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Nenhum outro episódio da história soviética desperta tanto ódio do velho mundo quanto a depuração de 1937-38. A denúncia sem matizes da depuração pode ser lida em termos idênticos tanto num folheto neonazi como numa obra de Zbigniew Brzezinski com pretensões académicas, num panfleto trotskista como num escrito sob a pena do ideólogo principal do exército belga. Concentremo-nos sobre este último, Henri Bernard, antigo quadro dos serviços secretos belgas, professor emérito da Escola Real Militar. Em 1982 publicou um livro intitulado O Comunismo e a Cegueira Ocidental. Neste trabalho, Bernard mobiliza as forças sãs do Ocidente contra uma invasão russa que afirma estar iminente.
Na abordagem da história da URSS, Bernard emite uma opinião sobre a depuração de 1937 que é interessante a vários títulos. Ei-la:
«Stáline empregou métodos que Lénine teria reprovado. No georgiano não encontramos nenhum vestígio de sentimento humano. A partir do assassinato de Kírov (em 1934), a União Soviética viverá um banho de sangue e assistir-se-á ao espectáculo da revolução que devora os seus próprios filhos. Stáline, dizia Deutscher, ofereceu ao povo um regime de terror e de ilusões. Deste modo, as novas medidas liberais coincidem com a vaga de sangue dos anos 1936-1939. Foi o momento das purgas atrozes, do “espasmo do horror”. Começa agora a interminável série de processos. A “velha guarda” dos tempos heróicos será assim aniquilada. O principal acusado de todos estes processos era Trótski, o ausente. O exilado continuava a conduzir exemplarmente a luta contra Stáline, a desmascarar os seus métodos, a denunciar as suas coligações com Hitler.»(1)
Vemos portanto que o historiador do exército belga não só gosta de citar abundantemente Trótski e os trotskistas, mas também se arvora em defensor da «velha guarda bolchevique» e até tem uma palavra benigna para Lénine; mas sob Stáline, o monstro que nada tinha de humano, dominava o terror cego e o horror.
Antes de expormos em que termos os bolcheviques definiram a purga dos anos 193738, vejamos primeiro o que um especialista burguês com algum respeito pelos factos sabe a propósito deste período. Gabor Tamas Rittesporn, nascido em Budapeste, na Hungria, publicou em 1988 um estudo sobre as «grandes purgas», sob o título Simplificações Stalinistas e Complicações Soviéticas.(2) Aí declara abertamente a sua oposição ao comunismo e afirma que não se pode «negar os horrores bem reais da época estudada», que «estaríamos entre os primeiros a expô-los ao grande público se tal fosse ainda necessário».(3)
Todavia, a versão burguesa corrente deste período é tão grosseira e a sua falsidade tão evidente que o autor teme que, a termo, tal venha a pôr em causa toda a interpretação ocidental da revolução soviética. Rittersporn define de forma admirável os problemas que encontrou ao querer apontar as falsificações burguesas mais grosseiras:
«Quando tentamos tornar timidamente pública a análise de materiais quase totalmente ignorados e repor à devida luz, numa perspectiva nova, a história soviética dos anos 30, e o papel que Stáline desempenhou nela, descobrimos que a opinião dominante só aceita que se ponha em causa as ideias adquiridas dentro de limites muito mais estreitos do que teríamos pensado (...). A imagem tradicional do “fenómeno stalinista” é na realidade tão poderosa, e os juízos de valor políticos e ideológicos subjacentes são de um carácter de tal modo emocional, que qualquer tentativa para a corrigir tem quase inevitavelmente de aparecer como uma tomada de posição em relação às normas geralmente aceites que ela implica (...).
«Insistir em mostrar que a representação tradicional da “época stalinista” é, em muitos aspectos, fortemente inexacta, equivale assim a desafiar de forma desesperada não só os esquemas consagrados segundo os quais é conveniente pensar as realidades soviéticas, mas também as práticas linguísticas mais comuns. (...) O que pode justificar uma investigação deste género é, antes de mais, a extrema inconsistência da literatura consagrada a um dos fenómenos considerados maiores pela vulgata histórica, a “Grande Purga” dos anos 1936-1938. Apesar das aparências, haverá poucos períodos da história soviética que tenham sido estudados de forma tão superficial.» (...)
«Tudo leva a crer que, se houve a tendência para negligenciar durante tanto tempo as regras mais elementares da análise das fontes neste domínio importante, isso aconteceu muito provavelmente porque as finalidades desses trabalhos eram, em larga medida, bastante distintas das da investigação histórica habitual. Com efeito, mesmo numa leitura pouco cuidadosa da literatura “clássica”, dificilmente evitamos a impressão de que, sob muitos aspectos, esta é com frequência inspirada mais em estados de espírito, que prevalecem em certos meios ocidentais, do que nas realidades soviéticas dos “tempos stalinistas” - defesa dos valores consagrados do Ocidente contra toda a espécie de ameaças reais e imaginárias de origem soviética, afirmações de experiências históricas inquestionáveis, bem como de apriorismos ideológicos de todos os tipos.»(4)
Em linguagem clara, Rittersporn afirma o seguinte: Posso provar que as ideias correntes sobre Stáline são, em grande parte, absolutamente falsas. Mas pretender afirmá-lo é uma empresa quase desesperada. Se alguém disser, mesmo que timidamente, certas verdades inegáveis sobre a União Soviética dos anos 30, será rotulado de «stalinista». A propaganda burguesa inculcou uma imagem falsa, mas extremamente poderosa de Stáline, a qual é quase impossível de corrigir, de tal modo as emoções se agitam mal alguém aborda o tema. Os livros sobre as depurações escritos pelos grandes especialistas ocidentais, tais como Conquest, Deutscher, Schapiro e Fainsod, não valem nada, são superficiais e redigidos ao arrepio das regras mais elementares que qualquer estudante de história aprende no primeiro ano. Na verdade, estas obras são escritas para conferir uma aparência académica e científica à política anticomunista dos meios dirigentes ocidentais. Sob uma aparência científica, fazem a defesa dos interesses e dos valores capitalistas e dos apriorismos ideológicos da grande burguesia.
Vejamos agora como as depurações foram vistas pelos comunistas que consideraram necessário realizá-las em 1937-1938.
Eis a tese central desenvolvida por Stáline, no seu relatório de 3 de Março de 1937, que marcou o início da depuração. Neste documento afirma-se que alguns dos dirigentes do Partido «revelaram-se descuidados, complacentes e ingénuos», tendo descurado a vigilância em relação aos inimigos e anticomunistas infiltrados no Partido. Stáline refere-se ao assassinato de Kírov, o número dois do partido bolchevique na altura:
«O celerado assassinato do camarada Kírov foi o primeiro aviso sério de que os inimigos do povo fariam um jogo duplo e que, para isso, iriam disfarçar-se de bolcheviques, como membros do Partido, para ganhar a confiança e abrir caminho para si nas nossas organizações. (...)
«O processo do “bloco zinovievista—trotskista” alargou as lições dos processos anteriores, mostrando com clareza que os zinovievista e os trotskistas congregam em seu torno todos os elementos burgueses hostis, que se converteram em agentes de espionagem e de diversão terrorista da polícia política alemã, que a duplicidade e o disfarce constituem o único meio dos zinovievista e dos trotskistas para infiltrarem as nossas organizações, que a vigilância e a perspicácia política constituem o meio mais seguro para a prevenção de tal infiltração (...).»
