As guerras camponesas na Alemanha

Friedrich Engels


II - Os grandes grupos da oposição e suas ideologias - Lutero e Münzer


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A descentralização, a autonomia local e regional, a diversidade comercial e industrial das províncias e a insuficiência das comunicações tornaram impossível o agrupamento, em um conjunto único, dessas classes tão diversas, o que só veio a realizar-se ao se difundirem as ideias revolucionárias político-religiosas da Reforma. As classes que adotam essas ideias e as que a elas se opõem, conseguem, — se bem que lenta e penosamente, — a concentração de toda a nação em três campos: o católico, ou reacionário; o luterano, burguês-reformista; e o revolucionário. O fato dessa divisão ser pouco consequente, achando-se nos dois primeiros campos elementos em parte semelhantes, explica-se pelo estado de decomposição em que se encontravam as classes feudais e pela descentralização que em diversas regiões fez uma mesma classe reagir de maneiras diversas. Durante os últimos anos apreciamos na Alemanha tantos acontecimentos idênticos que não nos pode surpreender esta aparente confusão de classes e subclasses, nas condições muito mais confusas do século XVI.

Apesar das experiências feitas em data mais recente, a ideologia alemã quer ver nas lutas que deram cabo da Idade .Média apenas uma ardorosa disputa teológica. Segundo dizem nossos mestres de história pátria e nossos sábios de gabinete, as pessoas daqueles tempos não teriam motivo de lutar por coisas deste mundo se tivessem podido concordar sobre assuntos celestiais. Tais ideólogos são bastante crédulos para aceitar como incontestáveis todas as ilusões que uma época tem sobre si mesma ou que eles, ideólogos, têm sobre ela. Na revolução de 1789 esses indivíduos nada vêem senão uma discussão um tanto acalorada a respeito das vantagens da monarquia constitucional sobre a monarquia absoluta; na revolução de julho, vêem uma controvérsia prática sobre a insustentabilidade do direito divino; na de fevereiro, uma tentativa de resolver a questão: república ou monarquia?, etc. Nossos ideólogos não querem saber da luta de classes que se decide naqueles movimentos e que não faz mais do que expressar-se superficialmente nas reivindicações políticas que lhes servem de bandeira. Continuam a ignorar esse fato hoje em dia quando a notícia de tal luta nos chega clara e insofismável, não apenas do estrangeiro como também por intermédio de milhares de vozes proletárias de nosso país.

Igualmente nas chamadas guerras religiosas do século XVI tratava-se sobretudo de interesses materiais e de classe muito positivos e estas guerras foram lutas de classe, do mesmo modo que os conflitos internos ocorridos posteriormente na França e na Inglaterra. O fato dessas lutas de classe se travarem com pretexto religioso e dos interesses, reivindicações e necessidades das diversas classes se ocultarem sob o manto da religião, em nada muda os seus fundamentos e se explica facilmente pelas circunstâncias da época.

A Idade Média emergira inteiramente da barbárie; fizera tábua rasa da civilização antiga e de sua filosofia, política e jurisprudência para começar tudo de novo. Do mundo antigo, herdara apenas o cristianismo e certo número de cidades em ruínas, despojadas de toda a sua civilização. A consequência foi que os padres obtiveram o monopólio da instrução, conforme costuma acontecer com toda civilização primitiva, e que a própria instrução tivesse acentuado caráter teológico. Nas mãos dos sacerdotes, a política, a jurisprudência e todas as outras ciências não passavam de simples ramos da teologia a que se aplicavam os princípios da teologia. O dogma da Igreja era também axioma político e os textos sagrados tinham força de lei em todos os tribunais. Mesmo após a criação da profissão independente dos juristas a jurisprudência permaneceu sob a tutela da teologia. Tal supremacia da teologia em todos os ramos da atividade intelectual era devida também à posição peculiar da Igreja como símbolo e sanção da ordem feudal. Toma-se evidente que qualquer ataque geral contra o feudalismo devia primeiramente dirigir-se contra a Igreja e que todas as doutrinas revolucionárias sociais e políticas deveriam ser, em primeiro lugar, heresias teológicas. Para atingir-se a ordem social existente era preciso despojá-la de sua auréola.

A oposição revolucionária contra o feudalismo manifesta-se através de toda a Idade Média. Segundo as circunstâncias, aparece como misticismo, heresia aberta ou insurreição armada. No que se refere ao misticismo já se conhece até que ponto os reformadores do século XVI sofreram sua influência. Também Münzer muito lhes deveu.

Por um lado, as heresias refletiam as reações dos pastores patriarcais dos Alpes contra o feudalismo invasor (Valdenses); por outro, a oposição das cidades emancipadas do feudalismo (Albigenses, Arnaldo de Bréscia, etc.) e finalmente a insurreição aberta dos camponeses (João Bali), etc. Deixamos de lado a heresia patriarcal dos valdenses e a insurreição dos cantões suíços, como tentativas de conteúdo e forma reacionários para embargar o passo à evolução histórica, e que tiveram importância puramente local.

