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Livro Primeiro: O processo de produção do capital
Quarta Secção: A produção da mais-valia relativa
Décimo terceiro capítulo. Maquinaria e grande indústria
9. Legislação fabril. (Cláusulas sanitárias e de instrução.) Sua generalização em Inglaterra
A legislação fabril — esta primeira retroacção planificada e consciente da sociedade sobre a figura natural do seu processo de produção — é, como vimos, tanto um produto necessário da grande indústria como o fio de algodão, as self-actors e o telégrafo eléctrico. Antes de passarmos à sua generalização em Inglaterra, são ainda de mencionar algumas cláusulas da lei fabril inglesa que não dizem respeito ao número de horas do dia de trabalho.
Abstraindo da sua redacção, que facilita ao capitalista o seu torneamento, as cláusulas sanitárias são extremamente magras, limitadas de facto a prescrições quanto ao pintar as paredes de branco e a algumas outras medidas de limpeza, ventilação e protecção contra maquinaria perigosa. No livro terceiro voltaremos [a falar] da luta fanática dos fabricantes contra as cláusulas que lhes impõem uma despesa diminuta para a protecção dos membros dos seus «braços». Afirma-se aqui de novo, brilhantemente, o dogma do livre-câmbio segundo o qual numa sociedade de interesses antagónicos cada um promove o bem comum através da persecução do seu proveito próprio. Um exemplo basta. É sabido que durante o período de vinte anos ultimamente decorrido a indústria do linho se multiplicou muito na Irlanda e com ela as scutching mills (fábricas de bater e tasquinhar o linho). Havia aí, em 1864, 1800 destas mills. Periodicamente, no Outono e no Inverno, principalmente adolescentes e mulheres, os filhos, filhas e esposas dos pequenos rendeiros vizinhos — gente com total desconhecimento da maquinaria — são retirados do trabalho do campo para alimentarem de linho as calandras das scutching mills. Os acidentes são em volume e intensidade totalmente ímpares na história da maquinaria. Uma única scutching mill em Kildinan (perto de Cork) registou, entre 1852 e 1856, seis casos mortais e 60 mutilações graves, que podiam ter sido todos evitados através de um dispositivo dos mais simples com um preço de poucos xelins. O Dr. W. White, certifying surgeon(1*) das fábricas de Downpatrick, declara num relatório oficial de 16(2*) de Dezembro de 1865:
«Os graves acidentes nas fábricas de tasquinhar (scutching mills) são da mais terrível natureza. Em muitos casos um quarto do corpo é arrancado do tronco e implica ou a morte ou um futuro de miserável incapacidade e sofrimento. O aumento das fábricas no país irá, claro, ampliar estes terríveis resultados, e será uma grande benção se eles forem submetidos à legislação [legislature]. Estou convencido de que através de uma supervisão apropriada das fábricas de tasquinhar se evitaria um vasto sacrifício de vidas e membros.»(3*)
Que poderia melhor caracterizar o modo de produção capitalista do que a necessidade de lhe serem impostas, por lei coerciva do Estado, as mais simples disposições sanitárias e de limpeza?
A lei fabril de 1864 nas olarias «caiou e limpou para cima de 200 oficinas, depois de um período em muitos casos de 20 anos e em alguns casos de inteira abstinência de qualquer limpeza» (é esta a «abstinência» do capital!) «em que estavam empregues 27 800 artesãos, até então respirando, durante prolongados dias e muitas vezes noites de trabalho, uma atmosfera fétida, e que tornava uma ocupação, que de outro modo seria comparativamente inócua, prenhe de doença e morte. A Lei melhorou muito a ventilação.»(4*)
Ao mesmo tempo, esta parte da lei fabril mostra contundentemente como o modo de produção capitalista, pela sua essência, acima de um certo ponto, exclui qualquer melhoramento racional. Foi repetidamente observado que os médicos ingleses a uma voz declaram que 500 pés cúbicos de volume de ar por pessoa são o mínimo, e mal chega, para trabalho contínuo. Pois bem! se a lei fabril, indirectamente, por todas as suas medidas coercivas, acelera a transformação de pequenas oficinas em fábricas, atacando indirectamente o direito de propriedade dos capitalistas mais pequenos e assegurando o monopólio aos grandes, então a imposição legal do volume de ar preciso para cada operário nas oficinas expropriaria directamente de um golpe milhares de pequenos capitalistas! Atacaria a raiz do modo de produção capitalista, i. é, a autovalorização do capital, grande ou pequeno, pela «livre» compra e consumo da força de trabalho. A legislação fabril perde, portanto, a respiração perante estes 500 pés cúbicos de ar. As autoridades sanitárias, as comissões industriais de inquérito, os inspectores fabris repetem uma e outra vez a necessidade dos 500 pés cúbicos e a impossibilidade de os imporem ao capital. Assim, estão de facto a declarar que a tísica e outras doenças pulmonares do trabalho são uma condição de vida do capital(5*).
Por miserandas que as cláusulas de instrução da lei fabril no conjunto pareçam, elas proclamam o ensino elementar como condição coerciva do trabalho(6*). O seu êxito demonstrou pela primeira vez a possibilidade da ligação de ensino e ginástica(7*) com trabalho manual e portanto também de trabalho manual com ensino e ginástica. Os inspectores fabris cedo descobriram a partir dos testemunhos dos mestres-escola que as crianças das fábricas, apesar de usufruírem apenas de metade do ensino dos alunos regulares de dia [inteiro], aprendem tanto e frequentemente mais.
«Isto pode ser atribuído ao simples facto de que, estando na escola apenas metade do dia, estão sempre frescos e quase sempre prontos e dispostos a receber instrução. O sistema em que trabalham, metade trabalho manual e metade escola, torna cada ocupação um descanso e um alívio da outra; por conseguinte, ambas são muito mais agradáveis para a criança do que seria o caso se ela fosse mantida constantemente numa. E perfeitamente claro que um rapaz que esteve na escola toda a manhã não pode (particularmente com tempo quente) rivalizar com um que vem fresco e esperto do seu trabalho.»(8*)
Encontra-se mais documentação no discurso de Senior no congresso sociológico de Edinburgh em 1863. Aí, ele mostra ainda entre outras coisas como o unilateral dia escolar improdutivo e prolongado das crianças das classes superiores e médias aumenta inutilmente o trabalho do professor, «enquanto ele gasta, não só infrutiferamente como de um modo absolutamente prejudicial, o tempo, saúde e energia das crianças»(9*). Do sistema fabril brota, como em detalhe se pode seguir em Robert Owen, o germe da instrução do futuro, a qual, para todas as crianças acima de uma certa idade, irá ligar trabalho produtivo com ensino e ginástica, não apenas como um método para a subida da produção social, mas também como o único método para a produção de homens plenamente desenvolvidos.
Vimos que a grande indústria suprime tecnicamente a divisão manufactureira do trabalho, com a sua anexação vitalícia de todo um homem a uma operação de detalhe [Detailoperation], enquanto simultaneamente a forma capitalista da grande indústria reproduz ainda mais monstruosamente aquela divisão do trabalho: na fábrica propriamente dita, pela transformação do operário no acessório autoconsciente de uma máquina parcelar; em todos os outros sítios, em parte pelo uso esporádico das máquinas e do trabalho com máquinas(10*), em parte pela introdução de trabalho feminino, infantil e não qualificado como nova base da divisão do trabalho. A contradição entre a divisão manufactureira do trabalho e a essência da grande indústria faz-se violentamente valer. Ela aparece, entre outras coisas, no facto terrível de uma grande parte das crianças ocupadas nas fábricas e manufacturas modernas desde a mais tenra idade estarem soldadas às manipulações mais simples, serem exploradas anos a fio sem aprendizado de qualquer outro trabalho que as possa mais tarde tornar úteis mesmo dentro da mesma manufactura ou fábrica. Nas tipografias inglesas, p. ex., tinha antigamente lugar uma passagem, correspondente ao sistema da velha manufactura e do ofício, dos aprendizes de trabalhos mais fáceis para trabalhos com mais conteúdo. Percorriam um curso de aprendizagem até serem tipógrafos acabados. Saber ler e escrever era para todos uma exigência do ofício. Tudo isto se alterou com a máquina impressora. Esta emprega duas espécies de operários: um operário adulto, o vigilante da máquina, e rapazes da máquina, na maioria dos 11 aos 17 anos, cuja tarefa consiste exclusivamente em estender uma folha de papel na máquina ou retirar dela a folha impressa. Nomeadamente em Londres, executavam este tormento 14, 15, 16 horas ininterruptamente durante alguns dias por semana, e frequentemente 36 horas seguidas, com apenas duas horas de repouso para refeições e sono!(11*) Uma grande parte deles não sabe ler e são em regra criaturas totalmente asselvajadas e anormais.
