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Livro Primeiro: O processo de produção do capital
Sétima Seção: O processo de acumulação do capital
Vigésimo terceiro capítulo: A lei geral da acumulação capitalista
1. Procura crescente de força de trabalho com a acumulação, mantendo-se igual a composição do capital
Neste capítulo tratamos da influência que o crescimento do capital exerce sobre o destino da classe operária. Nesta investigação, o factor mais importante é a composição do capital e as transformações que ela sofre no decurso do processo de acumulação.
Há que apreender a composição do capital em dois sentidos. Pelo lado do valor, ele determina-se pela proporção em que se divide em capital constante (ou valor dos meios de produção) e capital variável (ou valor da força de trabalho, a soma total dos salários). Pela lado da matéria, tal como funciona no processo de produção, todo o capital se divide em meios de produção e força de trabalho viva; esta composição determina-se pela proporção entre a massa dos meios de produção aplicados, por um lado, e, por outro lado, pela massa de trabalho precisa para a sua aplicação. Eu chamo à primeira composição de valor do capital, à segunda composição técnica do capital. Entre ambas subsiste estreita ligação recíproca. Para a expressar, chamo à composição de valor do capital na medida em que é ela determinada pela sua composição técnica e reflecte as suas alterações — composição orgânica do capital. Onde se falar abreviadamente da composição do capital é sempre de entender a sua composição orgânica.
Os numerosos capitais singulares colocados num ramo de produção determinado têm uma composição mais ou menos diversa entre si. A média das suas composições singulares a composição do capital total desse ramo de produção. Finalmente, a média total das composições médias de todos os ramos de produção dá-nos a composição do capital social de um país e, em última instância, no que se segue, é só desta que se fala.
Crescimento do capital encerra crescimento da sua parte componente variável ou convertida em força de trabalho. Uma parte da mais-valia transformada em capital suplementar tem de ser sempre retransformada em capital variável ou fundo de trabalho adicional. Se supusermos que, mantendo-se iguais as demais circunstâncias, a composição do capital permanece inalterada, i. é, que uma massa determinada de meios de produção ou capital constante requer sempre a mesma massa de força de trabalho para ser posta em movimento, a procura de trabalho e o fundo de subsistência do operário crescem manifestamente de modo proporcional com o capital — e tanto mais rapidamente quanto mais rapidamente o capital crescer. Uma vez que o capital produz anualmente uma mais-valia, da qual anualmente uma parte é junta ao capital original; uma vez que este incremento cresce ele próprio com o aumento do volume do capital já em funções; e finalmente, uma vez que, sob o particular aguilhão do impulso de enriquecimento — como é o caso, p. ex., da abertura de novos mercados, de novas esferas de investimento do capital em virtude do desenvolvimento de novas necessidades sociais, etc. —, a escala da acumulação é subitamente extensível por mera alteração da divisão da mais-valia ou do sobreproduto em capital e revenue, as necessidades de acumulação do capital podem ultrapassar o crescimento da força de trabalho ou do número de operários, a procura de operários pode ultrapassar a sua oferta e, assim, levar a que os salários subam. Isto tem até por fim de ser o caso se perdurar inalterado o pressuposto acima. Uma vez que em cada ano são ocupados mais operários do que no ano anterior, mais cedo ou mais tarde atinge-se o ponto em que as necessidades de acumulação começam a crescer para além da oferta habitual de trabalho, em que, portanto, ocorre subida de salário. Em Inglaterra, durante todo o século XV e primeira metade do século XVIII soam queixas acerca disto. As circunstâncias mais ou menos favoráveis em que operários assalariados se mantêm e multiplicam não alteram, porém, em nada o carácter fundamental da produção capitalista. Assim como a reprodução simples reproduz continuamente a própria relação de capital — capitalistas de um lado, operários assalariados do outro —, a reprodução em escala alargada, ou a acumulação, reproduz em escala alargada a relação de capital: mais capitalistas, ou capitalistas maiores, neste pólo, mais operários assalariados, no outro. A reprodução da força de trabalho, que tem de ser incessantemente incorporada no capital como meio de valorização, que não pode separar-se dele e cuja pertença ao capital apenas é ocultada pela mudança dos capitalistas individuais aos quais ela é vendida, forma de facto um momento da reprodução do próprio capital. A acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado(1*).
