Objeto do Direito

Evgeny Pashukanis

1927


Primeira publicação: Ob’ekt prava, Entsiklopediia gosudarstva i prava (1925-1927), Moscou, vol. 3, pp. 102-103.

Retirado de: Evgeny Pashukanis, Selected Writings on Marxism and Law (eds. P. Beirne & R. Sharlet), London & New York 1980, pp. 183-4.

Fonte: Object of Law, arquivo Pashukanis, seção inglesa do Marxists Internet Archive.

Tradução para o inglês: Peter B. Meggs.

Tradução para o português: João Nachtigall.


O Objeto do Direito é um dos mais básicos conceitos sistemáticos de jurisprudência, e é intimamente ligado ao conceito da relação jurídica e sujeito jurídico. “Toda lei real é a lei de alguma coisa.” (Korkunov) O objeto do direito, como um conceito geral e abstrato, não está relacionado a nenhum ramo do direito. No entanto, e de uma forma similar a maioria das categorias jurídicas, tem seu significado mais claro e específico no direito civil e, especificamente, nas relações de propriedade. É relativamente fácil ver qual é o objeto do direito na propriedade, na hipoteca ou no direito sucessório. Mas juristas tiveram grandes debates relativos à natureza deste conceito em qualificações de franquia, por exemplo, ou em cidadania. Essas dificuldades convenceram alguns da existência de um direito não-objetivo (Becker).

A noção abstrata de objeto de direito estava praticamente ausente para os juristas romanos — com suas mentes pragmáticas e não-filosóficas. Foi substituído por uma categoria mais concreta de “coisa” (res), e até escravos humanos eram considerados assim. O poder do chefe de família sobre sua esposa e filhos (patria potestas) estava intimamente ligado ao direito das coisas de acordo com sua base jurídica formal. Para uma compreensão concreta do objeto do direito, a ausência de uma noção abstrata de direito subjetivo entre os romanos corresponde com a forma precisa de ação - actio. Assim, autores romanos estabeleceram subunidades sistemáticas de pessoas (personae), coisas (res) e ações (actiones).

Juristas romanos apresentavam algum talento para a generalização ao subdividir coisas, como objetos de direito, entre corpóreas (corporalia) e incorpóreas (incorporealia). Essa distinção aplicava-se, por exemplo, aos direitos de herança e ao exercício do direito à produção agrícola.

O desenvolvimento das relações de troca avançou as ações da pessoa responsável como um conceito jurídico especial. O direito das coisas e o direito das obrigações foi combinado em uma noção geral de propriedade.

A doutrina do objeto do direito assumiu um caráter abstrato com o desenvolvimento da doutrina abstrata do direito subjetivo - representando as capacidades universais da pessoa - na jurisprudência burguesa dos séculos dezoito e dezenove. Nesse estágio do desenvolvimento do pensamento jurídico, diversas problemáticas surgiram que foram difíceis de resolver. Primeiro, tentativas foram feitas de representar objetos como os chamados direitos subjetivos; e segundo, houve um desejo de construir um sistema legal baseado na ideia de normas (entendidas como imperativos). Mas se a base do direito é um imperativo e a obrigação que surge desse imperativo, então, pro exemplo, o objeto do direito de propriedade não representa logicamente a coisa em si com seu uso específico e valor de troca, mas algo negativo: as ações restritivas de todas as outras pessoas que impedem o proprietário na posse, uso e disposição de sua propriedade.

Tais construções-jurídicas formais dogmáticas — desprovidas de significado econômico - são típicas do tempo presente, quando o papel dominante na jurisprudência burguesa, particularmente na elaboração de questões gerais, passou dos civilistas aos publicistas.