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O colonialismo, o imperialismo e o neocolonialismo são expressões do capitalismo e das aspirações económicas da burguesia. Em África, o desenvolvimento do capitalismo provocou o declínio do feudalismo e o aparecimento de uma nova superstrutura social.
Antes da colonização, o poder dos chefes indígenas — que não eram proprietários de terras — estava submetido a um controle restrito. Era a função do chefe, e não o próprio chefe, que era sagrada. Um conselho de anciãos exercia o controle. O colonialismo reforçou o poder dos chefes pelo sistema de «administração indirecta». Além dos seus novos poderes, eram por vezes remunerados, tornando-se assim, na maioria, agentes locais do colonialismo. Em certas colónias, a administração colonial designava os novos chefes, que foram então conhecidos pelo nome de «chefes de cantões».
Os imperialistas serviram-se da nobreza feudal e tribal para assegurar a sua exploração, o que aumentou ainda mais as contradições sociais, já que o feudalismo mantinha as massas camponesas debaixo do seu controle rígido e impedia qualquer possibilidade de organização revolucionária.
Subsistem ainda, em algumas regiões de África, restos de feudalismo. Assim, na Nigéria setentrional, tal como nas regiões setentrionais e ocidentais dos Camarões, os chefes de tribos vivem da exploração de camponeses, que devem não só pagar taxas e tributos, mas também fazer trabalhos forçados.
Mas, embora permaneçam vestígios do feudalismo, o colonialismo introduziu estruturas capitalistas na sociedade africana. Apareceu então uma pequena burguesia e uma diminuta (mas influente) burguesia nacional, composta principalmente por intelectuais, funcionários, representantes das profissões liberais e quadros da polícia e do exército. Os capitalistas africanos primavam pela ausência, pois o poder colonial tinha desencorajado qualquer tentativa local de empresa privada. Consequente- mente, quem quer que desejasse fazer fortuna e adquirir um estatuto social não tinha outro remédio senão participar na administração, no exército, ou tornar-se membro de uma profissão liberal. As indústrias mineiras, as empresas industriais, os bancos, o grande comércio e as grandes explorações agrícolas estavam na mão de estrangeiros. Em geral, a burguesia africana é de facto uma classe média.
É em parte devido a estas restrições desfavoráveis ao comércio indígena que a burguesia africana se opôs à dominação imperialista.
Depois da Segunda Guerra Mundial, quando os movimentos de libertação se estavam a tornar cada vez mais virulentos, os imperialistas viram-se obrigados a integrar a burguesia africana nas esferas donde tinha anteriormente estado excluída. Nessa altura passou a haver um número muito maior de africanos na administração e nas companhias estrangeiras. Assim nasceu uma nova elite africana, estreitamente ligada ao capitalismo estrangeiro. Ao mesmo tempo, medidas repressivas abateram-se sobre os partidos progressistas e sindicatos; os colonialistas entraram em guerra contra os povos de Madagáscar, dos Camarões e da Argélia. Foi nessa altura que se lançaram as bases do neocolonialismo.
Durante as lutas de libertação nacional, a pequena burguesia dividiu-se em três categorias:
Em geral, poucos membros da burguesia africana acumularam capital tão importante que lhes permitisse desenvolver um mundo de negócios africano. Permanece, portanto, uma burguesia compradora, tributária em grande escala dos interesses imperialistas em África.
O colonialismo e o neocolonialismo nunca encorajarão a sua integração —a título de igualdade— nas esferas económicas, porque não querem fazer dela uma rival. A burguesia indígena deve, portanto, submeter-se ao capitalismo estrangeiro. Eis por que a sua força reside apenas, por um lado, no apoio que recebe dos elementos feudais reaccionários do país e, por outro, na ajuda política, económica e militar do capitalismo internacional. Acontece que o imperialismo encoraja os movimentos de libertação, e isso nas regiões coloniais onde a exploração capitalista atingiu um estádio em que a influência de um partido trabalhista ameaça os interesses do capitalismo internacional. Ao dar independência aos partidos burgueses, as forças indígenas reaccionárias ficam em posição de poder, cimentando então a sua aliança com a burguesia internacional. As lutas de libertação conhecem quase sempre duas tendências: uma, verdadeiramente a favor não só de uma libertação nacional mas sobretudo da instauração do socialismo; enquanto que outra —que conta com o apoio do imperialismo — tem por objectivo a conservação das estruturas capitalistas.