A economia clássica compreendeu tão bem esta proposição que A. Smith, Ricardo, etc., tal como mencionado anteriormente, identificam até erroneamente a acumulação com o consumo da parte capitalizada toda do sobreproduto pelos operários produtivos ou com a sua transformação em operários assalariados adicionais. Já em 1696 John Bellers dizia:
«Porque se alguém tivesse cem mil acres de terra e outras tantas libras em dinheiro e outro tanto de gado, sem um trabalhador que seria o rico senão um trabalhador? E assim como os trabalhadores tomam homens ricos quanto mais trabalhadores houver mais homens ricos haverá... sendo o trabalho do pobre as minas dos ricos.»(5*)
Também Bernard de Mandeville no começo do século XVIII:
«Onde a propriedade estivesse bem protegida seria mais fácil viver sem dinheiro do que sem pobres, pois quem faria o trabalho?... Uma vez que eles devem ser impedidos de morrer à fome, não haveriam de receber nada que merecesse ser poupado. Se aqui e ali alguém da classe mais baixa se elevar acima da condição em que foi criado, por incomum indústria e apertar de cinto, ninguém o deve impedir; sim, ser frugal é, inegavelmente, a conduta mais sensata para toda a pessoa na sociedade e para toda a família privada; mas é do interesse de todas as nações ricas que a maior parte dos pobres quase nunca esteja inactiva e que, todavia, gaste continuamente o que ganha... Aqueles que ganham a vida com o seu trabalho diário [...] nada mais têm que os incite a servir senão as suas necessidades, as quais é prudente aliviar, mas loucura curar. A única coisa, portanto, que pode tornar industrioso o homem que trabalha é uma quantidade moderada de dinheiro, pois, uma demasiado pequena, consoante o seu temperamento, desalentá-lo-á ou tomá-lo-á desesperado; demasiado, tomá-lo-á insolente e preguiçoso... Do que se disse é manifesto que, numa nação livre onde não são permitidos escravos, a riqueza mais segura consiste numa multidão de pobres laboriosos; pois, além de serem um viveiro inesgotável de armadas e exércitos, sem eles não poderia haver qualquer fruição, nem o produto de país algum poderia ser valioso. Para tornar a sociedade [society]» (que naturalmente consiste nos não-operários) «feliz e o povo mais fácil [de contentar] nas circunstâncias mais ignóbeis, é requerido que grandes quantidades dele sejam ignorantes bem como pobres. O conhecimento alarga e multiplica os nossos desejos, e quanto menos um homem deseja tanto mais facilmente podem as suas necessidades ser satisfeitas.»(6*)
O que Mandeville, homem honesto e cabeça lúcida, ainda não compreende é que o próprio mecanismo do processo de acumulação aumenta, com o capital, a massa dos «pobres que trabalham», i. é, dos operários assalariados, que transformam a sua força de trabalho em crescente força de valorização do capital em crescimento, que precisamente por isso têm que eternizar a sua relação de dependência do seu produto próprio, personificado no capitalista. Em referência a esta relação de dependência Sir F. M. Eden, na sua Situação dos Pobres, ou História da Classe Laboriosa de Inglaterra, observa:
A nossa zona requer trabalho para a satisfação das necessidades, e por conseguinte pelo menos uma parte da sociedade tem de trabalhar incansavelmente... Al- auns, que não trabalham, têm todavia à sua disposição os produtos do labor. Estes proprietários, porém, devem isto «apenas à civilização e à ordem [...]. São peculiarmente criaturas das instituições civis(8*), que reconheceram que os indivíduos podem adquirir propriedade por vários outros meios além do exercício do trabalho [...]. Pessoas de fortuna independente [...] devem as suas superiores vantagens quase inteiramente [...] à indústria de outros, não a quaisquer capacidades superiores suas. Não é a posse de terra ou de dinheiro, mas o comando de trabalho (the command of labour), que distingue o opulento da parte laboriosa»... O que convém ao pobre não é «uma condição abjecta ou servil, mas um estado de dependência fácil e liberal» (a State of easy and liberal dependence), e «à gente de propriedade, suficiente [...] influência e autoridade sobre aqueles que [...] para ela trabalham». Uma tal relação de dependência, «como qualquer conhecedor da natureza humana sabe», é «necessária ao seu [dos trabalhadores] próprio conforto.»(10*)
Sir F. M. Eden, observe-se a propósito, é o único discípulo de Adam Smith que produziu obra significativa durante o século XVIII(11*).
