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O Capital
Crítica da Economia Política
Karl Marx

Livro Primeiro: O processo de produção do capital

Primeira Seção: Mercadoria e dinheiro


Segundo capítulo. O processo de troca


capa

As mercadorias não podem ir por si próprias para o mercado nem trocar-se a si próprias. Temos, portanto, de olhar à volta em busca dos seus guardiães, os possuidores de mercadorias. As mercadorias são coisas e, por isso, não oferecem resistência ao homem. Se elas não forem dóceis, ele pode usar de violência, por outras palavras, apoderar-se delas(1*). Para ligar essas coisas entre si como mercadorias os guardiães têm de se comportar entre si como pessoas cujas vontades residem nessas coisas, de tal forma que cada um só de acordo com a vontade do outro, ou seja, cada um só por meio de um acto de vontade comum a ambos, se apropria da mercadoria alheia, alienando a sua própria. Eles têm, por isso, de se reconhecer mutuamente como proprietários privados. Esta relação jurídica, cuja forma é o contrato, quer este se desenvolva legalmente quer não, é uma relação de vontades em que se reflecte a relação económica. O conteúdo dessa relação jurídica ou de vontades é dado pela própria relação económica(3*). As pessoas apenas existem aí umas para as outras como representantes da mercadoria e, portanto, como possuidores de mercadorias. Veremos, em geral, na continuação do desenvolvimento, que as máscaras económicas das pessoas são apenas as personificações das relações económicas, enfrentando-se elas como portadores destas.

Aquilo que nomeadamente distingue o possuidor de mercadorias da mercadoria é a circunstância de que, para ela, qualquer outro corpo de mercadoria apenas vigora como forma fenoménica do seu valor próprio. Niveladora(6*) e cínica de nascença ela está sempre pronta a trocar não só a alma mas também o corpo com qualquer outra mercadoria, mesmo que esta seja provida de mais aspectos desagradáveis do que Maritornes. Este sentido — que falta à mercadoria — para o concreto do corpo da mercadoria supre-o o possuidor de mercadorias por meio dos seus cinco e mais sentidos. Para ele, a sua mercadoria não tem qualquer valor de uso imediato. Senão ele não a levaria ao mercado. Ela tem valor de uso para outros. Para ele, ela apenas tem, de imediato, o valor de uso de ser portador de valor de troca e de, assim, ser meio de troca(7*). Por isso, ele pretende aliená-la por uma mercadoria cujo valor de uso lhe satisfaça. Todas as mercadorias são não-valores de uso para os seus possuidores e valores de uso para os seus não-possuidores. Sob todos o aspectos, portanto, elas têm de mudar de mãos. Mas esta mudança de mãos constitui a sua troca, e a sua troca liga-as entre si como valores e realiza-as como valores. As mercadorias têm, por isso, de se realizar como valores antes de se poderem realizar como valores de uso.

Por outro lado, elas têm de se afirmar como valores de uso antes de se poderem realizar como valores. É que o trabalho humano nelas despendido só conta na medida em que tiver sido despendido numa forma útil para outros. Se é útil a outros, e, portanto, se o seu produto satisfaz necessidades alheias, só a sua troca o pode, porém, demonstrar.

Todo o possuidor de mercadorias apenas quer alienar a sua mercadoria por outra mercadoria se o valor de uso desta satisfizer uma sua necessidade. Nesta medida, a troca é para ele apenas processo individual. Por outro lado, ele quer realizar a sua mercadoria como valor, ou seja, em qualquer outra mercadoria do mesmo valor a seu gosto, tenha a sua própria mercadoria para o possuidor da outra mercadoria valor de uso ou não. Nesta medida, a troca é para ele processo social em geral. Mas o mesmo processo não pode ser para todos os possuidores de mercadorias simultaneamente apenas individual e simultaneamente apenas social em geral.