Nas restantes heresias medievais encontramos, a partir do século XII, vestígios das divergências que separavam a oposição burguesa da camponesa ou plebeia e que levaram ao malogro das guerras camponesas. Tais divergências subsistiram durante toda a segunda parte da Idade Média.

A heresia das cidades — que é de certo modo a heresia oficial da Idade Média — dirigia-se principalmente contra os padres, atacando-os por sua riqueza e influência política. Do mesmo modo que a burguesia de hoje pede um “gouvernement a bon marché”, um governo barato, os burgueses da Idade Média pediam uma “église a bon marché” uma igreja barata. A heresia burguesa tinha a forma reacionária de toda heresia que, na evolução da Igreja e de sua doutrina, não quer ver senão uma degenerescência. Exigia a restauração do cristianismo primitivo como seu aparelho eclesiástico simplificado e a supressão do sacerdócio profissional. Esta reforma teria acabado com os monges, os prelados, a cúria romana, numa palavra, com tudo o que a Igreja tinha de custoso. Se bem que protegidas por monarcas, as cidades eram republicanas; em seus ataques contra o papado, expressaram pela primeira vez que a república é a forma do domínio burguês.

Sua inimizade contra uma série de dogmas e preceitos da Igreja explica em parte os fatos que já enumeramos e por suas condições de vida em geral. O próprio Boccaccio(1) dá-nos a conhecer as razões que levaram as cidades a impugnar o celibato de maneira tão veemente. Arnaldo de Bréscia, na Itália e Alemanha, os Albigenses no sul da França, João Wycliffe na Inglaterra, João Huss e os calixtinos, na Boêmia, foram os principais representantes dessa tendência. O fato de nesses casos a oposição contra o feudalismo não se manifestar senão como oposição ao feudalismo eclesiástico, encontra sua explicação na independência que já haviam conquistado as cidades, que possuíam suas armas e Assembleias de estado, gozavam privilégios e podiam muito bem resistir pela força ao feudalismo secular caso o decidissem.

Aqui, como no sul da França, na Inglaterra e Boêmia, a maior parte da pequena nobreza se solidariza com a heresia das cidades na luta contra os padres, o que revela a dependência em que as cidades mantinham a pequena nobreza e a comunhão de interesses ante príncipes e os prelados. Essa aliança ressurgirá na guerra camponesa.

A heresia que expressava os anelos de plebeus e camponeses e que quase sempre dava origem a uma sublevação tinha caráter muito diferente. Não apenas fazia suas todas as reivindicações da heresia burguesa que se referiam aos padres, ao papado e à restauração da constituição da igreja primitiva, como ia muito além. Pedia o estabelecimento da igualdade cristã entre todos os membros da comunidade e seu reconhecimento como norma para a sociedade inteira. A igualdade dos filhos de Deus devia traduzir-se pela igualdade civil e mesmo social de todos os cidadãos. A nobreza devia pôr-se no mesmo nível dos camponeses; os patrícios e burgueses privilegiados no mesmo nível dos plebeus. A supressão dos serviços pessoais, censos, tributos, privilégios, nivelação das diferenças mais escandalosas na propriedade, eram reivindicações formuladas com mais ou menos energia e consideradas como consequências necessárias da doutrina cristã quando o feudalismo estava no auge. Esta heresia plebeia e camponesa (p.e. a dos Albigenses) não se separava da burguesa, porém durante os séculos XIV e XV transforma-se em programa de partido, bem definido, independente da heresia burguesa. Assim João Bali, o pregador da sublevação de Wat Tyler na Inglaterra, aparece à margem do movimento de Wycliffe, como os Taboristas em relação aos calixtinos na Boêmia. No movimento taborista já manifesta-se sob as roupagens teocráticas, essa tendência republicana que em fins do século XV e em princípios do século XVI adquiriu tanta importância entre os representantes dos plebeus alemães.

Junto a essa forma de heresia existe a exaltação das seitas místicas: flagelantes, lollardistas etc., que nos tempos da opressão mantinham viva a tradição revolucionária.

Os plebeus eram a única classe que então se achava inteiramente à margem da sociedade existente. Achavam-se fora da comunidade feudal e da comunidade burguesa. Não tinham privilégios nem bens; não tinham nem sequer a propriedade carregada de impostos esmagadores dos camponeses e pequenos burgueses. Não tinham nada, nem direitos; em sua vida normal nem sequer entravam em contato com as instituições de um Estado que lhes ignorava até a existência. Eram um símbolo vivo da dissolução da sociedade feudal e corporativa e ao mesmo tempo eram os primeiros precursores da moderna sociedade burguesa.