Nas condições de acumulação até agora supostas, as mais favoráveis aos operários, a sua relação de dependência do capital reveste formas suportáveis, ou, como Eden diz, «fáceis e liberais». Em vez de se tomar mais intensiva com o crescimento do capital, ela toma-se apenas mais extensiva, i. é, a esfera de exploração e a esfera de dominação do capital estendem-se apenas com dimensão própria deste e o número dos seus súbditos. Do próprio sobreproduto destes que se avoluma e crescentemente se transforma em capital suplementar, reflui-lhes uma parte maior, na forma de meios de pagamento, de tal modo que podem alargar o círculo das suas fruições, melhorar o seu fundo de consumo de roupas, móveis, etc., e formar pequenos fundos de reserva em dinheiro. Mas vestuário, alimentação, tratamento melhores e um peculium[N176] maior tão pouco suprimem a relação de dependência e a exploração do escravo, quão pouco suprimem as do operário assalariado. Subida do preço do trabalho em consequência da acumulação do capital significa, de facto, apenas que o volume e o peso das correntes douradas — que o operário assalariado para si próprio forjou já — lhe permitem menos aperto. Nas controvérsias acerca deste objecto, a maior parte das vezes passa-se por cima do principal, a saber: a differentia specifica(21*) da produção capitalista. Nesta, é comprada força de trabalho não para satisfazer pelo seu serviço ou pelo seu produto as necessidades pessoais do comprador. O seu objectivo é valorização do seu capital, produção de mercadorias que contêm mais trabalho do que ele paga, que, portanto, contêm uma parte de valor que a ele nada custa e que, todavia, é realizada pela venda de mercadorias. Produção de mais-valia ou realização de mais-valia [Plusmacherei] é a lei absoluta deste modo de produção. A força de trabalho só é vendável na medida em que ela conserva os meios de produção como capital, reproduz o seu próprio valor como capital e fornece em trabalho não pago uma fonte de capital adicional(22*). As condições da sua venda, sejam elas mais ou menos favoráveis ao operário, encerram, portanto, a necessidade da sua revenda constante e da reprodução constantemente alargada da riqueza como capital. O salário, como vimos, condiciona pela sua natureza sempre o fornecimento de um quantum determinado de trabalho não pago por parte do operário. Abstraindo totalmente da subida do salário com o abaixamento do preço do trabalho, etc., o seu aumento, no melhor dos casos, significa apenas diminuição quantitativa do trabalho não pago que o operário tem de prestar. Esta diminuição não pode nunca prosseguir até um ponto em que ameaçaria o próprio sistema. Abstraindo dos conflitos violentos acerca da taxa do salário — e Adam Smith já mostrou que grosso modo em semelhante conflito o patrão permanece sempre patrão —, uma subida do preço do trabalho que brota de acumulação do capital supõe a seguinte alternativa.
Ou o preço do trabalho continua a subir porque a sua elevação não perturba o progresso da acumulação, o que não tem nada de assombroso, pois, diz A. Smith,
mesmo «depois destes lucros terem baixado, os capitais não aumentam menos; continuam mesmo a aumentar muito mais depressa do que antes... Um capital grande, ainda que com lucros pequenos, aumenta, em geral, mais prontamente do que um capital pequeno com lucros grandes.» (L. c., I(24*), p. 189.)