Na maioria dos Estados africanos existem embriões de burguesia rural. No Ghana colocam-se nesta categoria os grandes proprietários e plantadores de cacau. Segundo o recenseamento efectuado em 1960, o número de membros da burguesia rural eleva-se a 1,4 milhões, enquanto que o da burguesia urbana se eleva a 300 000 membros. Isto numa população em que a percentagem urbana é de 24%. As burguesias urbana e rural não têm frequentemente consciência de classe que lhes permita medir a extensão da sua força e do seu poderio em relação às massas, cuja crescente resistência constitui uma ameaça à sua situação privilegiada. O proletariado urbano e rural aliou-se à burguesia nacional na luta pela independência que visa a supressão do poder colonial. Os antagonismos sociais apagaram-se momentaneamente, mas, uma vez conquistada a independência, reapareceram com as políticas económicas e sociais dos novos governos.
Não é possível dar-se uma fusão das classes após a independência: o governo é, nessa altura, de uma ou outra tendência. Certos teóricos sustentam que, a fim de derrubar a ordem burguesa, o proletariado e a pequena classe média deveriam formar uma coligação, conquistando assim para a sua causa o campesinato. Mas parecem ignorar este facto: no que diz respeito a interesses económicos, a pequena classe média colocar-se-á sempre ao lado da burguesia para defender as estruturas capitalistas. Apenas a união do proletariado com as massas camponesas poderá conduzir a estruturas autenticamente socialistas. Em conflitos que impliquem interesses políticos e económicos, estes últimos levam sempre a melhor.
Assim como a burguesia internacional, a burguesia africana está convencida de que os governos devem proteger a propriedade privada e que o sucesso se mede pela fortuna, pela aquisição de bens pessoais e de um estatuto social.
Existem, portanto, em África organizações burguesas — clubes e associações profissionais — semelhantes àquelas que se encontram nas sociedades burguesas da Europa e da América. Segundo a burguesia, a vida política deve limitar-se às rivalidades entre os diversos grupos proprietários. Não é raro assistir-se em África, assim como na Ásia, na América Latina e noutras partes do Mundo, a uma sucessão de golpes de Estado num só país. Trata-se então de uma luta pelo Poder entre dois grupos capitalistas. Porque os países da África, Ásia e América Latina têm um mesmo passado de exploração imperialista e colonialista e tornaram-se, após os movimentos de independência, os satélites do neocolonialismo. A maioria de entre eles têm, além disso, à sua cabeça elementos burgueses que não ambicionam senão o poder político, que disputam entre si. Porque, qualquer que seja a facção no Poder, a questão é sempre a aquisição de bens e de estatuto social. Outros factores, tais como o regionalismo e o tribalismo, entram em linha de conta na corrida ao Poder que se joga nas fileiras da burguesia. Mas é preciso não esquecer que estas rivalidades se passam entre privilegiados e que não se trata de luta de classes.
Avança-se frequentemente com a questão tribal para eclipsar as forças sociais criadas pelo colonialismo na sociedade africana. Nas numerosas regiões em que a desigualdade do desenvolvimento económico, durante a época colonial, criou uma diferenciação das funções económicas segundo considerações de ordem étnica, esta tendência é explorada no interesse do capitalismo internacional.
É necessário distinguir entre tribos e tribalismo. O clã é a extensão da célula familiar, enquanto que a tribo é a extensão étnica do clã através de um território. Anteriormente à penetração imperialista em África existiam tribos, mas não tribalismo, no sentido moderno do termo. O tribalismo é um produto do colonialismo, que se serviu de sobrevivências feudais e tribais para lutar contra a pressão dos movimentos de libertação nacional.
