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Os quatro artigos desta seção foram, em sua maioria, escritos para o jornal austríaco Die Presse a fim de inteirar o público europeu, alheio a detalhes da política do Novo Mundo, sobre as causas do conflito. Por isso, servem como um bom ponto de partida para este volume.
Mesmo que, em traços gerais, a História dos EUA seja conhecida por aqui, aquele era um país muito diverso em 1861. Também seus partidos políticos eram distintos: se hoje o Partido Republicano tem em seu elenco gente como Trump, Bush e Palin — nomes que intuitivamente ligamos ao reacionarismo e ao supremacismo branco — em 1860, essa foi a pecha dos candidatos democratas. O Partido Republicano, de fato, foi fundado em resposta às usurpações praticadas pela oligarquia escravista. Ele representava os interesses da burguesia industrial do Norte e gozava do apoio da população trabalhadora. Para eliminar o poderio político e social dos escravistas, tratava de limitar a escravidão às dimensões então existentes, buscando eliminá-la progressivamente. No que se refere às terras até então não colonizadas do Oeste, o partido decidiu por sua atribuição gratuita aos agricultores livres. O partido Whig (liberal) desaparecia pouco a pouco, na sequência das eleições de 1852, deixando o campo perigosamente aberto à expansão do Partido Democrata, pró-escravismo. A revogação do acordo do Missouri, em 1854, tornava o perigo ainda mais evidente. Enormes manifestações de protesto contra a ação do Congresso aconteciam de um lado a outro do Norte. Como consequência, o Partido Republicano realizou sua primeira convenção em Jackson, Michigan, em 6 de julho de 1854. Ele se desenvolveu rapidamente em escala nacional, na sequência dos acontecimentos do Kansas (1854-1856), agravados pela indignação suscitada no Norte pelo Manifesto de Ostende (1854). Em 1856, o novo partido participou de sua primeira campanha presidencial com Frémont encabeçando a lista. Quatro anos depois, conquistou a eleição de Lincoln com a palavra de ordem “Liberdade de expressão, liberdade de acesso à terra, liberdade de trabalho, liberdade humana”.
As origens do Partido Democrata, por sua vez, remontam a 1828. Na época era representado por uma parte considerável de agricultores e pequenos burgueses das cidades. Durante as décadas de 1830 e 1840, passou a representar os interesses dos agricultores (latifundiários) e da grande burguesia financeira do Norte, defensores da escravidão. Após a adoção da Lei Kansas-Nebraska de 1854 (analisada detalhadamente por Marx), a escravidão ameaçava submergir toda a União e terminou por provocar uma cisão no interior do Partido Democrata, possibilitando a vitória de Lincoln em 1860.
Tendo estas informações em mente, os leitores e leitoras encontrarão nos artigos que se seguem um exímio panorama dos bastidores da política estadunidense e de suas disputas territoriais. Aqui já temos algumas das grandes teses de Marx e Engels sobre aquele evento, “um espetáculo sem paralelos nos anais da História das guerras”, “a primeira grande guerra da história contemporânea”, “o maior acontecimento da época” devido a sua repercussão mundial. Igualmente, os autores destoam do tom generalizado da mídia europeia ao insistirem na centralidade da questão da escravidão e na necessidade de um desfecho abolicionista (que historicamente criou precedentes para países remanescentes do mundo colonial).
Uma questão parece ficar de fora de uma análise marxiana: “quais eram os interesses financeiros da burguesia nortista na Guerra?”. Não se tratou unicamente de uma guerra humanitária, embora muitos dos que nela lutaram o fizeram em prol da emancipação dos negros e negras escravizados. De fato, os autores parecem negligenciar esta questão central de suas demais análises de conjuntura — pensemos em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, em que todos os interesses de classe foram esmiuçados à exaustão para que um quadro do golpe bonapartista se completasse. Sugerimos que, no caso da análise da Guerra Civil Americana, Marx teve de mudar de estratégia: a mídia inglesa em 1861 criticou ferozmente a postura do Norte como uma mostra de “intervencionismo ao bom e velho livre mercado”, como algo motivado pela sede por lucros, com a intenção única de se livrar da competição sulista. Marx entendeu e explorou a hipocrisia inglesa já em seu primeiro artigo; caso fizesse uma crítica de motivos ulteriores de uma parcela dos capitalistas nortistas, estaria cantando no mesmo tom que The Times, The Examiner e demais órgãos britânicos ligados aos interesses da indústria têxtil, a qual por sua vez exportava algodão produzido a base de mão-de-obra escravizada. O que o autor fez foi ainda mais intrigante: começou seu tratamento da Guerra Civil dos EUA analisando as reações vindas do centro do capitalismo, a Inglaterra. “Por que os ingleses, do outro lado do Atlântico, estão atacando a política do Norte? Que motivos econômicos estão por trás disso?”. Aqui temos uma valiosa reflexão da Guerra Civil Americana dentro do contexto global do capitalismo, um dos grandes diferenciais destes escritos em relação a uma grande parcela da historiografia sobre o evento.
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