«Para os habilitar para o trabalho que têm de fazer não requerem qualquer treino intelectual; há nele pouco espaço para destreza e menos para o discernimento [judgment]; os seus salários, embora bastante altos para rapazes, não aumentam proporcionalmente à medida que eles crescem, e a maioria deles não pode aspirar à promoção ao posto mais bem pago e mais responsável de vigilante de máquina porque, ao passo que cada máquina só tem um vigilante [...] e frequentemente quatro rapazes ligados a ela.»(12*)
Logo que se tornam demasiado velhos para este trabalho de crianças, o mais tardar aos 17 anos, são despedidos da tipografia. Tomam-se recrutas do crime. Algumas tentativas de arranjarem ocupação noutro sítio falham por causa da sua ignorância, rudeza, degeneração corporal e espiritual.
O que vale para a divisão manufactureira do trabalho no interior da oficina vale para a divisão do trabalho no interior da sociedade. Enquanto artesanato e manufactura formarem a base geral da produção social, a subsunção do produtor num ramo de produção exclusivo, a laceração da diversidade originária das suas ocupações(13*), é um momento necessário de desenvolvimento. Nessa base, qualquer ramo particular de produção encontra empiricamente a figura técnica que lhe corresponde, aperfeiçoa-a lentamente e logo que um certo grau de maturidade é atingido cristaliza-a rapidamente. O que aqui e ali provoca mudança é, além de nova matéria de trabalho fornecida pelo comércio, a alteração gradual do instrumento de trabalho. Uma vez adquirida a forma correspondente em conformidade com a experiência, ele também se ossifica, como o prova a sua passagem, frequentemente durante milénios, da mão de uma geração para a da outra. É característico que até ao século xvm adentro os mesteres particulares se chamassem «mysteries» (mystères(14*))(15*), em cuja obscuridade apenas os empírica e profissionalmente iniciados podiam penetrar. A grande indústria rasgou o véu que escondia aos homens o seu próprio processo social de produção e fazia dos diversos ramos de produção, naturalmente particularizados, enigmas uns para os outros e mesmo para o iniciado em cada ramo. O seu princípio de dissolver cada processo de produção, em e por si e antes de mais sem qualquer consideração pela mão humana, nos seus elementos constitutivos, criou a ciência totalmente moderna da tecnologia. As figuras variegadas, aparentemente desconexas e ossificadas, do processo social de produção dissolvem-se em aplicações das ciências da Natureza, conscientemente planificadas e sistematicamente particularizadas segundo o efeito útil almejado. A tecnologia descobriu igualmente as poucas grandes formas fundamentais do movimento em que todo o fazer produtivo do corpo humano, apesar de toda a diversidade dos instrumentos aplicados, necessariamente se processa, exactamente como a mecânica não se deixa iludir pela maior complicação da maquinaria quanto à constante repetição das potências mecânicas simples.
A indústria moderna nunca considera e trata a forma existente de um processo de produção como definitiva. A sua base técnica é, portanto, revolucionária, enquanto a de todos os modos de produção anteriores era essencialmente conservadora(16*). Através da maquinaria, processos químicos e outros métodos ela revoluciona constantemente, com a base técnica da produção, as funções dos operários e as combinações sociais do processo de trabalho. Revoluciona com isso também constantemente a divisão do trabalho no interior da sociedade e arremessa incessantemente massas de capital e massas de operários de um ramo de produção para o outro. A natureza da grande indústria determina, portanto, mudança do trabalho, fluidez da função, omni- lateral mobilidade do operário. Por outro lado, ela reproduz na sua forma capitalista a velha divisão do trabalho com as suas particularidades ossificadas. Vimos como esta contradição absoluta suprime toda a tranquilidade, firmeza e segurança da situação de vida do operário e ameaça constantemente arrancar-lhe das mãos, com o meio de trabalho, o meio de vida(17*), e, com a sua função parcelar, tomá-lo a ele próprio supérfluo; vimos como esta contradição desabafa numa hecatombe ininterrupta da classe operária, no mais desmedido desperdício das forças de trabalho e nas desvastações da anarquia social. Este é o lado negativo. Mas se a mudança do trabalho se impõe agora apenas como avassaladora lei da Natureza e com efeito cegamente destruidor de uma lei da Natureza que por toda parte esbarra com obstáculos(18*), a grande indústria, através das suas próprias catástrofes, faz com que se torne numa questão de vida ou de morte reconhecer a mudança dos trabalhos, e consequentemente a maior versatilidade possível do operário, como uma lei social universal da produção e adaptar as condições à sua realização normal. A grande indústria faz com que se torne numa questão de vida ou de morte substituir a monstruosidade de uma população operária miserável mantida em reserva e disponível para as necessidades de exploração mutáveis do capital pela absoluta disponibilidade do homem para exigências de trabalho mutáveis; substituir o indivíduo parcelar, o mero portador de uma função social de detalhe [Detailfunktion], pelo indivíduo totalmente desenvolvido, para o qual diversas funções sociais são modos de actividade que se rendem uns aos outros. Um momento deste processo de revolucionamento, desenvolvido naturalmente na base da grande indústria, são as escolas politécnicas e agronómicas; um outro são as «écoles d’enseignement professionnel»(19*), em que os filhos dos operários recebem algum ensino de tecnologia e manipulação prática dos diversos instrumentos de produção. Se a legislação fabril, como primeira concessão indigentemente arrancada ao capital, apenas liga ensino elementar com trabalho fabril, não há a menor dúvida de que a inevitável conquista do poder político pela classe operária conquistará também para o ensino tecnológico, teoricamente e praticamente, o seu lugar nas escolas operárias. Não há também qualquer dúvida de que a forma capitalista da produção e as relações económicas dos operários que lhe correspondem estão na mais diametral contradição com semelhantes fermentos de revolucionamen- to e com o seu objectivo: a supressão da velha divisão do trabalho. O desenvolvimento das contradições de uma forma histórica de produção é, no entanto, o único caminho histórico da sua dissolução e reconfiguração. «Ne sutor ultra crepidam!»[N154], o nec plus ultra(20*) da sabedoria artesanal tornou-se numa terrível loucura a partir do momento em que o relojoeiro Watt inventou a máquina a vapor, o barbeiro Arkwright inventou o tear contínuo e o operário joalheiro Fulton o barco a vapor(21*).
Na medida em que a legislação fabril regulamenta o trabalho nas fábricas, manufacturas, etc., isto aparece, primeiro, apenas como interferência nos direitos de exploração do capital. Cada regulamentação do chamado trabalho domiciliário(23*) apresenta-se logo, em contrapartida, como ataque directo à patria potestas(25*), i. é, modernamente interpretado, à autoridade dos pais, um passo perante o qual o mimoso Parlamento inglês fingiu muito tempo ter arrepios.
O poder dos factos, no entanto, coagiu-o finalmente a reconhecer que a grande indústria, com a base económica do sistema familiar antigo e correspondente trabalho familiar, dissolve também as próprias relações familiares antigas. O direito das crianças tinha de ser proclamado.
«E infelizmente [...] patente», diz-se no relatório final da Child. Empl. Comm. de 1866, «ao longo do conjunto dos testemunhos, que as crianças de ambos os sexos não requerem tanta protecção contra ninguém como contra os seus pais.» O sistema da desmedida exploração do trabalho infantil em geral e do trabalho domiciliário em particular é «mantido apenas porque os pais podem, sem verificação nem controlo, exercer este poder arbitrário e malévolo sobre a sua jovem e tenra descendência... Os pais não devem possuir o poder absoluto de fazer dos seus filhos meras “máquinas para ganhar um tanto de salário semanal...” Deste modo, as crianças e jovens podem em todos estes casos reclamar justificadamente da legislação, como um direito natural, que lhes seja assegurada uma isenção daquilo que prematuramente lhes destrói a força física e os rebaixa na escala dos seres intelectuais e morais.»(26*)
Não foi, no entanto, o abuso do poder dos pais que criou a exploração, directa ou indirecta, de forças de trabalho imaturas pelo capital, mas foi, inversamente, o modo capitalista de exploração que tornou o poder dos pais num abuso pela supressão da base económica que lhe corresponde. Por mais terrível e repugnante que a dissolução do sistema familiar antigo no interior do sistema capitalista possa parecer, a grande indústria cria não obstante novas bases económicas para uma forma mais elevada de família e de relação entre os sexos ao conceder às mulheres, aos jovens e às crianças de ambos os sexos o papel decisivo nos processos de produção socialmente organizados para além da esfera doméstica. É naturalmente tão disparatado tomar por absoluta a forma germânico-cristã da família como a forma da família da Roma antiga, ou a da Grécia antiga ou a oriental, que de resto formam entre si uma série histórica de desenvolvimento. É igualmente óbvio que a composição do pessoal de trabalho combinado a partir de indivíduos de ambos os sexos e das mais diversas idades, embora na sua forma capitalista naturalmente brutal — em que o operário existe para o processo de produção e não o processo de produção para o operário — seja fonte pestilencial de degradação e de escravatura, tem, inversamente, de se converter, em condições correspondentes, numa fonte de desenvolvimento humano(27*)(28*).
