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O primeiro acto do drama revolucionário no continente europeu terminou. Os "poderes que estavam" antes do furacão de 1848 são, de novo, "os poderes que estão" e os senhores mais ou menos populares por um dia, governantes provisórios, triúnviros, ditadores — com o seu séquito de representantes, comissários civis, comissários militares, prefeitos, juizes, generais, oficiais e soldados — são lançados para costas estrangeiras e "transportados para além dos mares", para a Inglaterra ou para a América, a fim de aí formarem novos governos "in partibus infidelium"[N91], comités europeus, comités centrais, comités nacionais, e de anunciarem o seu advento com proclamações tão solenes como as de quaisquer outros potentados menos imaginários.
Não pode imaginar-se uma derrota mais assinalável do que a sofrida pelo partido — ou antes: partidos — revolucionários continentais em todos os pontos da linha de batalha. Mas, e daí? Não abarcou a luta das classes médias britânicas pela sua supremacia social e política quarenta e oito anos e a das classes médias francesas quarenta anos de lutas sem exemplo? E esteve alguma vez o seu triunfo mais próximo do que no preciso momento em que a monarquia restaurada se julgou mais firmemente estabelecida do que nunca? Os tempos daquela superstição que atribuía as revoluções à malevolência de uns poucos agitadores já passaram há muito. Toda a gente sabe, hoje em dia, que onde quer que haja convulsão revolucionária tem de haver por detrás alguma carência social que é impedida de se satisfazer por instituições gastas. A carência pode não ser ainda sentida de uma maneira tão forte e tão geral que possa assegurar um sucesso imediato, mas toda a tentativa de repressão pela força apenas fará com que ela se produza cada vez com mais força até rebentar com os seus grilhões. Se, então, fomos batidos não temos outra coisa a fazer senão começar de novo desde o princípio. E, felizmente, o provavelmente muito curto intervalo de descanso que nos é consentido, entre o final do primeiro e o começo do segundo acto do movimento, dá-nos tempo para um trabalho muito necessário: o estudo das causas que tornaram necessárias tanto a última erupção como a sua derrota; causas que não são de procurar nos esforços, talentos, faltas, erros ou traições acidentais de alguns dos dirigentes, mas no estado social geral e nas condições de existência de cada uma das nações convulsionadas. Que os súbitos movimentos de Fevereiro e Março de 1848 não foram obra de indivíduos isolados, mas manifestações espontâneas, irresistíveis, de carências e de necessidades nacionais, mais ou menos claramente entendidas, mas muito distintamente sentidas por numerosas classes em todos os países, é um facto reconhecido por toda a parte; mas, quando se inquire das causas dos sucessos contra-revolucionários, é-se confrontado de todos os lados com a resposta de que foi o senhor Este ou o cidadão Aquele que "traiu" o povo. Resposta esta que pode ser muito verdadeira ou não, consoante as circunstâncias, mas que em circunstância alguma explica o que quer que seja — nem mesmo mostra como é que veio a acontecer que o "povo" consentisse, desse modo, em ser traído. E quão poucas hipóteses tem um partido político cujos inteiros recursos consistam num conhecimento do facto solitário de que o cidadão Tal ou Tal não é digno de confiança!
O inquérito e a exposição das causas, tanto da convulsão revolucionária como da sua supressão, são, além disso, de suprema importância, de um ponto de vista histórico. Todas estas pequenas querelas pessoais e recriminações — todas estas asserções contraditórias, de que foi Marrast ou Ledru-Rollin ou Louis Blanc ou qualquer outro membro do governo provisório ou todos eles que pilotaram a revolução pelo meio dos rochedos em que naufragou — que interesse podem ter, que luz podem proporcionar ao americano, ou ao inglês, que observou estes vários movimentos a uma distância demasiado grande para lhe permitir distinguir qualquer dos pormenores das operações? Ninguém em seu perfeito juízo acreditará alguma vez que onze homens(1*), a maior parte deles de capacidade muito indiferente tanto para o bem como para o mal, foram capazes, em três meses, de arruinar uma nação de trinta e seis milhões, a não ser que esses trinta e seis milhões vissem tão pouco adiante do nariz como os tais onze. Mas, como é que veio a acontecer que esses trinta e seis milhões fossem de imediato chamados a decidir por si próprios qual o caminho a seguir — apesar de, em parte, andarem às apalpadelas num crepúsculo sombrio — e como é que, então, eles se perderam e os seus antigos dirigentes puderam, por um momento, regressar à liderança, esta é precisamente a questão.
