múltiplas provas comprovativas de que não fora Hitler quem escolhera os seus generais mas o contrário, que o cabo, como convém a um subalterno, não deu um único passo no terreno militar sem o apoio dos generais.
Lembrem-se, teria dito o defensor, que em Setembro de 1923, no nascimento do nacional-socialismo, Ludendorff marchava ao lado de Hitler no desfile dos grupos de choque. E lembrem-se de Novembro de 1923, do golpe de Munique. São ainda Hitler e Ludendorff que avançam juntos à cabeça de vários milhares de nazis.
Dezembro de 1932 — Janeiro de 1933. Uma acerba luta se trava na Alemanha. A questão é a de saber se os nazis vão, ou não, tomar o poder. E de novo os generais alemães intervêm. Na praça de armas de Furstenberg, Hitler encontra-se com o general von Schleicher, comandante-chefe da Reichswehr e encontra nele um aliado de peso. Schleicher promete pôr em jogo toda a sua influência para fazer subir o «tribuno do povo» à Chancelaria. Hitler fica tão contente com esta entrevista que diz em conclusão:
— É preciso pregar na praça uma lápide: «Aqui teve lugar o memorável encontro de Adolfo Hitler com o general von Schleicher».
Depois disto, Hitler, cheio de esperança, precipita-se para Berlim. Está certo de que irá ser nomeado chanceler.
— Nós precisamos de um chanceler — diz Schleicher a Papen nos dias críticos que precedem o golpe de Estado fascista.
Aquele «nós» era a soldadesca alemã, então chefiada por Scleicher.
Abertamente ele declarou que devia ser criado um governo com base na «união da Reichswehr com o NSDAP».
No julgamento do caso do Estado-Maior-General foi interrogado em Nuremberga grande número de marechais-de-campo e de generais.
Eu tinha já ouvido falar de Brauchitsch antes da guerra. E agora via-o no Tribunal como testemunha.
O ex-comandante supremo das Forças Terrestres por pouco não ia ultrapassando os outros marechais-de-campo alemães na sua tendência de se armarem em pacifistas. Sustentou que o Estado-Maior sempre tivera intenções pacíficas, que «a Wehrmacht agia segundo o axioma» «Si vis pacem, para bellum», que «o militar alemão de qualquer posto tinha sido educado na ideia de defender a pátria», que «não pensava em guerras de conquista nem na extensão do domínio alemão a outros povos». Brauchitsch garantiu que os generais alemães não se interessavam pela política e viviam como que numa torre de marfim. Se alguma coisa os preocupava era não se deixarem arrastar por Hitler para uma guerra.
Brauchitsch limitou-se a desencadear esta primitiva táctica de defesa. Os outros continuaram-na.
Agora, na barra, está o marechal-de-campo Manstein escoltado por guardas. Este devia pensar que estava diante de uma assistência de jovens recrutas e não perante o Tribunal Internacional cujos juízes conheciam, por a terem vivido, a história da Primeira e sobretudo da Segunda Guerras Mundiais. Que patranhas ele não debitou! Os generais alemães tiveram, ao que parece, medo de ser «atacados pelos países vizinhos».
— Afinal de contas — declara Manstein — devíamos ter em conta semelhante acontecimento, até porque todos os nossos vizinhos tinham as suas intenções quanto ao nosso território.
Depois leva á hipocrisia ao ponto de defender que a Alemanha sempre tinha esperado apoio da Sociedade das Nações no caso de ser atacada.
— Nós só contávamos praticamente com a Sociedade das Nações — gemeu ele.
Com certeza que não é necessário comentar ou repetir palavra por palavra, este desfile de patacoadas, estas desavergonhadas mentiras. Poucas testemunhas se lançaram numa tão grotesca comédia.
Gostaria no entanto de dizer que os depoimentos dos generais alemães tinham por leitmotiv que todas as guerras de 1939 a 1945 lhes foram impostas.