A necessidade de generalizar a lei fabril — lei de excepção para fiações e tecelagens, estas primeiras criações do funcionamento com máquinas — numa lei para toda a produção social, brota, como vimos, do curso histórico de desenvolvimento da grande indústria, em cujo plano recuado a figura tradicional de manufactura, artesanato e trabalho domiciliário foi totalmente revolucionada; a manufactura converte-se constantemente na fábrica, o artesanato constantemente na manufactura e finalmente as esferas do artesanato e do trabalho domiciliário configuram-se, num tempo admiravelmente curto, relativamente, em antros lastimáveis onde as mais loucas monstruosidades da exploração capitalista têm livre curso. Há duas circunstâncias que finalmente fazem inclinar a balança: primeiro, a experiência, sempre de novo repetida, de que o capital, logo que se vê submetido ao controlo do Estado em pontos singulares da periferia social apenas, tanto mais desmedidamente se vinga nos outros pontos(29*); segundo, o clamor dos próprios capitalistas por igualdade das condições de concorrência, i. é, barreiras iguais à exploração de trabalho(30*). Ouçamos, acerca disso, dois suspiros do coração. Os senhores W. Cooksley (fabricantes de pregos, correntes, etc., de Bristol) introduziram de livre vontade o regulamento fabril no seu negócio.
«Como o velho sistema irregular prevalece nas oficinas vizinhas, os Srs. Cooksley estão sujeitos à desvantagem de os seus rapazes serem aliciados (enticed) para continuar o seu trabalho noutro lado depois das 6 da tarde. “Isto”, dizem eles naturalmente, “é uma injustiça e uma perda para nós, porque esgota uma parte da força do rapaz, da qual nós devíamos ter o benefício pleno.”»(31*)
O senhor J. Simpson (paper box and bagmaker(32*), Londres) declara aos comissários da Children Empl. Comm.:
«Ele assinaria qualquer petição a favor» da introdução das leis fabris [...] «Sendo as coisas como eram, sentia-se sempre inquieto de noite (he always felt restless at night), depois de ter fechado a sua casa, temendo que outros estivessem a trabalhar até mais tarde do que ele e a roubar-lhe as encomendas.»(33*) «Seria injusto», diz a Child. Empl. Comm. resumindo, «para os maiores empregadores as suas fábricas serem colocadas sob regulamento enquanto as horas de trabalho nas casas mais pequenas do seu próprio ramo de negócio não se encontravam sob qualquer restrição legislativa. E à injustiça decorrente das condições desleais de concorrência, relativamente às horas, que seria criada se os locais de trabalho mais pequenos ficassem isentos, acrescentar-se-ia para as manufacturas maiores a desvantagem de verem a sua provisão de trabalho juvenil e feminino desviada para os locais de trabalho isentos de legislação. Além disso, dar-se-ia um estímulo à multiplicação das casas [places of work] mais pequenas, que são quase invariavelmente as menos favoráveis à saúde, conforto, educação e melhoria geral do povo.»(34*)
No seu relatório final a Children’s Employment Commission propõe submeter à lei fabril mais de 1 400 000 crianças, jovens e mulheres, dos quais cerca de metade é explorada pela pequena empresa e pelo trabalho domiciliário(35*).
Se o Parlamento aceitasse a nossa proposta em todo o seu alcance, diz ele, «não se pode duvidar de que essa legislação teria um efeito muito benéfico, não só sobre os jovens e os débeis, que são os seus objectos mais imediatos, mas sobre o corpo ainda maior de operários adultos, que [...] directamente» (mulheres) «e indirectamente» (homens) «ficariam imediatamente sob a sua influência. Compeli-los-ia a horas regulares e moderadas; [...] economizaria e melhoraria aquela provisão de força física de que tanto depende o seu próprio bem-estar e o do país; salvaria a geração ascendente daquele sobreesforço numa idade precoce que mina as suas compleições e conduz a um prematuro declínio; finalmente, assegurar-lhes-ia — pelo menos até à idade de 13 anos — a oportunidade de receberem os elementos de educação e poria fim àquela ignorância declarada [...] tão fielmente exibida nos Relatórios dos nossos Comissários Assistentes, e que não pode ser olhada sem a mais profunda dor e um profundo sentimento de degradação nacional.»(37*)
O ministério tory anunciou, no discurso do trono de 5 de Fevereiro de 1867, que tinha formulado em «bills»(38*) as propostas(39*) da comissão industrial de inquérito. Para isso tinham sido precisos mais vinte anos de experimentum in corpore vili. Já no ano de 1840 fora nomeada uma comissão parlamentar para investigação do trabalho infantil. O seu relatório de 1842 mostra, nas palavras de N. W. Senior
«o mais aterrador quadro jamais apresentado de avareza, egoísmo e crueldade da parte dos patrões e dos pais, e de miséria, degradação e destruição juvenil e infantil... Pode supor-se que ele descreve os horrores de uma era passada. Mas infelizmente há provas de que esses horrores continuam tão intensos quanto eram. Um panfleto publicado por Hardwicke há cerca de 2 anos afirma que os abusos lamentados em 1842 estão florescentes no dia de hoje» (1863) «... este relatório» (1842) «permaneceu despercebido 20 anos, durante os quais se permitiu que as crianças, criadas sem o mais remoto sinal de compreensão do que se entende pelo termo moral, que não tinham nem conhecimento, nem religião nem afecto natural, se tomassem os pais da geração presente.»(43*)
Entretanto a situação social tinha-se alterado. O Parlamento não ousava rejeitar as exigências da comissão de 1863 como tinha feito com as da comissão de 1842. Assim, logo em 1864, quando a comissão tinha publicado só uma parte dos seus relatórios, a indústria da cerâmica (incluindo a olaria), a fabricação de papel de parede, fósforos, cartuchos e cápsulas fulminantes bem como a tosa de veludo passaram a ficar sujeitas às mesmas leis válidas para a indústria têxtil. No discurso do trono de 5 de Fevereiro de 1867, o gabinete tory da altura anunciou mais bills fundadas nas propostas finais da comissão, que entretanto, em 1866, tinha terminado a sua obra.
Em 15 de Agosto de 1867 a Factory Acts Extension Act e em 21 de Agosto a Workshop’s Regulation Act(44*) receberam a confirmação régia; a primeira lei regulamenta os grandes ramos de negócio, a última os pequenos.
A Factory Acts Extension Act regulamenta os altos fomos, oficinas de ferro e cobre, fundições, fábricas de máquinas, oficinas de metalurgia, fábricas para guta-percha, papel, vidro, tabaco e ainda tipografias e encadernações, e em geral todas as oficinas industrais desta espécie em que estivessem ocupadas simultaneamente 50 ou mais pessoas durante pelo menos 100 dias no ano.
Para dar uma ideia da extensão do domínio abrangido por esta lei, seguem-se aqui algumas das definições aí fixadas:
«Ofício» (nesta lei) «significará qualquer trabalho manual exercido como negócio: ou com propósitos de ganho na, ou ligado à, feitura de qualquer artigo ou parte de um artigo; ou na, ou ligado à, alteração, reparação, ornamentação, acabamento ou qualquer outra adaptação de qualquer artigo para venda.»
«Oficina significará qualquer espaço ou lugar, ao ar livre ou coberto, onde um qualquer ofício é exercido por qualquer criança, jovem ou mulher, e ao qual ou sobre o qual a pessoa por quem essa criança, jovem ou mulher é empregue tem direito de acesso e controlo.»
«Empregado significará ocupado em qualquer ofício, com ou sem salário, às ordens de um patrão ou de um pai como aqui definido.»
«Pai significará pai, tutor ou pessoa que tenha a custódia de, ou controlo sobre, qualquer... criança ou jovem.»
A cláusula 7, a cláusula penal por ocupação de crianças, jovens operários e mulheres contra as determinações desta lei, fixa multas não só para o titular da oficina, seja ele um dos pais ou não, mas também
«os pais de ou a pessoa que retire qualquer benefício directo do trabalho de, ou que tenha o controlo sobre, a criança, o jovem ou a mulher.»