Se, portanto, tentamos apresentar aos leitores de The Tribune[N163] as causas que, enquanto tornavam necessária a revolução alemã de 1848, conduziam, quase tão inevitavelmente, à sua repressão momentânea em 1849 e 1850, não deve esperar-se que forneçamos uma história completa dos acontecimentos tal como se passaram naquele país. Acontecimentos ulteriores e o juízo das gerações vindouras decidirão que porção dessa confusa massa de factos, aparentemente acidentais, incoerentes e incongruentes, deve fazer parte da história universal. O tempo de uma tal tarefa ainda não chegou; temos de nos confinar aos limites do possível e de ficar satisfeitos se pudermos encontrar causas racionais, baseadas em factos inegáveis, para explicar os principais acontecimentos, as principais vicissitudes desse movimento, e para nos dar uma pista quanto à direcção que a próxima — e talvez não muito distante — erupção irá imprimir ao povo alemão.
E, em primeiro lugar, qual era o estado da Alemanha no dealbar da revolução?
A composição das diferentes classes do povo que formam o alicerce de toda a organização política era, na Alemanha, mais complicada do que em qualquer outro país. Enquanto, em Inglaterra e em França, o feudalismo havia sido inteiramente destruído ou, pelo menos, como no primeiro país, reduzido a umas poucas formas insignificantes por uma classe média rica e poderosa, concentrada em grandes cidades e, particularmente, na capital, a nobreza feudal na Alemanha tinha conservado uma grande porção dos seus antigos privilégios. O sistema feudal da tenência prevalecia quase em toda a parte. Os senhores da terra tinham mesmo conservado a jurisdição sobre os seus tenentes. Privados dos seus privilégios políticos, do direito de controlar os príncipes, tinham preservado quase toda a sua supremacia medieval sobre o campesinato dos seus domínios, assim como a sua isenção de impostos. O feudalismo era mais florescente em algumas localidades do que em outras, mas em parte alguma, a não ser na margem esquerda do Reno, estava inteiramente destruído. Esta nobreza feudal, então extremamente numerosa e em parte muito rica, era considerada, oficialmente, como o primeiro "estado"(2*) do país. Fornecia os funcionários superiores do governo, comandava quase exclusivamente o exército.
A burguesia da Alemanha não era de longe tão rica e concentrada como a de França ou de Inglaterra. As antigas manufacturas da Alemanha tinham sido destruídas pela introdução do vapor e pela supremacia em rápida extensão das manufacturas inglesas; as manufacturas mais modernas, que arrancaram com o sistema continental de Napoleão[N15], estabelecidas em outras partes do país, não compensaram a perda das antigas, nem foram suficientes para criar um interesse manufactureiro forte o bastante para impor as suas necessidades à atenção de governos ciosos de qualquer extensão de riqueza e de poder não nobres. Se a França manteve vitoriosamente as suas manufacturas de seda durante cinquenta anos de revoluções e guerras, a Alemanha, durante o mesmo tempo, perdeu quase completamente o seu antigo negócio de linho. Os distritos manufactureiros, além disso, eram poucos e muito disseminados; situados muito no interior e utilizando, na maior parte, portos estrangeiros, holandeses e belgas, para as suas