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Título
Justas reclamações de todos os camponeses e súditos submetidos às autoridades espirituais e temporais a quem acreditam dever queixar-se.
Saudação
Ao leitor cristão, paz e misericórdia de Deus por Cristo.
Apologia
Certo número de maus cristãos tomam como pretexto, hoje, os levantes dos camponeses para blasfemar contra o Evangelho e para dizer: “Eis aí os frutos da nova doutrina: negação completa da obediência; levantes, insurreição geral. Numerosas tropas agrupam-se e reúnem-se; quer reformar os poderes eclesiásticos e temporais, inquietá-los, talvez mesmo destruí-los”.
Os artigos seguintes serão nossa resposta a todos, esses detratores ímpios e maliciosos porque destroem, primeiro a vergonha com que se tentou cobrir a Palavra de Deus e, em seguida, justificam a desobediência, e mais ainda, a revolta, dos camponeses.
Com efeito não se pode responsabilizar o Evangelho pelos levantes, parque ele é o Verbo do Cristo, o Messias prometido, cuja palavra e cuja vida nos ensinam apenas amor, paz, paciência e concórdia, de tal modo que quem acredita nesse Cristo é animado do espírito do amor e da paz. Então, já que todos os artigos dos camponeses (isso se percebe facilmente), pedem que se ouça o Evangelho e que se viva de acordo com seus mandamentos, como podem os maus cristãos chamar essa causa, de revolta e desobediência?
Também de que certos maus cristãos, inimigos do Evangelho, revoltem-se contra tais pedidos, não se deve responsabilizar o Evangelho, mas sim o diabo que desperta nos fiéis a incredulidade e o ódio procurando por esse meio suprimir e mesmo destruir a palavra de Deus que não ensina senão a paz, o amor e a concórdia.
Como consequência clara e pura do que acima se expõe, resulta, em último lugar, que os camponeses que em seus artigos reclamam o Evangelho como doutrina e regra da vida não podem ser chamados desobedientes e rebeldes.
Além do mais, se Deus quiser exorcizar os camponeses que pedem apenas para viver segundo Sua palavra, quem então desejará se interpor no cumprimento de sua justiça (Isaías. LX), quem então ousaria desobedecer á Majestade Divina? Já atendeu aos filhos de Israel que gritaram por Ele (Rom. VIII), e libertou-os das mãos de Faraó; não pode Ele ainda hoje, salvar seus fiéis? Sim, decerto os libertará e, estamos certos, não tardará muito.
Leitor cristão, lê com atenção os artigos seguintes e depois julga:
Artigo primeiro. — Nosso desejo é, antes de tudo, de agora em diante, toda comuna tenha o direito e o poder de escolher por si mesma seu pastor (I. Tim, XIII) e de destituí-lo se sua conduta for repreensível.
O pastor que assim se escolher deve pregar puramente e sem rodeios o santo Evangelho sem nenhum acréscimo de origem humana (Actos. XIV) e fazer-nos conhecer a fé verdadeira. Porque se Deus nos dá motivo de implorar sua misericórdia é que deseja introduzir e imprimir em nossos corações essa fé. Porque se não nos dá sua graça ficaremos para sempre carne e sangue (Deut. XVII, Êxodo. XXXI. Deut. X, João. VI), coisas de todo inúteis como o prova a Escritura. Com efeito, é somente pela verdadeira fé que podemos chegar a Deus e é por sua misericórdia que obteremos a salvação.
É por isso que o pastor cujo modelo nos traça a sagrada escritura nos é de primeira necessidade.
Artigo 2. — Aceitamos pagar o dízimo dos cereais, dízimo que o Velho Testamento instituiu, que o Novo Testamento aboliu; mas pagando-o de maneira conveniente, isto é, dando-o a Deus.
Parece-nos justo, consequentemente, que esse dízimo seja remetido ao pastor que anuncia claramente a palavra divina e, com este fim, os cobradores de nossas comunas serão encarregados de cobrá-lo, depois de remeter uma parte ao pastor que a usará para sua manutenção e de sua família.
Uma parte do que sobrar será distribuída entre os pobres e necessitados que vivem nas cidades. Segundo sua situação, a repartição será feita a cada um pelos nossos cobradores.
Se restar ainda alguma coisa será guardada em previsão de uma possível penúria a fim de poupar aos pobres impostos vexatórios nesses momentos de provação.