«Quanto mais avançarmos, quanto mais êxitos tivermos tanto mais se exasperarão os restos das classes exploradoras derrotadas, tanto mais depressa caminharão para formas de luta mais agudas, tanto mais danos causarão ao Estado soviético, tanto mais se aferrarão aos meios de luta mais desesperados como os últimos meios dos condenados.»(5)
Mas quem eram na verdade esses inimigos do povo infiltrados no local mais sagrado dos bolcheviques? Apresentamos quatro casos exemplares.
Durante a Guerra Civil, que fez nove milhões de mortos, a burguesia combateu os bolcheviques com armas na mão. Derrotada, que mais poderia fazer? Suicidar-se? Afogar o seu desespero em vodka? Converter-se ao bolchevismo? Havia algo melhor a imaginar. Desde a vitória definitiva da revolução bolchevique, elementos da burguesia infiltraram- se conscientemente no Partido para o combater do interior e preparar as condições para um golpe de estado burguês.
Um certo Boris Bajánov escreveu um livro muito instrutivo a este propósito intitulado Com Stáline no Krémline. Boris nasceu em 1900. Tinha assim 17-19 anos na altura da revolução na Ucrânia, a sua região natal. No seu livro publica orgulhosamente a fotocópia do documento que o nomeou secretário pessoal de Stáline, com a data de 9 de Agosto de 1923. Nessa decisão do Bureau de Organização refere-se:
«O camarada Bajánov é nomeado secretário pessoal do camarada Stáline, secretário do CC.»
Bajánov faz este comentário jubiloso:
«Como soldado do exército antibolchevique tinha-me imposto a tarefa difícil e perigosa de penetrar no seio do estado-maior inimigo. Havia alcançado meu objectivo.»(6)
O jovem Bajánov, enquanto secretário de Stáline, era também secretário do Bureau Político e devia tomar notas em todas as suas reuniões. Tinha 23 anos. No seu livro, escrito em 1930, explica como começou a sua carreira política quando viu chegar a Kíev o exército bolchevique. Tinha 19 anos.
«Os bolcheviques impuseram-se semeando o horror. Gritar-lhes o meu desprezo na cara não me valeria mais do que dez balas na pele. Tomei outro caminho. Para salvar a elite da minha cidade, enverguei a máscara da ideologia comunista.»(7) (...)
«Em 1920, a luta aberta contra a praga bolchevique estava terminada. O combate no exterior não era possível. Era necessário minar no interior. Na fortaleza comunista era preciso introduzir um cavalo de Tróia. Todos os fios da ditadura se juntavam cada vez mais no nó único do Politburo. A partir de agora, o golpe de Estado só poderia iniciar-se ali.»(8)
No decurso dos anos 1923-1924, Bajánov assistiu a todas as reuniões do Bureau Político e conseguiu manter-se em diferentes postos até à sua fuga em 1928. Muitos outros intelectuais burgueses tiveram o mesmo génio deste jovem ucraniano de 19 anos.
Os operários e os camponeses que tinham feito a revolução vertendo o seu sangue tinham pouca cultura e educação. Puderam vencer a burguesia com a sua coragem, o seu heroísmo, o seu ódio à opressão, mas para organizar a nova sociedade era preciso cultura e educação. Intelectuais da velha sociedade, jovens e velhos, pessoas suficientemente hábeis e flexíveis, reconheceram a oportunidade e decidiram mudar de armas e de táctica de combate. Enfrentariam aqueles brutos e incultos entrando para o seu serviço. Neste sentido, o caminho tomado por Boris Bajánov foi exemplar.
Tomemos outro livro-testemunho. A carreira do seu autor, Gueórgui Solomone, é ainda mais interessante. Solomone foi um quadro do partido bolchevique. Nomeado, em Julho de 1919, adjunto do comissário do Povo para o Comércio e a Indústria, era amigo íntimo de Krássine, velho bolchevique que acumulava na altura as funções de comissário das Vias de Comunicação e do Comércio e da Indústria. Em resumo, eram dois dos tais membros da «velha guarda dos tempos heróicos» tão caros a Henri Bernard da Academia Militar.
Em Dezembro de 1917, quando Solomone regressa de Estocolmo a Petersburgo, corre a inteirar-se da situação politica junto do seu amigo Krássine. Este, segundo Solomone, ter-lhe-á dito:
«Um resumo da situação? Trata-se de uma aposta imediata no socialismo, de uma utopia levada até à tolice mais extrema. Estão todos loucos, inclusive Lénine! Foram esquecidas as leis da evolução natural, foram esquecidas as nossas advertências quanto ao perigo de tentar a experiência socialista nas condições actuais. Quanto a Lénine, é um delírio contínuo. Na realidade, vivemos sob um regime nitidamente autocrático.»(9)
Esta análise em nada difere da dos mencheviques: a Rússia não está madura para o socialismo, e aquele que quiser introduzi-lo terá de recorrer a métodos autocráticos.
No começo de 1918, Solomone e Krássine encontraram-se em Estocolmo. Os alemães tinham passado à ofensiva e ocupavam a Ucrânia. As insurreições antibolcheviques multiplicavam-se. Não se sabia quem governaria a Rússia, os bolcheviques ou os mencheviques com os seus amigos industriais? Solomone resume as suas conversas com Krássine:
«Compreendíamos que este novo regime tinha introduzido uma série de medidas absurdas, destruindo as forças técnicas, desmoralizando os técnicos especializados e substituindo-os por comités operários. Dávamo-nos conta de que a tendência para aniquilar a burguesia não era menos absurda. Esta burguesia estava ainda destinada a proporcionar-nos muitos elementos positivos. Esta classe era chamada a cumprir a sua missão histórica e civilizadora.»(10)
Solomone parece claramente inclinado a juntar-se aos «verdadeiros» marxistas, os mencheviques, com os quais partilha a preocupação de salvar a burguesia, portadora de progresso. Como poderiam passar sem ela? Não era possível desenvolver o país com «fábricas dirigidas por comités de operários ignorantes».(11)
Mas a situação do poder bolchevique estabiliza-se e, observa Solomone,
«uma mudança sobreveio gradualmente na nossa apreciação da situação».
(...) «Perguntávamo-nos se tínhamos o direito de nos mantermos à margem. Não deveríamos no próprio interesse do povo que queremos servir colocar as nossas forças, a nossa experiência à disposição dos sovietes, a fim de conferir a esta empresa elementos de sanidade? Não teríamos aqui a possibilidade de lutar contra essa política de destruição geral que marcava a acção dos bolcheviques? Poderíamos igualmente opor-nos à destruição total da burguesia. Pensámos que o restabelecimento das relações normais com o Ocidente levaria necessariamente os nossos dirigentes a caminharem ao lado das outras nações e que a tendência para um comunismo imediato começaria a atenuar-se e acabaria por se apagar completamente. Em função destes raciocínios, Krássine e eu tomámos a decisão de entrar para o serviço dos sovietes.»(12)
Assim, de acordo com as afirmações de Solomone, ele e Krássine delinearam um programa secreto que levaram a cabo ascendendo aos cargos de ministro e vice-ministro sob Lénine: opuseram-se a todas as medidas da ditadura do proletariado, protegeram tanto quanto era possível a burguesia e tinham a intenção de estabelecer relações de confiança com o mundo imperialista, tudo para «apagar progressiva e completamente» a orientação comunista do Partido! Belo bolchevique, o camarada Solomone.
