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Livro Primeiro: O processo de produção do capital
Sétima Seção: O processo de acumulação do capital
Vigésimo terceiro capítulo: A lei geral da acumulação capitalista
2. Diminuição relativa da parte variável do capital no decurso da acumulação e da concentração que a acompanha
Segundo os próprios economistas, não é nem o volume existente da riqueza social nem a magnitude do capital já adquirido que conduzem a uma elevação do salário, mas somente o crescer continuado da acumulação e o grau de velocidade do seu crescimento (A. Smith, livro I, cap. 8). Até aqui considerámos apenas uma fase particular deste processo, aquela em que tem lugar o acréscimo de capital mantendo-se igual a composição técnica do capital. Mas o processo vai para além desta fase.
Uma vez dadas as bases gerais do sistema capitalista, no decurso da acumulação atinge-se sempre um ponto em que o desenvolvimento da produtividade do trabalho social se toma na alavanca mais poderosa da acumulação.
«A mesma causa», diz A. Smith, «que eleva os salários do trabalho, o aumento capital [stock], tende a aumentar a sua força produtiva e a fazer uma quantidade mais pequena de trabalho [labour] produzir uma quantidade maior de obra [work].»[N177]
Abstraindo de condições naturais, como fertilidade do solo, etc., e da destreza dos produtores que trabalham independente e isoladamente — a qual, todavia, se afirma mais qualitativamente na bondade da obra feita do que quantitativamente na [sua] massa —, o grau produtivo social do trabalho exprime-se no volume relativo da magnitude dos meios de produção que um operário, durante um dado tempo, com a mesma tensão de força de trabalho, transforma em produto. A massa de meios de produção com que ele funciona cresce com a produtividade do seu trabalho. Estes meios de produção desempenham aqui um duplo papel. O crescimento de uns é consequência, o de outros condição da produtividade crescente do trabalho. P. ex., com a divisão manufactureira do trabalho e a aplicação de maquinaria é elaborada no mesmo tempo mais matéria-prima, entra, portanto, uma massa maior de matéria-prima e de matérias auxiliares no processo de trabalho. Isto é consequência da crescente produtividade do trabalho. Por outro lado, a massa da maquinaria, animais de trabalho, adubos minerais, tubos de drenagem, etc., aplicados, é condição da produtividade crescente do trabalho. Igualmente, a massa de meios de produção concentrados em edifícios, gigantescos fomos, meios de transporte, etc. Seja condição ou consequência, o volume crescente de magnitude dos meios de produção, em comparação com a força de trabalho neles incorporada, exprime a produtividade crescente do trabalho. O aumento desta última aparece, portanto, na diminuição da massa de trabalho proporcionalmente à massa de meios de produção por ela movida, ou na diminuição de magnitude do factor subjectivo do processo de trabalho, comparado com os seus factores objectivos.
Esta alteração da composição técnica do capital — o crescimento da massa de meios de produção, comparada com a massa de força de trabalho que a anima — reflecte-se na sua composição de valor, no aumento da parte componente constante do valor de capital à custa da sua parte componente variável. P. ex., de um capital, calculando percentualmente, são originalmente colocados uns 50% em meios de produção e uns 50% em força de trabalho; mais tarde, com o desenvolvimento do grau produtivo do trabalho, uns 80% em meios de produção e uns 20% em força de trabalho, etc. Esta lei do crescimento ascensional da parte constante do capital, relativamente à parte variável, é confirmada a cada passo (como já acima se desenvolveu) pela análise comparativa dos preços das mercadorias, quer quando comparamos épocas económicas diversas de uma única nação quer quando comparamos diversas nações na mesma época. A magnitude relativa do elemento do preço que representa apenas o valor dos meios de produção consumidos, ou parte constante do capital, estará em proporção directa com o progresso da acumulação, a magnitude relativa do outro elemento do preço que paga trabalho, ou representa a parte variável do capital, estará em geral em proporção inversa.
