Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção IV. Desdobramentos do conflito
Introdução, por Felipe Vale da Silva


capa

Esta seção abrange acontecimentos militares que vão do final de 1861, com a deposição do oficial John C. Frémont, até as batalhas mais importantes da Guerra Civil em 1862. Seu desfecho se dá com a Emancipation Proclamation de Lincoln, declaração que viria a se tornar a 13ª. Emenda à constituição do país e dizia: "a partir de 1º. de janeiro de 1863, todos os escravizados nos estados do Sul são declarados libertos". A alma da economia sulista, a mão-de-obra escrava, tornar-se-ia clandestina a partir de então.

Este foi um desfecho com o qual democratas não contavam: mesmo os aliados mais radicais de Lincoln, como o secretário de Estado William H. Seward, duvidavam que uma medida tão enérgica viria daquele homem de caráter apaziguador. Até então, havia margem para que a guerra se resolvesse mediante um acordo — as possibilidades para o futuro da escravidão, assim, seriam muitas. Ou ela se manteria em uma escala menor e mais controlada, ou então haveria reparações financeiras para escravagistas, como ocorreu na Inglaterra. A decisão pela emancipação foi uma forma de tirar toda as possibilidades de acordos da mesa. A guerra terminaria com a rendição dos secessionistas ou com a destruição completa do Sul.

Por se tratar de desenvolvimentos pontuais do conflito, os dez artigos que compõem a seção estão dispostos cronologicamente, precedidos por uma nova linha do tempo que ajudará não-especialistas na Guerra Civil a se guiarem por seu emaranhado de batalhas e efemérides políticas.

Nos eventos aqui tratados, encontramos uma aplicação exemplar do método do materialismo histórico desenvolvido por Marx, aliada a expertise de Engels em questões militares. Para explicar como os desdobramentos da guerra em si geraram uma crise dentro do sistema escravista, os autores partem de uma retomada das dinâmicas de poder nos EUA desde a Independência, mostrando como o conflito entre o Norte industrial/burguês e o Sul oligárquico/escravista foi não apenas inevitável, mas também a força motriz da história estadunidense durante meio século. Ao analisar o conteúdo das duas distintas formações que coexistiam no mesmo território nacional, Marx constatou que a baixa produtividade relativa da produção escravista do Sul – vis-à-vis com a concorrente industrial do Norte – exigia, para se tornar remunerativa, a exploração de amplos contingentes de seres humanos e a incorporação sistemática de novas extensões de solo fértil, conferindo à escravidão sulista um caráter tendencialmente expansionista. Para que aquela classe formada por uma minoria de grandes proprietários fundiários mantivesse sua dominação sobre uma maioria de brancos pobres, destituídos de terra, uma condição era imprescindível: a corrupção ideológica dos despossuídos pelos oligarcas escravistas, que lhes acenavam a possibilidade de, a partir da obtenção de novos territórios, virem a se transformar, também eles, em senhores de escravos.

Por outro lado, observava Marx, a coisificação e a exploração dos trabalhadores escravizados pelos latifundiários do Sul estabeleciam uma base objetiva para a intensificação da exploração da força de trabalho dos operários assalariados do Norte, e uma ameaça ao reconhecimento de quaisquer de seus direitos constitucionais. Em outras palavras, para Marx e Engels, a existência da escravidão nos estados do Sul não era uma excentricidade inofensiva e passível de coexistência, mas sim uma força expansionista e reacionária, exercendo uma influência nociva e corruptora sobre o conjunto da formação social estadunidense. Desdobramentos da Guerra mostravam, pela primeira vez, este aspecto oculto da escravidão para a classe trabalhadora, levando os latifundiários sulistas a medidas desesperadas para manter o poder (a este respeito, ver, sobretudo, o artigo A situação no teatro de guerra americano).

Subjaz nesses escritos o reconhecimento das limitações sócio-históricas da burguesia estadunidense, que a tornavam incapaz de realizar a “democracia americana” em sua plenitude – decantada anos antes por liberais europeus da estirpe de Alexis de Tocqueville –, concorrendo para a manutenção de uma “república contaminada” (defiled republic) na sociedade e no sistema político estadunidense pela vigência da “instituição nefanda”. Para Marx e Engels, a maneira consequente e radical de travar a guerra seria através da proclamação de seu caráter abolicionista, emancipador e antioligárquico, de modo a mobilizar as massas de condição livre e aqueles que ainda permaneciam escravos para o desenvolvimento de uma guerra popular e revolucionária.

A seção termina com Sintomas de desintegração na Confederação Sulista, artigo que retoma a análise das reações britânicas à Guerra Civil, o que nos liga à fase mais combativa destes escritos.


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Inclusão: 18/08/2022