Se observarmos mais de perto, cada mercadoria alheia vigora para cada possuidor de mercadorias como equivalente particular da sua mercadoria e a sua mercadoria, portanto, como equivalente geral de todas as outras mercadorias. Como, porém, todos os possuidores de mercadorias fazem o mesmo, nenhuma mercadoria é equivalente geral e, assim, as mercadorias também não possuem nenhuma forma-valor relativa geral na qual se igualem como valores e se comparem como magnitudes de valor. Por isso, elas de modo algum se encontram umas perante as outras como mercadorias mas apenas como produtos ou valores de uso.

No seu embaraço, os nossos possuidores de mercadorias pensam como Fausto. No princípio era a acção[N38]. Por isso, eles já actuaram antes de terem pensado. As leis da natureza das mercadorias activaram-se no instinto natural dos possuidores de mercadorias. Eles só conseguem ligar as suas mercadorias entre si como valores — e, portanto, apenas como mercadorias — na medida em que as ligarem, por oposição, com outra mercadoria qualquer como equivalente geral. A análise da mercadoria deu isto. Mas só o acto social pode fazer de uma determinada mercadoria equivalente geral. Assim, a acção social de todas as outras mercadorias liberta uma determinada mercadoria na qual elas omnilateralmente manifestam os seus valores. Com isso, a forma natural dessa mercadoria torna-se forma de equivalente socialmente válida. Ser equivalente geral torna-se, através do processo social, função especificamente social da mercadoria libertada. Assim ela torna-se — dinheiro.

«Illi unum consilium habent et virtutem et potestatem suam bestiae tradunt. [...] Et ne quis possit emere aut vendere, nisi qui habet characterem aut nomem bestiae, aut numerum nominis ejus.»(8*)(Apocalipse[N39].)

O cristal-dinheiro é um produto necessário do processo de troca, no qual produtos de trabalho de diversa espécie são efectivamente igualados entre si e, por isso, efectivamente transformados em mercadorias. O alargamento e o aprofundamento históricos da troca desenvolve a oposição, latente na natureza das mercadorias, entre valor de uso e valor. A necessidade de manifestar exteriormente esta oposição com vista ao intercâmbio conduz a uma forma autónoma do valor das mercadorias e não descansa até ela estar definitivamente alcançada através da duplicação da mercadoria em mercadoria e dinheiro. Por isso, na mesma medida em que se completa a transformação dos produtos de trabalho em mercadorias, completa-se a transformação da mercadoria em dinheiro(9*).

A troca imediata de produtos tem, por um lado, a forma da expressão simples de valor e, por outro lado, ainda não a tem. Essa forma era x de mercadoria A = y de mercadoria B. A forma da troca imediata de produtos é: x de objecto de uso A = y de objecto de uso B(10*). Antes da troca, as coisas A e B não são aqui mercadorias, mas apenas se tornam tal por meio dessa troca. O primeiro modo de um objecto de uso ser valor de troca em potência é a sua existência como não-valor de uso, como quantum de valor de uso que excede as necessidades imediatas do seu possuidor. Em si e por si, as coisas são exteriores ao homem e, por isso, alienáveis. Para que esta alienação seja recíproca, os homens apenas precisam, tacitamente, de surgir uns frente aos outros como proprietários privados dessas coisas alienáveis e, precisamente por isso, como pessoas independentes umas das outras. No entanto, uma tal relação de estranheza recíproca não existe para os membros de uma comunidade natural, tenha esta a forma de família patriarcal, de comuna índia antiga, de um Estado inca[N40], etc. A troca de mercadorias começa onde as comunidades terminam, nos seus pontos de contacto com comunidades estrangeiras ou membros de comunidades estrangeiras. Porém, logo que as coisas se tornam mercadorias na vida da comunidade com o estrangeiro, tornam-se também, por repercussão, mercadorias na vida interna da comunidade. De início, a sua relação quantitativa de troca é totalmente casual. Elas são trocáveis através do acto de vontade dos seus possuidores em aliená-las reciprocamente. Entretanto, estabelece-se gradualmente a necessidade de objectos de uso do estrangeiro. A constante repetição da troca torna-a num processo social regular. Por isso, com o correr do tempo, uma parte dos produtos de trabalho, pelo menos, tem de ser produzida intencionalmente com vista à troca. A partir deste instante consolida-se, por um lado, a separação entre a utilidade das coisas para o consumo imediato e a sua utilidade para a troca. O seu valor de uso separa-se do seu valor de troca. Por outro lado, a relação quantitativa em que elas se trocam torna-se dependente da sua própria produção. O hábito fixa-as como magnitudes de valor.