A Factory Acts Extension Act, que abrange os grandes estabelecimentos, fica atrás da lei fabril por uma quantidade de miseráveis determinações de excepção e cobardes compromissos com os capitalistas.
A Workshops’ Regulation Act, deplorável em todas as suas singularidades, permaneceu letra morta nas mãos das autoridades municipais e locais encarregues da sua execução. Quando o Parlamento, em 1871, lhes retirou esses plenos poderes para os transferir para inspectores fabris, cuja área de fiscalização ele engrossou assim de um só golpe em mais de 100 000 oficinas e só quanto a fábricas de tijolos em 300, o seu pessoal foi aumentado diligentemente em apenas oito assistentes, quando todavia até aí já estava muito fracamente guarnecido(45*).
O que, portanto, sobressai nesta legislação inglesa de 1867 é, por um lado, a necessidade imposta ao Parlamento das classes dominantes de adoptar em princípio medidas tão extraordinárias e extensas contra os excessos da exploração capitalista; por outro lado, é as meias-tintas, a relutância e a mala fides(46*) com que então ele põe realmente em actuação estas medidas.
A comissão de inquérito de 1862 propôs igualmente um novo regulamento para a indústria mineira, uma indústria que se diferencia de todas as outras pelo facto de os interesses dos possuidores fundiários e dos capitalistas industriais andarem nela de mãos dadas. A oposição destes dois interesses tinha favorecido a legislação fabril, a ausência desta oposição basta para explicar o retardamento e as chicanas acerca da legislação mineira.
A comissão de inquérito de 1840 tinha feito revelações tão arrepiantes e tão indignantes, e provocado um tal escândalo perante a Europa toda, que o Parlamento teve de salvar a sua consciência pela Mining Act de 1842, onde se limitava a proibir o trabalho debaixo do chão de mulheres e de crianças com menos de 10 anos.
Veio depois, em 1860, a Mines’ Inspection Act, segundo a qual as minas eram inspeccionadas por funcionários públicos especialmente nomeados para isso e não deviam ser empregues rapazes entre os 10 e os 12 anos, a não ser que estivessem na posse de um certificado escolar ou frequentassem a escola durante um certo número de horas. Esta lei permaneceu inteiramente letra morta devido ao número ridiculamente diminuto dos inspectores nomeados, à exiguidade das suas competências e a outras causas que no decorrer [da exposição] se verão mais pormenorizadamente.
Um dos mais recentes livros azuis[N155] sobre minas é o Report from the Select Commitee on Mines, together with... Evidence, 23 July, 1866. É obra de uma delegação de membros da Câmara dos Comuns, com plenos poderes para citar e ouvir testemunhas; um espesso volume infólio em que o próprio «Report» compreende apenas cinco linhas, deste teor: a delegação não sabe dizer nada e têm de ser ouvidas ainda mais testemunhas!
A maneira de interrogar as testemunhas lembra os cross examinations(47*) perante os tribunais ingleses em que o advogado tenta, através de desavergonhadas e desconcertantes perguntas cruzadas e de algibeira, atarantar a testemunha e deturpar o sentido das suas palavras. Os advogados aqui são os próprios interrogadores parlamentares, entre eles donos e exploradores de minas; as testemunhas são operários mineiros, na maioria em minas de carvão. Toda a farsa é demasiado característica do espírito do capital para não darmos aqui alguns extractos. Para uma mais fácil visão geral dou os resultados do inquérito, etc., em rubricas. Lembro que pergunta e a obrigatória resposta estão numeradas nos Blue Books ingleses e que as testemunhas, cujos depoimentos são aqui citados, são operários em minas de carvão.
1. Ocupação de rapazes a partir dos 10 anos nas minas. O trabalho, para além do obrigatório trajecto de e para a mina, dura em regra 14 a 15 horas e excepcionalmente mais tempo, das 3, 4, 5 horas da manhã até às 4 e 5 da tarde (n.os 6, 452, 83). Os operários adultos trabalham em dois turnos ou 8 horas [de cada vez], mas não há nenhuma mudança destas para os jovens para poupar custos (n.os 80, 203, 204). As crianças pequenas são empregues principalmente para abrir e fechar as portas de ventilação nas diversas secções da mina, e as mais velhas para trabalho mais pesado, transporte de carvão, etc. (n.os 122, 739, 740). As longas horas de trabalho debaixo da terra duram até aos 18 ou 22 anos, quando tem lugar a passagem ao trabalho mineiro propriamente dito (n.° 161). As crianças e os jovens são hoje em dia feitos trabalhar mais duramente do em qualquer outro período anterior (n.os 1663-1667). Os operários mineiros exigem quase por unanimidade uma lei do Parlamento para proibição do trabalho mineiro até aos 14 anos. E agora Hussey Vivian (ele próprio explorador de minas) pergunta:
«A opinião(48*) do operário não dependerá da pobreza da família do operário?» — E o sr. Bruce: «Não pensa que seria um caso muito cruel, quando um pai ficou mutilado [...]ou morreu» tirar estes recursos à família? [...] «Tem de estabelecer uma regra geral? [...] Está preparado para recomendar» em todos os casos «legislação que impeça o emprego de crianças com menos de 12 e 14 anos» debaixo da terra? Resposta: «Sim.» (N.os 107-110.) Vivian: «Supondo que um decreto fosse decretado proibindo o emprego de crianças abaixo dos 14 anos [...] os pais não procurariam emprego para os filhos [...] na manufactura?» — «Não em geral, penso eu.» (N.° 174.) Um operário: Abrir e fechar as portas «parece uma coisa muito fácil, mas é de facto bastante árdua». Abstraindo da corrente permanente de ar, o jovem «está ali preso como se estivesse na cela de uma prisão.» O burguês Vivian: «Se fornecerem ao rapaz uma lanterna ele não pode ler?» — «Sim, ele pode ler, se arranjar ele próprio velas [...] Acho que seria considerado em falta se o encontrassem a ler; ele está ali para dar atenção à sua tarefa, tem um dever a cumprir [...] e acho que isso não seria permitido no fundo da mina.» (N.os 139, 141-160.)
2. Instrução. Os mineiros exigem uma lei de ensino coercivo das crianças tal como nas fábricas. Eles declaram a cláusula da lei de 1860, segundo a qual se exige um certificado de instrução para emprego dos rapazes dos 10 aos 12 anos, puramente ilusória. O «meticuloso» processo de inquirição das testemunhas pelo juiz de instrução capitalista é aqui verdadeiramente engraçado.
(N.° 115.) A lei «é requerida mais contra os patrões ou contra os pais?» — «É requerida contra os dois, penso eu.» (N.° 116.) «[...] Mais contra um ou contra outro?» — «Não; dificilmente posso responder a essa pergunta.» (N.° 137.) «Manifesta-se algum desejo, da parte dos empregadores, de que os rapazes disponham de horas que lhes permitam ir à escola?» — «Não [...].» (N.° 211.) «Pode dizer-se que os mineiros geralmente melhoram a sua educação [...]?» — «Em geral pioram [...]; adquirem maus hábitos; começam a beber e a jogar e coisas assim, e perdem-se completamente.» (N.° 454.) «Fazem eles alguma tentativa» para mandar as crianças à «escola à noite?» — «São poucas as minas de carvão onde há escola à noite [...]» Mas o principal é que «eles estão tão fisicamente exaustos» pelo longo trabalho a mais que os olhos se lhes fecham de cansaço. «Então», conclui o burguês, «é, portanto, contra a educação?» — «Certamente que não; mas,» etc. (N.° 443.) «Mas não estão os possuidores de minas, etc., obrigados pela lei 1860 a exigir certificados de escolaridade quando empreguem crianças entre os 10 e os 12 anos? — «Por lei estão; mas eu não tenho conhecimento de que eles sejam pedidos pelos empregadores.» (N.°444.) — «É portanto sua opinião que essa cláusula da Lei [...] não é geralmente aplicada [...]?» «Não é aplicada.» (N.° 717.) «Os homens interessam-se muito por esta questão» da instrução? — «A maioria deles sim.» (N.° 718.) «Estão eles muito ansiosos por ver a lei aplicada?» — «A maioria está.» (N.° 720.) Então porque não forçam o seu cumprimento? — «Muitos homens gostariam de se opor ao emprego de um rapaz» sem certificado escolar, «mas então ele ficaria talvez um homem marcado (a marked man).» (N. 0 721.) «Marcado por quem?» — «Pelos seus empregadores.» (N.° 722.) «Pensa que os empregadores considerariam em falta um homem que obedeceu à lei [...]?» — «Acredito que sim.» (N.° 723.) «Já lhe constou que algum operário tivesse recusado empregar um rapaz [...]» desses? — «Não é deixada aos homens opção.» (N.° 1634.) «Pediria a intervenção do Parlamento?» — «Penso que se houver a fazer alguma coisa de eficaz na educação dos filhos dos mineiros terá de ser feita compulsivamente por uma Lei do Parlamento.» (N.° 1636.) «Imporia essa obrigação apenas aos mineiros, ou a toda a gente trabalhadora da Grã-Bretanha?» — «Eu vim para falar pelos mineiros.» (N.° 1638.) «Porque havia de distingui-los (os rapazes mineiros) dos outros rapazes?» — «Porque penso que eles são uma excepção à regra.» (N.° 1639.) «Em que aspecto?» — «Num aspecto físico.» (N.° 1640.) «Porque haveria de ser a educação mais valiosa para eles do que para outras classes de garotos?» — «Não sei se ela é mais valiosa; mas dado o sobreesforço nas minas, os rapazes que ali trabalham têm menos possibilidades de obter educação, tanto nas escolas de domingo como nas de dia.» (N.° 1644.) «Será impossível encarar uma questão como esta absolutamente por si mesma?» (N.° 1646.) «Há suficiência de escolas?» — «Não [...].» (N.° 1647.) «Se o Estado exigisse que todas as crianças fossem mandadas à escola, haveria escolas para as crianças irem?» — «Não, mas penso que se se criassem as circunstâncias as escolas surgiriam.» A grande maioria não só das crianças, mas também dos mineiros adultos «não sabe ler nem escrever». (N.°s 705, 726(50*).)