Assim se explica que já então a fração plebeia não podia contentar-se apenas com o combate ao feudalismo e à burguesia privilegiada, mas que tinha de ir, pelo menos em imaginação, além da própria sociedade burguesa apenas no nascedouro. Explica-se igualmente porque essa fração desprovida de bens teve de renegar ideias e conceitos comuns a todas as sociedades baseadas no antagonismo de classes. As fantasias quiliásticas(*) do cristianismo primitivo ofereciam o ponto de referência oportuno. Porém a superação, não só do presente como também do futuro, não podia ser senão forçada e imaginária; à primeira tentativa de realização teria de retornar aos estreitos limites que permitiam as circunstâncias de então. O ataque contra a propriedade privada, as reivindicações referentes ao estabelecimento da comunidade de bens não podiam dar mais resultados do que simples organização da caridade; a confusa igualdade cristã podia no máximo traduzir-se pela igualdade burguesa ante a lei; a supressão de toda autoridade, por fim, se transforma no estabelecimento de governos republicanos eleitos pelo povo. A antecipação do comunismo, na imaginação, conduziu na realidade a unia antecipação da nova sociedade burguesa.

Essa forçada antecipação da história posterior é muito explicável nas condições da fração proletária. Na Alemanha foram Tomás Münzer e seu partido os que primeiro a levaram a cabo. Os taboristas haviam tido certa comunidade quiliástica de bens, mas como medida puramente militar. Porém, no caso de Münzer esses brotos do comunismo expressavam as aspirações de toda uma fração da sociedade; desde que ele os formulou pela primeira vez com certa clareza, encontramo-los em todos os grandes movimentos populares, até que, por fim, se uniram ao movimento proletário moderno; tal como na Idade Média, as lutas dos camponeses contra a dominação feudal, cada vez mais ameaçadora, uniu-se com a luta dos vassalos e servos pela destruição total dessa dominação.

Enquanto no campo católico conservador se agruparam todos os elementos interessados na conservação do que existia, quer dizer, do poder imperial, dos príncipes eclesiásticos e parte dos seculares, dos nobres ricos, dos prelados e do patriarcado das cidades, a reforma luterana burguesa e moderada agrupa os elementos opositores bem instalados na vida: a massa da pequena nobreza, a burguesia e até uma parte dos príncipes seculares que queriam enriquecer arrebatando os bens do clero e que aproveitaram esta oportunidade para conseguir independência maior do poder imperial. Os camponeses e plebeus, por fim, formaram o partido revolucionário, cujo porta-voz mais ardente foi Tomás Münzer.

Por suas doutrinas, seu caráter e sua conduta Lutero e Münzer foram os perfeitos representantes de seus partidos.

De 1517 a 1525, Lutero mudou de maneira idêntica à dos constitucionalistas alemães de 1846 a 1849 e da mesma maneira que todos os partidos burgueses colocados momentaneamente à frente do movimento se vêem deslocados pelo partido proletário ou plebeu que forma em sua retaguarda.

Quando em 1517 Lutero atacou pela primeira vez o dogma e as instituições da Igreja católica, sua oposição não tinha caráter bem definido. Sem passar da antiga heresia burguesa, não excluía tampouco, nem podia excluir, as tendências mais radicais. No primeiro momento era preciso reunir todos os elementos da oposição, tinha de demonstrar a energia revolucionária mais decidida, era preciso se representar a totalidade das heresias em face da ortodoxia católica. Nisto se parece com nossos burgueses liberais de 1847, que eram revolucionários, diziam-se socialistas e comunistas e se entusiasmavam com a emancipação da classe trabalhadora. Nesse primeiro período, Lutero deu livre curso a toda a veemência de seu temperamento de camponês vigoroso.

“Se sua fúria (a dos padres romanos) tivesse de continuar, parece-me que seria o melhor conselho e remédio esmagá-la pela violência, armando-se reis e príncipes para atacar essa gente daninha que envenena o mundo inteiro e com ela acabar pelas armas e não por palavras. Não castigamos os ladrões com a espada, os assassinos com o garrote e os hereges com o fogo? Por que então não atacamos esses mestres da perdição que são os papas, cardeais, bispos e toda a gentalha da Sodoma romana? Por que não os atacamos com toda a classe de armas e lavamos nossas mãos em seu sangue?”

Porém essa fúria revolucionária do princípio não durou muito. O raio que Lutero lançara caiu no paiol de pólvora. O povo alemão se pôs em movimentei. De um lado os camponeses e plebeus viram em seus apelos contra os padres no sermão sobre a liberdade cristã, o sinal da sublevação; por outro lado os burgueses moderados e grande parte da pequena nobreza a ele se uniram; e até alguns príncipes foram arrastados pela tormenta. Uns acreditavam que tinha chegado o dia do ajuste de contas com seus opressores, outras só queriam destruir o poder dos curas, a hegemonia romana e enriquecer-se pelo arrebatamento dos bens eclesiásticos. Os partidos se separaram e escolheram seus representantes. Lutero teve de escolher. O protegido do eleitor da Saxônia, o respeitável professor da Universidade de Wittenberg que da noite para o dia se tornara célebre e poderoso, o grande homem rodeado de lacaios e aduladores, não vadiou nem um momento. Deixou para trás os elementos populares do movimento para unir-se ao séquito burguês, aristocrático e monárquico. Silenciaram os apelos à guerra de extermínio contra Roma. Agora Lutero recomendava a evolução pacífica e a resistência passiva (veja-se p. e. “Apelo à Nobreza Alemã” de 1520, etc.). Quando Hutton convidou-o a encontrar-se com ele e Sickingen no castelo de Ebernburg que era o centro da conspiração da nobreza contra os padres e os príncipes, Lutero respondeu:

Não quero que o Evangelho se imponha pela violência, vertendo sangue. O mundo foi conquistado pela palavra, a Igreja foi instituída pela palavra e pela palavra renascerá e o Anticristo cairá sem violência uma vez que tudo isso foi conseguido sem violência”.