Na troca de produtos imediata, cada mercadoria é meio de troca imediata para o seu possuidor e equivalente para o seu não-possuidor, mas apenas na medida em que é para ele um valor de uso. Assim, o artigo de troca não recebe ainda qualquer forma-valor independente do seu próprio valor de uso ou da necessidade individual daqueles que trocam. A necessidade dessa forma desenvolve-se com o número e diversidade crescentes das mercadorias que entram no processo de troca. O problema surge simultaneamente com os meios para a sua solução. Um intercâmbio em que os possuidores de mercadorias troquem e comparem os seus próprios artigos com diversos outros artigos nunca se verifica sem que diversas mercadorias de diversos possuidores sejam, no interior do seu intercâmbio, trocadas por uma e mesma terceira espécie de mercadorias e comparadas como valores. Essa terceira mercadoria, na medida em que se torna equivalente para diversas outras mercadorias, recebe imediatamente, se bem que dentro de limites estreitos, a forma de equivalente geral ou social. Esta forma de equivalente geral nasce e perece com o contacto social momentâneo que lhe deu vida. De modo alternado e passageiro advém a esta ou àquela mercadoria. Porém, com o desenvolvimento da troca de mercadorias, ela fixa-se exclusivamente a espécies particulares de mercadorias ou cristaliza na forma-dinheiro. A que espécie de mercadorias ela fica colada é primeiramente algo casual. Há, no entanto, duas circunstâncias que, grosso modo, são decisivas. A forma-dinheiro ou se fixa aos artigos de troca mais importantes vindos do estrangeiro, os quais, de facto, são formas fenoménicas naturais do valor de troca dos produtos indígenas, ou ao objecto de uso que forma o elemento principal das posses alienáveis indígenas, como, p. ex., o gado. Os povos nómadas são os primeiros a desenvolver a forma-dinheiro porque todos os seus teres e haveres se encontram numa forma móvel e, por isso, imediatamente alienável, e porque o seu modo de vida os põe constantemente em contacto com comunidades estrangeiras, solicitando-os, assim, para a troca de produtos. Frequentemente, os homens fizeram do próprio homem, na figura do escravo, o material-dinheiro original, mas nunca fizeram isso da terra. Tal ideia só pôde surgir numa sociedade burguesa já desenvolvida. Ela data do último terço do século XVII, e a da sua consumação à escala nacional só foi tentada um século mais tarde na revolução burguesa dos franceses.

Na mesma proporção em que a troca de mercadorias rebenta os seus laços apenas locais e o valor das mercadorias, consequentemente, se alarga a materialização de trabalho humano em geral, a forma-dinheiro transfere-se para as mercadorias que, por natureza, se adaptam à função social de um equivalente geral: os metais nobres.

O facto de que, «embora o ouro e a prata não sejam, por natureza, dinheiro, o dinheiro é, por natureza, ouro e prata»(11*), mostra a congruência das suas propriedades naturais com as suas funções(12*). Até aqui, porém, apenas conhecemos do dinheiro a função de servir como forma fenoménica do valor das mercadorias ou como o material em que as magnitudes de valor das mercadorias socialmente se expressam. Forma fenoménica adequada de valor ou materialização de trabalho humano abstracto e, por isso, igual só pode ser uma matéria de que todos os exemplares possuam a mesma qualidade uniforme. Por outro lado, como a diferença das magnitudes de valor é puramente quantitativa, a mercadoria-dinheiro tem de ser capaz de diferenças puramente quantitativas, ou seja, divisível à vontade e de novo componível a partir das suas partes. O ouro e a prata, porém, possuem estas propriedades por natureza.

