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Livro Primeiro: O processo de produção do capital
Terceira Seção: A produção da mais-valia absoluta
Quinto capítulo. Processo de trabalho e processo de valorização
2. Processo de valorização
O produto — a propriedade do capitalista — é um valor de uso, fio, botas, etc. Mas embora as botas, p. ex., formem em certa medida a base do progresso social e o nosso capitalista seja um decidido homem de progresso, ele não fabrica as botas por causa delas próprias. Na produção de mercadorias o valor de uso não é de modo algum a coisa qu'on aime pour elle-même(1*). Os valores de uso são aqui apenas e em geral produzidos porque e na medida em que são substracto material, portadores do valor de troca. E para o nosso capitalista trata-se de duas coisas. Em primeiro lugar, ele quer produzir um valor de uso que tenha um valor de troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. E, em segundo lugar, quer produzir uma mercadoria cujo valor seja superior à soma de valor das mercadorias requeridas para a sua produção, dos meios de produção e da força de trabalho para os quais ele adiantou, no mercado de mercadorias, o seu rico dinheiro. Ele não quer apenas produzir um valor de uso, mas uma mercadoria; não apenas valor de uso, mas valor; e não apenas valor, mas também mais-valia.
De facto, dado que aqui se trata de produção de mercadorias, considerámos até aqui — manifestamente — apenas um lado do processo. Como a própria mercadoria é unidade de valor de uso e valor, o seu processo de produção tem de ser unidade de processo de trabalho e processo de formação de valor.
Consideremos agora o processo de produção também como processo de formação de valor.
Sabemos que o valor de cada mercadoria é determinado pelo quantum de trabalho materializado no seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Isto vale também para o produto que adveio para o nosso capitalista em resultado do processo de trabalho. Há, pois, que calcular antes de mais o trabalho objectivado neste produto.
Tomemos, p. ex., o. fio.
Para a fabricação do fio foi primeiro precisa a sua matéria-prima, p. ex., 10 libras de algodão. Não há primeiro que investigar qual o valor do algodão, pois o capitalista comprou-o no mercado pelo seu valor, p. ex., por 10 sh. No preço do algodão, o trabalho requerido para a sua produção está já manifestado como trabalho universalmente social. Queremos ainda admitir que a massa de fusos consumida na elaboração do algodão, que representa para nós todos os outros meios de trabalho utilizados, possui um valor de 2 sh. Se uma massa de ouro de 12 sh. é o produto de 24 horas de trabalho ou dois dias de trabalho, logo se segue que no fio estão objectivados dois dias de trabalho.
A circunstância de que o algodão tenha modificado a sua forma e a massa de fuso consumida tenha completamente desaparecido não nos deve confundir. Segundo a lei universal do valor, 10 libras de fio são, p. ex., um equivalente para 10 libras de algodão e 1/4 de fuso, se o valor de 40 libras de fio = ao valor de 40 libras de algodão + o valor de um fuso inteiro, i. é, se é exigido o mesmo tempo de trabalho para produzir ambos os membros desta equação. Neste caso, manifesta-se o mesmo tempo de trabalho uma vez no valor de uso fio, outra vez nos valores de uso algodão e fuso. Ao valor é, pelo contrário, indiferente que apareça em fio, fuso ou algodão. Que fuso e algodão, em vez de estarem tranquilamente lado a lado, consintam uma ligação no processo de fiar, que modifica as suas formas de uso e os transforma em fio, não afecta mais o seu valor do que se tivessem sido trocados, contra um equivalente de fio, por troca simples.
O tempo de trabalho requerido para a produção do algodão faz parte do tempo de trabalho requerido para a produção do fio, cuja matéria-prima ele constitui, e está portanto contido no fio. A mesma coisa se passa com o tempo de trabalho que é requerido para a produção da massa de fusos sem cujo desgaste ou consumo o algodão não pode ser fiado(2*).