3. O trabalho feminino. Desde 1842 as operárias já não são usadas debaixo da terra, mas acima, para carregar carvão, etc., para rebocar as balsas para os canais e as vagonetas, para separar o carvão, etc. O seu emprego aumentou muito nos últimos 3 a 4 anos (n.° 1727). São na maioria mulheres, filhas e viúvas dos mineiros, de 12 a 50 e 60 anos de idade (n.os 647, 1779, 1781).
(N.°648.) «Qual é o sentimento dos operários mineiros relativamente ao emprego de mulheres» nas minas? — «Penso que em geral o condenam.» (N.° 649.) Porquê? — «Penso que é degradante para o sexo.» ... Elas usam uma espécie de «roupa de homem e creio que em alguns casos isso abafa todo o sentido da decência.» [...] Muitas mulheres fumam. [...] O trabalho é tão sujo como o nas próprias minas. Entre elas há muitas mulheres casadas que não podem cumprir os seus deveres domésticos. (N.os 651 sqq., 701.) (N.°709.) «Pensa que as que são viúvas poderiam ter emprego noutro lugar que lhes proporcionasse um salário igual (8-10 sh. por semana)?» — «Nada posso dizer sobre isso.» (N.° 710.) «Mesmo assim estaria disposto» (coração empedernido!) «a impedi-las de obterem desse modo os meios de vida?» — «Estaria.» (N.° 715.) Porquê essa disposição? — «[...] Nós como mineiros desejamos mais respeito pelo belo sexo do que vê-las colocadas na boca da mina... Uma parte do trabalho é muito duro; algumas dessas raparigas carregam 10 toneladas de material por dia.» (N.° 1732(51*)) «Pensa que as mulheres empregues nas minas são menos morais do que mulheres empregues nas fábricas?» — « [...] a percentagem de más pode ser um bocado maior [...] do que entre as raparigas das fábricas.» (N.° 1733.) «Mas não está satisfeito com o estado de moralidade nas fábricas?» — «Não.» (N.° 1734.) «Proibiria também o emprego de mulheres nas fábricas?» — «Não, não proibiria.» (N.° 1735.) «Por que não?» — «Penso que a ocupação nas fábricas é mais honrosa para elas.» (N.° 1736.) «No entanto pensa que é prejudicial para a moralidade delas?» — «Não tanto como trabalhar na boca da mina». De resto não falo só por razões morais, mas também físicas e sociais. «A degradação [...] social [...] das raparigas é deplorável ao extremo. Quando essas [...] raparigas se tornarem esposas de mineiros, os homens sofrerão muito com essa degradação, e isso levá-los-á a abandonarem os lares e a beberem.» (N.° 1737.) Mas isso não seria também válido para as mulheres empregues nas fábricas siderúrgicas? — «Não posso falar por qualquer outro negócio.» (N.° 1740.) «Vê alguma diferença nas circunstâncias das mulheres empregues nas fábricas siderúrgicas e na das mulheres que trabalham na superfície das minas de carvão?» — «Não averiguei nada nessa questão.» (N.° 1741.) «Vê alguma coisa que possa constituir distinção entre uma classe e outra?» — «Não averiguei isso, mas sei, pelas visitas de casa em casa, que a situação é deplorável no nosso distrito [...]» (N.° 1750.) «O senhor interferiria em qualquer caso no emprego de mulheres, em todos os casos em que esse emprego é degradante?» — «Penso que [...] os melhores sentimentos dos ingleses têm-lhes vindo da educação maternal [...]» (N.° 1751.) «Isso aplica-se igualmente aos trabalhos agrícolas, não é?» — «Sim, mas isso é apenas por duas estações, e nós temos trabalho durante todas as quatro estações. Elas trabalham muitas vezes de dia e de noite, molhadas até aos ossos, com a compleição minada e a saúde arruinada.» (N.° 1753.) «Não investigou talvez essa questão» (a saber: a da ocupação de mulheres)? — «Certamente tomei nota disso por onde passei, e não vi certamente nada que tenha paralelo com os efeitos do trabalho das mulheres na boca da mina [...]» [N.os 1793, 1794, 1808.] «Aquilo é trabalho de homem... de homem forte.» «[...] A melhor classe de mineiros que procuram elevar-se e humanizar-se, em vez de obter ajuda das mulheres, são puxados para baixo por elas.»
Depois do burguês ter feito ainda mais perguntas cruzadas e de algibeira, descobre-se finalmente o segredo da sua «compaixão» pelas viúvas, famílias pobres, etc.:
«O proprietário do carvão encarrega determinados cavalheiros (gentlemen) de vigilância das obras, e é política deles, a fim de receberem louvor, pôr as coisas na base mais económica que possam, e estas raparigas são empregues de 1 sh. a 1 sh. e 6 d. por dia, onde um homem teria de ser empregue à taxa de 2 sh. e 6 d. por dia.» (N.° 1816.)
4. Juris de autópsia.
(N.° 360.) «No que se refere aos inquéritos de autópsias (coroner’s inquests) no seu distrito, os operários têm confiança na condução desses inquéritos quando ocorrem acidentes?» — «Não, não têm.» (N.os 361-375.) «Por que não?» — «Principalmente porque os homens que são geralmente escolhidos, são homens que nada percebem de minas.» «Nunca são chamados operários [...] a não ser como testemunhas [...]» Chamam-se «geralmente negociantes da vizinhança [...] pela sua situação eles estão por vezes sujeitos a serem influenciados pelos seus empregadores [...] os donos das fábricas. São geralmente homens sem conhecimentos, e dificilmente conseguem compreender as testemunhas que são convocadas, e os termos usados, e coisas assim.» «Gostaria de ver o júri (jury) composto por pessoas que tivessem sido empregadas nas minas?» — «Sim, em parte [...]» os operários «pensam que o veredicto não está em conformidade com as provas geralmente apresentadas.» (N.° 378.) Mas os júris não devem ser imparciais? — «Sim.» (N.° 379.) Os operários sê-lo-iam? — «Não vejo nenhum motivo por que os operários houvessem de agir com parcialidade [...] eles têm necessariamente um melhor conhecimento [...]» (N.° 380.) «Não pensa que haveria a tendência por parte dos operários para emitir veredictos injustamente severos?» — «Não, não penso.»
5. Medidas e pesos falsos, etc. Os operários exigem pagamento semanal em vez de quinzenal, medida segundo o peso em vez de segundo a cubicagem das balsas, protecção contra o emprego de pesos falsos, etc.
(N.° 1071.) «Se as balsas fossem fraudulentamente aumentadas, um homem podia deixar o trabalho avisando com 15 dias de antecedência?» — «Mas se ele for para outro lugar, encontrará aí a mesma coisa.» (N.° 1072.) «Mas pode abandonar o lugar onde a injustiça foi cometida?» — «Ela é geral» [...] (N.° 1073.) «Pode um homem despedir-se avisando com 15 dias de antecedência?» — «Sim.»
Uma pedra no assunto!