Desde que se realizou esta transformação, ou melhor, desde que se definiu a tendência de Lutero, começou 0 debate sobre se se deviam conservar ou reformar tais dogmas e instituições, principalmente aqueles repugnantes conciliábulos, concessões, intrigas e convênios que deram em resultado a “confissão de Augsburgo”, o estatuto da igreja burguesa reformada, conseguida depois de muita intriga. É exatamente o mesmo processo que ultimamente se tem repetido até a exaustão nas assembleias nacionais alemãs, as “assembleias de convênio”, “câmaras de revisão” e “parlamentos” de Erfurt. Nas tais negociações manifestou-se às escâncaras o caráter eminentemente burguês da reforma oficial. Lutero, como representante declarado da reforma burguesa, tinha razões muito sérias para pregar o progresso legal. A maioria das cidades aceitara a reforma; o mesmo acontecera com a pequena nobreza; uma parte dos príncipes também; os outros permaneciam indecisos. O êxito estava quase assegurado pelo menos em grande parte da Alemanha. Se o desenvolvimento pacífico prosseguisse, as outras regiões, por fim, não poderiam mais resistir ao embate da oposição moderada. Porém toda agitação violenta faria estalar o conflito entre o partido moderado e os extremistas plebeus e camponeses; os príncipes, a nobreza e muitas cidades se separariam do movimento e o partido burguês seria derrubado pelos camponeses e plebeus ou a reação católica destruiria todos os partidos do movimento. Ultimamente vemos bastantes exemplos de como os partidos burgueses, ao conseguir um pequeno êxito, se empenham em conservar, por meio do progresso legal, o equilíbrio entre o Cila da Revolução e Caríbdis da Restauração.

Dadas as circunstâncias políticas e sociais daquela época, qualquer transformação devia necessariamente redundar em proveito dos príncipes e aumentar seu poder; quanto mais se separava dos elementos plebeus e camponeses mais tendia a reforma burguesa a cair sob o domínio dos príncipes que com ela concordavam. O próprio Lutero acabou sendo seu servo e o povo sabia perfeitamente o que fazia quando disse que Lutero se tinha convertido em lacaio dos príncipes, e quando o apedrejou em Orlamünde.

Ao estourar a guerra camponesa em regiões onde os príncipes e a nobreza eram na maioria católicos, Lutero logo assumiu uma atitude conciliadora. Arremeteu contra os governos atribuindo-lhes a culpa da insurreição que, segundo ele, era devida à opressão que exerciam. Para ele, não eram os camponeses que opunham resistência: era o próprio Deus. Por outro lado, a sublevação era também ímpia e contrária ao Evangelho.

Finalmente aconselhou a ambas as facções a fazerem concessões mútuas e se reconciliarem.

Porém, apesar dessa mediação benévola, a insurreição estendeu-se rapidamente nas regiões protestantes governadas por príncipes e senhores ou nas cidades luteranas a sublevação levou de roldão a Reforma burguesa “razoável”. Na própria Turíngia, onde vivia Lutero, estabeleceram seu quartel-general os mais decididos insurretos, chefiados por Münzer. Mais alguns êxitos e a Alemanha inteira arderia em chamas. Lutero seria preso e talvez “passado na vara” como traidor. A Reforma burguesa era arrastada pela maré da revolução camponesa e plebeia. Não havia tempo para vacilações. Ante a revolução esqueceram-se os velhos rancores; comparados aos bandos camponeses, os servidores da Sodoma romana eram mansos cordeiros, inocentes filhos de Deus. Burgueses e príncipes, nobres e sacerdotes, Lutero e o Papa aliaram-se “contra as hordas assassinas de camponeses ladrões”.

“Temos que despedaçá-los, degolá-los e apunhalá-los em segredo e em público: e que os matem todos os que possam matá-los, como se mata a um cão furioso!”, gritava Lutero. “Por isso, queridos senhores, ouvi-me e matai, degolai sem piedade: e se morrerdes, — como serieis ditosos! — pois jamais poderíeis ter morte mais feliz”.

Nada de falsa piedade com os camponeses. São iguais aos insurretos os que deles se apiedam porque Deus não lhes tem misericórdia; quer vê-los antes, castigados e perdidos. Depois os próprios camponeses darão graças ao Senhor por terem que entregar uma vaca para poder desfrutar em paz a que lhe fica: por essa rebeldia os príncipes conhecerão o espírito da plebe que não podem governar senão pela violência.