Acusa-se a Alemanha de ter atacado a Polónia? Perdão, foram os polacos os primeiros a atacarem a cidade alemã de Gleiwitz e a apoderarem-se da estação de rádio. Foram eles que começaram a guerra, e a Alemanha não podia fazer outra coisa senão ripostar. Aliás não compete aos generais verem se a guerra que estão a fazer é uma guerra de agressão ou não. A eles antes convém recordar estas palavras de Napoleão:
«Notem bem, meus senhores, que na guerra a obediência é uma virtude maior que a coragem».
Desembarque na Noruega? Mas então não é evidente que as operações da esquadra alemã no norte da Europa visavam prevenir a tomada da Noruega pelos ingleses?
Invasão da Bélgica e da Holanda? E contudo sabe-se muito bem que os Estados-Maiores da Inglaterra e da França pensavam desde há muito utilizar os territórios desses países como trampolim contra a Alemanha. Se as tropas alemãs não tivessem tomado a dianteira, a Bélgica e a Holanda teriam caído às mãos do inimigo.
As testemunhas fardadas de marechais-de-campo e de generais mentiam descaradamente, cinicamente. E foram desmascarados...
Um representante do Ministério Público apresenta a cópia estenografada oficial da reunião de 23 de Maio de 1939 em que Hitler declarara francamente:
— Resta-nos a decisão de atacar a Polónia na primeira ocasião favorável.
Talvez não houvesse nenhum membro do Estado-Maior-General nessa reunião? Na lista anexa à acta figuram no entanto os nomes de Brauchitsch, de Milch, de Bodenschatz, de Warlimont e de outros oficiais superiores, que o Ministério Público tinha precisamente incluído na lista dos 131.
Hitler tinha portanto dado ordens para atacar a Polónia. Mas que fez Brauchitch, o «general pacifista»? O que se esperava dele, nem mais nem menos. Em meados de Junho de 1939 dirigiu uma directriz aos exércitos e aos corpos de exércitos encarregando-os de estudarem a melhor maneira de obter «efeitos de surpresa muito violentos». Brauchitsch sublinha:
«Os comandos... farão os seus preparativos na base do princípio geral de surpresa do inimigo».
O marechal-de-campo sabia muito bem que o «princípio de surpresa» já não é defensivo. É precisamente o oposto daquilo que ele tentava convencer o Tribunal Internacional. Mas nesse tempo ele estava longe de pensar em Nuremberga.
E como reagiram os generais aos quais a sua directriz era endereçada? Deram-lhe naturalmente a sua contribuição sem terem as mínimas ilusões sobre o carácter do conflito que estava a preparar-se. O general Blaskowitz, por exemplo, que comandava o 3º corpo de exército (o seu nome figura igualmente na lista), emitiu a 14 de Junho de 1939 uma ordem em que era dito, entre outras coisas:
«O comandante-chefe do Exército Terrestre ordenou a elaboração de um plano de desdobramento de tropas contra a Polónia, tendo em conta exigências dos chefes políticos segundo as quais esta guerra deve ser desencadeada de surpresa e com vista a êxitos rápidos».
É sobretudo quando se trata da agressão contra a URSS que a guerra preventiva é evocada pelas testemunhas de defesa. Aí tudo é claro. O comando soviético, dizem eles, concentrara numerosas tropas na linha de demarcação e preparava-se para as lançar contra a Alemanha. As tropas alemãs mais não fizeram, de novo, que adiantar-se ao inimigo.
Mas desta vez os falsificadores da história foram batidos em toda a linha. E foi o marechal-de-campo Paulus quem lhes assestou um dos golpes mais sensíveis.
Paulus desmascara (clique na foto para maior resolução) |
O leitor conhece já as circunstâncias da sua comparência perante o Tribunal e a reacção da Defesa a esse acontecimento. Diga-se o que se dizer, em 1940-1941 Paulus exerceu praticamente as funções de quartel-mestre-general do Estado-Maior, e o advogado de Jodl tentou logo sintonizá-lo à onda da «guerra preventiva».
Disse-lhe:
— Em Fevereiro de 1941 começaram a transportar-se tropas para o Leste. Pode dizer-nos quais eram então as forças russas ao longo da linha de demarcação germano-russa e da fronteira romana? Não apresentou Halder, por várias vezes, relatórios ao Fuhrer sobre os efectivos e repartição das forças russas?