Em 1 de Agosto de 1923, durante uma estadia na Bélgica, Solomone salta o «muro» e passa-se para o outro lado. O seu testemunho apareceu publicado em 1930, sob os auspícios da organização belgo-francesa «Centro Internacional da Luta Activa Contra o Comunismo». O velho bolchevique Solomone tinha agora ideias muito mais marcadas.
«O governo de Moscovo, constituído por um pequeno grupo de homens, impõe, com a ajuda da GPU, a escravidão e o terror no nosso grande país. (...) Os sátrapas soviéticos vêem-se cercados pela cólera, a grande cólera popular. Apoderados por um terror louco, tornam-se cada vez mais ferozes, vertem torrentes de sangue humano.»(13)
Estes eram os termos utilizados pelos mencheviques alguns anos antes. Em breve, Trótski retoma-los-á e, 50 anos mais tarde, o ideólogo do exército belga não fará melhor. É importante notar que os termos «terror louco», «escravidão» e «torrentes de sangue» são utilizados pelo «velho bolchevique» Solomone para descrever a situação na União Soviética sob Lénine e durante o período «liberal» de 1924-1929 que precedeu a colectivização. Todas as calúnias da burguesia sobre o «regime terrorista e sanguinário» de Stáline foram primeiro lançadas, palavra por palavra, contra a União Soviética de Lénine.
Solomone representa o caso interessante de um «velho bolchevique», opositor figadal de qualquer iniciativa de Lénine, que escolheu entravar e «desviar» a revolução a partir do interior. Já em 1918, alguns bolcheviques tinham acusado Solomone diante de Lénine de ser um burguês, um especulador e um espião alemão. Solomone negou tudo com indignação. Mas é interessante notar que mal deixou a URSS logo se declarou como um anticomunista feroz.
O livro de Bajánov acima mencionado contém ainda outra passagem muito interessante, onde se fala dos contactos que o autor teve com oficiais superiores do Exército Vermelho. «Frúnze», escreve ele,
«era talvez o único homem entre os dirigentes que desejou a liquidação do regime e o regresso da Rússia a uma existência mais humana».
«No começo da revolução Frúnze era bolchevique. Mas quando ingressa no exército cai sob a influência dos antigos oficiais e generais, absorve as suas tradições e torna-se um soldado até à medula. Quanto mais se apaixonava pelo exército mais odiava o comunismo. Mas sabia calar-se e dissimular os seus pensamentos. Acreditava que no futuro seria chamado a desempenhar o papel de Napoleão.
«Frúnze tinha um plano de acção bem definido. Procurava em primeiro lugar arruinar o poder do Partido no Exército Vermelho. Para começar, obteve a supressão dos comissários que, na sua qualidade de representantes do Partido, estavam colocados acima do comando. Depois, prosseguindo audaciosamente o seu projecto de golpe bonapartista, Frúnze escolheu cuidadosamente militares profissionais, nos quais contava mais tarde apoiar-se, para os postos de comando das divisões, corpos do exército e regiões. Mas para que o exército pudesse realizar um golpe de Estado era necessário uma situação excepcional, uma situação, por exemplo, que pudesse conduzir à guerra. Tinha uma habilidade extrema em dar uma aparência comunista a todos os seus actos. Contudo, Stáline desvendou os seus desígnios.»(14)
É-nos difícil dizer se Bajánov tem razão no que diz sobre Frúnze. Mas pelo menos o seu texto mostra que já em 1926 alguns especulavam sobre tendências militaristas e bonapartistas no seio do exército para pôr fim ao regime soviético. Tokáev escreverá mais tarde que, em 1935, «o aeroporto militar central de Frúnze era um dos centros dos seus inimigos irreconciliáveis (de Stáline).»(15) Quando Tukhatchévski foi preso e fuzilado em 1937, foram-lhe atribuídas exactamente as mesmas intenções que o testemunho de Bajánov, redigido em 1930, imputa a Frúnze.
Em 1939, Aleksandr Zinóviev, estudante brilhante, tinha 17 anos:
«Eu podia constatar a diferença entre a realidade e os ideais do comunismo, e considerava Stáline o responsável por esta fractura.»(16)
Esta frase exprime perfeitamente o idealismo pequeno-burguês que aceitava de bom grado os ideais comunistas, mas que se abstraía da realidade económica e social, bem como do contexto internacional no qual a classe operária teve de encetar a sua realização. Alguns destes pequeno-burgueses rejeitam os ideais comunistas assim que se deparam com a aspereza da luta das classes e as dificuldades da construção do socialismo.
«Fui um anti-stalinista convicto desde a idade dos 17 anos», afirmou Zinóviev.(17) «Considerava-me um neo-anarquista.»(18)
Leu com paixão as obras de Bakúnine e de Kropótkine, depois as de Jeliábov e dos populistas.(19)
Na realidade, a Revolução de Outubro tinha sido feita
«para que os funcionários do aparelho pudessem ter carro oficial para uso particular, viver em apartamentos e datchas sumptuosas»; tinha-se orientado para «a instauração de um Estado centralizado e burocrático».(20) «A ideia da ditadura do proletariado era uma inépcia».(21)
Zinóviev continua:
«A ideia de um atentado contra Stáline invadiu os meus pensamentos e sentimentos. Já antes me tinha debruçado sobre o terrorismo. (...) Estudámos as possibilidades de um atentado: durante o desfile na Praça Vermelha provocaríamos uma confusão artificial que me permitiria, armado com uma pistola e granadas, precipitar-me sobre os dirigentes.»
Pouco mais tarde, com seu amigo Aleksei, planeou um novo atentado «programado para o 7 de Novembro de 1939».(22)
Zinóviev tinha ingressado na Faculdade de Filosofia de um estabelecimento de elite.
«Logo à chegada compreendi que mais cedo ou mais tarde teria de aderir ao PC. Não tinha nenhuma intenção de exprimir abertamente as minhas convicções: não obteria nada com isso para além de aborrecimentos. Eu já tinha escolhido a minha vida. Queria ser um revolucionário em luta contra a nova sociedade. Decidi então dissimular e esconder por uns tempos a minha verdadeira natureza.»(23)
Esses quatro casos dão-nos uma ideia da grande dificuldade com que se defrontou o poder soviético na luta contra inimigos encarniçados, mas escondidos e agindo em segredo, inimigos que se esforçaram por todos os meios para minar e destruir o Partido e o poder soviético a partir do interior.
No decurso dos anos 20 e 30, Stáline e os outros dirigentes bolcheviques conduziram numerosas lutas contra as tendências oportunistas no seio do Partido. Importância crucial teve a refutação das ideias antileninistas de Trótski, depois de Zinóviev e Kámenev e, em seguida, de Bukhárine. Estas lutas ideológicas e políticas foram travadas de forma correcta, segundo os princípios leninistas, de maneira firme e paciente.