6. Inspeção de minas. Os operários não padecem apenas de acidentes por gases que explodem.
(N.° 234 sqq.) «Os nossos homens queixam-se muito da má ventilação das minas [...] a ventilação é em geral tão má que os homens mal podem respirar; eles ficam incapazes de fazer seja o que for após um longo período de permanência no seu trabalho; de facto, só na parte de mina onde eu trabalho, os homens têm sido obrigados [...] a ir para casa em consequência disso [...] alguns deles estiveram ausentes do trabalho durante semanas [...] há geralmente muito ar nas condutas principais, mas não se fazem esforços para fazer chegar o ar aos lugares onde os homens trabalham.» «Porque é que não recorrem ao inspector?» — «Para falar verdade, há muitos homens que têm receio relativamente a esse ponto; tem havido casos de homens que têm sido prejudicados e têm perdido o emprego por se queixarem ao inspector.» [...] «Ele é um homem marcado por se queixar?» — «Sim.» O Mining Inspecting Act(52*) de 1860 é um puro pedaço de papel. O inspector, e o seu número é demasiado pequeno, faz talvez cada 7 anos uma visita formal. O nosso inspector é «um velho com mais de 70 anos para inspeccionar mais de 130 minas de carvão.» Além de mais inspectores, precisamos de subinspectores. (N.° 280.) Deve então o governo manter um tal exército de inspectores para que possam fazer tudo o que vocês exigem sem informação dos próprios operários? — E impossível, mas eles devem ir buscar a informação às próprias minas. (N.° 285.) «Não pensa que o resultado [...] seria transferir a responsabilidade» (!) «de fornecer ventilação adequada dos donos das minas para os funcionários do Governo?» — «Não, não penso; penso que eles deviam ter como tarefa fazer aplicar as Leis que já estão em vigor.» (N.° 294.) «Quando fala de subinspectores, quer dizer homens com um salário inferior, e de um tipo inferior ao dos actuais inspectores?» — «Eu não os quereria inferiores, se os pudesse ter de outro modo.» (N.° 295.) «Quer nomeadamente mais inspectores, ou quer uma classe inferior de homens como inspectores?» —«Um homem que aparecesse, e que fizesse com que as coisas andassem direitas; um homem que não tivesse medo de si próprio.» (N.° 297.) «Se conseguisse o seu desejo de ter uma classe inferior de inspectores contratados, não pensa que haveria o perigo de falta de qualificação, etc. ?» — «Penso que não, penso que o Governo zelaria por isso, e colocaria homens capazes nesses lugares.»
Esta espécie de interrogatório toma-se finalmente demasiado louca mesmo para o presidente do comité de inquérito.
«Quer», interrompeu, «uma classe de homens que analisassem todos os pormenores da mina, [...] que apresentariam um relatório ao inspector-chefe, o qual aplicaria os seus conhecimentos científicos aos factos por eles expostos?» (N.°531.) «A ventilação de todas essas velhas galerias não implicaria grandes despesas?» —- «Sim, talvez implicasse despesas, mas a vida seria ao mesmo tempo protegida.»
(N.° 581.) Um mineiro protesta contra a 17.ª secção da lei de 1860:
«Presentemente, se o inspector das minas acha uma parte da mina não capaz para lá trabalhar, tem de o relatar ao dono da mina e ao ministro do Interior. Depois disso, é dado um prazo de 20 dias ao dono da mina para considerar a questão; ao fim de 20 dias ele tem a possibilidade de se recusar a fazer qualquer alteração na mina; mas, quando recusa, o dono da mina escreve ao ministro do Interior, nomeando ao mesmo tempo cinco engenheiros, e desses cinco engenheiros [...] o ministro do Interior indica um, penso eu, como árbitro, ou indica árbitros de entre eles; mas nós pensamos que neste caso o dono da mina nomeia virtualmente o seu próprio árbitro.»
(N.° 586.) O examinador burguês, ele próprio dono de minas:
«[...] Isto é uma objecção meramente especulativa?» (N.° 588.) «Nesse caso tem uma fraca opinião da integridade dos engenheiros de minas?» — «Isso é certamente injusto e não equitativo.» (N.° 589.) «Não possuem os engenheiros de minas uma espécie de carácter público, e não pensa que eles estão acima de tomar uma decisão tão parcial quanto a que receia?» — «Não desejo responder a uma pergunta como essa relativamente ao carácter pessoal desses homens. Acredito que em muitos casos eles agiriam de facto com muita parcialidade, e que não deveria estar nas mãos deles agirem assim quando estão em jogo vidas de homens.»
O mesmo burguês tem o descaramento de perguntar:
«Não pensa que o dono da mina também sofre perdas com uma explosão?»
Finalmente (n.° 1042):
«Não são vocês, operários do Lancashire, capazes de cuidarem dos vossos próprios interesses sem pedirem ao Governo que vos ajude?» — «Não.»
Em 1865 havia 3217 minas de carvão na Grã-Bretanha e — 12 inspectores. Um possuidor de minas do Yorkshire (Times, 26 de Janeiro de 1867) calcula mesmo que, abstraindo dos seus assuntos puramente burocráticos que lhe absorvem o tempo todo, cada mina só podia ser visitada uma vez em 10 anos. Não admira que as catástrofes nos últimos anos (nomeadamente também em 1866 e 1867) tenham aumentado progressivamente em número e volume (muitas vezes com um sacrifício de 200-300 operários). Estas são as belezas da «livre» produção capitalista!
Em qualquer caso, a lei de 1872, por deficiente que seja, é a primeira que regulamenta as horas de trabalho das crianças ocupadas nas minas e que torna os possuidores e exploradores de minas em certa medida responsáveis pelos chamados desastres.
A comissão régia de 1867 para a investigação da ocupação de crianças, jovens e mulheres na agricultura publicou alguns relatórios muito importantes. Foram feitas diversas tentativas de aplicar à agricultura os princípios da legislação fabril, de forma modificada, mas até agora todas falharam totalmente. Mas para o que eu queria aqui chamar a atenção é para a existência de uma tendência irresistível para a aplicação geral destes princípios.
Se a generalização da legislação fabril como meio de protecção física e espiritual da classse operária se tomou inevitável, ela generaliza e acelera por outro lado, como já foi indicado, a transformação de processos de trabalho dispersos numa escala anã em processos de trabalho combinados em grande escala, social, portanto, a concentração do capital e a dominação exclusiva do regime fabril. Ela destrói todas as formas arcaicas e de transição, atrás das quais a dominação do capital se esconde ainda em parte, e substitui-as pela sua dominação directa, não oculta. Generaliza também com isso a luta directa contra esta dominação. Enquanto nas oficinas individuais impõe uniformidade, regularidade, ordem e economia, aumenta, através do enorme acicate que limitação e regramento do dia de trabalho são para a técnica, a anarquia e as catástrofes da produção capitalista no seu todo, a intensidade do trabalho e a concorrência da maquinaria com o operário. Com as esferas da pequena empresa e do trabalho domiciliário ela aniquila os últimos refúgios dos «supranumerários» e com isso a válvula de segurança, até agora existente, de todo o mecanismo da sociedade. Com as condições materiais e a combinação social do processo de produção, ela amadurece as contradições e antagonismos da forma capitalista deste, portanto, simultaneamente, os elementos de formação de uma nova sociedade e os momentos de revolucionamento da velha sociedade(53*).