Mas nem a esta pergunta nem às outras do mesmo género ele obteve a resposta que desejava. Os factos da História davam razão ao Ministério Público.
Como o procurador-geral soviético Rudenko lhe perguntasse:
«A testemunha pode dizer-me o que sabe sobre a preparação pelo governo hitleriano e as personalidades do Alto Comando da agressão armada contra a União Soviética?»
Paulus respondeu:
— A 3 de Setembro de 1940 ocupei no OKW as funções de quartel-mestre-general no Estado-Maior... No início da minha entrada em funções deparei... com um trabalho não terminado respeitante a operações que tinha a ver com um ataque à URSS. Halder, chefe do Estado-Maior-General do Exército, encarregou-me de continuar esse trabalho que devia ser executado segundo directrizes do OKW. Esses trabalhos terminaram em fins de Novembro por duas manobras de quadros que o chefe do Estado-Maior do Exército me encarregou de dirigir. Os altos oficiais do Estado-Maior-General eram designados para essas manobras de quadros.
É perguntado a Paulus se comando militar hitleriano estava informado dos preparativos de agressão por parte da União Soviética. Responde sem hesitar:
Nenhuma informação respeitante aos preparativos de guerra do lado da URSS foi levada ao meu conhecimento.
Não havia informações alarmantes e no entanto o projecto de invadir a URSS existia desde o Outono de 1940. O Estado-Maior-General contava levá-lo a cabo em Maio de 1941. Mas o sinal de ataque foi adiado. Porquê? A acreditar em testemunhas de defesa, os russos iam atacar de um momento para o outro. Mas o Estado-Maior achou por bem estabelecer primeiro a «ordem nova» na Jugoslávia. :
É deposto na mesa do Tribunal um outro documento «absolutamente secreto», marcado com o número 444228/41 e assinado por Keitel. Contém as seguintes indicações:
«1. Em razão da operação dos Balcãs, o início da operação «Barbarossa» é adiado quatro semanas pelo menos.
2. Apesar do adiamento os preparativos continuarão a ser camuflados por todos os meios e apresentados às tropas como medidas de protecção das nossas retaguardas do lado da Rússia...»
Paulus comenta esse documento e diz pela mesma ocasião que
«uma grande manobra de diversão que ia de Noruega às costas francesas devia levar a que se acreditasse na intenção de um desembarque na Inglaterra em Junho de 1941 e assim se desviasse a atenção dos territórios do Leste».
O depoimento de Paulus aniquila uma vez mais a versão de uma guerra preventiva contra a URSS. Não esquecerei nunca a desorientação da Defesa. Normalmente os advogados lançavam-se logo num interrogatório cruzado, por menos hipótese que ele lhes proporcionasse. Mas agora defensores e réus parecem ter sido invadidos por uma espécie de prostração.
Mas o regulamento deve ser observado. Depois de Rudenko ter abandonado a tribuna, o presidente propõe que a defesa dê início ao interrogatório cruzado. O Dr. Laternser levanta-se lentamente, com ar sombrio. Declara a Lord Lawrence:
— Senhor presidente, permito-me, como defensor do Estado-Maior-General, pedir ao Tribunal que me autorize a fazer perguntas à testemunha amanhã de manhã. A Defesa foi apanhada desprevenida! porque a testemunha foi citada pelo Ministério Público de modo inesperado.
Mas o adiamento concedido nada adiantou à Defesa. Laternser não pôde desmentir o depoimento do marechal-de-campo Paulus que teve o efeito do soar do gongo anuciando um Knock-out inevitável.
O Estado-Maior-General alemão era só acusado de agressão. Foi ele que praticamente dirigiu a execução de todo o monstruoso programa de crimes de guerra.
Os marechais-de-campo hitlerianos interrogados em Nuremberga protestam energicamente contra esta «inaudita, ultrajante acusação».