A diminuição da parte variável do capital face à parte constante, ou a modificação da composição do valor de capital, indica apenas aproximadamente a mudança na composição das suas partes componentes materiais. Se, p. ex., hoje o valor de capital colocado na fiação é em 7/8 constante e em 1/8 variável, enquanto no começo do século XVIII era 1/2 constante e 1/2 variável, em contrapartida a massa de matéria-prima, meios de trabalho, etc., que um quantum determinado de trabalho de fiação hoje produtivamente consome é muitas centenas de vezes maior do que no começo do século XVIII. A razão é simplesmente a de que com o crescimento da produtividade do trabalho não só sobe o volume dos meios de produção por ele utilizados como também desce o seu valor comparado com o seu volume. O seu valor sobe, portanto, absolutamente, mas não proporcionalmente ao seu volume. O crescimento da diferença entre capital constante e variável é, portanto, muito mais pequeno do que o da diferença entre a massa dos meios de produção em que o capital constante é convertido e a massa de força de trabalho em que o capital variável é convertido. A primeira diferença aumenta com a última, mas em grau mais diminuto.
De resto, quando o progresso da acumulação faz diminuir a magnitude relativa da parte variável do capital, não exclui com isso a subida da sua magnitude absoluta. Suponhamos que um valor de capital se cinde, inicialmente, em 50% de capital constante e 50% de capital variável e, mais tarde, em 80% de capital constante e 20% de capital variável. Se, entretanto, o capital original, digamos 6000 lib. esterl., tiver crescido para 18 000 lib. esterl., a sua parte componente variável cresceu também em 1/5. Era 3000 lib. esterl., ascende agora a 3600 lib. esterl. Mas onde antes um acréscimo de capital de 20% teria sido suficiente para fazer subir a procura de trabalho em 20%, agora requer triplicação do capital original.
Na quarta secção foi mostrado como o desenvolvimento da força produtiva social do trabalho pressupõe cooperação em grande escala; como só neste pressuposto pode ser organizada a divisão e a combinação do trabalho, serem economizados meios de produção por concentração maciça, dar vida a meios de trabalho já materialmente apenas aplicáveis em comum (como, p. ex., sistema da maquinaria, etc.), ser compelidas ao serviço da produção enormes forças da Natureza, ser consumada a transformação do processo de produção em aplicação tecnológica da ciência. Na base da produção de mercadorias, onde os meios de produção são propriedade de pessoas privadas, onde o operário manual, portanto, ou isolada e autonomamente produz mercadorias ou vende a sua força de trabalho como mercadoria porque lhe faltam os meios para trabalhar por conta própria [Selbsbetrieb], aquele pressuposto realiza-se apenas pelo crescimento dos capitais individuais ou na medida em que os meios sociais de produção e os meios sociais de vida são transformados em propriedade privada de capitalistas. O solo da produção de mercadorias só em forma de produção capitalista pode suportar a produção em grande escala. Uma certa acumulação de capital nas mãos de produtores individuais de mercadorias forma, portanto, o pressuposto do modo de produção especificamente capitalista. Por isso, tivemos que a supor na transição do artesanato para a empresa capitalista. Ela pode chamar-se acumulação original, porque, em vez de resultado histórico, é base histórica da produção especificamente capitalista. Não precisamos aqui ainda de investigar o modo como ela própria surge. Basta dizer que ela forma o ponto de partida. Mas todos os métodos para a subida da força produtiva social do trabalho, que cresceram nesta base, são simultaneamente métodos da subida da produção da mais-valia ou do sobreproduto que, por sua vez, é o elemento de formação da acumulação. Eles são, portanto, simultaneamente métodos da produção de capital por capital ou métodos da sua acumulação acelerada. A contínua retransformação de mais-valia em capital apresenta-se como crescimento da magnitude do capital que entra no processo de produção. Esta magnitude torna-se por sua vez base de uma escala alargada da produção, dos métodos, que a acompanham, para a subida da força produtiva do trabalho e da produção acelerada de mais-valia. Quando, portanto, um certo grau de acumulação de capital aparece como condição do modo de produção especificamente capitalista, este último provoca retroactivamente uma acumulação acelerada do capital. Com a acumulação do capital desenvolve-se, portanto, o modo de produção especificamente capitalista e, com o modo de produção especificamente capitalista desenvolve-se a acumulação do capital. Estes dois factores económicos geram, na razão composta do choque que reciprocamente se dão, a mudança na composição técnica do capital, pela qual a parte componente variável se toma cada vez menor comparada com a constante.