No período de 1922-1927, o partido bolchevique conduziu uma luta ideológica e política decisiva contra Trótski sobre a questão da possibilidade da construção do socialismo num só país, a União Soviética. Como atrás vimos, as teses derrotistas e capitulacionistas de Trótski coincidiam de facto com as defendidas desde 1918 pelos mencheviques, que igualmente tinham concluído a impossibilidade de instaurar o socialismo num país agrícola atrasado. Numerosos textos de dirigentes bolcheviques, essencialmente de Stáline e de Bukhárine, atestam que esta luta foi correctamente travada.
Em 1926-1927, Zinóviev e Kámenev unem-se a Trótski na sua luta contra o Partido. Juntos formam a Oposição Unificada, que denuncia o avanço da classe dos kulaques, critica o «burocratismo» invasor do Partido e organiza facções clandestinas no seu seio. Quando um certo Ossóvski defendeu o direito de criar «partidos de oposição», Trótski e Kámenev votam no Bureau Político contra a sua exclusão do Partido. Zinóviev adopta a teoria de Trótski sobre a «impossibilidade de construir o socialismo num só país», teoria que havia combatido veementemente dois anos antes, e fala do perigo da «degenerescência do Partido».(24)
Em 1927, Trótski evoca o «thermidor soviético», por analogia com a contra-revolução em França, quando os jacobinos de direita esmagaram os jacobinos de esquerda. Depois lembra o início da I Guerra Mundial, quando Clemenceau, vendo o exército alemão a 80 quilómetros de Paris, derrubou o governo enfraquecido de Painlevé para organizar uma defesa firme e sem concessões. Deixa assim entender que, em caso de ataque imperialista, ele, Trótski, poderia fazer um golpe de Estado do tipo Clemenceau.(25)
Devido à sua conduta e às suas teses, a oposição foi completamente desacreditada. Quando se passou à votação, recolheu apenas seis mil sufrágios, num total de 725 mil.(26) Em 27 de Dezembro de 1927, o Comité Central acusou a oposição de estar ao lado das forças anti-soviéticas, advertindo que seriam excluídos do Partido aqueles que persistissem em tais posições. Em consequência, todos os dirigentes trotskistas e zinovievista viriam a ser irradiados do Partido.(27)
Mas logo em Junho de 1928, vários zinovievista publicaram autocríticas e foram reintegrados. Os seus chefes Zinóviev, Kámenev e Evdokímov seguiram-nos pouco depois.(28) Posteriormente, um grande número de trotskistas manifestou o seu arrependimento: Preobrajénski, Rádek, Piatakov.(29)
Trótski manteve-se numa oposição irredutível e foi expulso da União Soviética.
A terceira grande luta ideológica foi motivada pelo desvio de direita de Bukhárine a propósito da colectivização. Bukhárine preconizava uma política de tipo social- democrata, baseada na ideia da conciliação das classes. Na prática protegia a expansão dos kulaques no campo e torna-se intérprete dos seus interesses, exigindo um abrandamento da industrialização do país. Bukhárine vacilou ante a dureza da luta de classes no campo, a qual descreve denunciando os seus «horrores».
Nesse período, antigos «opositores de esquerda» fizeram alianças sem princípio com Bukhárine com o objectivo de derrubar Stáline e a direcção marxista-leninista. Em 11 de Julho de 1928, no momento dos acesos debates que precederam a colectivização, Bukhárine manteve um encontro clandestino com Kámenev. Declarou-lhe ser a favor de um «bloco com Kámenev e Zinóviev para substituir Stáline».(30) Em Setembro de 1928, Kámenev contactou alguns trotskistas para lhes pedir que regressassem ao Partido e esperassem «que a crise amadurecesse.»(31)
Todavia, após a realização no essencial da colectivização, em 1932-1933, as teorias derrotistas de Bukhárine estavam completamente desacreditadas. Entretanto, Zinóviev e Kámenev haviam retomado o seu combate contra a linha do Partido, nomeadamente apoiando o programa contra-revolucionário elaborado por Riútine em 1931-1932, de que trataremos mais à frente. Pela segunda vez, foram excluídos do Partido e exilados na Sibéria.
Em 1933, a direcção considerou que as batalhas mais duras pela industrialização e a colectivização estavam terminadas. Em Maio de 1933, Stáline e Mólotov assinam a libertação de metade dos reclusos em campos de trabalho que tinham sido condenados durante a colectivização.
Em Novembro de 1934, o sistema de gestão dos kolkhozes tomou a sua forma definitiva, reconhecendo aos kolkhozianos o direito de cultivar por sua conta uma parcela de terra e de criar gado.(32) Uma distensão social e económica fez-se sentir no país.
A orientação geral do Partido tinha provado a sua justeza. Kámenev, Zinóviev, Bukhárine e um grande número de trotskistas haviam reconhecido os seus erros. A direcção do Partido era da opinião de que as retumbantes vitórias da construção do socialismo poderiam levar todos os opositores a reconhecerem as suas teses erróneas e a assimilarem as concepções leninistas. Esperava que estes aplicassem os princípios desenvolvidos por Lénine sobre a crítica e autocrítica, método materialista e dialéctico que permite a cada comunista completar a sua educação política, fazer o balanço das suas próprias concepções e reforçar a unidade política do Partido. Por essa razão, quase todos os dirigentes das três correntes oportunistas, os trotskistas Piatakov, Rádek, Smírnov46 e Preobrajénski, depois Zinóviev e Kámenev e por fim Bukhárine - este último, por sinal, manteve-se sempre em postos de direcção -, foram convidados para o XVII Congresso, em 1934, onde tiveram oportunidade de pronunciar os seus discursos. Este foi o congresso da vitória da unidade.
No seu Relatório ao XVII Congresso, apresentado a 26 de Janeiro de 1934, Stáline expôs as realizações impressionantes no domínio da industrialização, da colectivização e do desenvolvimento cultural. Após ter assinalado a vitória política sobre o grupo trotskista e sobre os nacionalistas burgueses, afirmou:
«O grupo antileninista dos desviacionistas de direita foi derrotado e disperso. Os seus organizadores há muito que renunciaram aos seus pontos de vista e agora esforçam-se de todas as maneiras para expiarem os seus pecados perante o Partido»(33).
Durante os trabalhos do congresso, todos os antigos opositores sentiram-se obrigados a reconhecer os sucessos consideráveis obtidos depois de 1930. No seu discurso final, Stáline afirmou:
«Constatou-se, desta forma, uma excepcional coesão tanto político- ideológica como organizativa nas fileiras do nosso Partido.»(34).
Stáline estava convencido de que os antigos desviacionistas trabalhariam a partir de agora lealmente para a edificação socialista. Poderíamos dizer que Stáline foi pouco vigilante com aqueles que por três ou quatro vezes se tinham desviado para um dos mais perigosos oportunismos. Mas Stáline pensava justamente que as grandes batalhas de classe estavam travadas e que as vitórias obtidas podiam trazer para a linha leninista aqueles que se haviam enganado no passado. Acreditava que as pessoas podiam tirar lições dos seus erros. Não obstante, Stáline assinala dois perigos:
«Derrotámos os inimigos do Partido, os oportunistas de todos os matizes e nacional-desviacionistas de todo tipo. Mas ainda subsistem vestígios da sua ideologia na cabeça de alguns membros do Partido e manifestam-se com frequência.»(35)
E salientou a persistência de «resquícios do capitalismo na economia» e, de forma ainda mais acentuada, de
«resquícios do capitalismo na consciência das pessoas». «Não se pode dizer que a luta terminou e que já não é necessária a política de ofensiva do socialismo.»(36).