Na barra está o marechal-de-campo Rundstedt. Lembro-me ainda hoje do ar desse prussiano arrogante, decano dos militaristas germânicos. Lembro-me dele a levantar a mão ossuda, com dois dedos estendidos, para jurar «dizer a verdade, toda a verdade, nada mais que a verdade».
Pergunta-lhe o advogado Laternser:
— O senhor marechal-de-campo sabe que a Acusação pediu que os chefes militares fossem declarados criminosos. Como oficial mais antigo do exército alemão, o senhor sabe qual a posição dos chefes militares alemães a respeito do Direito de Guerra e do Direito Internacional. Peço-lhe que dê sucintamente conhecimento disso ao Tribunal.
E «o mais antigo oficial do exército alemão», que jurou dizer «toda a verdade», declara:
— O Direito de Guerra e o Direito Internacional, tal como constam da Convenção de Genebra e do Regulamento de Haia para a guerra terrestre, sempre foram uma estrita obrigação para nós, antigos oficiais. À tropa era exigida a sua mais estrita observância e actuámos com grande rigor contra os excessos que, na guerra, podem produzir-se em todos os exércitos.
O «mais antigo» toma o freio nos dentes. Segundo ele, o Estado-Maior teria «feito o que podia fazer para ajudar os habitantes do país inimigo» e sempre teria ordenado que «o combate fosse travado de maneira cavaleiresca». E a peroração é das mais pomposas:
— Como o mais antigo soldado do exército alemão, declaro que nós, chefes acusados, fomos educados nas velhas tradições militares baseadas no espírito cavaleiresco, que agimos em conformidade com elas e que tentámos transmiti-las aos «oficiais mais jovens».
O Dr. Laternser fica encantado com este testemunho. E depois de Rundstedt será a vez de Manstein. Mais um que irá encontrar argumentos plausíveis.
Manstein é conduzido à barra. Tem um ar calmo, um tanto enfatuado, dir-se-ia. Dá-se conta que do seu depoimento dependerá não só o seu destino mas o de todo o Estado-Maior-General alemão.
— Fui soldado durante quarenta anos — declara em tom solene.
— Pertenço a uma família de soldados e fui educado na concepção total do dever.
E ei-lo que esboça um quadro idílico do amor do Estado-Maior pela paz e da sua aversão pela guerra.
— O nosso ideal...não reside na condução da guerra em si, mas na educação da nossa juventude, com vista a fazer dela homens de honra e bravos soldados... Que nós, velhos soldados, tenhamos arrastado a nossa juventude para uma guerra criminosa, eis uma coisa que ultrapassa o que a mais louca e perniciosa imaginação possa conceber.
Os velhos marechais-de-campo reconhecem que havia à volta de Hitler alguns generais nazis que devem responder pelos seus crimes. Mas os crimes desses degenerados não podem manchar a honra do Estado-Maior no seu conjunto. Era uma alusão directa a Keitel e Jodl. Ora, este último não era dessa opinião. Vermelho de cólera, diz ao seu advogado:
— Esses generais que berram contra nós como testemunhas para salvarem a pele diabólica, deveriam reconhecer que são tão criminosos como nós e que merecem tanto como nós ser enforcados! Que não pensem que podem redimir-se testemunhando contra nós e fazendo-se passar por meninos de coro!
Já mais atrás citei o depoimento de Ohlendorf, o funcionário da Gestapo que confirmou que o massacre dos habitantes nos territórios ocupados era feito pelas SS em estreita aliança com o comando da Wehrmacht. E o general das tropas de linha Roettiger disse a mesma coisa:
— As operações especiais do SD eram bem conhecidas e eram feitas com conhecimento das autoridades militares superiores.
O representante do Ministério Público lê em seguida o testemunho de Ernst Rode, general da Polícia:
«Os Einsatzgruppen do SD destacados junto de cada grupo de exércitos dependiam inteiramenté deles em termos de comando, tanto no plano táctico como sob outros pontos de vista. Os comandantes-chefes sabiam perfeitamente quais as missões e os métodos de operação utilizados por essas unidades. Aprovavam essas missões e esses métodos uma vez que nunca a eles aparentemente se opuseram. Eram naturalmente feitas frequentes alusões a esses métodos na minha presença, no OKW. Estou convencido de que um protesto enérgico por parte de todos os marechais teria como resultado a modificação dessas missões e desses métodos. Afirmar-se que comandantes-chefes mais brutais lhes teriam então sucedido, não constitui, a meu ver, senão uma escapatória absurda e mesmo cobarde.