Notas de rodapé:
(1*) Em inglês no texto: médico oficial que passa atestados. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(2*) Nas edições francesa e inglesa: 15. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(3*) L. c., p. XV, n. 72 sqq. (retornar ao texto)
(4*) Reports of Insp. of Fact., 31st Oct., 1865, p. 127. (retornar ao texto)
(5*) Descobriu-se experimentalmente que, em cada respiração de intensidade mediana de um indivíduo saudável médio, são consumidas aproximadamente 25 polegadas cúbicas de ar e que se processam aproximadamente 20 respirações por minuto. O consumo de ar de um indivíduo em 24 horas daria assim aproximadamente 720 000 polegadas cúbicas ou 416 pés cúbicos. Sabe-se, porém, que o ar uma vez inspirado já não pode servir para o mesmo processo antes de ser purificado nas grandes oficinas da Natureza. Segundo os experimentos de Valentin e Brunner, parece que um homem saudável expira aproximadamente 1300 polegadas cúbicas de anidrido carbónico por hora; isto daria aproximadamente 8 onças de carvão sólido expelidas dos pulmões em 24 horas. «Toda a gente deveria ter pelo menos 800 pés cúbicos.» (Huxley) (retornar ao texto)
(6*) Segundo a lei fabril inglesa, os pais não podem mandar as crianças menores de 14 anos para as fábricas «controladas» sem simultaneamente as fazer ter ensino elementar. O fabricante é responsável pelo cumprimento da lei. «A educação fabril é compulsória e é uma condição de trabalho.» (Reports of Insp. of Fact., 31 st Oct., 1865, p. 111.) (retornar ao texto)
(7*) Sobre os êxitos mais vantajosos da ligação de ginástica (para os rapazes também de exercícios militares) com o ensino coercivo das crianças das fábricas e alunos pobres ver o discurso de N. W. Senior no 7.° congresso anual da National Association for the Promotion of Social Science in Report of Proceedings, etc., Lond., 1863, pp. 63, 64, bem como o relatório dos inspectores fabris de 31 de Outubro de 1865, pp. 118, 119. 120. 126 sqq. (retornar ao texto)
(8*) Reports of Insp. of Fact., 1. c., pp. 118, 119. Um fabricante de seda ingénuo declara aos comissários de investigação da Child. Empl. Comm «Estou perfeitamente certo de que o verdadeiro segredo de produzir gente trabalhadora eficiente se encontra em unir a educação e o trabalho desde o período da infância. Claro que a ocupação tem de não ser demasiado severa nem fastidiosa nem insalubre. Mas não tenho dúvidas quanto à vantagem da união. Gostaria que os meus próprios filhos pudessem ter algum trabalho, assim como brincadeira, para dar variedade à sua escolaridade.» (Child. Empl. Comm., V. Rep., p. 82, n. 36.) (retornar ao texto)
(9*) Senior, 1. c., p. 66. Como a grande indústria, num certo grau de apogeu, pelo revolucionamento do modo material de produção e das relações sociais de produção, revoluciona também as cabeças, mostra-o contundentemente uma comparação entre o discurso de N. W. Senior de 1863 e a sua filípica contra a lei fabril de 1833 ou uma comparação entre as perspectivas do referido congresso e o facto de, em certas zonas rurais da Inglaterra, aos pais pobres ser proibido, sob pena de morte à fome, instruir os filhos. Assim, p. ex., o sr. Snell relata ser prática habitual no Somersetshire, quando uma pessoa pobre solicita auxílio paroquial, ser coagida a tirar os filhos da escola. O sr. Wollaston, padre em Feltham, conta casos em que foi recusado todo o apoio a certas famílias «porque estavam a mandar os filhos à escola!» (retornar ao texto)
(10*) Onde máquinas artesanais, accionadas por força humana, concorrem directa ou indirectamente com maquinaria mais desenvolvida e que, portanto, pressupõe força motriz mecânica, processa-se uma grande transformação no que respeita ao operário que acciona a máquina. Originariamente a máquina a vapor substituía este operário, agora ele deve substituir a máquina a vapor. A tensão e o dispêndio da sua força de trabalho -tornam-se, portanto, monstruosos, especialmente para não adultos condenados a esta tortura! O comissário Longe encontrou, em Coventry e arredores, rapazes de 10 a 15 anos empregues a fazer girar os teares de fitas, abstraindo de crianças mais novas que têm de fazer girar os teares de mais pequena dimensão. «E trabalho extraordinariamente fatigante. O rapaz é um mero substituto da força do vapor.» (Child. Empl. Comm., V. Rep., 1866, p. 114, n. 6.) Sobre as consequências assassinas «deste sistema de escravatura», como lhe chama o relatório oficial, ver 1. c., sq. (retornar ao texto)
(11*) L. c., p. 3, n. 24. (retornar ao texto)
(12*) L. c., p. 7, n. 60. (retornar ao texto)
(13*) «Em algumas partes das Terras Altas da Escócia..., cada camponês, segundo o Statistical Account, fazia os seus próprios sapatos com couro curtido por si próprio. Também muitos pastores e colonos (cotters), com a mulher e os filhos, apareciam [...] com roupas que não tinham sido tocadas por outras, mãos senão as suas desde que eram tosquiadas das ovelhas e semeadas no campo de linho. Na preparação delas, acrescenta-se, com excepção da sovela, agulha, dedal e muito poucas peças do instrumento de ferro utilizado na tecelagem, quase nenhum artigo tinha sido comprado. Também os corantes eram principalmente extraídos pelas mulheres das árvores, arbustos e ervas.» (Dugald Stewart, Works, ed. Hamilton, vol. VIII, pp. 327-328.) (retornar ao texto)
(14*) Respectivamente em inglês e francês no texto: mistérios. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(15*) No famoso Livre des métiers de Etienne Boileau está prescrito, entre outras coisas, que um oficial, ao ser aceite entre os mestres, tinha de fazer um juramento de «amar fraternalmente os seus irmãos, de os apoiar, cada um na ordem do seu mester (métier)», não trair voluntariamente os segredos do mester e até mesmo «no interesse comum da corporação» não dar a «conhecer ao comprador, para fazer valer as suas mercadorias, os defeitos das mal confeccionadas». (retornar ao texto)
(16*) «A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, por conseguinte as relações de produção, por conseguinte as relações sociais no seu conjunto. Manutenção inalterada do antigo modo de produção era, pelo contrário, a condição primeira de existência de todas as anteriores classes industriais. O permanente revolucionamento da produção, o ininterrupto abalo de todas as situações sociais, a incerteza e o movimento eternos distinguem a época da burguesia de todas as anteriores. Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e visões, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo o que era próprio dos estados [Stàndishe] e tudo o que estava de pé [Stehende] se volatiliza, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são por fim coagidos a encarar com os olhos bem abertos as suas posições na vida, as suas relações recíprocas.» (F. Engels e Karl Marx, Manifest der Kommunistischen Partei, Lond., 1848, p. 5.) (retornar ao texto)
(17*) «Tirais-me a vida
Quando me tirais os meios pelos quais vivo.» (Shakespeare)[N153] (retornar ao texto)
(18*) Um operário francês no seu regresso de San Francisco escreve: «Nunca teria acreditado que fosse capaz de exercer todos os ofícios que tive na Califórnia. Acreditava muito profundamente que fora da arte de imprimir [imprimerie] não prestava para nada... Uma vez no meio deste mundo de aventureiros que mudam de ofício mais facilmente do que de camisa, palavra de honra, fiz como os outros. Como o ofício de mineiro não me dava o suficiente fui para a cidade, onde fiz ora tipografia, ora telhadura [...] de chumbeiro-zincador [...] Esta experiência [...] deu-me a convicção de que em nenhuma circunstância me consideraria seriamente embaraçado [...] Sinto-me menos molusco e muito mais homem». (A. Corbon, De l’enseignement professionel, 2ème éd., p. 50.) (retornar ao texto)
(19*) Em francês no texto: «escolas de ensino profissional». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(20*) Em latim no texto: literalmente, não mais além, isto é, o limite intransponível. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(21*) John Bellers, um verdadeiro fenómeno na história da economia política, compreende com toda a clareza já no fim do século xvn a necessária supressão da actual instrução e repartição de trabalho, que geram hipertrofia e atrofia em ambos os extremos da sociedade, embora em direcção oposta. Ele diz lindamente entre outras coisas: «Sendo uma aprendizagem ociosa pouco melhor do que a aprendizagem da ociosidade... O trabalho corporal é uma primitiva instituição de Deus... Sendo o trabalho tão apropriado para a saúde dos corpos como a comida é para a sua vida; porque as penas que um homem poupa no ócio encontra-las-á na doença... O trabalho acrescenta azeite à lamparina da vida, ao passo que pensar a inflama... Uma ocupação infantilmente pateta» (isto premonitoriamente contra os Basedows e os seus modernos sarrafaçadores) «deixa patetas as mentes das crianças.» (Proposals for Raising a Colledge of Industry of all Useful Trades and Husbandry, Lond.,1696, pp. 12,14, 16, 18(22*).) (retornar ao texto)
(22*) Na edição inglesa: 12, 14, 18. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(23*) Este processa-se, de resto, na sua maior parte também em oficinas mais pequenas, como vimos na manufactura de rendas e entrançado de palha(24*) e como também podia ser pormenorizadamente mostrado nomeadamente nas manufacturas metalúrgicas em Sheffield, Birmingham, etc. (retornar ao texto)