De seguida, sublinhou um outro perigo que surgira nas fileiras dos próprios bolcheviques. Desde há algum tempo, o Partido afirmava que se estava a caminhar para a sociedade sem classes. Ora, observa Stáline, alguns
«fazem o seguinte cálculo: se estamos a caminhar para a sociedade sem classes, isso significa que se pode atenuar a luta de classes, abrandar a ditadura do proletariado e, em geral, acabar com o Estado, que, de qualquer forma, deverá desaparecer nos próximos tempos. E ficam extasiados na expectativa de que em breve não haverá classes, o que significa que não haverá luta de classes, o que significa que podemos depor as armas, deitarmo-nos e adormecer à espera do advento da sociedade sem classes.»(37)
Tal concepção representava, segundo Stáline, uma nova versão do desvio social-democrata que poderia desmobilizar e desarmar o Partido. Eram palavras clarividentes.
O estudo detalhado da luta ideológica e política travada no seio da direcção bolchevique de 1922 a 1934 permite refutar muitas contraverdades e preconceitos amplamente divulgados. É completamente falsa a ideia de que Stáline proibia que os demais dirigentes se expressassem livremente e que reinava a «tirania» no seio do Partido. Os debates e as lutas foram travados de forma aberta e durante um longo período. Concepções fundamentalmente diferentes confrontaram-se com violência, dependendo delas o futuro do socialismo. Na teoria como na prática, a direcção conduzida por Stáline provou que seguia uma linha leninista e que as diferentes facções oportunistas expressavam os interesses da burguesia antiga e nova. Stáline não só foi prudente e paciente na luta, como permitiu que os opositores, após terem compreendido seus erros, regressassem à direcção. Stáline acreditou realmente na honestidade das autocríticas apresentadas pelos antigos opositores.
A 1 de Dezembro de 1934, Kírov, o número dois do Partido, foi assassinado no seu gabinete, na sede da organização de Leningrado. O assassino entrou no edifício exibindo o cartão de militante. Chamava-se Nikoláiev. Tinha sido expulso, mas conservara o seu cartão.
Nas prisões e nos campos, os contra-revolucionários entregavam-se ao seu jogo de intoxicação habitual: «Foi Stáline quem assassinou Kírov!» Em 1953, esta «leitura» da morte de Kírov será difundida no Ocidente pelo dissidente Orlov. No momento dos factos, Orlov estava em Espanha. No livro que publicou após ter fugido para o Ocidente, em 1938, relata sobretudo histórias de bastidores que ouviu em breves passagens por Moscovo. Mas foi preciso esperar 15 anos para que, com a ajuda da guerra-fria, o dissidente Orlov ganhasse presença de espírito para nos fazer esta revelação sensacional.
Tokáev, membro de uma organização anticomunista clandestina, escreveu que Kírov foi morto por um grupo oposicionista e que ele próprio, Tokáev, acompanhou de perto os preparativos do atentado.(38) Liúchkov, um homem do NKVD que fugiu para o Japão, confirmou que Stáline nada teve a ver com este assassinato.(39)
A morte de Kírov ocorreu num momento em que a direcção do Partido acreditava que o mais difícil já tinha passado e que a unidade do Partido estava consolidada. A primeira reacção de Stáline foi desordenada e reflectiu um certo pânico. A direcção pensou que o assassinato do número dois marcava o início de um golpe de estado. Foi imediatamente adoptado um decreto determinando um procedimento expedito para a detenção e execução de terroristas. Esta medida draconiana foi ditada pelo sentimento de que o regime socialista corria um perigo mortal.
Num primeiro momento, o Partido procurou suspeitos entre os seus inimigos tradicionais, os «brancos». Alguns foram executados. Depois, a polícia descobriu o diário de Nikoláiev. Nele não havia qualquer referência a uma organização oposicionista que tivesse preparado o atentado. A investigação chega finalmente à conclusão de que o grupo de Zinóviev tinha «influenciado» Nikoláiev e os seus amigos, mas não encontra indícios de uma implicação directa de Zinóviev. Este último é simplesmente enviado para o exílio interior.
A reacção do Partido revela uma grande confusão. Mas todos os factos indicados demonstram a inconsistência da tese segundo a qual Stáline teria «preparado» o atentado para se lançar no seu «plano diabólico» de extermínio da oposição.
O atentado desencadeou uma depuração dos partidários de Zinóviev. Não houve violência massiva. Os meses que se seguiram foram ocupados pela grande campanha de preparação da nova Constituição, centrada no tema da democracia socialista.(40)
Não foi senão 16 meses mais tarde, em Junho de 1936, que a procuradoria reabriu o dossier Kírov com base em novas informações. Elas diziam respeito a uma organização secreta, criada em Outubro de 1932, da qual Zinóviev e Kámenev faziam parte.
A polícia possuía provas de que Trótski, no início de 1932, tinha enviado clandestinamente cartas a Rádek, Sokólnikov, Preobrajénski e outros, incitando-os a empreender acções mais enérgicas contra Stáline. Getty encontrou indicações desses apelos nos arquivos de Trótski.(41)
Em Outubro de 1932, Goltsman, um antigo trotskista, encontrou-se secretamente em Berlim com Sedov, o filho de Trótski, para analisar a proposta de Smírnov de criar um Bloco da Oposição Unificada, incluindo trotskistas, zinovievistas e os partidários de Lominádze. Trótski insistia na necessidade do «anonimato e da clandestinidade». Pouco depois, Sedov escreve ao pai comunicando-lhe que o bloco fora oficialmente constituído e que continuavam a fazer esforços para incluir o grupo de Sáfarov—Tarkhanov(42). O Boletim de Trótski chegou a publicar relatórios de Goltsman e Smírnov, assinados com pseudónimos!
Assim, a direcção do Partido tinha perante si provas irrefutáveis de uma conspiração que visava derrubar a direcção bolchevique e levar ao poder uma corja de oportunistas que eram instrumentos das antigas classes exploradoras. A existência da conspiração era um sinal de alarme de último grau.
Com efeito, em 1936, era evidente para qualquer pessoa, analisando lucidamente a luta de classes ao nível internacional, que Trótski tinha degenerado a ponto de se tornar um joguete das forças anticomunistas de todo género. Personagem imbuída de si mesmo, atribuía-se um papel planetário e histórico cada vez mais grandioso à medida que a clique que o rodeava se tornava mais insignificante. Todos os seus esforços visavam um único objectivo: a destruição do partido bolchevique que permitiria a tomada do poder por ele e os seus. De facto, conhecendo perfeitamente o partido bolchevique e sua história, Trótski tornou-se um dos maiores especialistas mundiais no combate antibolchevique.