Na medida em que se considera, portanto, o valor do fio — [ou seja] o tempo de trabalho requerido para a sua fabricação — podem ser considerados como diversas fases sucessivas de um mesmo processo de trabalho os diversos processos de trabalho particulares, separados segundo o tempo e o espaço, que têm de ser percorridos para produzir o próprio algodão e a massa de fusos gasta e, enfim, fazer fio a partir de algodão e fusos. Todo o trabalho contido no fio é trabalho passado. É uma circunstância completamente indiferente que o tempo de trabalho requerido para a produção dos seus elementos constitutivos se tenha passado anteriormente, se encontre no mais-que-perfeito, e que, pelo contrário, o trabalho imediatamente empregue para o processo final, o fiar, esteja mais perto do presente, se encontre no perfeito. Se uma determinada massa de trabalho, p. ex., de 30 dias de trabalho, é precisa para a construção de uma casa, nada se altera no quantum total do tempo de trabalho incorporado na casa pelo facto de o 30.° dia de trabalho ter entrado na produção 29 dias depois do primeiro dia de trabalho. E assim o tempo de trabalho contido no material de trabalho e nos meios de trabalho pode muito bem ser considerado como se tivesse sido despendido apenas num estádio anterior do processo de fiação, antes do trabalho acrescentado por último sob a forma do fiar.
Os valores dos meios de produção, do algodão e do fuso, expressos no preço de 12 sh., constituem pois partes integrantes do valor do fio ou do valor do produto.
Há apenas duas condição a preencher. Algodão e fuso têm alguma vez de haver servido realmente para a produção de um valor de uso. No nosso caso, tem de se ter feito fio a partir deles. É indiferente para o valor qual o valor de uso que o suporta, mas algum valor de uso tem de suportá-lo. Em segundo lugar, pressupõe-se que apenas foi empregue o tempo de trabalho necessário nas condições sociais de produção dadas. Portanto, se apenas fosse precisa 1 libra de algodão para fiar 1 libra de fio, então só podia ter sido consumida 1 libra de algodão na formação de 1 libra de fio. A mesma coisa se passa com o fuso. Se o capitalista tiver a fantasia de empregar fusos de ouro em vez de fusos de ferro, no valor do fio conta, porém, unicamente o trabalho socialmente necessário, i. é, o tempo de trabalho necessário para a produção de fusos de ferro.
Sabemos agora que parte do valor de fio os meios de produção algodão e fuso formam. É igual a 12 sh. ou à materialização de dois dias de trabalho. Trata-se pois agora da parte de valor que o trabalho do próprio fiandeiro acrescenta ao algodão.
Temos agora de considerar este trabalho de um ponto de vista totalmente diferente do que durante o processo de trabalho. Aí, tratava-se da actividade, conforme a um fim, de transformar algodão em fio. Quanto mais conforme a esse fim for o trabalho, tanto melhor é o fio, pressupostas como invariáveis todas as outras circunstâncias. O trabalho do fiandeiro era especificamente diverso de outros trabalhos produtivos, e a diversidade revelava-se subjectiva e objectivamente na finalidade particular da fiação, no seu modo particular de operação, na natureza particular dos seus meios de produção, no valor de uso particular do seu produto. Algodão e fusos servem de meio de vida ao trabalho de fiação, mas não se pode fazer com eles canhões estriados. Na medida em que o trabalho do fiandeiro é, pelo contrário, formador de valor, i. é, fonte de valor, não é de modo algum diverso do trabalho do perfurador de canhões ou, mais perto do nosso caso, dos trabalhos do plantador de algodão e do fabricante de fusos, realizados nos meios de produção do fio. Só devido a esta identidade, plantar algodão, fabricar fusos e fiar podem constituir partes apenas quantitativamente diversas do mesmo valor total, do valor de fio. Já não se trata aqui da qualidade, da índole e do conteúdo do trabalho, mas apenas da sua quantidade. Esta há simplesmente que contá-la. Admitimos que o trabalho de fiação é trabalho simples, trabalho social médio. Ver-se-á mais tarde que a suposição contrária em nada altera a questão.
Durante o processo de trabalho, o trabalho muda constantemente da forma do não-repouso para a do ser, da forma do movimento para a da objectividade. Ao fim de uma hora, o movimento de fiação está manifestado num certo quantum de fio, portanto, um determinado quantum de trabalho, uma hora de trabalho, está objectivada no algodão. Dizemos hora de trabalho, i. é, o dispêndio da força vital do fiandeiro durante uma hora, pois o trabalho de fiação vale aqui apenas na medida em que é dispêndio de força de trabalho e não na medida em que é o trabalho específico do fiandeiro.
É pois decisivamente importante que, ao longo da duração do processo, i. é, da transformação do algodão em fio, apenas o tempo de trabalho socialmente necessário seja consumido. Se, em condições normais — i. é, sociais médias — de produção, a libras de algodão tiverem de ser tranformadas, durante uma hora de trabalho, em b libras de fio, então apenas vigora como dia de trabalho de 12 horas o dia de trabalho que transforma 12 x a libras de algodão em 12 x b libras de fio. Pois apenas o tempo de trabalho socialmente necessário conta como formador de valor.