O valor de uso da mercadoria-dinheiro duplica-se. Além do seu valor de uso particular como mercadoria — como, p. ex., o ouro servir para a obturação de dentes cariados, matéria-prima de artigos de luxo, etc. —, ela adquire um valor de uso formal, que surge das suas funções sociais específicas.

Como todas as outras mercadorias são apenas equivalentes particulares do dinheiro e o dinheiro o seu equivalente universal, elas comportam-se como mercadorias particulares para com o dinheiro como mercadoria universal(13*).

Vimos que a forma-dinheiro é apenas o reflexo, aderente a uma mercadoria, das ligações de todas as outras mercadorias. Que dinheiro é mercadoria(14*), só constitui, pois, uma descoberta para quem parte da sua figura acabada para depois o analisar. O processo de troca dá à mercadoria por si transformada em dinheiro não o seu valor, mas a sua forma-valor específica. A confusão entre as duas determinações levou a que se considerasse o valor do ouro e da prata como imaginário(15*). Porque o ouro, em determinadas funções, pode ser substituído por um mero signo de si próprio, surgiu o outro erro de que ele seria um mero signo. Por outro lado, havia aí o pressentimento de que a forma-dinheiro da coisa é exterior a esta e mera forma fenoménica de relações humanas que por detrás delas se escondem. Neste sentido, qualquer mercadoria seria um signo, porque, como valor, é apenas o invólucro coisal do trabalho humano nela despendido(16*). Porém, na medida em que se declara como meros signos os caracteres sociais que as coisas recebem, ou os caracteres coisais que as determinações sociais do trabalho recebem na base de um determinado modo de produção, está-se simultaneamente a declará-las como produto de reflexão arbitrário dos homens. Esta era uma maneira benquista de explicação no século XVIII, para retirar, pelo menos temporariamente, a aparência de estranheza às formas enigmáticas das relações humanas cujo processo de surgimento ainda não se conseguia decifrar.

Foi já notado que a forma de equivalente de uma mercadoria não inclui a determinação quantitativa da sua magnitude de valor. Mesmo quando se sabe que o ouro é dinheiro e, por isso, imediatamente trocável por todas as outras mercadorias, não se sabe com isso quanto valem, p. ex., 10 libras de ouro. Como qualquer mercadoria, o dinheiro só pode exprimir a sua própria magnitude de valor em outras mercadorias, relativamente. O seu valor próprio é determinado pelo tempo de trabalho requerido para a sua produção e exprime-se no quantum de qualquer outra mercadoria na qual está coagulado o mesmo tempo de trabalho(19*). Esta fixação da sua magnitude de valor relativa tem lugar na sua fonte de produção por negócio de troca imediato. Logo que entra em circulação como dinheiro, o seu valor já está dado. Se já nos últimos decénios do século XVII, era começo, muito ultrapassado, da análise do dinheiro saber que dinheiro é mercadoria isso era, porém, também apenas o começo. A dificuldade não reside em compreender que dinheiro é mercadoria, mas como, através de quê e porquê mercadoria é dinheiro(22*).

Vimos como, logo na expressão mais simples de valor, x de mercadoria A = y de mercadoria B, a coisa em que a magnitude de valor de outra coisa se manifesta parece possuir a sua forma de equivalente independentemente dessa relação, como propriedade social natural. Seguimos a consolidação desta falsa aparência. Ela fica completa quando a forma de equivalente universal se funde com a forma natural de uma espécie particular de mercadoria ou está cristalizada na forma-dinheiro. Uma mercadoria não parece primeiro tornar-se dinheiro porque as outras mercadorias omnilateralmente manifestam nela os seus valores: mas inversamente, elas parecem manifestar nela universalmente os seus valores porque ela é dinheiro. O movimento mediador desaparece no seu próprio resultado e não deixa qualquer rasto atrás de si. As mercadorias, sem a sua intervenção, encontram a sua figura de valor própria pronta como um corpo de mercadoria existente fora e ao lado delas. Estas coisas, ouro e prata, ao saírem das entranhas da terra, são simultaneamente a encarnação imediata de todo o trabalho humano. Daí a magia do dinheiro. O comportamento meramente atomístico dos homens no seu processo de produção social e, por isso, a figura coisal das suas próprias relações de produção, independente do seu controlo e do seu fazer consciente individual, aparecem antes do mais no facto de que os seus produtos de trabalho assumem universalmente a forma-mercadoria. Assim, o enigma do feitiço do dinheiro é apenas o enigma do feitiço das mercadorias, tornado visível e que ofusca os olhos.