Para assentarmos ideias, recordamos algumas posições públicas tomadas por Trótski antes da reabertura do caso Kírov, em Junho de 1936. Elas lançam uma nova luz sobre Zinóviev, Kámenev, Smírnov e todos aqueles que entraram na conspiração com Trótski.
Em 1934, Trótski declarou que Stáline e os partidos comunistas eram responsáveis pela chegada ao poder de Hitler; para derrubar Hitler era necessário primeiro destruir «impiedosamente» os partidos comunistas!
«A vitória de Hitler foi provocada pela política desprezível e criminosa do Komintern. “Sem Stáline, não teria havido a vitória de Hitler”».(43)
«O Komintern stalinista, como a diplomacia stalinista, cada um por seu lado, ajudaram Hitler a pôr-se na sela.»(44) «A burocracia do Komintern, em concerto com a social-democracia, fez todo o possível para transformar a Europa e mesmo o mundo inteiro num campo de concentração fascista.»(45) «O Komintern criou uma das condições mais importantes da vitória do fascismo. Para derrubar Hitler é preciso pôr fim ao Komintern”.(46) «Trabalhadores, aprendam a desprezar esta canalha burocrática!»(47) (Os trabalhadores) «devem extirpar impiedosamente do movimento operário a teoria e a prática do aventureirismo burocrático.»(48)
Assim, no início de 1934, quando Hitler estava no poder havia apenas um ano, Trótski considerava que para derrubar o fascismo era preciso primeiro destruir o movimento comunista internacional! Magnífico exemplo dessa «unidade antifascista» de que falavam demagogicamente os trotskistas. Lembremos também que, na mesma altura, Trótski afirmava que o Partido Comunista Alemão se tinha recusado a «realizar a frente unida com o Partido Socialista» e que, em consequência do seu «sectarismo excessivo», era responsável pela chegada ao poder de Hitler.
Na realidade, foi o Partido Social-Democrata Alemão que, devido à sua política de defesa encarniçada do regime capitalista alemão, recusou qualquer unidade antifascista e anticapitalista. Assim, Trótski propunha-se «extirpar impiedosamente» a única força que realmente deu combate ao nazismo!
Ainda em 1934, para incitar as camadas populares mais atrasadas contra o partido bolchevique, Trótski lançou a sua famosa tese de que a União Soviética se assemelhava, em numerosos aspectos, a um Estado fascista.
«Nestes últimos anos, a burocracia soviética apropriou-se de numerosos traços do fascismo vitorioso, mais particularmente a libertação do controlo do Partido e a instituição do culto ao chefe.»(49)
No início de 1935, a posição de Trótski era a seguinte: a restauração de capitalismo na URSS é virtualmente impossível; a base económica e política do regime soviético é sã, mas o topo, ou seja, a direcção do partido bolchevique, é a parte mais corrompida, a mais antidemocrática e a mais reaccionária da sociedade. Trótski dava assim a sua protecção a todas as forças anticomunistas que lutavam contra «esta parte mais corrompida», que seria a direcção do Partido. Ao mesmo tempo, Trótski defendia sistematicamente todos os oportunistas, carreiristas e derrotistas que surgiam no seio do Partido bolchevique e cujas acções minavam a ditadura do proletariado.
Eis o que Trótski escreveu no final de 1934, justamente após o assassinato de Kírov, quando Zinóviev e Kámenev foram excluídos do Partido e enviados para o exílio.
«Como é possível que, precisamente hoje, após todos os êxitos económicos, após a abolição das classes na URSS, segundo declarações oficiais, como é possível que velhos bolcheviques tenham colocado como tarefa a restauração do capitalismo? Só verdadeiros tolos seriam capazes de acreditar que as relações capitalistas, isto é, a propriedade privada dos meios de produção, inclusive a terra, poderão ser restabelecidas na URSS pela via pacífica e conduzir ao regime da democracia burguesa. Na realidade, mesmo que tal fosse possível em geral, o capitalismo não poderá regenerar-se na Rússia senão em resultado de um violento golpe de estado contra-revolucionário que exigiria dez vezes mais vítimas do que a Revolução de Outubro e a Guerra Civil.»(50)
Após a leitura deste texto, uma primeira reflexão se impõe. De 1922 a 1927, Trótski conduziu uma luta obstinada, centrada na sua tese da impossibilidade da construção do socialismo num só país, a URSS. Ora, este indivíduo sem escrúpulos acaba por declarar, em 1934, que o socialismo estava tão solidamente estabelecido na União Soviética que seria necessário dezenas de milhões de mortos para o derrubar!
Em seguida, Trótski finge defender os «velhos bolcheviques». Mas as posições dos «velhos bolcheviques» Zinóviev e Kámenev eram diametralmente opostas às de outros «velhos bolcheviques» como Stáline, Kírov, Mólotov, Káganovitch e Jdánov. Estes últimos tinham claramente mostrado, na dura luta de classes que se desenvolvia na União Soviética, que as posições oportunistas de Zinóviev e de Kámenev franqueavam o caminho às antigas classes exploradoras e aos novos burocratas. Trótski avança um argumento demagógico, mil vezes utilizado pela burguesia: como é que um velho revolucionário poderia mudar de lado? Khruchov retomá-lo-á textualmente no seu «relatório secreto».(51)
Kautsky, que se proclamava descendente espiritual de Marx e de Engels, tornou-se após a morte dos fundadores do socialismo científico no principal renegado do marxismo. Mártov esteve entre os pioneiros do marxismo na Rússia e participou das primeiras organizações revolucionárias; no entanto, tornou-se um dos chefes das fileiras mencheviques e combateu a revolução socialista desde Outubro de 1917. E que dizer dos «velhos bolcheviques» Khruchov e Mikoiáne, que efectivamente arrastaram a União Soviética para a via da restauração capitalista?
Trótski afirma que a contra-revolução só era possível através de um banho de sangue que custaria mais de 80 milhões de mortos (!). Alega, portanto, que o capitalismo não pode ser restaurado «do interior» através da corrupção política interna do Partido, da infiltração inimiga, da burocratização, da social-democratização do Partido. No entanto, Lénine havia já sublinhado essa possibilidade.
Politicamente, Kámenev e Zinóviev foram precursores de Khruchov. Ora, para ridicularizar a vigilância em relação a oportunistas do género Zinóviev—Kámenev, Trótski utiliza um argumento que seria retomado por Khruchov no seu «relatório secreto»:
«A liquidação das classes dominantes do passado, em conjunto com os êxitos económicos da nova sociedade deveriam obrigatoriamente conduzir à atenuação e ao desaparecimento progressivo da ditadura.»(52)
Desta forma, no momento em que uma organização clandestina conseguira abater o número dois do regime socialista, Trótski considera que a ditadura do proletariado na URSS deve logicamente começar a extinguir-se. Mantendo a lança apontada contra os bolcheviques que defendiam o regime soviético, Trótski prega a clemência para os conspiradores. Ao mesmo tempo, apresenta os terroristas sob um ângulo favorável. Declara que o assassinato de Kírov é «um facto novo de uma grande significação sintomática».