Neste caso é evidente que uma diminuição do trabalho não pago não prejudica de modo nenhum a extensão da dominação do capital. — Ou, e este é o outro lado da alternativa, a acumulação afrouxa em consequência da subida do preço do trabalho, porque o aguilhão do ganho se embota. A acumulação diminui. Mas, com a sua diminuição, desaparece a causa da sua diminuição, a saber, a desproporção entre capital e força de trabalho explorável. O mecanismo do processo de produção capitalista elimina, portanto, ele próprio os obstáculos que temporariamente cria. O preço do trabalho cai de novo para um nível correspondente às necessidades de valorização do capital, esteja este agora abaixo, acima ou igual ao nível que antes do começo do acréscimo de salário vigorava como normal. Vê-se: no primeiro caso, não é a diminuição no crescimento absoluto ou proporcional da força de trabalho ou da população operária que toma o capital excessivo, mas, inversamente, é o aumento do capital que toma insuficiente a força de trabalho explorável. No segundo caso, não é o aumento no crescimento absoluto ou proporcional da força de trabalho ou da população operária que toma o capital insuficiente, mas, inversamente, é a diminuição do capital que toma excessiva a força de trabalho explorável, ou antes, o seu preço. São estes movimentos absolutos na acumulação do capital que se reflectem como movimentos relativos na massa da força de trabalho explorável e que, por conseguinte, parecem ser devidos ao movimento próprio da última. Para aplicar uma expressão matemática: a magnitude da acumulação é a variável independente, a magnitude do salário a dependente, e não inversamente. Assim, na fase de crise do ciclo industrial a queda geral dos preços das mercadorias expressa-se como subida do valor relativo do dinheiro, e na fase de prosperidade, a subida geral dos preços das mercadorias expressa-se como queda do valor relativo do dinheiro. A chamada escola da currency conclui daqui que com preços altos circula demasiado dinheiro; com baixos, demasiado pouco(25*). A sua ignorância e completo desconhecimento dos factos(26*) encontram dignos paralelos entre os economistas que interpretam aqueles fenómenos da acumulação como existindo num caso assalariados a menos e no outro assalariados a mais.
A lei da produção capitalista, que se encontra na base da pretensa «lei natural da população», reduz-se simplesmente a isto: a relação entre capital, acumulação e taxa de salário não é senão a relação entre o trabalho não pago, transformado em capital, e o trabalho adicional requerido para o movimento do capital suplementar. Não é, pois, de modo algum uma relação entre duas magnitudes independentes uma da outra: por um lado, a magnitude do capital, por outro, o número da população operária; é antes, em última instância, apenas a relação entre o trabalho não pago e o trabalho pago da mesma população operária. Se a massa de trabalho não pago, fornecida pela classe operária e acumulada pela classe capitalista, crescer suficientemente depressa para apenas por um adicional extra-habitual de trabalho pago se poder transformar em capital — o salário sobe, e, mantendo-se igual tudo o mais, o trabalho não pago proporcionalmente diminui. Porém, assim que esta diminuição atinge o ponto em que o sobretrabalho que alimenta o capital deixa de ser fornecido em massa normal, tem lugar uma reacção: é capitalizada uma parte mais diminuta do revenue, a acumulação abranda, e o movimento ascensional do salário experimenta um contragolpe. A elevação do preço do trabalho permanece, portanto, confinada em limites que não só deixam intactas as bases do sistema capitalista como também asseguram a sua reprodução em escala crescente. A lei da acumulação capitalista, mistificada em lei da Natureza, exprime portanto, de facto, apenas que a sua natureza exclui toda aquela diminuição no grau de exploração do trabalho ou toda aquela subida do preço do trabalho que pudessem fazer perigar seriamente a constante reprodução da relação de capital e a sua reprodução em escala sempre mais alargada. Não pode ser de outra maneira num modo de produção em que o operário existe para as necessidades de valorização de valores existentes em vez de, inversamente, a riqueza objectiva existir para as necessidades de desenvolvimento do operário. Assim como o homem na religião é dominado por obra feita [Machwerk] pela sua própria cabeça também na produção capitalista ele é dominado por obra feita pela sua própria mão(27*).