Por uma ironia da sorte, a versão segundo a qual o Alto Comando alemão e o Estado-Maior-General alemão não se teriam nunca atolado nas atrocidades hitlerianas e até as teriam mesmo ignorado foi desmentida por SS de alto coturno e por oficiais superiores do Estado-Maior. O leitor conhece já os nomes do general das SS Bach-Zelewski e do chefe do Gabinete de Operações Heusinger.
Era Bach-Zelewski quem Hitler encarregara de dirigir a luta contra os guerrilheiros na frente Leste. E para grande desagrado do Dr. Laternser, que teria gostado de atirar para cima das SS todas as crueldades cometidas contra os resistentes, Bach-Zelewski declarou que
«sobretudo, unidades da Wehrmacht foram destacadas na luta contra os guerrilheiros».
Com Heusinger a coisa não correu melhor. Ainda deprimido pela derrota, não ousou mentir como depois viria a fazer, quando o seu terror passou e ele constatou que ainda tinham necessidade dele. Lembro-me do seu depoimento prestado em 1945 e lido numa audiência do Tribunal Internacional. Tinham-lhe perguntado, tal como a Bach-Zelewski, para indicar os que ordenavam e os que executavam as operações contra os resistentes. Declarou:
— As directrizes sobre a maneira de levar por diante as operações contra os guerrilheiros e os métodos a empregar eram dadas pelo OKW, segundo ordens de Hitler e depois de conferidas com Himmler.
Depois confessa que é o Estado-Maior e a Wehrmacht colocada sob as suas ordens quem comete os piores crimes contra a população civil:
— O OKW era responsável pela transmissão das ordens...que estabeleciam os princípios de base das represálias a exercer contra os habitantes.
Heusinger sabia bem quais as finalidades perseguidas, durante a guerra, pelo partido nazi conjuntamente com o Estado-Maior-General. Constata ele no seu testemunho:
— Quanto a mim sempre achei que os tratamentos infligidos à população civil e os métodos adoptados para a guerra contra os resistentes nas zonas de operações proporcionavam aos mais altos chefes políticos e militares uma boa ocasião de atingirem os seus objectivos, isto é, a exterminação sistemática dos eslavos e dos judeus.
Talvez no seu íntimo Heusinger censurasse essas medidas, achando-as em princípio inadmissíveis? Não, o general só as encarava do ponto de vista prático:
— Sempre considerei esses métodos cruéis uma loucura do ponto de vista militar, porque não levavam senão a que se tornasse mais acesa a luta das nossas tropas contra o inimigo.
É este o atestado passado ao Estado-Maior-General alemão por um dos seus chefes. É assim que o Estado-Maior se caracteriza a ele próprio, uma vez que era dele que emanavam as ordens mais cruéis, cujo conjunto constituiu todo um código de crimes de guerra.
Ao emitir semelhantes ordens, o Estado-Maior exigia que os comandantes dos exércitos «dessem provas de ampla iniciativa». E eles não prescindiam disso. No processo de Nuremberga falou-se muitas vezes de uma ordem do general Reichenau visando a destruição total do Estado soviético e ordenando aos soldados que tratassem a população com implacável dureza.
«O abastecimento dos habitantes e dos prisioneiros de guerra — é aí dito nomeadamente — seria uma clemência inútil».
Essa ordem, reconhecida como «modelo» foi enviada aos outros exércitos.
Em Nuremberga o marechal-de-campo Manstein tratou de se dessolidarizar dela.
— Não, não, essa ordem recusei-a.
O leitor deve supor que vou utilizar documentos para demonstrar que este marechal-de-campo prussiano tornara extensiva às suas próprias tropas, essa ordem de Reichenau. Pois bem, não. Desta vez o velho soldado dizia a verdade.