(24*) Ver o presente tomo, pp. 532-537 (O Trabalho Domiciliário Moderno). (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(25*) Em latim no texto: poder paterno. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(26*) Child. Empl. Comm., V. Rep., p. XXV, n. 162 e 11. Rep., p. XXXVIII, n. 285, 289, pp. XXV, XXVI, n. 191. (retornar ao texto)
(27*) «O trabalho na fábrica pode ser tão puro e excelente como o trabalho doméstico, e talvez até mais.» (Reports of Insp. of Fact., 31 st Oct., 1865, p. 129.) (retornar ao texto)
(28*) A edição francesa acrescenta: Na história, como na Natureza, a podridão é o laboratório da vida. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(29*) L. c., pp. 27, 32. (retornar ao texto)
(30*) Documentação massiva sobre isto nos Rep. of Insp. of Fact. (retornar ao texto)
(31*) Child. Empl. Comm., V. Rep., p. X, n. 35. (retornar ao texto)
(32*) Em inglês no texto: fabricante de caixas e sacos de papel. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(33*) L. c., p. IX, n. 28. (retornar ao texto)
(34*) L. c., p. XXV, n. 165-167. Sobre as vantagens da grande empresa comparada com a empresa anã ver Child. Empl. Comm., III. Rep., p.13, n. 144; p. 25, n. 121; p. 26, n. 125; p. 27, n. 140; etc. (retornar ao texto)
(35*) Os ramos de indústria a regulamentar são: manufactura de rendas, tecelagem de meias, entrançado de palha, manufactura de wearing apparel com as suas numerosas espécies, confecção de flores artificiais, confecção de sapatos, chapéus e luvas, alfaiataria, todas as fábricas de metalurgia desde os altos fornos até às fábricas de agulhas, etc., fabrico de papel, manufactura do vidro, manufactura do tabaco, oficinas de India-rubber(36*), fabricação de liços (para tecelagem), tecelagem manual de tapetes, manufactura de guarda-chuvas e guarda-sóis, fabricação de fusos e bobinas, tipografia, encadernação, comércio de material de escritório (stationery, que inclui embalagens de papel, cartões, cores para papel, etc.), cordoaria, manufactura de adornos de azeviche, fábricas de tijolos, manufactura manual da seda, tecelagem de Coventry, salinas, fábricas de velas de cebo e fábricas de cimento, refinaria de açúcar, fabrico de biscoitos, diversos trabalhos em madeira e outros trabalhos mistos. (retornar ao texto)
(36*) Em inglês no texto: borracha. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(37*) L. c., p. XXV, n. 169. (retornar ao texto)
(38*) Em inglês no texto: «propostas de lei». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(39*) A Factory Acts Extension Act(40*) foi aprovada no dia 12 de Agosto de 1867. Regulamenta todas as fundições, forjas e manufacturas metalúrgicas, incluindo fábricas de máquinas, para além de manufacturas de vidro, papel, guta-percha, cauchu e tabaco, tipografias, encadernações e por fim todas as oficinas onde se ocupam mais de 50 pessoas. — A Hours of Labour Regulation Act(41*) foi aprovada em 17 de Agosto de 1867 e regulamenta as pequenas oficinas e o chamado trabalho domiciliário. — Volto a estas leis e à nova Mining Act(42*) de 1872, etc., no volume II. (retornar ao texto)
(40*) Em inglês no texto: Lei de Extensão da Lei Fabril. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(41*) Em ingês no texto: Lei de Regulamentação das Horas de Trabalho. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(42*) Em inglês no texto: Lei das Minas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(43*) Senior, Social Science Congress, pp. 55-58. (retornar ao texto)
(44*) Em inglês no texto: Lei de Regulamentação das Oficinas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(45*) O pessoal da inspecção fabril constava de 2 inspectores, 2 inspectores ajudantes e 41 subinspectores. Em 1871 foram nomeados mais oito subinspecto- res. Os custos totais da execução das leis fabris na Inglaterra, Escócia e Irlanda ascendiam em 1871/72 apenas a 25 347 lib. esterl., incluindo as custas judiciais em processos contra transgressões. (retornar ao texto)
(46*) Em latim no texto: má fé. (Nota da edição portuguesa). (retornar ao texto)
(47*) Em inglês no texto: interrogatórios cruzados. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(48*) Marx escreve: exigência. Quanto a esta citação e às que se seguem dos Blue Books ter em conta a nota (49*) abaixo. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(49*) Como noutros passos sucede, também nesta citação subsistem pequenas variações entre a versão alemã de Marx, que por vezes resume o sentido do texto original ou altera a ordem das frases, etc, e a edição inglesa. De acordo com o critério geral da nossa tradução, as passagens entre aspas correspondem ao texto inglês. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(50*) Na edição inglesa: 725. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(51*) Na edição inglesa: 1237. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(52*) Em inglês no texto: Lei de Inspecção das Minas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(53*) Robert Owen, o pai das fábricas e lojas cooperativas que, no entanto, tal como foi referido antes, não partilha de maneira nenhuma das ilusões dos seus seguidores sobre o alcance destes elementos isolados de revolucionamento, partiu nas suas tentativas não só efectivamente do sistema fabril, mas declarou-o também teoricamente como o ponto de partida da revolução social. O senhor Vissering, professor de economia política na Universidade de Leyden, parecia suspeitar disso quando no seu Handboek van Praktische Staathuishoudkunde, 1860-1862, em que recita as trivialidades da economia vulgar da forma mais correspondente, exalta-se a favor da empresa artesanal contra a grande indústria. — {À 4.a ed. — A «nova ninhada jurídica de processos» (p. 264(54*)), que a legislação inglesa criou por meio das Factory Acts, Factory Acts Extension Act e Workshop’s Act, mutuamente contraditórias, tomou-se finalmente insuportável, e assim levou-se a cabo na Factory and Workshop Act(55*) de 1878 uma codificação de toda a legislação respectiva. Uma crítica pormenorizada deste código industrial da Inglaterra actualmente vigente não pode naturalmente ser dada aqui. Possam por isso bastar as seguintes notas. A lei compreende: 1. fábricas têxteis. Aqui fica quase tudo como dantes: tempo de trabalho permitido para crianças com mais de 10 anos — 5 1/2 horas diariamente ou então 6 horas e sábado livre; jovens e mulheres — 10 horas em cinco dias, o máximo de 6 1/2 ao sábado. — 2. Fábricas não têxteis. Aqui as determinações estão mais aproximadas do que antes às do n.° 1, mas ainda subsistem muitas excepções que favorecem os capitalistas, que em muitos casos são ainda extensíveis por autorização especial do ministro do Interior. — 3. Workshops, definidas aproximadamente como na lei anterior; no que respeita a crianças, operários jovens ou mulheres que lá estão ocupadas, as workshops são quase equiparadas às fábricas não têxteis, todavia de novo com facilitações no pormenor. — 4. Workshops onde não estão ocupadas crianças ou operários jovens, mas apenas pessoas de ambos os sexos com mais de 18 anos; para esta categoria vigoram ainda ulteriores facilitações. — 5. Domestic Workshops(56*), onde só estão ocupados membros da família na habitação familiar; determinações ainda mais elásticas e simultaneamente com a limitação de o inspector só poder entrar sem autorização ministerial ou judicial particular em espaços que não sejam utilizados simultaneamente como espaços de habitação, e por fim a libertação incondicionada do entrançado de palha, da renda de bilros e da confecção de luvas no interior da família. Com todos os seus defeitos a lei continua a ser de longe, junto com a lei fabril federal suiça de 23 de Março de 1877, a melhor lei sobre o assunto. Uma comparação desta com a lei federal suíça mencionada é de particular interesse porque toma muito perceptível as vantagens e desvantagens dos dois métodos legislativos — o inglês, «histórico», intervindo caso a caso, e o continental, construído sobre as tradições da Revolução Francesa, mais generalizante. Infelizmente o código inglês continua a ser em grande parte letra morta na sua aplicação às workshops — por causa de insuficiência de pessoal de inspecção. — F. E.} (retornar ao texto)
(54*) Ver a presente edição, tomo I, p. 344. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(55*) Em inglês no texto: Lei Fabril e das Oficinas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(56*) Em inglês no texto: Oficinas Domésticas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N153] Shakespeare, O Mercador de Veneza, acto IV, cena 1. (retornar ao texto)
[N154] «Ne sutor ultra crepidam!» («Sapateiro, não vás além da chinela!») — palavras do célebre pintor grego da Antiguidade Apeles em resposta à crítica a um seu quadro feita por um sapateiro, que não entendia nada de pintura e só podia assinalar algumas imprecisões na representação do calçado (Plínio, História Natural, XXXV, 10, 36). (retornar ao texto)
[N155] Livros Azuis (Blue Books) — nome genérico das publicações dos textos do Parlamento inglês e dos documentos diplomáticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Os Livros Azuis, que devem esse nome à sua capa azul, publicam-se em Inglaterra desde o século XVII e são a principal fonte oficial para o estudo da história económica e diplomática daquele país. (retornar ao texto)
Inclusão | 17/11/2013 |