Notas de rodapé:

(1*) No século XII, tão famoso pela sua piedade, aparecem entre estas mercadorias, frequentemente, coisas muito delicadas. Assim, um poeta francês daquele tempo enumera entre as mercadorias que se encontravam no mercado de Landit[N37], além de tecidos para roupa, sapatos, couro, instrumentos agrícolas, peles, etc, também «femmes folies de leurs corps»(2*). (retornar ao texto)

(2*) Em francês no texto: literalmente, «mulheres loucas pelos seus corpos», isto é, com o fogo no corpo. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) Proudhon cria, primeiro, o seu ideal de justiça, da justice éternelle(4*), a partir das relações jurídicas correspondentes à produção de mercadorias, através do que — diga-se de passagem — se fornece também a prova, tão consoladora para todo o pequeno-burguês [Spießbürger], de que a forma da produção de mercadorias é tão eterna como a justiça. Depois, inversamente, ele quer remodelar a produção de mercadorias real e o direito real que lhe corresponde de acordo com este ideal. Que se pensaria de um químico que, em vez de estudar as leis reais da troca material e de resolver determinados problemas com base nelas, quisesse remodelar a troca material por meio das «ideias eternas» da «naturalité»(5*) e da «affinité»? Será que, quando se diz que a «usura» contradiz a «justice éternelle» e a «équité éternelle» e a «mutualité éternelle» e outras «vérités éternelles», se sabe mais acerca dela do que os Padres da Igreja quando diziam que ela contradizia a «grâce éternelle», a «foi éternelle», a «volonté éternelle de dieu»? (retornar ao texto)

(4*) Em francês no texto: justiça eterna. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(5*) Em francês no texto, respectivamente: «naturalidade», «afinidade», «equidade eterna», «mutualidade eterna», «verdades eternas», «graça eterna», «fé eterna», «vontade eterna de deus». (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(6*) Alusão aos levellers (niveladores), partido radical pequeno-burguês da época da revolução inglesa do século XVII, que defendiam a representação popular e a devolução da terra senhorial às comunas. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(7*) «Pois o uso de cada bem é duplo. [...] Mas um é peculiar, o outro não é peculiar à coisa; como, por exemplo, com a sandália o fazer de sandália e o ser trocada. Ambos com efeito são usos da sandália, pois, com efeito, quem troca sandália por dinheiro ou alimento com o que precisa dela usa a sandália como sandália, mas não no seu uso peculiar. Pois ela não surgiu com o fim da troca.» (Aristóteles, De Rep., 1. I, c. 9 [I, 3, 1257a6-13 — Nota da edição portuguesa].) (retornar ao texto)

(8*) Em latim no texto: «Estes têm um mesmo intento de dar quer a sua força quer o seu poder à besta. [...] E que ninguém pudesse comprar ou vender excepto aquele que tivesse a marca ou o nome da besta ou o número do seu nome.» (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(9*) Ajuíze-se a partir daqui a esperteza do socialismo pequeno-burguês, que quer eternizar a produção de mercadorias e, ao mesmo tempo, abolir a «oposição entre dinheiro e mercadoria», ou seja, o próprio dinheiro, pois ele só existe nessa oposição. Seria o mesmo que querermos abolir o Papa e manter o catolicismo. Para mais pormenores sobre este ponto, ver no meu escrito Zur Kritik der Pol. Oekonomie as pp. 61 sqq. (retornar ao texto)

(10*) Enquanto aquilo que se troca não forem dois objectos de uso diversos mas, como encontramos frequentemente entre os selvagens, se oferecer uma massa caótica de coisas como equivalente de uma terceira, a própria troca imediata de produtos permanece na sua fase infantil. (retornar ao texto)