E explica seu pensamento:
«Um acto terrorista cometido por ordem de uma organização determinada é inconcebível se não existir uma atmosfera política favorável. A hostilidade em relação às cúpulas do poder teria de alastrar amplamente e assumir formas agudas para que no seio da juventude do Partido pudesse cristalizar-se um grupo terrorista. (...) Se nas massas populares alastra um descontentamento que isola toda a burocracia; se a própria juventude se sente excluída, oprimida, privada da possibilidade de um desenvolvimento independente, a atmosfera para os grupos terroristas está criada.»(53)
Embora mantendo publicamente suas distâncias em relação ao terrorismo individual, Trótski não hesita em dizer o que pensa de positivo sobre o atentado contra Kírov! Na sua óptica, a conspiração e o assassinato são a prova de que havia uma atmosfera geral de hostilidade que «isola toda a burocracia». O assassinato de Kírov provaria que a juventude se sente «oprimida e privada da possibilidade de um desenvolvimento independente» — esta última afirmação é um encorajamento directo à juventude reaccionária que, efectivamente, se sentia «oprimida» e desprovida da «possibilidade de desenvolvimento independente».
Trótski acaba por defender o terror individual e a insurreição armada para destruir o poder «stalinista». A partir de 1935 passa a agir como um contra-revolucionário sem máscara. Eis um texto que escreveu em 1935, ano e meio antes da «grande depuração» de 1937.
«Stáline é a encarnação viva de um Thermidor burocrático. Nas suas mãos, o terror foi e continua a ser, antes de mais, um instrumento destinado a esmagar o Partido, os sindicatos e os sovietes e a estabelecer uma ditadura pessoal, à qual só falta... a coroa imperial. (... ) As atrocidades insensatas geradas pelos métodos burocráticos da colectivização, bem como as cobardes represálias e as violências exercidas contra os melhores elementos da vanguarda proletária, provocaram, de forma inevitável, a exasperação, o ódio e o espírito de vingança. Esta atmosfera é geradora de disposições para o terror individual nos jovens. (...) Só os êxitos do proletariado mundial podem reanimar a confiança do proletariado soviético em si próprio. A condição essencial da vitória da revolução é a unificação da vanguarda proletária internacional em torno da bandeira da IVInternacional. A luta por esta bandeira deve ser conduzida também na URSS, com prudência, mas de forma intransigente. O proletariado que realizou três revoluções levantará a cabeça uma vez mais. A absurdidade burocrática irá tentar resistir? O proletariado encontrará uma vassoura suficientemente grande. E nós ajudá-lo-emos.»(54)
Desta forma, Trótski encoraja discretamente «o terror individual» e defende abertamente uma «quarta revolução». Neste texto afirma que Stáline «esmaga» o partido bolchevique, os sindicatos e os sovietes. Uma contra-revolução tão «atroz», declara Trótski, tem necessariamente de provocar nos jovens o ódio, o espírito de vingança e o terrorismo. Isto era um apelo mal disfarçado ao assassinato de Stáline e de outros dirigentes bolcheviques. Nesse sentido sublinha que a actividade de seus acólitos na União Soviética deve ser conduzida segundo as regras estritas da conspiração. É evidente que não ousa apelar directamente ao terror individual, mas insinua claramente que tal terror individual é provocado «de forma inevitável» pelos crimes stalinistas. Em linguagem conspirativa não se pode ser mais claro.
E para o caso de restar alguma dúvida de que os seus partidários devem envolver-se na luta armada contra os bolcheviques, Trótski lembra que, na Rússia, houve uma revolução armada em 1905, outra em Fevereiro de 1917 e uma terceira em Outubro de 1917. Agora pretendia uma quarta revolução contra os «stalinistas». Se eles ousarem resistir, serão tratados como o foram os tsaristas e os burgueses em 1917. Ao defender uma revolução armada na URSS, Trótski torna-se o porta-voz de todas as classes reaccionárias derrotadas: dos kulaques, aos quais os «burocratas» tinham infligido «atrocidades insensatas» durante a colectivização, aos tsaristas passando pelos burgueses e os oficiais brancos! Para atrair alguns operários para a sua empresa anticomunista, promete-lhes os «êxitos do proletariado mundial» que iriam «reanimar a confiança do proletariado soviético»!
Após a leitura desses textos é evidente que qualquer comunista soviético, que soubesse de ligações clandestinas de membros do Partido com Trótski, tinha o dever imperativo de denunciá-los aos órgãos de segurança do Estado. Todos aqueles que mantinham relações clandestinas com Trótski participavam numa conspiração contra-revolucionária que visava a destruição dos fundamentos do poder soviético, quaisquer que fossem os argumentos de «esquerda» que utilizassem para justificar o seu trabalho de subversão.
Retornemos à descoberta, em 1936, dos laços entre Zinóviev-Kámenev-Smírnov e o grupo anticomunista de Trótski no estrangeiro. O processo dos zinovievista teve lugar em Agosto de 1936. Envolveu essencialmente elementos que estavam há vários anos fora do Partido. A repressão contra os trotskistas e zinovievista deixou intactas as estruturas do Partido. Durante o processo, os acusados fizeram referências a Bukhárine, mas o tribunal concluiu que não havia nenhuma prova que o implicasse e não orientou as investigações nessa direcção, ou seja, entre os quadros dirigentes do Partido.
No entanto, em Julho de 1936, a tendência radical da direcção fez circular uma carta interna que colocava a tónica no facto de inimigos terem penetrado no próprio aparelho do Partido, esconderem suas verdadeiras intenções e manifestarem com alarde o seu apoio à linha geral para poderem levar a cabo o seu trabalho de sabotagem. Era muito difícil desmascará-los, assinalava a carta. Nela também se afirmava:
«Nas circunstâncias actuais, a qualidade inalienável de cada bolchevique deve ser a capacidade de detectar o inimigo do Partido, mesmo se este está extremamente bem mascarado.»(55)
Esta frase pode parecer a alguns como um condensado da paranóia «stalinista». Que reflictam então sobre a confissão de Tokáev, membro de uma organização anticomunista no seio do Partido, que descreveu a sua reacção ao processo de Zinóviev, durante uma assembleia na Academia Militar Júkovski, onde ocupava um posto importante.
«Nessa atmosfera, só havia uma coisa a fazer: ir com a corrente. No meu discurso, concentrei-me sobre Zinóviev e Kámenev. Evitei qualquer menção a Bukhárine. Mas o presidente não deixou passar: aprovava, sim ou não, as conclusões que Vichínski tinha tirado a respeito de Bukhárine? Disse que a decisão de Vichínski de investigar as actividades de Bukhárine, Ríkov, Tómski e Uglánov tinha o apoio do povo e do Partido e que eu estava “completamente de acordo” que “ospovos da União Soviética e o nosso Partido tivessem o direito de conhecer as intrigas dúplices de Bukhárine e Ríkov”. Confio que este exemplo apenas bastará para que os meus leitores compreendam a atmosfera sobrecarregada e a maneira ultraconspirativa - uns não conhecendo sequer o carácter dos outros -, em que nós, oposicionistas da URSS, devíamos trabalhar.»(56)
À luz da carta interna de Julho, no momento do processo de Zinóviev, é evidente que Stáline não apoiou a tendência radical e manteve a sua confiança em Iágoda, o chefe do NKVD. Este último pôde assim determinar a orientação do processo do bloco trotskista- zinovievista e limitar a envergadura da depuração a empreender na sequência da descoberta da conspiração.