Como o próprio trabalho, também aqui aparece matéria-prima e produto a uma luz totalmente diferente do que do ponto de vista do processo de trabalho propriamente dito. A matéria-prima vale aqui apenas como sugador de um determinado quantum de trabalho. Por meio desta sucção, ela transforma-se de facto em fio, pois a força de trabalho foi despendida, e foi-lhe acrescentada, na forma da fiação. Mas o produto, o fio, é agora apenas medidor do grau de trabalho sugado pelo algodão. Se 1 2/3 libras de algodão são fiadas em uma hora ou transformadas em 1 2/3 libras de fio, então 10 libras de fio indicam 6 horas de trabalho sugadas. Determinados quanta de produto, fixados de acordo com a experiência, não manifestam agora senão determinados quanta de trabalho, determinada massa de tempo de trabalho fixamente coagulado. São apenas materialização de uma hora, duas horas, um dia de trabalho social.
Que o trabalho seja exactamente o trabalho de fiação, o seu material o algodão e o seu produto o fio, é aqui tão indiferente como que o próprio objecto de trabalho seja já produto, portanto, matéria-prima. Se em vez de na fiação o operário estivesse ocupado na mina de carvão, então o objecto de trabalho, o carvão, estaria por natureza à disposição. Contudo, um determinado quantum de carvão extraído da jazida, p. ex., um quintal, manifestaria um determinado quantum de trabalho sugado.
Na venda da força de trabalho estava suposto que o seu valor diário = 3 sh. e que nestes últimos estão corporizadas 6 horas de trabalho e que, portanto, este quantum de trabalho é requerido para produzir a soma média dos meios de vida diários do operário. Se o nosso fiandeiro transformar, durante uma hora de trabalho, 1 2/3 libras de algodão em 1 2/3 libras de fio(3*), transformará então em 6 horas 10 libras de algodão em 10 libras de fio. Ao longo da duração do processo de fiação, o algodão suga, portanto, 6 horas de trabalho. O mesmo tempo de trabalho manifesta-se num quantum de ouro de 3 sh. Ao algodão é pois acrescentado, pela própria fiação, um valor de 3 sh.
Encaremos agora o valor total do produto, das 10 libras de fio. Nelas estão objectivados 2 1/2 dias de trabalho: 2 dias contidos no algodão e na massa de fusos, 1/2 dia de trabalho sugado durante o processo de fiação. O mesmo tempo de trabalho manifesta-se numa massa de ouro de 15 sh. O preço adequado ao valor de 10 libras de fio ascende, pois, a 15 sh. e o preço de 1 libra de fio a 1 sh. e 6 d.
O nosso capitalista está surpreendido. O valor do produto é igual ao valor do capital adiantado. O valor adiantado não se valorizou, não gerou qualquer mais-valia, o dinheiro não se transformou, portanto, em capital. O preço das 10 libras de fio é 15 sh., e 15 sh. foram despendidos no mercado de mercadorias com os elementos de formação do produto ou, o que é o mesmo, com os factores do processo de trabalho: 10 sh. com algodão, 2 sh. com a massa de fusos consumida e 3 sh. com a força de trabalho. O valor aumentado do fio de nada serve, pois o seu valor é apenas a soma dos valores anteriormente repartidos por algodão, fusos e força de trabalho, e de uma tal mera adição de valores presentes nunca jamais poderia brotar uma mais-valia(4*). Estes valores estão agora todos concentrados numa coisa, mas eles estavam assim na soma de dinheiro de 15 sh., antes de esta se ter fragmentado por três compras de mercadorias.
Em si e por si, este resultado não é de estranhar. O valor de uma libra de fio é de 1 sh. e 6 d., e por 10 libras de fio o nosso capitalista teria de, portanto, pagar no mercado de mercadorias 15 sh. Quer ele compre no mercado a sua habitação privada já pronta ou a mande ele próprio construir, nenhuma destas operações aumentará o dinheiro desembolsado na aquisição da casa.
O capitalista, que é versado em economia vulgar, dirá talvez que adiantou o seu dinheiro com a intenção de fazer daí mais dinheiro. Mas de boas intenções está o inferno cheio e ele poderia muito bem ter a intenção de fazer dinheiro sem produzir(5*). Ele então ameaça.