Diz o sábio:

cibus onus et virgam asino,(2) ao camponês palha de aveia; se são insensatos e não querem obedecer à palavra que obedeçam à “virga”, ao arcabuz e será para o bem deles. Deveríamos rezar para que obedeçam; mas nada de comiseração. Deixai que lhes falem os arcabuzes, senão será mil vezes pior”.

De maneira exatamente igual falavam nossos filantropos burgueses e ex-socialistas quando o proletariado lhes foi reclamar a sua parte depois da vitória.

Com sua tradução da Bíblia, Lutero dera um poderoso instrumento ao movimento plebeu. Na Bíblia, aparecia o cristianismo primitivo e simples dos primeiros séculos em oposição ao cristianismo feudal da época. Numa sociedade feudal em decadência, descrevia uma sociedade que desconhecera a hierarquia feudal complexa e artificiosa. Tal instrumento foi usado a fundo pelos camponeses contra os príncipes, a nobreza e o clero. Mais tarde usou-o Lutero contra os camponeses lançando mão da Bíblia para louvar as autoridades constituídas “pela graça de Deus”, como nenhum lacaio da monarquia absoluta jamais o fizera. Serviu-lhe a Bíblia para justificar a monarquia pela graça de Deus, a obediência passiva e até a servidão. Foi a negação não apenas da insurreição camponesa como da rebeldia do próprio Lutero contra a autoridade espiritual e secular. Traição, não só da rebeldia popular como também do movimento burguês, em benefício dos príncipes.

(Não é necessário citar a burguesia que ultimamente nos vem dando novos exemplos dessa traição de seu próprio passado).

A Lutero, reformador burguês, oponhamos Münzer, revolucionário plebeu.

Tomás Münzer nasceu em Stolberg, na montanha do Harz, aí por 1498. Parece que seu pai morreu enforcado, vítima da arbitrariedade dos condes de Stolberg. Com a idade de 15 anos, aluno da escola de Halle, fundou uma liga secreta contra o arcebispo de Magdeburgo e a Igreja romana. Sua erudição teológica geral, cedo lhe valeu o título de doutor e o lugar de capelão em convento de monjas. Já então tratava com o maior desprezo os dogmas e ritos da Igreja. Dizendo missa, omitia as palavras da transubstanciação e, como diz Lutero, comia os Deuses sem consagrar. Estudava sobretudo os místicos medievais e particularmente os escritos quiliásticos de Joaquim, o Calabrês. Na Reforma e agitação da época, Münzer via o princípio do novo reino milenário, o juízo de Deus sobre a igreja degenerada e o mundo corrompido que havia descrito o Calabrês. Seus sermões lograram grandes aplausos na região. Em 1520 foi para Zwickau como primeiro pregador evangélico. Ali encontrou uma daquelas seitas de quiliastas exaltados que continuavam existindo em muitas regiões e sob cuja humildade e retraimento momentâneos escondia-se a crescente oposição das camadas inferiores da sociedade contra o estado de coisas dominante. Agora, ao aumentar a agitação, saíram à luz manifestando-se com maior firmeza. Era a seita dos anabatistas, a cuja frente marchava Nicolau Storch. Anunciavam o juízo final e o reino do milênio; tinham “visões, êxtases e o dom da profecia”. Imediatamente entraram em conflito com o Conselho de Zwickau; Münzer, apesar de não se identificar com eles, defendeu-os e conseguiu tê-los sob sua influência. O Conselho iniciou uma repressão enérgica e os anabatistas, e com eles Münzer, tiveram de abandonar a cidade. Isso ocorreu em fins de 1521.

Estabeleceu-se em Praga onde tentou ganhar terreno em contato com os restos do movimento hussita. Porém seus apelos não produziram outro efeito senão forçarem-no também a fugir da Boêmia. Em 1522 fez-se pregador em Altstadt. Ali começou a reformar o culto. Suprimiu completamente o uso do latim, antes de Lutero se atrever a fazê-lo, deixando que se lesse a Bíblia inteira e não somente as epístolas e evangelhos de rigor no culto dominical. Ao mesmo tempo organizava a propaganda na região. O povo acudia de toda parte e Altstadt veio a ser o centro do movimento anticlerical popular em toda a Turíngia.

Münzer continuava sendo o teólogo; seus ataques dirigiam-se quase exclusivamente contra o clero. Porém não propugnava a discussão pacífica e o progresso legal como já o fazia Lutero. Saiu, pelo contrário, pregando a violência, conclamando os príncipes saxões e o povo à intervenção armada contra os padres romanos.