Cada capital individual é uma concentração, maior ou menor, de meios de produção com o correspondente comando sobre um maior ou menor exército de operários. Cada acumulação torna-se o meio de nova acumulação. Com o aumento da massa de riqueza que funciona como capital, ela alarga a sua concentração nas mãos de capitalistas individuais, portanto a base da produção em grande escala e dos métodos de produção especificamente capitalistas. O crescimento do capital social consuma-se no crescimento de muitos capitais individuais. Pressupondo que todas as outras circunstâncias se mantêm iguais, os capitais individuais, e com eles a concentração dos meios de produção, crescem na proporção em que eles formam partes alíquotas do capital social total. Simultaneamente, separam-se dos capitais originais ramos que funcionam como novos capitais autónomos. Entre outros, desempenha aqui um grande papel a divisão da fortuna em famílias de capitalistas. Com a acumulação do capital, cresce, portanto, também, mais ou menos, o número dos capitalistas. Dois pontos caracterizam esta espécie de concentração que repousa imediatamente sobre a acumulação, ou antes lhe é idêntica. Primeiro: a concentração crescente dos meios de produção sociais nas mãos de capitalistas individuais é, mantendo-se iguais as demais circunstâncias, limitada pelo grau de crescimento da riqueza social. Segundo: a parte do capital social radicada em cada esfera particular da produção está repartida por muitos capitalistas que se defrontam uns aos outros como produtores independentes de mercadorias e que concorrem entre si. A acumulação e a concentração que a acompanha não se encontram apenas dispersas em muitos pontos, mas o crescimento dos capitais em funcionamento está entrecruzado pela formação de novos e pela fragmentação de antigos capitais. Se a acumulação se apresente, portanto, por um lado, como concentração crescente dos meios de produção e do comando sobre trabalho, apresenta-se, por outro, como repulsão de muitos capitais individuais entre si.
Contra esta dispersão do capital total social em muitos capitais individuais, ou a repulsão das suas fracções entre si, actua a sua atracção. Não se trata já de simples concentração, idêntica à acumulação, de meios de produção e do comando sobre o trabalho. É concentração de capitais já formados, supressão da sua autonomia individual, expropriação de capitalista por capitalista, transformação de muitos pequenos capitais em poucos grandes capitais. Este processo diferencia-se do primeiro por apenas pressupor a alteração da repartição dos capitais já existentes e em funcionamento; portanto, o seu espaço de manobra não está limitado pelo crescimento absoluto de riqueza social ou pelos limites absolutos da acumulação. O capital avoluma-se aqui numa só mão até grandes massas, porque ali está a desaparecer de muitas. Diferentemente da acumulação e da concentração, é a centralização propriamente dita.
As leis desta centralização dos capitais ou da atracção de capital por capital não podem ser desenvolvidas aqui. Baste uma certa indicação factual. A luta concorrencial é conduzida pelo embaratecimento das mercadorias. A barateza das mercadorias depende, caeteris paribus(1*), da produtividade do trabalho, mas esta depende da escala da produção. Os capitais maiores batem, portanto, os mais pequenos. Além disso, lembremo-nos de que com o desenvolvimento do modo de produção capitalista cresce o volume mínimo do capital individual que é requerido para explorar um negócio em condições normais. Os capitais mais pequenos acorrem por isso apenas àquelas esferas de produção das quais a grande indústria se apoderou apenas esporádica ou incompletamente. A concorrência faz aqui furor na proporção directa do número e na proporção inversa da magnitude dos capitais que rivalizam. Ela termina sempre com a ruína de muitos pequenos capitalistas cujos capitais, em parte, passam para as mãos do vencedor e, em parte, se perdem. Abstraindo disto, com a produção capitalista forma-se um poder inteiramente novo, o sistema de crédito que, nos seus começos, furtivamente se introduz como modesto auxílio da acumulação, congregando nas mãos de capitalistas individuais ou associados, por fios invisíveis, os meios monetários dispersos na superfície da sociedade em massas maiores ou menores, mas em breve devém uma nova e temível arma na luta concorrencial e transforma-se finalmente num enorme mecanismo social para a centralização dos capitais.