Notas de rodapé:
(1*) Karl Marx, 1. c.(2*) — «Em igualdade de opressão das massas, quanto mais um país tem proletários mais rico ele é.» (Colins, L'économie polilique, source des révolutions et des utopies prétendues socialistes, Paris, 1857, t. III, p. 331.) Por «proletário» não há economicamente que entender senão o operário assalariado que produz e valoriza «capital» e é posto na rua logo que se toma supérfluo para as necessidades de valorização de «Monsieur(3*) Capital», como Pecqueur(4*) chama a essa pessoa. «O proletário enfermiço da selva primitiva» é um simpático fantasma de Roscher. O selvagem primitivo é proprietário da selva primitiva e trata a selva primitiva tão à vontade como o orangotango, como propriedade sua. Ele não é, portanto, proletário. Só o seria se a selva primitiva o explorasse em vez de ele explorar a selva primitiva. No que respeita ao seu estado de saúde, este não suporta comparação não só com o do proletário moderno como também com o das «notabilidades» sifilíticas e escrofulosas. Porém, o sr. Wilhelm Roscher entende verosimilmente por selva primitiva a sua charneca nativa de Lüneburger. (retornar ao texto)
(2*) No texto citado Marx diz: Multiplicação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado, isto é, a classe operária. Cf. K. Marx-F. Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Edições «Avante !» Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, t. 1, 1982, p. 164. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(3*) Em francês no texto: Senhor. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(4*) C. Pecqueur, Théorie nouvelle d'économie sociale et politique, ou éude sur l'organisation des sociétés. Paris, 1842, c. XLIV, § 13, p. 880. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(5*) «As de Labourers make men rich, so the more Labourers, there will be the more rich men... the Labour of lhe Poor being the Mines of the Rich.» (John Bellers, 1. c., p. 2.) (retornar ao texto)
(6*) B. de Mandeville (The Fable of the Bees, 5th ed., Lond., 1728, Remarks, pp. 212, 213, 328.) — «Vida temperada e constante emprego são para o pobre o caminho directo para a felicidade racional»(7*) (entendendo ele por isto: dia de trabalho o mais possível longo e meios de vida o mais possível poucos) «e, para o Estado,» (nomeadamente para proprietários fundiários, capitalistas e seus dignitários e agentes políticos) «[o caminho] para riquezas [...]». (An Essay on Trade and Commerce, Lond., 1770, p. 54.) (retornar ao texto)
(7*) Nas edições alemã e francesa: material (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(8*) Eden deveria ter perguntado: «as instituições civis» são criaturas de quem? Do ponto de vista da ilusão jurídica ele não considera a lei como produto das relações materiais de produção, mas, inversamente, as relações de produção como produto da lei. Linguet deu cabo do ilusório Esprit des lois de Montesquieu com uma palavra: «L’esprit des lois, c’est la propriété.»(9*) [N175] (retornar ao texto)
(9*) Em francês no texto: «O espírito das leis é a propriedade». (Nota da edição portuguesa) (retornar ao texto)
(10*) Eden, 1. c., vol. I, 1. I, cap. I, pp. 1, 2 e Prefácio, p. XX. (retornar ao texto)
(11*) Se o leitor lembrar Malthus, cujo Essay on Population apareceu em 1798, eu lembro que este escrito na sua primeira forma nada mais é do que um plágio escolarmente superficial e padrescamente declamatório de Defoe, Sir James Steuart, Townsend, Franklin, Wallace, etc., e não contém uma única proposição por ele próprio pensada. A grande sensação que este planfleto causou brotou exclusivamente de interesses de partido. A Revolução Francesa tinha encontrado no reino britânico defensores apaixonados; o «princípio da população», lentamente elaborado no século XVIII e, depois, anunciado com tímbales e trombetas no meio de uma grande crise social como antídoto infalível contra as doutrinas de Condorcet, entre outros, foi saudado com júbilo pela oligarquia inglesa como o grande exterminador de todas as veleidades de progresso do homem. Mathus, altamente surpreendido com o seu êxito, entregou-se então ao trabalho de rechear o velho esquema com material superficialmente compilado e acrescentar material novo, mas não descoberto pelo pró- pno Malthus, apenas por ele anexado. — Observemos ainda. Embora Malthus fosse padre da Igreja Superior inglesa, tinha feito voto monacal de celibato. Este é, nomeadamente, uma das condições da fellowship(12*) da Universidade protestante de Cambridge. «Não permitimos que os membros dos colégios sejam casados, e logo que