Não disse Cristo, ‘Vim trazer-vos não a paz, porém a espada? E que deveis fazer com ela? Nada, senão afastar e separar a gente má que se opõe ao Evangelho. Cristo ordenou com grande severidade: (Lucas 19:27). Quanto, porém, a esses meus inimigos, que não quiseram que eu os governasse, trazei-os aqui e matai-os diante de mim... Não vos valhais do vão pretexto de que o braço de Deus deve jazê-lo sem ajuda de vossa espada que bem poderia enferrujar-se na bainha. Os que se oponham à revelação divina que sejam aniquilados sem piedade, como Ezequiel, Ciro, Josias, Daniel e Elias destruíram os pontífices de Baal; de outro modo a Igreja cristã não pode retornar à sua origem. Na época da vindima, temos que arrancar a erva daninha das vinhas do Senhor. Deus disse (Deu. 7:5): ‘.. .nem terás piedade delas;... deitarás abaixo seus altares... e queimarás a fogo as suas imagens de escultura... Porque tu és um povo santo e Jeová teu Deus...’”

Porém esses apelos aos príncipes não tiveram êxito; nesse ínterim crescia continuamente a agitação revolucionária. As ideias de Münzer tornaram-se mais precisas e mais audazes e Münzer separou-se da Reforma burguesa fazendo-se agitador político.

Sua doutrina teológica e filosófica não somente atacava os princípios do catolicismo como também se voltava contra o cristianismo em geral. Sob as formas cristãs, Münzer ensinava um panteísmo que se assemelha estranhamente às modernas teorias especulativas, avizinhando-se algumas vezes do ateísmo. Negava à Bíblia o caráter de revelação única e infalível. A verdadeira revelação, a revelação viva, é a razão humana que existiu e existe em todos os povos. Opor a Bíblia à razão significa matar o espírito pela letra. O Espírito Santo, de que tanto nos fala a Bíblia, não existe fora de nós; o Espírito é a própria razão. A fé não é mais que o despertar da razão no homem e por isso os pagãos podem ter fé. A fé, a razão chamada à vida, diviniza e santifica o homem. O céu não é coisa do além. Temos que procurá-lo mesmo nesta vida; ao crente compete a missão de estabelecer esse céu, o reino de Deus sobre a terra. Assim, depois da morte não há céu nem tampouco inferno ou condenação eterna. E não há outro diabo senão a cobiça e concupiscência dos homens.

Cristo foi homem como nós, um profeta e mestre, cuja ceia não é mais do que um banquete comemorativo onde se toma pão e vinho sem nenhum adorno místico.

Essa foi a doutrina de Münzer, dissimulada sob uma fraseologia cristã atrás da qual teve de esconder-se durante algum tempo. Porém, através de seus escritos, aparecem seus pensamentos arqui-heréticos e se vê que o adorno bíblico era muito menos importante para ele do que para certos discípulos de Hegel em tempos recentes; não obstante, três séculos os separam.

Sua doutrina política procede diretamente de seu pensamento religioso revolucionário e adiantava-se à situação social e política de sua época da mesma maneira que sua teologia às ideias e conceitos correntes. Se a filosofia religiosa de Münzer se aproximava do ateísmo, seu programa político tinha afinidade com o comunismo. Muitas seitas comunistas modernas, em vésperas da revolução de fevereiro, não dispunham de arsenal teórico tão rico como “os de Münzer” do século XVI. Em seu programa, o resumo das reivindicações plebeias aparece menos importante do que a antecipação genial das condições de emancipação do elemento proletário que apenas acabava de fazer sua aparição entre os plebeus. Tal programa exigia o estabelecimento imediato do reino de Deus, do reino milenário de felicidade, tantas vezes anunciado pela volta da Igreja à sua origem e pela supressão de todas as instituições que se achassem em contradição com esse cristianismo que se dizia primitivo e que em realidade era altamente moderno. Porém, segundo Münzer, esse reino de Deus não significava outra coisa senão uma sociedade sem diferenças de classe, sem propriedade privada e sem poder estatal independente e alheio aos membros da sociedade. Todos os poderes existentes que não se conformarem e se opuserem à revolução, serão destruídos; os trabalhos e bens serão comuns e se estabelecerá a igualdade completa. Para isso, fundar-se-á uma liga que compreenderá, não só a Alemanha inteira mas toda a cristandade; os príncipes e grão-senhores serão convidados a fazer parte; quando se negarem, a liga (de armas na mão) os destronará ou matará na primeira oportunidade. Imediatamente Münzer se pôs a organizar a liga; suas pregações tomaram caráter mais revolucionário e violento; com a mesma paixão que mostrava ao condenar o clero, troava agora contra os príncipes, a nobreza e o patriciado e descrevia em cores sombrias a opressão presente comparando-a com o quadro fantástico de seu reino milenário de igualdade social republicana. Além disso publicava, um após outro, panfletos revolucionários e enviava emissários a toda parte, enquanto ele próprio organizava a liga em Altstadt e arredores.