O atraso na formação das nacionalidades é o resultado da conquista colonial, quando os imperialistas repartiram entre si a África, desprezando as realidades geográficas, linguísticas e étnicas. O crescimento da economia e a evolução das estruturas sociais sofreram com isso. Foram artificialmente apresentadas estruturas patriarcais e feudais, e houve a preocupação de impedir por todos os meios possíveis o surgimento de um proletariado politizado e consciente.
Ora, os modos de exploração capitalista empregues nas regiões mineiras e nas plantações, como na África do Sul e de Este e no Congo-Kinshasa, originaram inevitavelmente o despertar do proletariado. A classe operária foi mantida no seio de estruturas tradicionais, de maneira a impedir-lhe a tomada de consciência de classe.
Após a independência, as potências coloniais continuaram a encorajar o separatismo e os antagonismos tribais, ajudando a constituir federações.
O neocolonialismo, sob todas as formas, impediu o estabelecimento de uma independência real.
Na época do neocolonialismo, o tribalismo é o instrumento de poder das classes burguesas, na sua tentativa de conter o descontentamento das massas. Muitos destes ditos antagonismos tribais são na realidade o resultado de antagonismos sociais em relação com a transição de uma situação colonial para uma situação neocolonial. O tribalismo é a consequência, e não a causa, do subdesenvolvimento. A maioria dos conflitos «tribais» são resultado da exploração burguesa ou feudal, em estreita relação com os interesses de classe do imperialismo e do neocolonialismo. Os chefes tradicionais viram-se desprezados em proveito da nova burguesia urbana, que estava em melhor posição para defender os interesses do capitalismo internacional. Fala-se de conflitos tribais, mas trata-se de uma luta de classes.
O aparecimento de tribos, em todos os países, é considerado como um processo normal, segundo o desenvolvimento histórico. As tribos, como as nacionalidades, podem existir sempre, mas o tribalismo (ou política das tribos) deve ser eliminado. Graças a um governo socialista pan-africano, o tribalismo (e não as tribos) desaparecerá.
Certos elementos da burguesia africana e chefes tradicionais — tais como os intelectuais revolucionários — são capazes de se dissociarem dos seus meios de origem e da ideologia própria a esses meios: são os «trânsfugas revolucionários». Esses podem ser admitidos nas fileiras da revolução socialista.
Entretanto, na maioria dos países em que o desenvolvimento socialista está ainda no princípio, a pequena minoria burguesa sente-se ameaçada pelo ímpeto do socialismo. Consequentemente, as elites burguesas cooperam estreitamente entre si, assim como com os militares. Golpes de Estado neocolonialistas e burgueses são perpetrados por militares, a fim de impedir qualquer tomada de poder pelo povo e pelos socialistas.
Estes golpes de Estado têm o apoio da enorme máquina neocolonialista. Porque, a fim de protegerem os seus interesses, os imperialistas e os neocolonialistas apoiavam a classe privilegiada durante a época colonial. A burguesia indígena e o neocolonialismo têm interesses comuns na manutenção da sua supremacia e das estruturas do Estado colonial. A burguesia burocrática, em particular, é a «menina querida» dos governos neocolonialistas. São numerosos os Estados africanos que despendem somas enormes — a torto e a direito — com a sua burocracia. O Gabão, por exemplo, cuja população é inferior a 500 000 habitantes, possui um parlamento de 65 membros, recebendo cada um 165 000 francos por ano, enquanto que o salário anual do operário médio não ultrapassa os 700 francos. No Daomé, 60% do rendimento anual são consagrados aos salários dos funcionários do governo.
Herdeira das antigas classes dominantes, a burguesia burocrática está estreitamente ligada às firmas estrangeiras, aos diplomatas dos países imperialistas e às classes exploradoras africanas. Embora não tenha grande força de coesão, é uma elite que resulta do modo capitalista de produção e um dos agentes mais dedicados do neocolonialismo.