algum arranje mulher deixa de ser membro do colégio.» (Reports of Cambridge Unversity Commission, p. 172). Esta circunstância diferencia vantajosamente Malthus dos outros padres protestantes que se desembaraçaram do mandamento católico do celibato sacerdotal e reinvindicaram o «Crescei e multiplicai-vos» como sua missão especificamente bíblica em tal medida que por toda a parte contribuíram em grau verdadeiramente indecoroso para a multiplicação da população, enquanto simultaneamente pregam aos operários o «princípio da população». É característico que este travestido pecado original económico, a maçã de Adão, o «urgent appetite», «the checks which tend to blunt the shafts of Cupid»(13*), como diz jovialmente o padre Townsend, que este ponto comichoso tenha sido e seja monopolizado pelos senhores da teologia, ou antes, da igreja protestante. A excepção do monge veneziano Ortes, um escritor original e espirituoso, a maior parte dos professores de população são padres protestantes. E assim com Bruckner: Théorie du système animal, Leyde, 1767, onde é esgotada toda a teoria moderna da população e para a qual a querela entre Quesnay e o seu discípulo Mirabeau pére(14*) sobre o mesmo tema forneceu algumas ideias; depois com o padre Wallace, com o padre Townsend, com o padre Malthus e com o seu discípulo, o arquipadre Th. Chalmers, para já não falar dos pequenos escribas padrescos in this line(15*). Originariamente, a economia política era cultivada por filósofos, como Hobbes, Locke, Hume, homens de negócios e de Estado, como Thomas Morus, Temple, Sully, de Witt, North, Law, Vanderlint, Cantillon, Franklin e, no plano teórico, nomeadamente e com o maior êxito por médicos, como Petty, Barbon, Mandeville, Quesnay. Ainda em meados do século XVIII, o rev. sr. Tucker, um economista significativo para o seu tempo, se desculpa por se ter ocupado de Mamon. Mais tarde, precisamente com o «princípio da população» soou a hora dos padres protestantes. Como se pressentisse este estragar do negócio, Petty — que trata a população como base da riqueza e, tal como Adam Smith, é inimigo declarado dos padres — diz: «[... A] Religião floresce tanto melhor quanto mais os padres mortificados estão, tal como antes se disse da Lei que ela florescia tanto melhor quanto menos os Advogados tivessem que fazer.» Ele por isso aconselha os padres protestantes, caso não queiram seguir o apóstolo Paulo e «mortificar-se» pelo celibato, a que «não procriem mais Eclesiásticos (not to breed more Churchmen) do que os Benefícios (Benefices) agora partilhados hão-de comportar, isto é, se só há lugar para cerca de doze mil em Inglaterra e Gales não é seguro procriar 24 000 ministros (it will not be safe to breed 24 000 ministers), porque então os doze mil que não são providos hão-de arranjar maneiras de conseguirem sustento, o que mais facilmente não poderão fazer senão persuadindo o povo de que os doze mil beneficiados envenenam ou matam à fome as suas almas e guiam-nas mal no seu caminho para o Céu?» (Petty, A Treatise on Taxes and Contributions, Lond., 1667, p. 57.) A posição de Adam Smith face ao clero protestante do seu tempo é caracterizada pelo seguinte. Em A Letter to A. Smith, L. L. D.(16*) On the Life, Death and Philosophy ofhis Friend David Hume. By One of the People called Christians, 4th ed., Oxford, 1784, o Dr. Horne, bispo da Igreja Superior de Norwich, repreende A. Smith porque este numa circular pública ao senhor Strahan «embalsamar» o seu «amigo David» (sc.(17*) Hume) porque contava ao público como «no seu leito de morte Hume se divertia com Luciano e com o whist(18*)» e teve até o atrevimento de escrever: «Tanto durante a vida como desde a sua morte sempre o considerei como aproximando-se tanto da ideia de um homem perfeitamente sábio e virtuoso quanto talvez a natureza da fragilidade humana o permite.» O bispo clama indignado: «Será justo da sua parte, Senhor, retratar-nos como “perfeitamente sábio e virtuoso” o carácter e a conduta de alguém que parece ter sido possuído por uma incurável antipatia por tudo o que se chama Religião e que crispou cada nervo [...] para que do próprio nome dela não mais houvesse memória?» (L. c., p. 8.) «Mas não deixai que os amantes da verdade se desencoragem. O ateísmo não pode ser de longa perduração.» (P. 17.) Adam Smith «teve a ruindade atroz (the atrocious wickedness) de propagar o ateísmo pelo país» (nomeadamente com a sua Theory of Moral Sentiments). «No geral, Doutor, a sua intenção é boa, mas penso que desta vez não terá êxito. Persuadir-nos-ia pelo exemplo de David Hume, esq.