O primeiro fruto dessa campanha foi a destruição da capela de Santa Maria em Mellerbach perto de Altstadt, com o que se cumpriu o mandamento: “deitareis abaixo os seus altares, quebrareis as suas colunas e queimareis a fogo suas imagens de escultura, porque sois um povo santo”. (Deut. 7, 5). Os príncipes saxões se transladaram pessoalmente a Altstadt e chamaram Münzer ao castelo. Este pronunciou então um sermão como nunca se ouvira de Lutero, essa “carne plácida de Wittenberg” como o chamava Münzer. Baseando-se no Novo Testamento, insistiu sobre a necessidade de matar os governantes desapiedados, especialmente os frades e padres que tratavam o evangelho como uma heresia. Os ímpios não têm direito de viver se não pela misericórdia dos eleitos. Se os príncipes não destroem os ímpios, Deus lhes tirará a espada pois o poder sobre a espada pertence à comunidade. Os príncipes e os senhores são a essência da usura, do roubo e do banditismo; apropriam-se de toda criação; dos peixes na água, das aves no ar e das plantas sobre a terra. E além de tudo isto pregam aos pobres: “não roubarás”, enquanto eles roubam tudo o que podem e exploram o camponês e o artesão; quando cometem a menor falta mandam-nos enforcar e ainda por cima virá o doutor Mentiras(3) para dar sua bênção e dizer: “Amem”.

“Os próprios senhores fazem com que os pobres os odeiem. Não querem eliminar a causa da rebeldia. Como poderia isto, por fim, melhorar? Ai, senhores, como tudo ficará bem quando o Senhor andar entre os velhos jarros brandindo barra de ferro! E, se por isso me chamam rebelde, vá lá, sou rebelde!” (Compare-se com Zimmermann, “Bauernkrieg” II (pág. 75).

Esse sermão, Münzer mandou imprimir. O duque João da Saxônia desterrou o impressor e impôs a censura do governo

ducal de Weimar a todos os escritos de Münzer, que, entretanto nem fez caso dessa ordem. Na cidade livre de Mühlhausen mandou imprimir um panfleto sumamente violento. Pedia que o povo se manifestasse “para que todos vejam e entendam como são nossos caciques, esses sacrílegos que de Deus fizeram um homenzinho pintado”; e terminava com as seguintes palavras: o mundo inteiro terá que sofrer uma grande catástrofe; haverá tamanha reviravolta que os sacrílegos serão precipitados de suas posições e os humildes serão enaltecidos”. Sob o lema “Tomás Münzer com o martelo” escreveu na capa:

Escuta: coloquei minhas palavras em tua boca e hoje te ergui sobre as pessoas e os impérios para que arranques, quebres, disperses e destruas e para que plantes e construas. Uma muralha de ferro levantou-se entre os reis, príncipes, padres e povo. Que lutem e a vitória milagrosa será o ocaso dos tiranos ímpios e brutais”.

Havia já muito tempo que era fato consumado o rompimento com Lutero e seu partido. O próprio Lutero tivera de aceitar muitas reformas de culto que Münzer introduzira sem consultá-lo. Observava a atividade de Münzer com o receio desconfiado que sentem os reformadores moderados ante o embate de um partido revolucionário. Na primavera de 1524 Münzer escrevera a Melanchton, este protótipo de filisteu e burocrata tísico, que ele e Lutero nada entendiam do movimento, que buscavam afogá-lo na beatice e no pedantismo bíblico e que toda sua doutrina estava apodrecida. Dizia-lhes:

Queridos irmãos, deixai a espera e as dúvidas: o tempo urge, o verão está à porta. Não façais amizade com os ímpios pois eles impedem que a palavra aja com toda a sua força. Não aduleis a vossos príncipes se não quereis perecer com eles. Ó! sutis doutores! Não vos enfadeis que de outra maneira não posso agir”.

Várias vezes Lutero desafiou Münzer a discutir em debate público; Münzer porém, embora disposto à luta aberta diante do povo, não tinha o menor desejo de iniciar uma luta teológica ante o público parcial da Universidade de Wittenberg. Não queria “reservar à alta escola o produto espiritual”. Se Lutero era sincero por que não empregava sua influência para fazer cessar as medidas arbitrárias contra o impressor de Münzer e a censura de seus escritos para poder decidir a luta livremente, por meio da imprensa?

Depois de publicado aquele folheto revolucionário de Münzer, Lutero o denunciou publicamente. Em sua carta aberta “aos príncipes da Saxônia contra o espírito rebelde”, declarou Münzer instrumento de Satã e convidou os príncipes a intervir e expulsar os instigadores da rebelião que se não contentavam em propagar suas doutrinas maléficas como ainda pregavam a insurreição e a resistência violenta às autoridades.

A primeiro de agosto Münzer, acusado de fomentar manobras subversivas, teve de justificar-se diante dos príncipes reunidos no palácio de Weimar. Tinham-se verificado fatos sumamente graves; haviam descoberto sua liga secreta, conheciam sua intervenção nas associações dos mineiros e camponeses. Ameaçaram-no com o desterro. De regresso em Altstadt, soube que o duque Jorge da Saxônia pedia sua extradição; tinham sido interceptadas cartas escritas por ele e nas quais clamava os súditos de Jorge à resistência armada contra os inimigos do Evangelho. Se não tivesse abandonado a cidade o Conselho tê-lo-ia entregue.