Não o voltam a apanhar! Futuramente, há-de comprar a mercadoria já pronta no mercado em vez de a fabricar ele próprio. Mas se todos os seus irmãos capitalistas fizerem o mesmo, onde há-de ele encontrar mercadoria no mercado? Dinheiro, não o pode comer. Então ele catequiza. Deve-se ter em conta a sua abstinência. Podia ter desperdiçado os seus 15 sh. Em vez disso, consumiu-os produtivamente e fez daí fio. Mas, em compensação, está na posse de fio em vez de de remorsos. Não tem de voltar de modo algum a cair no papel do entesourador, que nos mostrou o que resulta da ascética. Para além disso, onde nada há, o imperador perdeu o seu direito. Qualquer que seja o mérito da sua renúncia, não existe nada extra(6*) para a pagar, pois o valor do produto que resulta do processo é apenas igual à soma dos valores de mercadorias nele lançados. Ele que se tranquilize, que a virtude é a paga da virtude. Mas em vez disso, ele torna-se importuno. O fio é-lhe inútil. Ele produziu-o para venda. Que o venda ou, mais simples ainda, que de futuro produza apenas coisas para a sua própria necessidade — uma receita que já MacCulloch, o seu médico de família, lhe prescrevera como um meio comprovado contra a epidemia da sobreprodução. Então, ostensivamente, faz finca pé. Haveria o operário, apenas com os seus próprios membros, de criar no ar produtos de trabalho, de produzir mercadorias? Não lhe deu ele a matéria com que e em que aquele somente pode corporizar o seu trabalho? Ora, dado que a maior parte da sociedade se compõe desses tais que nada têm, não prestou ele à sociedade um serviço incomensurável, com os seus meios de produção, o seu algodão e o seu fuso, e ao próprio operário a quem ele, ainda para mais, proveu de meios de vida? E não deverá ele cobrar este serviço? Não lhe terá, porém, o operário prestado o contra-serviço de transformar algodão e fuso em fio? Além disso, não se trata aqui de serviços(7*). Um serviço não é senão o efeito útil de um valor de uso, seja da mercadoria seja do trabalho(8*). Aqui, porém, vigora o valor de troca. Ele pagou ao operário o valor de 3 sh. O operário deu-lhe de volta um equivalente exacto no valor de 3 sh. acrescentado ao algodão. Valor por valor. O nosso amigo, ainda agora mesmo tão presunçoso do seu capital, toma de repente a atitude despretenciosa do seu próprio operário. Será que ele próprio não trabalhou? Não cumpriu o trabalho de vigilância, de superintendência sobre o fiandeiro? Não forma este seu trabalho também valor? O seu próprio overlooker(9*) e o seu gerente encolhem os ombros. Entretanto, já ele assumiu novamente, com um sorriso jovial, a sua velha fisionomia. Fizera troça de nós com toda esta ladainha. Não dá cinco reis por isso. Estes e semelhantes pretextos gastos e escapatórias vãs, deixa-os aos professores de economia política, expressamente pagos para isso. Ele é ele próprio um homem prático, que nem sempre tem em conta o que diz fora do negócio, mas sabe sempre o que faz no negócio.
Observemos mais de perto. O valor diário da força de trabalho ascendeu a 3 sh., porque nela própria está objectivado meio dia de trabalho, i. é, porque os meios de vida diariamente precisos para a produção da força de trabalho custam meio dia de trabalho. Mas o trabalho passado, que está metido na força de trabalho, e o trabalho vivo, que ela pode prestar, os seus custos diários de manutenção e o seu dispêndio diário, são duas magnitudes totalmente diversas. A primeira determina o seu valor de troca, a outra forma o seu valor de uso. Que meio dia de trabalho seja preciso para o conservar em vida durante 24 horas, não impede, de modo algum, o operário de trabalhar um dia inteiro. O valor da força de trabalho e a sua valorização no processo de trabalho são, pois, duas magnitudes diversas. Esta diferença de valor, tinha-a o capitalista em vista quando comprou a força de trabalho. A sua propriedade útil, fazer fio ou botas, era apenas uma conditio sine qua non(10*), pois o trabalho, para formar valor, tem de ser despendido em forma útil. O que, porém, decidiu foi o valor de uso específico desta mercadoria: ser fonte de valor, e de mais valor do que ela própria tem. Este é o serviço específico que o capitalista espera dela. E aí procede segundo as leis eternas da troca de mercadorias. De facto, o vendedor da força de trabalho, como o vendedor de qualquer outra mercadoria, realiza o seu valor de troca e aliena o seu valor de uso. Não pode conservar um sem desistir do outro. O valor de uso da força de trabalho, o próprio trabalho, pertence não mais ao seu vendedor do que o valor de uso do óleo vendido ao comerciante de óleo. O possuidor de dinheiro pagou o valor diário da força de trabalho; a ele pertence, portanto, o seu uso durante o dia, o trabalho do dia todo. A circunstância de a conservação diária da força de trabalho custar apenas meio dia de trabalho — embora a força de trabalho possa actuar, trabalhar durante um dia inteiro —, a circunstância de, portanto, o valor que o seu uso cria durante um dia ser duas vezes maior do que o seu próprio valor diário é uma particular felicidade para o comprador, mas de modo algum uma injustiça contra o vendedor.