Na mesma medida em que se desenvolvem a produção e a acumulação capitalistas, desenvolvem-se também a concorrência e o crédito, as duas alavancas mais poderosas da centralização. A par disso, o progresso da acumulação multiplica a matéria centralizável, i. é, os capitais singulares, enquanto o alargamento da produção capitalista cria, aqui, a necessidade social, ali, os meios técnicos daqueles poderosos empreendimentos industriais cuja execução está ligada a uma centralização prévia do capital. Hoje em dia, a força de atracção recíproca dos capitais singulares e a tendência para a centralização são, portanto, mais forte do que nunca. Se bem que a extensão e a energia relativas do movimento centralizador sejam, em certo grau, determinadas pela magnitude já alcançada da riqueza capitalista e pela superioridade do mecanismo económico, o progresso da centralização, porém, não depende de modo algum do crescimento positivo de magnitude do capital social. E isto diferencia especialmente a centralização da concentração, que é apenas uma outra expressão para a reprodução em escala alargada. A centralização pode decorrer por mera alteração da repartição de capitais já existentes, por simples alteração do agrupamento quantitativo das partes componentes do capital social. O capital pode aumentar aqui até massas poderosas numa só mão, porque ali é retirado de muitas mãos singulares. Num dado ramo de negócio a centralização teria alcançado o seu limite extremo quando todos os capitais colocados se tivessem fundido num único capital singular(2*). Numa dada sociedade, este limite só seria alcançado no momento em que o capital social todo estivesse reunido na mão quer de um capitalista singular quer de uma única sociedade de capitalistas.
A centralização completa a obra da acumulação ao colocar os capitalistas industriais em condições de estenderem a escala das suas operações. Seja este último resultado consequência da acumulação ou da centralização; complete-se a centralização pelo caminho violento da anexação — onde certos capitais se tomam centros de gravitação tão poderosos para outros que quebram a sua coesão individual e atraem então a si os fragmentos individualizados — ou aconteça a fusão de uma massa de capitais já formados, resp. em formação, por intermédio do procedimento mais macio da formação de sociedades por acções — o efeito económico permanece o mesmo. A extensão crescente dos établissements(4*) industriais forma por toda a parte o ponto de partida de uma organização mais abrangente do trabalho total de muitos, de um desenvolvimento mais amplo das suas forças motrizes materiais, i. é, da progressiva transformação de processos de produção singularizados e explorados à maneira habitual em processos de produção socialmente combinados e cientificamente dispostos.
É, porém, claro que a acumulação, a gradual multiplicação do capital pela reprodução que transita da forma circular para a espiral, é com efeito um procedimento extremamente lento em comparação com a centralização, a qual precisa apenas de modificar o agrupamento quantitativo das partes integrantes do capital social. O mundo ainda estaria sem caminhos-de-ferro se tivesse tido que esperar que a acumulação pusesse alguns capitais singulares à altura da construção de um caminho-de-ferro. A centralização, em contrapartida, realizou isto num abrir e fechar de olhos por intermédio das sociedades por acções. E enquanto a centralização aumenta e acelera os efeitos da acumulação, alarga e acelera simultaneamente os revolucionamentos na composição técnica do capital, os quais multiplicam a sua parte constante à custa da sua parte variável, e com isso diminuem a procura relativa de trabalho.
As massas de capital de um dia para o outro soldadas pela centralização reproduzem-se e multiplicam-se como as outras, só que mais rapidamente, e tomam-se assim novas e poderosas alavancas da acumulação social. Quando se fala em progresso da acumulação social, incluem-se aí tacitamente — hoje em dia — os efeitos da centralização.
Os capitais suplementares formados no curso da acumulação normal (ver cap. XXII, 1) servem preferencialmente de veículo para a exploração de novas invenções e descobertas, e de aperfeiçoamentos industriais em geral. Porém, o capital antigo também alcança com o tempo o momento da sua renovação da cabeça aos pés, em que ele muda de pele e igualmente renasce na figura técnica aperfeiçoada em que uma massa mais diminuta de trabalho chega para pôr em movimento uma massa maior de maquinaria e de matéria-prima. A diminuição absoluta da procura de trabalho que daqui necessariamente se segue é, evidentemente, tanto maior quanto mais já acumulados em massas estiverem, em virtude do movimento centralizador, os capitais que percorrem este processo de renovação.
Por um lado, o capital adicional formado no decurso da acumulação atrai, portanto, proporcionalmente à sua magnitude, cada vez menos operários. Por outro lado, o capital antigo, reproduzido periodicamente em nova composição, repele cada vez mais operários por ele anteriormente ocupados.
Notas de rodapé:
(1*) Em latim no texto: em iguais circunstâncias. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(2*) {À 4,a ed. — Os mais recentes «trusts»(3*) ingleses e americanos já se esforçam por alcançar este objectivo quando tentam reunir pelo menos todas as grandes empresas de um ramo de negócio numa grande sociedade por acções com monopólio prático. — F. E.} (retornar ao texto)
(3*) Em inglês no texto. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(4*) Em francês no texto: estabelecimentos. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N177] Adam Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Vol. I, Edinburgh, 1814, p. 142. (retornar ao texto)
Inclusão | 31/12/2014 |