Ao receber a ordem «modelo» sentiu-se vexado. Ele próprio tinha emitido outras que eram de tal modo mais ferozes! Mas em Nuremberga ele quis fazer crer que as exigências de Reichenau eram contrárias às suas ideias sobre as tradições militares. O Ministério Público interrompe as suas expansões. Ao lado da ordem de Reichenau coloca uma outra e pergunta:
— Este documento não emana do seu Quartel-General e não é datado de 20 de Novembro de 1941?
— Tenho de o reler em pormenor. Já não me lembro — responde Manstein, alarmado.
E ele, que tanto se tinha expandido sobre as suas «tradições cavalheirescas», sobre a repugnância que sentiam os generais prussianos face à ideologia nazi, sobre a neutralidade política deles, leu de súbito uma ordem da sua autoria:
«Desde 22 de Junho que o povo alemão se acha empenhado numa luta de morte contra o sistema bolchevista».
Mais adiante, o «apolítico» Manstein especifica que nessa luta não havia que invocar o Direito Internacional.
«Esta luta não é travada somente contra as forças armadas soviéticas sob a forma tradicional estabelecida pelas leis e os costumes de guerra».
E em conclusão o marechal-de-campo proclama esta palavra de ordem:
«O sistema judeu-bolchevique deve ser aniquilado para sempre».
Entre a espada e a parede, tentou tergiversar. Sim, fora ele quem assinara essa ordem, mas não se lembra das circunstâncias.
— E não é de espantar, meus senhores, porque isso remonta a vários anos, no correr dos quais assinei centenas, talvez milhares de ordens, e é impossível lembrar-me de cada pormenor.
Horríveis palavras, odioso cinismo!
Esses «pormenores» custaram a vida a milhões de seres humanos.
A Manstein sucede um outro marechal-de-campo alemão: Albert Kesselring. Indignado por os acusadores porem em dúvida o seu depoimento, grita:
— Os senhores devem de facto acreditar em mim, como soldado!
Mas Sir David Maxwell-Fyfe, a quem esta réplica é dirigida, não se deixa impressionar:
— Lembra-se das ordens sobre os resistentes na Itália, quando o senhor era lá comandante-chefe?
— Com certeza.
Então Maxwell-Fyfe pergunta a Kesselring se está a par da ordem de Keitel de 16 de Dezembro de 1942 ordenando o massacre dos guerrilheiros italianos. Kesselring não pode negar. Mas, diz ele, trata-se de uma ordem de Keitel. Os generais alemães são, evidentemente, todos culpados de terem transmitido tais ordens aos seus subordinados. Mas eles próprios nunca ordenaram nada de semelhante, as suas mãos são mais brancas que a neve dos Alpes.
Maxwell-Fyfe, que sabe o que está a fazer, apressa-se a informar que Keitel responderá pela sua ordem e Kesselring...pela dele. Lembra então que a 17 de Junho de 1944 Albert Kesselring emitiu ele próprio uma ordem onde vem escrito, preto no branco:
«A luta contra os resistentes deve ser prosseguida por todos os meios disponíveis e com o maior rigor. Protegerei todo o comandante que ultrapasse a nossa habitual contenção no rigor da escolha das medidas adoptadas contra os resistentes. Para este efeito, continua a manter-se válido o velho princípio: um erro na escolha dos métodos de execução é melhor do que um erro ou uma negligência na acção».
O marechal-de-campo Kesselring, um dos chefes da Wehrmacht, agia em conformidade.
Poderia citar outros documentos que revelam a culpabilidade do Estado-Maior-General alemão. Poderia invocar o testemunho do marechal-de-campo Milch que contou como as autoridades militares, o Estado-Maior, tinham organizado em colaboração com a Gestapo experiências selvagens com prisioneiros de guerra e reclusos dos campos de concentração. Poderia reproduzir o depoimento do general Schreiber que falou dos preparativos do Estado-Maior hitleriano para a guerra química.