importações e exportações, tinham poucos ou nenhuns interesses em comum com as grandes cidades portuárias no mar do Norte e no Báltico; eram, acima de tudo, incapazes de criar grandes centros manufactureiros e de negócios, como Paris e Lyon, Londres e Manchester. As causas deste atraso das manufacturas alemãs eram múltiplas, mas duas são suficientes para dar conta dele: a situação geográfica desfavorável do país, longe do Atlântico, que se tinha tornado a grande via para o comércio mundial, e as contínuas guerras em que a Alemanha esteve envolvida, desde o século dezasseis até aos dias de hoje, e que eram travadas no seu solo. Foi esta carência de número e, particularmente, de algo como um número concentrado, que impediu as classes médias alemãs de atingir aquela supremacia política de que o burguês inglês gozava desde 1688 e que o francês conquistou em 1789. E, contudo, desde 1815, a riqueza, e com a riqueza a importância política, da classe média na Alemanha estava em contínuo crescimento. Os governos, embora relutantemente, eram compelidos a inclinar-se, ao menos, perante os seus interesses materiais imediatos. Pode mesmo dizer-se com verdade que, de 1815 a 1830 e de 1832 a 1840, cada partícula de influência política que, tendo sido concedida à classe média nas constituições dos Estados mais pequenos, de novo lhes foi arrancada durante os dois períodos atrás citados de reacção política — que cada uma dessas partículas foi compensada por uma vantagem algo mais prática que lhes foi concedida. Cada derrota política da classe média trouxe consigo uma vitória no campo da legislação comercial. E certamente que a Tarifa Protectora Prussiana[N164] de 1818 e a formação do Zollverein[N165] valeram bastante mais aos comerciantes e manufactureiros da Alemanha do que o direito equívoco de expressarem, nas câmaras de algum diminuto ducado, a sua falta de confiança em ministros que se riam dos seus votos. Assim, com a riqueza crescente e o comércio em expansão, a burguesia cedo chegou a um estádio em que achou o desenvolvimento dos seus mais importantes interesses refreado pela constituição política do país — pela sua divisão fortuita entre trinta e seis príncipes com tendências e caprichos em conflito; pelos grilhões feudais à volta da agricultura e do comércio com ela relacionado; pela superintendência bisbilhoteira a que uma burocracia ignorante e presunçosa submetia todas as suas transacções. Ao mesmo tempo, a extensão e consolidação do Zollverein, a introdução geral da comunicação a vapor, a crescente concorrência no comércio interno, aproximaram as classes comerciais dos diferentes Estados e províncias, igualizaram os seus interesses, centralizaram a sua força. A consequência natural foi a sua passagem em massa para o campo da oposição liberal e o facto de terem ganho a primeira luta séria da classe média alemã pelo poder político. Esta mudança pode ser datada de 1840, do momento em que a burguesia da Prússia assumiu a liderança do movimento da classe média da Alemanha. Mais adiante, teremos de voltar a este movimento da oposição liberal de 1840-1847.
A grande massa da nação, que não pertencia nem à nobreza nem à burguesia, consistia, nas cidades, na classe do pequeno comércio e dos lojistas e nos operários e, no campo, no campesinato.