O nosso capitalista previu o caso, que o faz rir[N67]. O operário encontra, pois, na oficina os meios de produção precisos não apenas para um processo de trabalho de seis horas, mas para um de doze horas. Se 10 libras de algodão sugavam 6 horas de trabalho e se transformavam em 10 libras de fio, então 20 libras de algodão sugarão 12 horas de trabalho e serão transformadas em 20 libras de fio. Consideremos o produto do processo de trabalho prolongado. Nas 20 libras de fio estão agora objectivados 5 dias de trabalho, 4 na massa de algodão e de fusos consumida, 1 sugado pelo algodão durante o processo de fiação. A expressão em ouro de 5 dias de trabalho é, porém, 30 sh. ou 1 lib. esterl. e 10 sh. Este é, pois, o preço das 20 libras de fio. A libra de fio continua a custar 1 sh. e 6 d. Mas a soma de valor das mercadorias lançadas no processo elevou-se a 27 sh. O valor do fio ascende a 30 sh. O valor do produto cresceu cerca de 1/9 acima do valor adiantado para a sua produção. Portanto, 27 sh. transformaram-se em 30 sh. Eles pariram uma mais-valia de 3 sh. O truque foi, por fim, conseguido. Dinheiro é transformado em capital.
Todas as condições do problema estão resolvidas e as leis da troca de mercadorias não foram de modo algum feridas. Equivalente foi trocado por equivalente. O capitalista pagou, enquanto comprador, cada mercadoria pelo seu valor: algodão, massa de fusos, força de trabalho. Fez, então, o que faz qualquer outro comprador de mercadorias. Consumiu o seu valor de uso. O processo de consumo da força de trabalho, que é simultaneamente processo de produção da mercadoria, resultou num produto de 20 libras de fio com um valor de 30 sh. O capitalista volta agora ao mercado e vende mercadoria, depois de ter comprado mercadoria. Vende a libra de fio a 1 sh. e 6 d., nem cinco reis acima ou abaixo do seu valor. E, contudo, retira da circulação 3 sh. a mais do que originariamente lançou nela. Todo este percurso, a transformação do seu dinheiro em capital, se passa na esfera da circulação e não se passa nela; pela mediação da circulação, porque condicionada pela compra da força de trabalho no mercado de mercadorias; não na circulação, pois esta apenas dá início ao processo de valorização, que ocorre na esfera da produção. E assim é «tout pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles»[N68].
Ao transformar dinheiro em mercadorias que servem como formadoras de matéria de um novo produto ou como factores do processo de trabalho, ao incorporar força de trabalho viva à objectividade morta daqueles, o capitalista transforma valor — trabalho passado, objectivado, morto — em capital, valor que se valoriza a si mesmo, um monstro animado que começa a «trabalhar» como se tivesse o amor no corpo[N69].
Se compararmos agora o processo de formação de valor e o processo de valorização, o processo de valorização não é senão um processo de formação de valor prolongado acima de um certo ponto. Se o último durar apenas até ao ponto em que o valor da força de trabalho, pago pelo capital, é substituído por um novo equivalente, então é um processo simples de formação de valor. Se o processo de formação de valor durar acima deste ponto, então torna-se processo de valorização.
Se compararmos, além disso, o processo de formação de valor com o processo de trabalho, este último consiste no trabalho útil que produz valores de uso. O movimento é aqui considerado qualitativamente, no seu modo particular, de acordo com objectivo e conteúdo.