Mas o sinistro quadro dos crimes cometidos pelos chefes dos exércitos alemães parece estar já suficientemente aclarado.
Como disse já no início do presente capítulo, se o Tribunal Internacional tivesse declarado culpado o Estado-Maior-General mais de uma centena de oficiais superiores hitlerianos, entre os quais 78 generais de corpos de exército ou de exércitos, 15 almirantes e 11 chefes da Força Aérea, teriam sido passíveis de punição pelo único facto de terem pertencido a esta organização.
O doutor Laternser sabia, naturalmente, que teria sido vão ele contestar os crimes do Estado-Maior. Era preciso procurar outra coisa. E o advogado, sem dúvida aconselhado por pessoas interessadas, avançou o argumento seguinte:
— Mesmo supondo que as acusações imputadas ao Estado-Maior sejam bem fundadas, há que considerar que os crimes foram cometidos pelos seus representantes na sua qualidade de indivíduos e não na qualidade de membros de uma organização criminosa, como queriam apresentar o Estado-Maior-General em Nuremberga.
Laternser certifica que o Estado-Maior-General é um mero agregado mecânico de homens que aí exerceram diversas funções, não podendo por isso ser visto como uma organização estável. Mas este argumento não é mais convincente que os outros.
O processo de Nuremberga pôs em evidência que foi como organização que o Estado-Maior apoiou Hitler na época em que ele lutava pelo poder. Foi como organização que preparou e levou a cabo os planos de agressão. Foi como organização que emitiu os seus decretos sobre as implacáveis medidas contra povos inteiros. Foi como organização que concluiu o seu criminoso acordo com as SS e a Gestapo.
Aliás, os próprios grandes chefes militares hitlerianos se consideravam membros de uma organização monopólica. Salientemos a este propósito que ao intervirem no processo de Nuremberga como testemunhas, eles não falaram no seu próprio nome mas sublinharam a sua solidariedade de casta. Ao responderem às perguntas do Ministério Público, cada um deles parecia ser porta-voz do corpo de oficiais generais.
— Hitler atingiu resultados que nós desejávamos ardentemente — declarava Blomberg.
— As ideias nacional-socialistas que tinham valor eram geralmente as que vinham da época prussiana e que nós já tínhamos assimilado sem os nacional-socialistas — afirmava Rundstedt.
O vogal Taylor definiu em linguagem figurada a tendência de fazer passar o Estado-Maior alemão por uma soma aritmética de indivíduos. Inculpado por crimes cometidos por ele como organização, o famoso Estado-Maior alemão fragmenta-se em 130 partes que se espalham como pequenos cubos atirados ao chão. Mas no momento oportuno os cubos juntam-se num instante e a antiga construção ressurge como que por encanto.
Sinistro edifício!
O doutor Laternser porfiava por fragmentar o Estado-Maior. E para a sua defesa tinha reservado uma daquelas reviravoltas jurídicas destinadas a permitir aos que o quisessem salvar a reputação do Estado-Maior-General sem contestar as provas da Acusação, furtando assim ao castigo que mereciam uma centena de marechais-de-campo e de generais hitlerianos.
No momento decisivo, Laternser põe na balança um último argumento, que tem mais peso que os outros. O advogado é magnânimo. Pode até admitir por um instante que tudo o que o Ministério Público desse dos oficiais superiores alemães é a pura verdade. Mas onde estão hoje essas pessoas? Na prisão, claro. A Acusação exige que o Estado-Maior-General alemão seja declarado criminoso, a fim de punir os seus membros. Não seria mais simples
«para as quatro grandes nações vitoriosas decidir na prática em cento e sete processos individuais da culpabilidade ou inocência desses cento e sete homens»?
Guderian presta declarações (clique na foto para maior resolução) |
O cálculo era correcto. Os marechais-de-campo e os generais estavam efectivamente na prisão, mas, «por sorte», a maioria estava entre os americanos. Estava-se no Outono de 1946. Churchill tinha pronunciado o seu discurso em Fulton. A orientação política das potências ocidentais obliquava nitidamente para a direita. Tudo levava a crer que o tempo trabalhava a favor de Rundstedt e Manstein, Guderian e Heusinger. Era preciso atrasar, custasse o que custasse, a solução dos seus destinos, deixar as paixões apagarem-se. E depois seria a Témis americana a riscar.