Se se encontram algumas comunas que, premidas pela necessidade, venderam esse dizimo, o comprador honesto que possa exibir suas atas de compra nada deve perder e nós trataremos de nos arranjar com ele amigavelmente e segundo a justiça e a lei cristãs. Mas o que não for capaz de apresentar essas provas ou quem, quer seja em sua pessoa, quer na dos ancestrais, se haja apropriado desse dízimo violenta ou sub-repticiamente, terá por nós denegada sua reclamação, não sendo o dízimo autorizado pela escritura senão para a manutenção dos pastores e dos necessitados.
No que concerne ao pequeno dízimo, nós não queremos absolutamente pagá-lo. Deus, com efeito, criou o gado a fim de que os homens dele tirassem proveito livremente. Também consideramos o pequeno dízimo coisa injusta, inventada pelos homens e desde hoje declaramos que não queremos mais pagá-lo.
(Textos invocados: Ps. LIX, Gen. XIV, Deut. XXV, I Tim. V, Mat. X, I Cor. XX, Luc. XL, Mat. V, Gen. I.)
Artigo 3. — Até hoje, fomos olhados como servos por quem se deve sentir piedade e, contudo, Cristo nos salvou e resgatou, com seu sangue precioso vertido por todos nós, do pastor ao nobre, sem exceção.
Nascemos livres segundo o ensinamento da Palavra da Sagrada Escritura, portanto sejamos livres, não que o desejemos ser absolutamente e que rejeitemos toda autoridade, qualquer que seja ela. Isto não no-lo ensina Deus.
“Viveis, diz Ele, segundo a lei, e não na vontade da licença carnal”. “Amareis a Deus, vosso Senhor; amá-lo-eis em vosso próximo, em vossos irmãos e fareis a eles o que desejais que vos seja feito, segundo a Palavra de Deus, manifesta na Santa Ceia”.
Eis porque queremos viver segundo Sua lei que nos manda obedecer à autoridade e nos ensina também a humildade diante de todos, de tal maneira que em todas as coisas convenientes e cristãs, obedecemos voluntariamente à autoridade que escolhemos e estabelecemos, aquela que Deus nos deu.
Consequentemente, não duvidamos que nos concedereis voluntariamente a qualidade de homens livres, como a bons e verdadeiros cristãos; caso contrário, mostrai-nos pela Escritura que nós somos servos.
Textos invocados: Isaías LUI, I Pedro, I, Cor. VII, Rom. XIII, Sap. VI. I. Pedro II, Deut. VI Mat. IV, Luc. IV e VI, João XIII, Rom. XIII, etc.)
Artigo 4. — Até hoje reinou o costume de interditar ao camponês a caça de pelo ou de pena e a pesca.
Tal proibição nos parece injusta, pouco fraternal, egoísta, e oposta à palavra de Deus.
Em certos lugares recusam até constatar os danos causados por sua caça e devemos suportar que os campos que Deus fez frutificar para uso do homem sejam devastados por animais privados da razão, o que é o cúmulo da loucura e da tirania humana porque, quando o Senhor Deus criou o homem, deu-lhe
todos os poderes sobre os animais da terra, os pássaros do ar e os peixes das águas.
Os frutos são assim o apanágio do homem e todos os pobres devem ter o direito da colheita quando se trata de satisfazer sua fome.
Se, então, alguém possui um reservatório e pelos títulos de sua propriedade puder provar que o comprou legalmente, não queremos que isso seja tomado por meio de violências, mas é preciso ter para com o proprietário considerações cristãs. Quanto ao que não possa provar seu direito de posse de maneira convincente, deverá restituir seu bem à comuna que a usará em proveito de todos.
(Textos invocados: Gen. I, I Tim. IV, Cor. X, Coloss. II.)
Artigo 5. — Temos, em quinto lugar, de nos queixar da questão da madeira. Nossos senhores, com efeito, tomaram tudo para eles e quando o camponês precisa tem de comprar madeira por preço dobrado.
Se existem florestas que possuem madeira, sem que as hajam comprado senhores eclesiásticos ou não, pedimos que as referidas florestas voltem à posse das comunas que terão liberdade de deixar levar gratuitamente, a todos os seus membros, a lenha de que precisem.
Do mesmo modo se alguém tiver necessidade de madeira de construção poderá levá-la gratuitamente depois de haver avisado os guardas que a comuna escolher para tomar conta das florestas.