O mesmo processo de trabalho manifesta-se no processo de formação de valor apenas pelo seu lado quantitativo. Trata-se apenas do tempo de que o trabalho precisa para a sua operação ou da duração ao longo da qual a força de trabalho é utilmente despendida. Aqui, as mercadorias que entram no processo de trabalho já não valem como factores materiais, funcionalmente determinados, da força de trabalho actuante conforme a um fim. Contam apenas como quanta determinados de trabalho objectivado. Quer contido nos meios de produção ou acrescentado pela força de trabalho, o trabalho conta apenas segundo a sua medida de tempo. Ele ascende a tantas horas, dias, etc.
Ele conta, porém, apenas na medida em que o tempo gasto para a produção do valor de uso é socialmente necessário. Isto engloba diversas coisas. A força de trabalho tem de funcionar em condições normais. Se a máquina de fiar é o meio de trabalho socialmente dominante para a fiação, então não pode ser dada para a mão do operário uma roda de fiar. Em vez de algodão de qualidade normal, ele não tem de receber refugo, que se rompe a cada momento. Em ambos os casos, gastaria mais do que o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma libra de fio, mas este tempo excedentário não constituiria valor ou dinheiro. O carácter normal dos factores objectivos de trabalho não depende, porém, do operário, mas do capitalista. Uma outra condição é o carácter normal da própria força de trabalho. Na especialidade em que é empregue, ela tem de possuir a medida média dominante de destreza, prontidão e rapidez. Mas o nosso capitalista comprou no mercado de trabalho força de trabalho de qualidade normal. Esta força tem de ser despendida na habitual medida média de esforço, com o grau de intensidade socialmente usual. O capitalista vela ansiosamente por que nenhum tempo seja desperdiçado sem trabalho. Comprou a força de trabalho por determinado prazo de tempo. Faz questão em ter o que é seu. Não quer ser roubado. Finalmente — e para isso tem o mesmo senhor um code penal(11*) próprio —, não pode ter lugar qualquer consumo, contrário à finalidade, de matéria-prima e meios de trabalho, pois material ou meios de trabalho desperdiçados representam quanta superfluamente despendidos de trabalho objectivado, portanto não contam e não entram no produto da formação de valor(12*).
Como se vê, a diferença — obtida anteriormente a partir da análise da mercadoria — entre o trabalho enquanto valor de uso e o mesmo trabalho enquanto cria valor manifestou-se agora como diferenciação dos diversos lados do processo de produção.
Enquanto unidade de processo de trabalho e processo de formação de valor, o processo de produção é processo de produção de mercadorias; enquanto unidade de processo de trabalho e processo de valorização, ele é processo de produção capitalista, forma capitalista da produção de mercadorias.
Já antes foi notado que para o processo de valorização é completamente indiferente se o trabalho apropriado pelo capitalista é trabalho social médio simples ou trabalho complexo, trabalho de mais elevado peso específico. O trabalho que, face ao trabalho social médio, passa por trabalho superior e mais complexo é a exteriorização de uma força de trabalho em que entram custos de formação mais elevados, cuja produção custa mais tempo de trabalho e que, portanto, tem um valor mais elevado do que a força de trabalho simples. Se o valor desta força é mais elevado, então também ela se exterioriza em trabalho mais elevado e objectiva-se, portanto, nos mesmos espaços de tempo, em valores relativamente mais elevados. Qualquer que seja a diferença de grau entre o trabalho de fiação e o trabalho de joalharia, a porção de trabalho pela qual o operário joalheiro apenas repõe o valor da sua própria força de trabalho não se diferencia qualitativamente, de modo algum, da porção suplementar de trabalho pela qual ele cria mais-valia. Tal como dantes, a mais-valia só surge por um excesso quantitativo de trabalho, pela duração prolongada do mesmo processo de trabalho: num caso, processo de produção de fio, no outro caso, processo de produção de jóias(15*).
Por outro lado, em qualquer processo de formação de valor, o trabalho superior tem sempre de ser reduzido a trabalho social médio, p. ex., um dia de trabalho mais elevado a x dias de trabalho simples(18*). Assim se poupa uma operação supérflua e se simplifica a análise pela admissão de que o operário, empregue pelo capital, realiza trabalho social médio simples.
