Leon Duguit

Evgeny Pashukanis

1925


Primeira publicação: Entsiklopediia gosudarstva i prava, Leon Diugi, (1925-1926), Moscou, vol. 1, pp. 1064-1068.

Retirado de: Evgeny Pashukanis, Selected Writings on Marxism and Law (eds. P. Beirne & R. Sharlet), London & New York 1980, pp.166-8.

Fonte: Leon Duguit, arquivo Pashukanis, seção inglesa do Marxists Internet Archive.

Tradução para o inglês: Peter B. Meggs.

Tradução para o português: João Nachtigall.


Leon Duguit [é] um respeitado jurista Francês, reitor da faculdade de direito em Bordeaux, e autor de uma série de trabalhos que criticam as opiniões e ideias jurídicas tradicionais. O primeiro trabalho em que ele começou a desenvolver a base de sua doutrina (L’etat, le droit objectif et la loi positive)(1) foi escrito como resposta ao O Sistema de Leis Públicas Subjetivas pelo notável jurista Alemão George Jellinek. Nesse e em seus trabalhos posteriores(2) Duguit critica a concepção jurídica de Estado; critica também a própria noção de direito subjetivo, rejeitando-a como uma “construção metafísica individualista” herdada dos juristas romanos e escolásticos medievais, e recebida através da Revolução Francesa. Essa construção é obsoleta, de acordo com Duguit, e é incapaz de incorporar as relações complexas e diversas que existem atualmente entre indivíduos e coletivos. O direito subjetivo leva apenas a infrutíferas e infindáveis discussões. Tendo feito e distinção entre o direito subjetivo e a esfera da jurisprudência, Duguit identifica como únicas normas indiscutíveis do direito objetivo aquelas obrigações positivas e negativas que são impostas às pessoas que pertencem ao mesmo grupo social. Duguit segue as concepções do sociólogo francês Emile Durkheim e considera que normas de direito objetivo são baseadas na lei da solidariedade social. A solidariedade social ocorre quando pessoas com necessidades em comum podem ter estas satisfeitas conjuntamente, e quando pessoas com diferentes necessidades e habilidades podem ser satisfeitas através da troca de serviços mútuos. Partindo destas proposições, Duguit, à la Kant, tenta substituir as leis por obrigações: “Não há outra lei que não seja a lei de cumprir com seu dever”. Até a propriedade privada - a mais característica instituição da sociedade burguesa individualista - é apresentada como função social por Duguit: “A lei da propriedade deve ser entendida apenas como o poder dos indivíduos que estão em uma posição econômica específica de cumprir com a obrigação do propósito social requerido por sua condição social.”

Rejeitando a noção de Estado e da doutrina jurídica de soberania como um traço especial da “vontade estatal”, Duguit considera o Estado como a pessoa ou grupo de pessoas que realmente detém o poder (os governantes):

O Estado é simplesmente o produto da diferenciação natural das pessoas que pertencem ao mesmo grupo social … a vontade dos governantes não tem mais valor jurídico que a vontade dos governados … Em toda sociedade humana, em maior ou menor extensão, é possível dizer que o Estado existe quando um grupo de pessoas tem poder coercitivo.

Duguit não se opõe a assertiva figurativa de que o Estado é “o machado do carrasco e o sabre do gendarme”. Mas tendo exposto o Estado como poder nu, e tendo maculado seu manto místico de soberania, Duguit rapidamente abre as portas da ideologia jurídica. Essa ideologia aparece na forma de “normas legais auto impostas”, determinadas pelo Estado e estando acima do Estado. Tanto os governantes quanto os governados estão no mesmo patamar, abaixo do comando de uma norma legal suprema produzida pela solidariedade social.

Apenas aquilo que é legal nas relações entre os governantes e os governados corresponde com esta norma suprema.

Os governantes possuem o maior poder em qualquer sociedade; consequentemente, a norma legal requer que eles usem desse poder para alcançar a solidariedade social.

Duguit procede com a ideia de que a solidariedade ocorre através da divisão do trabalho e que ela atribui a cada pessoa uma obrigação social. Ele então dá as boas vindas a todos tipos de corporações, associações, sindicatos profissionais, várias organizações de negócios, associações clericais e mercantis, etc, e vê neles o fenômeno da “integração social”: é assim qe a massa amorfa da nação adquire a “estrutura jurídica definida”, que é composta pelas pessoas unidas pelas suas necessidades comuns e interesses profissionais. Duguit até sonhou com uma representação profissional especial que suplementaria e contrabalancearia a representação parlamentar que apenas reflete o poder dos partidos políticos.

Duguit se declarou repetidas vezes como um oponente do socialismo, mas, de qualquer forma, suas teorias foram frequentemente classificadas como socialistas. Depois da Revolução de Outubro até nossos juristas tentaram retratar a doutrina de duguit como uma base prático-jurídica para a revolução socialista.(3) As simpatias de Duguit pela representação estatal e corporativa convenceu alguns de seus oponentes que a conclusão prática de sua concepção seria o sistema dos sovietes. A respeito disso, é claro, Duguit subjetivamente exibe grande ódio e total incompreensão pela Revolução de Outubro e a República Soviética, como demonstrado na segunda edição de seu “Direito Constitucional”. Objetivamente, também, suas teorias são uma tentativa de esconder e disfarçar as contradições do capitalismo. Ele retrata o capitalismo, movido pelo desejo de lucro e a cruel luta de classes, como uma coletividade fundada com base na solidariedade social. Ele representa a propriedade capitalista como o cumprimento de uma função social, e o Estado imperialista e militarista como uma instituição que é transformada de um poder autoritário para um grupo participativo. O conhecimento de Duguit é, certamente, um sinal claro de que, de um lado, as doutrinas individualistas perderam seu pathos ideológico e, ainda assim, são incapazes de fascinar qualquer um. E isso é apesar de suas vantagens dogmáticas: os dogmas do direito e “soberania ” e “direito subjetivo ” permanecem noções populares, e a crítica aqui não produziria nenhuma mudança radical. Por outro lado, Duguit encarna o período do capital financeiro que tornou a propriedade privada livre uma noção problemática, e é aparente na cena política na forma do real poder de grandes corporações capitalistas. Essas corporações colaboram com líderes oportunistas de associações, quando a necessidade surge, e ignoram a ficção obsoleta de uma soberania estatal sem classes.

O discípulo mais notável de Duguit é o francês Professor Jaise; na Inglaterra suas ideias são compartilhadas pelo jovem teórico político Harold Laski.