A classe do pequeno comércio e dos lojistas é excessivamente numerosa na Alemanha, em consequência do desenvolvimento interrompido que os grandes capitalistas e manufactureiros, como classe, tiveram, naquele país. Nas maiores cidades, ela forma quase a maioria dos habitantes; nas mais pequenas, predomina inteiramente, dada a ausência de concorrentes à influência mais ricos. Esta classe, uma das mais importantes de todo o corpo político moderno, e em todas as revoluções modernas, é ainda mais importante na Alemanha, onde durante as recentes lutas geralmente desempenhou o papel decisivo. A sua posição intermédia entre a classe dos grandes capitalistas, comerciantes e manufactureiros, a burguesia, propriamente dita, e a classe proletária ou industrial determina o seu carácter. Aspirando à posição da primeira, o menor golpe adverso da fortuna deita abaixo os indivíduos desta classe para as fileiras da segunda. Nos países monárquicos e feudais, a freguesia da corte e da aristocracia torna-se necessária para a sua existência; a perda desta freguesia poderia arruinar uma grande parte dela. Nas cidades mais pequenas, uma guarnição militar, um governo de condado, um tribunal com a sua comitiva, constituem, muito frequentemente, a base da sua prosperidade; retirem-nos, e os lojistas, os alfaiates, os sapateiros, os marceneiros, vão por aí abaixo. Deste modo, eternamente sacudida entre a esperança de entrar nas fileiras da classe mais rica e o medo de ser reduzida à condição de proletários ou mesmo de pobres; entre a esperança de promover os seus interesses, conquistando uma parte da direcção dos negócios públicos, e o receio de, por uma oposição intempestiva, desencadear a ira de um governo que dispõe da sua própria existência, porque tem o poder de retirar os seus melhores fregueses; possuidora de pequenos meios, cuja insegurança de posse está na razão inversa do seu montante; esta classe é extremamente vacilante nas suas opiniões. Humilde e rasteiramente submissa perante um governo feudal ou monárquico poderoso, passa para o lado do liberalismo quando a classe média está em ascensão; apodera-se de violentos acessos democráticos logo que a classe média assegurou a sua própria supremacia, mas volta a cair no abjecto desânimo do medo, assim que a classe abaixo dela, os proletários, intenta um movimento independente. Veremos, a pouco e pouco, esta classe na Alemanha passar, alternadamente, de um destes estádios para o outro.
A classe operária na Alemanha, no seu desenvolvimento social e político, está tão atrás da da Inglaterra e da França, como a burguesia alemã está atrás da burguesia desses países. Tal patrão, tal empregado. A evolução das condições de existência de um proletariado numeroso, forte, concentrado e inteligente, vai de mãos dadas com o desenvolvimento das condições de existência de uma classe média numerosa, rica, concentrada e poderosa. O próprio movimento da classe operária nunca é independente, nunca tem um carácter exclusivamente proletário, antes de que todas as diferentes facções da classe média e, particularmente, a sua facção mais progressiva, os grandes manufactureiros, tenham conquistado poder político e remodelado o Estado de acordo com as suas necessidades. É então que o inevitável conflito entre o patrão e o empregado se torna iminente e não pode mais ser adiado; que a classe operária não pode mais ser relegada com esperanças e promessas ilusórias que nunca se realizarão; que o grande problema do século dezanove, a abolição do proletariado, passa finalmente para o primeiro plano, francamente e na sua verdadeira dimensão. Ora, na Alemanha, a massa da classe operária é empregada não por aqueles senhores da manufactura moderna de que a Grã-Bretanha fornece tão esplêndidos especímenes, mas por pequenos negociantes cujo inteiro sistema de manufactura é uma mera relíquia da Idade Média. E assim como há uma diferença enorme entre o grande senhor do algodão e o pequeno sapateiro ou o mestre alfaiate, há também uma distância correspondente entre o operário fabril bem desperto das modernas Babilónias manufactureiras e o tímido jornaleiro alfaiate ou marceneiro de uma pequena cidade de província, que vive em circunstâncias e trabalha segundo um plano muito pouco diferente do daquele mesmo tipo de homens há alguns quinhentos anos atrás. Esta ausência geral de modernas condições de vida, de modos de produção industrial modernos, era certamente acompanhada por uma muito igual ausência geral de ideias modernas e não é por isso de espantar que, aquando do dealbar da revolução, uma grande parte das classes laboriosas gritasse pelo restabelecimento imediato das guildas e das corporações de mesteirais privilegiadas da Idade Média. Todavia, a partir dos distritos manufactureiros, onde predominava o sistema de produção moderno, e em consequência das facilidades de intercomunicação e de desenvolvimento mental proporcionadas pela vida migratória de um grande número de operários, formou-se um forte núcleo, cujas ideias acerca da emancipação da sua classe eram muito mais claras e estavam mais de acordo com os factos existentes e as necessidades históricas; mas eram uma simples minoria. Se o movimento activo das classes médias pode ser datado de 1840, o da classe operária começa o seu advento com as insurreições dos operários fabris da Silésia e da Boémia de 1844[N166] e teremos, em breve, ocasião de passar em revista os diferentes estádios por que este movimento passou.