Notas de rodapé:
(1*) Em francês no texto: de que se gosta por ela própria. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(2*) «Não apenas o trabalho aplicado imediatamente às mercadorias afecta o seu valor, mas também o trabalho consagrado aos acessórios, instrumentos e edifícios de que este trabalho se socorre.» (Ricardo, 1. c, p. 16.) (retornar ao texto)
(3*) Os números aqui são totalmente arbitrários. (retornar ao texto)
(4*) Esta é a proposição fundamental na qual assenta a doutrina dos fisiocratas acerca da improdutividade de todo o trabalho não agrícola e ela é incontestável para o economista... de profissão. «Esta maneira de imputar a uma só coisa o valor de várias outras» (p. ex., ao linho o sustento do tecelão), «de, por assim dizer, aplicar camada sobre camada vários valores sobre um só, faz com que este cresça outro tanto... O termo adição descreve muito bem a maneira como se forma o preço das produções [ouvrages] de mão-de-obra; este preço não é senão um total de vários valores consumidos e adicionados juntamente: ora, adicionar não e multiplicar.» (Mercier de la Rivière, 1. c, p. 599.) (retornar ao texto)
(5*) Assim, p. ex., em 1844-1847, retirou parte do seu capital ao negócio produtivo para especular com ele em acções dos caminhos-de-ferro. Assim, no tempo da guerra civil americana, fechou a fábrica e atirou com os operários fabris para a rua para jogar na bolsa de algodão de Liverpool. (retornar ao texto)
(6*) Em latim no texto: extra. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(7*) «Deixa que te vangloriem, te adornem e embelezem... Contudo, quem recebe mais ou melhor» (do que dá) «isso é usura; e não se chama serviço, mas prejuízo feito ao seu próximo, como sucede com furtar e roubar. Nem tudo aquilo a que se chama serviço e bem ao próximo é serviço e bem ao próximo. Pois uma adúltera e um adúltero prestam um ao outro grande serviço e prazer. Um cavaleiro presta grande serviço de cavaleiro a um incendiário assassino quando o ajuda a roubar na estrada, a guerrear o país e as gentes. Os papistas prestam aos nossos grande serviço, pois nem a todos afogam, queimam, assassinam, fazem apodrecer na cadeia, mas deixam porém alguns viver, e expulsam-nos ou tomam-lhes aquilo que eles têm. O próprio diabo presta aos seus servidores grande e incomensurável serviço... Em suma, o mundo está cheio de serviço — grande, excelente, diário — e boas obras.» (Martin Luther, An die Pfarrherrn, wider den Wucher zu predigen, etc, Wittenberg, 1540.) (retornar ao texto)
(8*) Noto acerca disso em Zur Kritik der Pol. Oek., p. 14, entre outras coisas: «Compreende-se que 'serviço' a categoria 'serviço' (service) tem de prestar a um tipo de economistas como J.-B. Say e F. Bastiat.» (retornar ao texto)
(9*) Em inglês no texto: capataz. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(10*) Em latim no texto: condição indispensável. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(11*) Em francês no texto: código penal. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(12*) Esta é uma das circunstâncias que encarecem a produção fundada na escravatura. O trabalhador deve distinguir-se aqui, segundo a expressão apropriada dos antigos, apenas como instrumentum vocale do animal — instrumentum semivocale — e do instrumento morto de trabalho — instrumentum mutum(13*). Ele próprio faz, porém, com que animal e instrumento de trabalho sintam que não é igual a eles, mas sim um homem. Maltratando-os e estafando-os con amore(14*), obtém o auto-sentimento relativamente a eles. Vigora, pois, como princípio económico neste modo de produção aplicar apenas os instrumentos de trabalho mais rudes, mais pesados, mas — exactamente devido à sua desajeitada rudeza — difíceis de destruir. Nos estados escravistas situados no Golfo do México achavam-se, até ao rebentamento da guerra civil, arados de estrutura [Konstruktion] chinesa antiga, que cavam o chão como um porco ou uma toupeira, mas não o fendem nem o revolvem. Cf. J. E. Cairnes, The Slave Power, London, 1862, pp. 46 sqq. No seu Seaboard Slave States [pp. 46, 47] conta Olmsted entre outras coisas: «Mostram-me aqui instrumentos com os quais nenhum homem no seu perfeito juízo, entre nós, permitiria que fosse sobrecarregado um operário a quem estivesse a pagar salário; e cujo excessivo peso e falta de jeito, em minha opinião, tornariam o trabalho pelo menos dez por cento maior do que com os geralmente usados entre nós. E asseguram-me que, da maneira descuidada e desajeitada em que têm de ser usados pelos escravos, nada de mais leve ou menos rude lhes poderia ser fornecido com boa economia, e que tais instrumentos, como