Após a independência, a posição dos burocratas foi reforçada pelas políticas de africanização dos novos governos, assim como pelo aumento de trabalho trazido pelas grandes transformações económicas e sociais projectadas por estes mesmos governos. Porque os burocratas têm a competência administrativa e técnica requerida para este trabalho. Estão aptos a seleccionar e organizar as informações necessárias aos ministros para a formulação das suas políticas. Neste sentido, desempenham um papel importante nas tomadas de decisões políticas. Mas muitos burocratas assumem funções para as quais não foram preparados. Estes burocratas têm tendência a mostrar-se arrogantes e a isolar-se da classe inferior de funcionários e empregados de escritório e a mostrar-se servis para com os burocratas estrangeiros neocolonialistas. Qualquer que seja a sua influência política, é sempre exercida numa perspectiva de classe. A sua educação e posição social separam-nos das massas e fazem deles acólitos dos capitalistas locais, intelectuais desonestos, quadros ambiciosos do exército e da polícia e neocolonialistas. Ainda que sempre submetidos ao controle das autoridades política e militar, ocupam uma posição extremamente importante no aparelho de Estado neocolonialista e exercem a sua influência com a bênção das classes dominantes. Em certos casos, e sobretudo em caso de ditadura militar, exercem de facto a função de agentes políticos (sem terem sido plebiscitados). Isto torna-se particularmente evidente quando se trata de acordos com os burocratas estrangeiros.
Quando se dá um golpe de Estado militar reaccionário, a burocracia, tenha ou não participado nele, dá o seu apoio imediato aos novos detentores do Poder, continuando a rotina administrativa e ajudando à elaboração das novas leis. Os grandes burocratas aglomeram-se em todos os conselhos, comissões, etc., que se seguem a um golpe de Estado. Porque o estabelecimento de um regime arbitrário, militar e policial, reforça a sua posição, já que os novos dirigentes dependem inteiramente deles.
Contrariamente aos governos civis, os regimes militares podem impor uma política sem ter o acordo do parlamento, o que dá aos burocratas uma maior liberdade de acção. Em muitos países, os grandes funcionários participam na elaboração das políticas. Nos Estados Unidos, cada governo tem a sua própria administração, que é parte integrante da elite no Poder. Na Grã-Bretanha, pelo contrário, os burocratas devem mostrar-se apolíticos e servir o governo que está no Poder, seja ele qual for.
Mas em África a burguesia está associada ao imperialismo, ao colonialismo e ao neocolonialismo. Embora não passe dum sector minoritário da população, representa um perigo para as massas africanas, devido à força que lhe dá a sua dependência do capitalismo estrangeiro, que pretende manter as massas operárias e camponesas num perpétuo estado de sujeição.
De facto, é impossível dissociar os interesses da burguesia africana dos do capitalismo monopolista internacional. O declínio de uma trará o declínio do outro.
A aliança da burguesia indígena e do capitalismo monopolista internacional é reforçada pela tendência crescente dos governos para formar associações, ou organizações económicas regionais, com corporações gigantes, multinacionais e imperialistas. Determinados governos africanos que se dizem a favor de um desenvolvimento de tipo socialista, e que «nacionalizam» as indústrias chaves, são aliados dessas corporações gigantes. Associam-se ao imperialismo na sua continuação da exploração do proletariado rural e urbano. Quebram a resistência dos operários, proibindo ou impedindo as greves. Durante esse tempo, as corporações consolidam a sua influência na economia africana, sabendo que podem contar com o apoio dos governos.
Na verdade, os governos africanos tornaram-se os guardiões das corporações multinacionais imperialistas, constituindo assim um obstáculo ao avanço do socialismo.
É com o acordo da burguesia que os monopólios internacionais continuam a pilhar a África e a frustrar os planos da revolução africana. Por conseguinte, é necessário denunciar e pôr termo à acção da burguesia africana. É o objectivo da luta do proletariado, que pretende a libertação total e a socialização do continente africano, contribuindo assim para o progresso da causa da revolução socialista mundial.
Inclusão | 22/03/2014 |