Se os bosques foram comprados, a comuna deverá arranjar- se fraternalmente e cristãmente com seus possuidores. Se os bosques comprados em certa época, forem mais tarde revendidos, o arranjo deverá ser feito segundo as circunstâncias, deixando-se que o guie o amor fraternal e obedecendo-se às indicações da Santa Escritura.
Artigo 6. — Temos, em sexto lugar, muitas queixas dos serviços que aumentam dia a dia e pedimos que se use de mais discernimento, que se nos não oprima tão duramente, mas aceitamos com indulgência a obrigação de servir como o fizeram nossos pais, seguindo somente a Palavra de Deus. (Romanos X).
Artigo 7. — Declaramos, em sétimo lugar, que, desde hoje, não queremos mais que os senhores nos sobrecarreguem de trabalhos. Quando eles alugarem alguma coisa a um camponês, este se tornará seu possuidor de acordo com o contrato feito com o senhor. Este último, por seu lado, não deve mais lhe reclamar serviço gratuito, ou qualquer outra coisa, a fim de que, não tendo tributos, possa o camponês gozar de seu bem.
Mas, se por outro lado, o senhor tiver necessidade de um serviço, o camponês, antes de haver recebido uma indenização conveniente, deverá prestá-lo e ser fiel; isso nos momentos, em que lhe não cause nenhum prejuízo. (Luc. III.)
Artigo 8. — Queixamo-nos, — particularmente aqueles que dentre nós possuem bens, — de que tais não podem sustentar os impostos com que somos onerados, o que acarreta aos camponeses a perda de suas fortunas.
Também pedimos que os senhores venham examinar os ditos bens para em seguida fixar com equidade os impostos, a fim de que o camponês não trabalhe mais em vão porque todo trabalhador é digno de seu salário. (Mat. X.)
Artigo 9. — Uma nona razão de queixa consiste no grande mal que nos causa a contínua criação de novas leis, porque não somos hoje punidos segundo as circunstâncias presentes; ora o ódio, ora o favor ditam os castigos que se nos infligem. Pensamos que, de agora em diante, devemos ser punidos, não segundo o favor, mas sim segundo o direito escrito e as circunstâncias. (Isaías X, Efes. VI. Luc. III, João XXVI.)
Artigo 10. — Em décimo lugar, queixamo-nos de que certos homens se hajam apropriado dos prados e dos campos que pertencem à comuna e pedimos que os ditos campos e prados retornem outra vez à posse da comuna, a menos que hajam sido legitimamente comprados.
Se a compra não se fez legalmente, as duas partes devem entender-se amigavelmente, inspirando-se nas circunstâncias. (Luc. VI.)
Artigo 11. — Queremos que o costume chamado “caso de óbito” desapareça inteiramente.
Não podemos mais sofrer nem tolerar que desprezando a Deus e à honra se arrebatem indignamente às viúvas e aos órfãos o que lhes pertence, como ocorre em numerosos lugares.
Os que na verdade tinham por missão protegê-los, despojaram-nos e se os infelizes não tinham senão umas poucas coisas, essas mesmas lhes foram tomadas. Deus não quer mais sofrer semelhante costume que deve desaparecer inteiramente; Quanto a nós, desde já declaramos que, por meio do “caso de óbito” não somos forçados a dar nem pouco nem muito de nossos bens. (Deut. XVIII, Mat. VIII. 23, Isaías X.)
Artigo 12. — Conclusão — Nosso décimo segundo artigo encerra nossa conclusão.
Se um ou vários dos artigos precedentes não se acharem conforme a Palavra de Deus desistiremos voluntariamente deles desde que se demonstre que estão contra essa Palavra uma vez que tal demonstração nos fosse feita por meio da Escritura.
Se se concordar presentemente com certos artigos e se, mais tarde, esses artigos se tornarem injustos, desde o instante em que tal injustiça fique devidamente provada, eles devem desaparecer e, a partir de então, não terão mais valor. Porém, se por outro lado, se encontrarem na Escritura certos textos contra os abusos opostos à vontade de Deus, abusos estes que causem prejuízo ao próximo, reservamo-nos o direito de formular novos artigos sobre o assunto porque desejamos viver segundo a doutrina cristã e orar a Deus e ao Senhor que é quem unicamente pode nos dar os meios para tanto.
A paz de Cristo seja convosco!