Entretanto a agitação crescente que reinava entre os camponeses e plebeus facilitara enormemente a propaganda de Münzer. Havia encontrado agentes inestimáveis na pessoa dos anabatistas. Esta seita não tinha um dogma positivo, bem definido; era aglutinada pela oposição contra todas as castas dominantes e o símbolo do segundo batismo. Levavam uma vida severa e ascética; incansáveis, fanáticos e impávidos na agitação, cerraram firmes suas fileiras em torno de Münzer. Excluídos de qualquer residência fixa pelas perseguições, percorriam a Alemanha propagando por toda parte a nova doutrina de Münzer, na qual encontravam a explicação de suas próprias necessidades e desejos. Muitos foram torturados, queimados ou executados, porém a valentia e a perseverança desses lutadores não conheciam limites e dada a crescente excitação do povo, sua atuação teve imenso êxito. Ao fugir da Turíngia, Münzer encontrou o terreno preparado, qualquer que fosse sua rota.

Perto de Nuremberg, para onde se dirigiu imediatamente, acabava de ser afogada no berço uma revolta camponesa. Münzer fez uma agitação subterrânea e logo apareceram homens que defenderam suas teorias mais atrevidas sobre a desimportância da Bíblia e a inutilidade dos sacramentos e declaravam que Cristo não era mais do que um homem e que a autoridade secular era contrária a Deus. “Ali anda Satanás, o espírito de Altstadt!” bradou Lutero. Em Nuremberg, Münzer fez imprimir sua resposta a Lutero. Não vacilou em acusá-lo de adular os príncipes e de apoiar a reação com sua atitude ambígua. “Não obstante, o povo conquistará a liberdade e ao doutor Lutero sucederá o mesmo que a uma raposa capturada”. O Conselho mandou apreender a panfleto e Münzer teve de abandonar a cidade.

Atravessando a Suábia, transportou-se à Alsácia e à Suíça, regressando depois à Floresta Negra, onde a insurreição já havia estalado havia alguns meses, acelerada, em grande parte, pelo trabalho de seus emissários anabatistas. Esta viagem de propaganda efetuada por Münzer contribuiu grandemente para a organização do partido popular, para a clara definição de suas reivindicações e para a insurreição geral de abril de 1525. Então se manifesta claramente a dupla eficácia de Münzer ante o povo, ao qual encorajava com as frases dos profetas religiosos, as únicas que todos compreendiam, e ante os iniciados com quem podia falar abertamente de sua tendência final. Antes, na Turíngia, reunira um grupo de homens decididos que pertenciam ao povo ou às camadas inferiores do clero e os colocara à frente das associações clandestinas mas depois, no sudoeste da Alemanha, ele próprio se transformou no eixo de todo o movimento revolucionário. Estabelece relações entre a Saxônia e Turíngia, a Francônia e a Suábia até a Alsácia e a fronteira suíça; entre seus discípulos e chefes de sua liga encontram-se agitadores como Hubmaier em Waldshut, Conrado Grebe em Zurique, Francisco Rabmann em Griessen, Schappelar em Memmingen, Jacob Wehe em Leipheim, o doutor Mantel em Stuttgart; eram em sua maioria sacerdotes revolucionários.

Münzer permanecia em Griessen, perto da fronteira Suíça, e dali percorria o Hegau e Klettgau, etc. As perseguições sangrentas de que os príncipes e senhores assustados fizeram vítima essa nova heresia plebeia, contribuíram para incendiar o espírito de rebeldia e a fortalecer a unidade.

Depois de cinco meses de agitação na Alemanha do sul, quando a insurreição era iminente, Münzer regressou à Turíngia de onde queria dirigir pessoalmente as operações e onde o encontraremos mais tarde.

Veremos como o caráter e a atuação de ambos os chefes refletirá fielmente a atitude de seus respectivos partidos. Se a indecisão, o medo ante a potência cada vez maior do movimento e o servilismo covarde de Lutero correspondiam exatamente à política vacilante e ambígua da burguesia, a decisão, a energia revolucionária de Münzer eram reflexo da fração mais avançada dos plebeus e camponeses. Porém, enquanto Lutero se contentava em expressar o pensamento e os anelos da maioria de sua classe para conquistar uma popularidade barata, Münzer, por outro lado, em tudo se adiantou às ideias e reivindicações que em sua época alimentavam os camponeses e plebeus. Com a elite dos elementos revolucionários existentes constituiu um partido que, pela altura de suas ideias e sua energia, não constituía senão uma parte ínfima da massa sublevada.


Notas de rodapé:

(1) Século XIV. No Decameron descreve a confusão de costumes que reinava entre padres e monges. (retornar ao texto)

(2) Ao asno, comida, carga e chibata. (retornar ao texto)

(3) Trocadilho intraduzível; “Lügner”, mentiroso em alemão. Evidentemente se refere a Lutero. (retornar ao texto)

(4) De Quiliasmo (do grego kilos, mil): Crença dos milenários, segundo a qual Jesus Cristo e os santos deviam reinar mil anos sobre a terra. (retornar ao texto)

Inclusão: 17/01/2022