(11*) Karl Marx, 1. c, p. 135. «Os metais... [são] naturalmente moeda.» (Galiani, Della Moneta, na colectânea de Custodi, Parte Moderna, t. III, p. 137.) (retornar ao texto)

(12*) Mais pormenores sobre este ponto na minha obra acabada de citar, secção: «Os metais nobres». (retornar ao texto)

(13*) «O dinheiro é a mercadoria universal.» (Verri, 1. c, p. 16.) (retornar ao texto)

(14*) «A própria prata e o ouro (que podemos designar pelo nome geral de metais nobres [bullion]), são... mercadorias... que sobem e descem em valor... Metais nobres, pois, podem ser calculados como sendo de valor superior quando com um peso mais pequeno compram uma maior quantidade do produto ou manufactura do país», etc.([S. Clement,] A Discourse of the General Notions of Money, Trade, and Exchange, as They Stand in Relations to Each Other. By a Merchant, Lond., 1695, p. 7.) «A prata e o ouro, cunhados ou por cunhar, embora sejam usados para medida de todas as outras coisas, não são menos mercadoria do que vinho, azeite, tabaco, tecido ou fazendas.»([J. Child,] A Discourse Concerning Trade, and That in Particular of the East-Indies, etc, London, 1689, p. 2.) «A fortuna e riquezas do reino não podem propriamente confinar-se ao dinheiro, nem o ouro e a prata devem ser excluídos de serem mercadoria.» ([Th. Papillon,] The East índia Trade a Most Profitable Trade, London, 1677, p. 4.) (retornar ao texto)

(15*) «O ouro e a prata têm valor como metais anteriormente a serem moeda.» (Galiani, 1. c. [, p. 72].) Locke diz: «O consenso universal da humanidade deu à prata, em virtude das suas qualidades que a tornavam adequada para dinheiro, um valor imaginário.» [John Locke, Some Considerations, etc, 1691, in Works, ed. 1777, v. II, p. 15.] Law, em contrapartida: «Eu não seria capaz de conceber como é que diferentes nações poderiam dar um valor imaginário a uma coisa qualquer... ou como é que esse valor imaginário poderia ter sido mantido?» Mas veja-se como ele próprio pouco entendia da coisa: «A prata trocava-se na base do que era avaliado para os usos», i. é, segundo o seu valor real; «recebeu um valor adicional {une valeur additionelle) [...] pelo seu uso como dinheiro.» (Jean Law, Considerations sur le numéraire et le commerce, na Edit. de E. Daire dos Économistes financiers du XVIII siècle, pp. 469, 470.) (retornar ao texto)

(16*) «O dinheiro é o seu» (dos géneros) «signo.» (V. de Forbonnais, Éléments du commerce, nouv. édit., Leyde, 1766, t. II, p. 143.) «Como signo ele é atraído pelos géneros.» (L. c, p. 155.) «O dinheiro é um signo de uma coisa e representa-a.» (Montesquieu, Esprit des lois, Oeuvres, Lond., 1767, t. II, p. 3(17*).) O dinheiro «não é um simples signo, porque é ele próprio riqueza; ele não representa os valores, equivale-lhes.» (Le Trosne, 1. c, p. 910.) «Se considerarmos o conceito de valor, a própria coisa apenas é encarada como um signo, e vale não por si própria mas pelo valor que tem.» (Hegel, 1. c, p. 100.) Muito antes dos economistas, os juristas lançaram a ideia do dinheiro como mero signo e do valor apenas imaginário dos metais nobres, num serviço de sicofantas do poder real, apoiando o seu direito de adulteração das moedas ao longo de toda a Idade Média, com base nas tradições do Império Romano e nas concepções de dinheiro das Pandectas[N41]. «Que ninguém possa nem deva ter dúvida», diz o seu dócil discípulo Philippe de Valois num decreto de 1346 [16 de Janeiro], «de que a Nós e à Nossa Majestade real somente pertence... o mester, a feitura, o estado, a provisão e toda a Ordenança das moedas dar tal curso e por tal preço como Nos apraz e bem Nos parece.(18*)» Era um dogma jurídico romano que o Imperador decretasse o valor do dinheiro. Era expressamente proibido tratar o dinheiro como mercadoria. «Que na verdade a ninguém seja permitido comprar dinheiro, pois que, constituído para uso público, não é lícito que seja mercadoria.» Uma boa discussão sobre este ponto é a de G. F. Pagnini, Saggio sopra il giusto pregio delle cose, 1751, Custodi, Parte Moderna, t. II. Na segunda parte da obra, nomeadamente, Pagnini polemiza com os senhores juristas. (retornar ao texto)