(19*), de que o ateísmo é o único cordial(20*) para espíritos baixos e antídoto adequado contra o medo da morte... Podeis rir da Babilónia em ruínas e congratular-vos com o Faraó empedernido»! (L. c., pp. 21, 22.) Uma cabeça ortodoxa entre os frequentadores das aulas de Adam Smith escreve após a sua morte: «O afecto [...] de Smith por Hume [...] impediu-o de ser Cristão...» Acreditava literalmente em tudo o que Hume dizia. Se Hume lhe tivesse dito que a Lua era um queijo verde ele teria acreditado. Por isso, acreditava nele também em que não há deus nenhum nem milagres nenhuns... «Nos seus princípios políticos aproximava-se do republicanismo.» (The Bee, by James Anderson, 18 vols., Edinburgh, 1791-1793, vol. 3, pp. 166, 165.) O padre Th. Chalmers suspeitava de que A. Smith tinha inventado por pura malícia a categoria dos «operários improdutivos» precisamente para os padres protestantes, apesar do seu abençoado trabalho na vinha do Senhor. (retornar ao texto)
(12*) Em inglês no texto: pertença como membro. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(13*) Em inglês no lexto: «apetite urgente», «as coibições que tendem a embotar as setas de Cupido». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(14*) Em francês no texto: pai. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(15*) Em inglês no texto: nessa linha. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(16*) Abreviatura de Doctor em Leis (do latim: legum doctor). (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(17*) Abreviatura do latim silicet: isto é. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(18*) Em inglês no texto: Trata-se de um jogo de cartas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(19*) Abreviatura de esquire, título de cortesia que se acrescenta a um nome quando não precedido de Dr., etc.. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(20*) Aqui no sentido de bebida ou medicamento que conforta ou fortalece. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(21*) Em latim no texto: diferença específica. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(22*) Nota à 2.a edição: «No entanto, o limite para o emprego tanto do operário [operative] como do trabalhador é o mesmo, a saber, a possibilidade do empregador realizar um lucro com o produto da indústria deles. Se a taxa de salário é tal que reduz os ganhos do patrão abaixo do lucro médio do capital, ele deixará de os empregar, ou quererá apenas empregá-los na condição de submissão a uma redução de salários.» (John Wade, 1. c., p. 240(23*).) (retornar ao texto)
(23*) Na edição inglesa: p. 241. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(24*) Na edição inglesa: II. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(25*) 3.ª e 4.ª edições: com preços altos circula demasiado pouco dinheiro; com baixos, demasiado. (Nota da edição alemã.) (retornar ao texto)
(26*) Cf. Karl Marx, Zur Kritik der Politischen Oekonomie , pp. 165 sqq. (retornar ao texto)
(27*) «Voltemos, porém, agora à nossa primeira investigação onde está demonstrado... que o próprio capital é apenas resultado de trabalho humano..., então parece ser totalmente incompreensível que o homem tenha caído sob a dominação do seu próprio produto — o capital — e podido subordinar-se-lhe; e uma vez que, na realidade, é inegavelmente este o caso, impõe-se sem querer a pergunta: como o operário pôde tornar-se de dominador do capital — enquanto criador dele — em escravo do capital?» (Von Thünen, Der isolirte Staat, segunda parte, segunda divisão, Rostock, 1863, pp. 5, 6.) É mérito de Thünen ter perguntado. A sua resposta é simplesmente pueril. (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N175] Simon-Nicolas-Henri Linguet, Théorie des loix civiles, ou príncipes fondamentaux de la société. T. I, Londres, 1767, p. 236. (retornar ao texto)
[N176] Peculium (pecúlio) — na Roma Antiga, parte dos bens que o chefe da família podia entregar para exploração ou administração a um homem livre ou a um escravo. A posse de um pecúlio não eliminava a dependência de facto do escravo em relação ao seu senhor, e o proprietário jurídico do pecúlio continuava a ser o senhor. Por exemplo, ao escravo possuidor de um pecúlio eram permitidas as transacções com terceiros, mas só dentro de limites que excluíssem a aquisição de uma soma em dinheiro suficiente para o completo resgate da escravidão. Em geral o chefe da família reservava para si a realização de transacções especialmente proveitosas e de outras medidas que aumentassem significativamente o pecúlio. (retornar ao texto)
Inclusão | 18/11/2014 |