Finalmente, havia a grande classe dos pequenos lavradores, o campesinato, que, com o seu apêndice de trabalhadores rurais, constitui a maioria considerável de toda a nação. Mas esta classe subdividia-se ainda ela própria em diferentes fracções. Havia, em primeiro lugar, os lavradores mais ricos, aquilo a que se chama na Alemanha Gross e Mittel-Bauern(3*), proprietários de herdades mais ou menos extensas e dirigindo cada um deles os serviços de vários trabalhadores agrícolas. Esta classe, colocada entre os grandes detentores feudais da terra, isentos de impostos, e o campesinato mais pobre e os trabalhadores rurais, encontrou, por razões óbvias, numa aliança com a classe antifeudal das cidades, o seu curso político mais natural. Havia, depois, em segundo lugar, os pequenos camponeses livres, que predominavam na região do Reno, onde o feudalismo tinha sucumbido ante os abalos poderosos da grande Revolução Francesa. Pequenos camponeses livres e independentes deste tipo existiam também aqui e além noutras províncias, ali onde tinham conseguido resgatar os encargos feudais que anteriormente impendiam sobre as suas terras. Esta classe, contudo, era uma classe de camponeses livres apenas de nome, uma vez que a sua propriedade estava geralmente hipotecada, a tal ponto e em condições tão onerosas que não era o camponês, mas o usurário que tinha avançado o dinheiro, o real proprietário da terra. Em terceiro lugar, os rendeiros feudais, que não podiam ser facilmente expulsos dos seus arrendamentos, mas que tinham de pagar uma renda perpétua ou de realizar em perpetuidade uma certa quantidade de trabalho em favor do senhor do feudo. Finalmente, os trabalhadores agrícolas, cuja situação, em muitas grandes casas agrícolas, era exactamente a da mesma classe em Inglaterra e que, em todos os casos, viviam e morriam pobres, mal alimentados e escravos dos seus patrões. Estas três últimas classes da população agrícola, os pequenos camponeses livres, os rendeiros e os trabalhadores agrícolas, nunca se preocuparam muito com a política antes da revolução, mas é evidente que este acontecimento teve de lhes abrir uma nova via, cheia de brilhantes perspectivas. A cada uma delas a revolução oferecia vantagens e, uma vez o movimento bem engrenado, era de esperar que cada uma por sua vez se lhe haveria de juntar. Mas, ao mesmo tempo, é também evidente e igualmente testemunhado pela história de todos os países modernos, que a população agrícola, em consequência da sua dispersão por um grande espaço e da dificuldade em conseguir um entendimento entre qualquer parte considerável dos seus membros, nunca pode tentar um movimento independente com sucesso; requer o impulso iniciador da gente das cidades, mais concentrada, mais esclarecida, mais facilmente posta em movimento.
O pequeno esboço precedente das classes mais importantes que no seu agregado formavam a nação alemã no dealbar dos recentes movimentos será já suficiente para explicar uma grande parte da incoerência, incongruência e manifesta contradição que prevaleceu naquele movimento. Quando interesses tão variados, tão em conflito, entrecruzando-se tão estranhamente, são levados a uma colisão violenta; quando estes interesses em conflito se misturam, em cada distrito, em cada província, em diferentes proporções; quando, acima de tudo, não há um grande centro no país, não há uma Londres, não há uma Paris, cujas decisões, pelo seu peso, possam obviar à necessidade de lutar pela mesma questão repetidamente em cada localidade; que outra coisa será de esperar senão que a contenda se dissolverá ela própria numa massa de lutas desconexas, nas quais se gasta uma quantidade enorme de sangue, de energia e de capital, mas que apesar de tudo permanece sem quaisquer resultados decisivos?