(17*) Na edição francesa: 1766, t. II, p. 148. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(18*) Ordonnances des rois de France de la 3e race..., Paris, MDCCXXIX, t. II, p. 254. (Nota da edição francesa.) (retornar ao texto)

(19*) «Se um homem pode trazer para Londres uma onça de Prata, extraída da Terra no Peru, no mesmo tempo em que pode produzir um buschel de Cereal, então um é o preço natural do outro; ora, se devido a minas novas ou mais acessíveis um homem pode obter duas onças de prata tão facilmente como antes obtinha uma, o cereal será a dez xelins por bushel tão barato como antes era a cinco xelins, caeteris paribus(20*).» (William Petty, A Treatise of Taxes and Contributions, Lond., 1667, p. 31(21*).) (retornar ao texto)

(20*) Em latim no texto: em iguais circunstâncias. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(21*) Na edição inglesa: p. 32. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(22*) Depois de o senhor professor Roscher nos ensinar que «as definições falsas de dinheiro podem dividir-se em dois grupos principais: aquelas que o consideram mais e aquelas que o consideram menos que uma mercadoria», segue-se um confuso catálogo de escritos sobre a essência do dinheiro através dos quais não se vislumbra sequer a mais remota inteligência da real história da teoria e, depois, a moral: «De resto, não se pode negar que a maioria dos economistas nacionais mais recentes não levou suficientemente em consideração as particularidades que distinguem o dinheiro de outras mercadorias» (e afinal: é mais ou menos do que uma mercadoria?)... «Nesta medida, a reacção semimercantilista de Ganilh, etc, não é totalmente infundada.» (Wilhelm Roscher, Die Grundlagen der Nationalökonomie, 3.a ed., 1858, pp. 207-210.) Mais — menos — não suficientemente — nesta medida — não totalmente! Que determinações conceptuais! E o senhor Roscher, modestamente, baptiza um eclético palavreado professoral deste tipo como «método anatómico-fisiológico» da economia política! No entanto, é-lhe devida uma descoberta, a saber, a de que o dinheiro é «uma mercadoria agradável». (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N37] Mercado de Landit — grande mercado nas proximidades de Paris, realizado anualmente nos séculos XII a XIX. (retornar ao texto)

[N38] Goethe, Fausto, parte I, cena 3 («Gabinete de Trabalho»). (retornar ao texto)

[N39] Apocalipse — obra da literatura cristã primitiva, que faz parte do Novo Testamento. Escrita no século I, contém profecias místicas sobre o fim do mundo e a nova vinda de Cristo. O autor do Apocalipse exprime um sentimento de ódio geral ao Império Romano, ao qual dá o nome de «besta» e que considera como encarnação do diabo. As passagens citadas dizem respeito aos capítulos 17 e 13. (retornar ao texto)

[N40] Estado inca — Estado escravista que existiu de princípios do século XV a meados do século XVI no território do actual Peru, no qual se conservavam importantes vestígios do regime da comunidade primitiva. A tribo dos Incas ali dominante subdividia-se em 100 comunidades clânicas (ayllu), que se transformaram gradualmente em comunidades rurais (de vizinhos). (retornar ao texto)

[N41] Pandectas — nome grego do Digesto (lat. digesta — colectânea), parte importante do código do direito civil romano. Constituíam uma colectânea de excertos de obras dos juristas romanos e expressavam os interesses dos proprietários de escravos. Foram publicadas em 533, no tempo do imperador bizantino Justiniano. (retornar ao texto)

Inclusão 03/12/2011