Infelizmente, o Tribunal Militar Internacional ou, mais exactamente, a sua maioria burguesa alinhou pela opinião da Defesa e não soube resistir à pressão dos meios reaccionários, O Estado-Maior-General alemão não foi portanto declarado criminoso. Vinha escrito no veredicto:
«Segundo esta teoria(24), os comandantes-chefes dos outros países constituem exactamente uma tal associação, quando eles aparecem na realidade como um grupo de militares, um certo número de indivíduos que, a determinado momento, acontece ocuparem cargos militares elevados».
Os representantes ocidentais do Tribunal não tiveram em conta o protesto do juiz soviético e indicaram no veredicto, seguindo o insidioso conselho do Dr. Laternser:
«O Tribunal entende que uma declaração de criminalidade não deve ser feita no que concerne ao Estado-Maior-General alemão e ao Alto Comando; se bem que o número de pessoas aqui visadas seja mais elevado que no caso do Gabinete do Reich, é no entanto suficientemente restrito para que processos individuais movidos a estes oficiais sejam um procedimento mais oportuno que uma declaração geral de criminalidade».
Seria supérfluo, penso eu, precisar que nas condições que se estabeleceram seguidamente na Alemanha ocidental os «processos individuais» dos generais hitlerianos se transformaram em farsas. Foram todos definitivamente libertados e alguns deles contribuíram para a criação da Bundeswehr.
Em que ficamos então? Teria o caso do Estado-Maior-General alemão sido examinado em vão pelo Tribunal Internacional? Claro que não. O próprio facto de os militares prussianos terem sido julgados foi de um enorme alcance moral e político. Face às inúmeras provas, o Tribunal não podia deixar de reconhecer o criminoso papel do corpo de oficiais generais alemães na história da política de agressão hitleriana. O veredicto assinala que os generais e marechais-de-campo do Terceiro Reich
«são largamente responsáveis pelas desgraças e sofrimentos de milhões de seres humanos. Eles desacreditaram a honrosa profissão de militar. Privados da conduta dessas centenas de chefes das Forças Armadas, os desígnios agressivos de Hitler e dos outros nazis teriam ficado teóricos e estéreis... Eles formaram indiscutivelmente uma casta militar implacável. O militarismo alemão contemporâneo encontrou, no seu recente adiado, o nacional-socialismo, uma breve expansão, comparável ou superior à das gerações anteriores».
Colocados perante factos indesmentíveis, esses mesmos juízes ocidentais que tinham seguido o conselho de Laternser não puderam evitar expor no veredicto a sua opinião pessoal:
«Muitos desses homens fizeram cair no ridículo o juramento de soldado. Deviam obedecer, dizem eles agora, quando isso convém à sua defesa; desobedeceram, dizem também agora, quando se verifica que estavam ao corrente dos crimes brutais de Hitler. A verdade é que eles tomaram parte activa nesses crimes».
Quero-me voltar a pensar nas palavras do procurador-geral soviético Roman Rudenko, que punha em guarda a humanidade contra o perigo dç um renascimento do militarismo alemão, como se estivesse a prever o futuro:
— Todos os que acompanharam minimamente o desenvolvimento da Europa depois da Primeira Guerra Mundial sabem bem que os oficiais e generais do Kaiser se mostraram imediatamente prontos a recuperar a parte perdida. Tornando todo o mundo responsável da derrota militar da Alemanha, excepto eles mesmos, criaram organizações militares ilegais, alimentando a esperança de uma vingança, e estavam prontos para venderem a sua honra e a sua espada ao primeiro aventureiro político que não hesitasse em desencadear uma nova carnificina mundial.
Notas de rodapé:
(23) Academia militar dos EUA. (retornar ao texto)
(24) Trata-se aqui dos autos de acusação. (retornar ao texto)
Inclusão | 16/09/2015 |
Última atualização | 05/04/2016 |