os que constantemente damos aos nossos operários — e tiramos lucro de lhos dar — não durariam um só dia num campo de cereal da Virgínia, por muito mais leve e mais livre de pedras que fosse do que os nossos. Assim, também, quando pergunto por que motivo, na quinta, os cavalos são universalmente substituídos por mulas, a primeira razão que é dada — e confessadamente a mais conclusiva — é que os cavalos não podem suportar o tratamento que os negros lhes impõem; os cavalos são constantemente aguados e aleijados por eles, enquanto que as mulas são capazes de suportar maus tratos ou de perder uma ou duas refeições de vez em quando sem serem materialmente lesadas, e não se constipam nem adoecem se negligenciadas ou extenuadas. Mas não preciso de ir mais longe do que à janela do quarto onde estou a escrever para observar, quase a toda a hora, um tratamento do gado que levaria qualquer fazendeiro do Norte a despedir imediatamente o respectivo condutor.» (retornar ao texto)
(13*) Em latim no texto, respectivamente: instrumento vocal, instrumento semivocal, instrumento mudo. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(14*) Em italiano no texto: com amor. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(15*) A diferença entre trabalho superior e trabalho simples, «skilled» e «unskilled labour»(16*), repousa, em parte, sobre meras ilusões ou, pelo menos, sobre diferenças que de há muito deixaram de ser reais e apenas persistem na convenção tradicional, em parte, sobre a situação mais desesperada de certas camadas da classe operária que, menos do que a outras, lhes permite obter por ameaças o valor da sua força de trabalho. Circunstâncias casuais desempenham aí um papel tão grande que as mesmas espécies de trabalho mudam de lugar. Onde, p. ex., a substância física da classe operária se encontra enfraquecida e relativamente esgotada, como em todos os países de produção capitalista desenvolvida, em geral trabalhos brutais, que exigem muita força muscular, convertem-se em trabalhos superiores, relativamente a trabalhos muito mais delicados que descem ao nível do trabalho simples, como, p. ex., o trabalho de um bricklayer (pedreiro) em Inglaterra que ocupa um nível muito mais elevado do que o de um tecedor de damasco. Por outro lado, o trabalho de um fustian cutter(17*) (cortador de algodão) — embora custe muito esforço físico e seja, além do mais, muito pouco saudável — figura como trabalho «simples». Aliás, não devemos pensar que o «skilled labour» ocupe um volume quantitativamente significativo no trabalho nacional. Laing calcula que, em Inglaterra (e no País de Gales), a existência de mais de 11 milhões de pessoas repousa sobre trabalho simples. Descontando um milhão de aristocratas e um milhão e meio de indigentes, vagabundos, delinquentes, prostitutas, etc, dos 18 milhões do número de habitantes, ao tempo do seu escrito, sobram para a classe média 4 650 000, incluindo os que vivem de pequenos rendimentos [Rentner], funcionários, escritores, artistas, mestres-escolas, etc. Para chegar a estes 4 2/3 milhões, ele conta como parte trabalhadora da classe média, fora os banqueiros, etc, todos os «operários fabris» mais bem remunerados! Nem sequer os bricklayers faltam entre os «trabalhadores potenciados». Ficam-lhe, pois, os ditos 11 milhões. (S. Laing, National Distress, etc, London, 1844, [pp. 49-52 passim].) «A grande classe que nada tem a dar por comida senão trabalho ordinário é a grande massa do povo.» (James Mill in art. «Colony», Supplement to the Encyclop. Brit., 1831.) (retornar ao texto)
(16*) Em inglês no texto, respectivamente: «especializado», «trabalho não especializado». (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(17*) Em inglês no texto, literalmente: cortaodr de fustão. (Nota da edição Portuguesa.) (retornar ao texto)
(18*) «Onde se faz referência ao trabalho como medida de valor, isso implica necessariamente trabalho de uma espécie particular... sendo facilmente averiguada a proporção que as outras espécies mantêm em relação a ele.» ([J. Cazenove,] Outlines of Polit. Economy, London, 1832, pp. 22, 23.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N67] Caso, que o faz rir — paráfrase das palavras de Fausto na tragédia homónima de Goethe, parte I, cena 3 («Gabinete de Trabalho»). (retornar ao texto)
[N68] «Tout pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles» («Tudo pelo melhor no melhor dos mundos possíveis») — aforismo da novela Candide, ou l'optimisme, de Voltaire. (retornar ao texto)
[N69] Goethe, Fausto, parte I, cena 5 («Taberna de Auerbach em Leipzig»). (retornar ao texto)
Inclusão | 22/12/2011 |