O desmembramento político da Alemanha em três dúzias de principados mais ou menos importantes é, igualmente, explicada por esta confusão e multiplicidade dos elementos que compõem a nação e que, uma vez mais, variam em cada localidade. Onde não há interesses comuns, não pode haver unidade de objectivos e, muito menos, de acção. É verdade que a Confederação Germânica[N95] foi declarada para sempre indissolúvel; contudo, a Confederação e o seu órgão, a Dieta[N167] nunca representaram a unidade alemã. O mais alto grau a que, na Alemanha, a centralização alguma vez foi levada foi o estabelecimento do Zollverein; com isto, os Estados do mar do Norte foram também levados a uma união aduaneira própria[N168], permanecendo a Áustria entregue à sua proibitiva tarifa separada. A Alemanha, para todos os fins práticos, teve a satisfação de ser dividida entre três poderes independentes só, em vez de entre trinta e seis. Claro que a proeminente supremacia do tsar da Rússia(4*), tal como se estabeleceu em 1814, não sofreu qualquer alteração por este facto.
Tendo tirado estas conclusões preliminares das nossas premissas, veremos, no artigo seguinte, como as várias classes do povo alemão anteriormente referidas foram postas em movimento, uma após outra, e que carácter este movimento assumiu com o irromper da revolução francesa em 1848.
Londres, Setembro de 1851.
Notas de Rodapé:
(1*) Membros do governo provisório francês. (retornar ao texto)
(2*) No original "Order". Trata-se de uma referência à nobreza como "estado social". (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(3*) Em alemão no texto: grandes e médios camponeses. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(4*) Alexandre I. (retornar ao texto)
Notas de Fim de Tomo:
[N15] Sistema continental ou bloqueio continental: proibição, imposta em 1806 por Napoleão I aos países do continente europeu, de comerciarem com a Inglaterra. O bloqueio continental caiu após a derrota de Napoleão na Rússia. (retornar ao texto)
[N91] In partibus infidelium (literalmente: no país dos infiéis): adição ao título dos bispos católicos designados para cargos puramente nominais em países não cristãos. Esta expressão encontra-se frequentemente em Marx e Engels aplicada a diferentes governos emigrados, formados no estrangeiro sem ter minimamente em conta a situação real no país. (retornar ao texto)
[N95] A Confederação Germânica, criada em 8 de Junho de 1815 no Congresso de Viena, constituía uma união dos Estados alemães absolutistas-feudais e consolidou o fraccionamento político e económico da Alemanha. (retornar ao texto)
[N163] Tribune: título abreviado do jornal burguês progressista The New- York Daily Tribune (A Tribuna Diária de Nova Iorque), que se publicou entre 1841 e 1924. Entre Agosto de 1851 e Março de 1862 Marx e Engels colaboraram no jornal. (retornar ao texto)
[N164] Tarifa Protectora Prussiana de 1818: abolição dos direitos alfandegários internos no território da Prússia. (retornar ao texto)
[N165] Zollverein (União Aduaneira), fundada em 1834 sob os auspícios da Prússia. Agrupava quase todos os Estados alemães; estabelecendo uma fronteira alfandegária comum, facilitou a futura unificação política da Alemanha. (retornar ao texto)
[N166] A insurreição dos tecelãos da Silésia de 4-6 de Junho de 1844, o primeiro grande choque de classe entre o proletariado e a burguesia na Alemanha, e a insurreição dos operários checos na segunda metade de Junho de 1844 foram cruelmente esmagadas pelas tropas governamentais. (retornar ao texto)
[N167] Dieta: órgão central da Confederação Germânica, com sede em Frankfurt-am-Main, foi um instrumento da política reaccionária dos governos alemães. (retornar ao texto)
[N168] A chamada União Aduaneira. (Steuerverein) foi constituída em Maio de 1834, e dela faziam parte os seguintes Estados alemães: Hannover, Braunschweig, Oldenburg e Schaumburg-Lippe, interessados no comércio com a Inglaterra. Em 1854 esta união separada desfez-se e os seus participantes entraram para o Zollverein (União Aduaneira) (ver nota 165). (retornar ao texto)
Inclusão | 23/08/2007 |