No entanto, uma dúvida pesava já sobre Iágoda. Várias pessoas, designadamente Van Heijenoort, o secretário de Trótski, e Orlov, um trânsfuga do NKVD, declararam na altura que Mark Zborowski, o colaborador mais próximo de Sedov, trabalhava para os serviços soviéticos.(57) Nessas condições, poderia Iágoda em 1936 desconhecer a existência do bloco Trótski-Zinóviev? Ou tê-lo-ia encoberto? Algumas pessoas dentro do Partido colocavam-se esta questão. Por essa razão, no início de 1936, Ejov, partidário da tendência radical, foi nomeado adjunto de Iágoda.
A 23 de Setembro de 1936, as minas da Sibéria foram atingidas por uma vaga de explosões, a segunda em nove meses. Houve 12 mortos.
Três dias mais tarde, Iágoda passou para o Comissariado das Vias de Comunicações e Ejov tornou-se o chefe do NKVD. Pelo menos até este dia, Stáline tinha apoiado a política mais liberal de Iágoda.
As investigações na Sibéria conduziriam à prisão de Piatakov, um antigo trotskista, adjunto de Ordjonikídze, comissário da Indústria Pesada. Próximo de Stáline, Ordjonikídze seguia uma política de utilização e reeducação dos especialistas burgueses. Em Fevereiro de 1936 havia amnistiado nove «engenheiros» burgueses, condenados, em 1930 num processo por sabotagem que teve grande repercussão.
A propósito da indústria tinha havido há vários anos debates e divisões na direcção. Os radicais, dirigidos por Mólotov, opunham-se à maior parte dos especialistas burgueses, que julgavam indignos de confiança política. Pediam uma depuração. Ao invés, Ordjonikídze afirmava que eles eram necessários, que era preciso utilizar as suas capacidades. Este velho debate sobre os especialistas com passado suspeito ressurgiu a propósito das explosões nas minas da Sibéria. As investigações revelaram que Piatakov tinha utilizado especialistas burgueses em grande escala para sabotar as minas.
Em Janeiro de 1937 teve lugar o processo de Piatakov, Rádek e outros antigos trotskistas, que confessaram suas actividades clandestinas. O golpe foi tão duro para Ordjonikídze que o levou ao suicídio.
É claro que autores burgueses afirmaram que as acusações de sabotagem sistemática foram totalmente inventadas com o único objectivo de eliminar opositores políticos. Ora acontece que um engenheiro americano trabalhou, entre 1928 e 1937, como quadro dirigente num grande número de minas das regiões dos Urais e da Sibéria atingidas pela sabotagem. O testemunho de John Littlepage, técnico alheado da política, é do maior interesse. Littlepage descreve como desde a sua chegada às minas soviéticas, em 1928, se deu conta da amplitude da sabotagem industrial, o método de luta preferido dos inimigos do regime soviético. Existia uma certa base de massas para combater a direcção bolchevique, e se alguns quadros do Partido altamente colocados decidissem encorajar ou simplesmente proteger os sabotadores, estes podiam debilitar seriamente o regime.
Eis o relato de Littlepage:
«Num dia de 1928, entrei numa fábrica geradora das minas de Kochkar. De passagem, mergulhei a minha mão no depósito principal de uma grande máquina diesel e tive a sensação de que havia algo de granuloso no óleo. Fiz parar imediatamente a máquina e então tirámos de lá cerca de um litro de saibro de quartzo que só poderia ter sido ali despejado intencionalmente. Em várias outras ocasiões, nas novas instalações das fábricas de Kochkar, encontrámos areia em engrenagens de redutores de velocidade, que são inteiramente fechadas e só podem ser abertas se se levantar a tampa pelo puxador.
«Esta sabotagem industrial mesquinha era tão comum em todos os ramos da indústria soviética, que os engenheiros russos já não se importavam e ficaram surpreendidos com minha preocupação quando a constatei pela primeira vez.
«Por que razão essa sabotagem era tão comum na Rússia soviética e tão rara noutros países? As pessoas que fazem semelhantes perguntas não se aperceberam que as autoridades na Rússia tinham travado e conti-nuavam a travar uma série de guerras civis, abertas ou encapotadas. No início, combateram e expropriaram a antiga aristocracia, os banqueiros, os proprietários de terra e os comerciantes do regime tsarista. Em seguida, combateram e expropriaram os pequenos proprietários independentes, os comerciantes retalhistas e os pastores nómadas da Ásia.
«Naturalmente que tudo isso era para o seu próprio bem, diziam os comunistas. Mas muitas destas pessoas não podiam ver as coisas do mesmo modo e permaneciam inimigos ferozes dos comunistas e das suas ideias, mesmo depois de terem entrado para a indústria do Estado. Era desses grupos que provinha um bom número de operários, inimigos tão encarniçados dos comunistas que causavam estragos sem remorsos em todas as empresas que podiam.»(58)
Durante o seu trabalho nas minas de Kalata, na região dos Urais, Littlepage confrontou-se com uma sabotagem deliberada por parte de engenheiros e quadros do Partido. Pareceu-lhe claramente que aqueles actos procediam de uma vontade de enfraquecer o regime bolchevique. E deu-se conta de que uma sabotagem tão flagrante não poderia ser feita senão com a aprovação das mais altas autoridades da região dos Urais. Eis o seu relato extremamente significativo:
«As condições gerais eram consideradas particularmente más nas minas de cobre dos Urais — na altura, a região mineira mais promissora da Rússia —, isto apesar de terem recebido a parte de leão na repartição dos fundos disponíveis para lançar a produção. Tinham sido contratados dezenas de engenheiros de minas americanos e havia igualmente centenas de contramestres americanos para dar instruções sobre o trabalho de extracção e de transformação.Cada uma das grandes minas de cobre dos Urais dispunha de quatro ou cinco engenheiros de minas americanos, bem como de metalúrgicos americanos.
«Estes homens tinham sido cuidadosamente seleccionados; tinham tido avaliações excelentes nos Estados Unidos. Mas salvo raras excepções, os resultados que obtinham na Rússia eram decepcionantes. Quando Serebróvski recebeu o controlo das minas de cobre e de chumbo, além das de ouro, procurou saber por que razão aqueles especialistas estrangeiros não tinham produzido o que se esperava e, em Janeiro de 1931, enviou-me, juntamente com um metalúrgico americano e um director comunista russo, para realizar um inquérito sobre a situação das minas nos Urais e tentar apurar o que não estava em ordem e que deveria ser corrigido.
«Em primeiro lugar descobrimos que os engenheiros e os metalúrgicos americanos estavam abandonados sem que ninguém cooperasse com eles; não lhes tinham dado intérpretes competentes. Após terem examinado cuidadosamente as explorações que lhes foram atribuídas, fizeram recomendações que teriam sido imediatamente úteis se tivessem sido postas em prática. Mas as suas recomendações não foram traduzidas para russo ou permaneciam nas pastas.
«Os métodos de exploração eram tão incorrectos que qualquer engenheiro recém- formado seria capaz de identificar os erros. Abriam-se campos de exploração demasiado vastos para permitir um controlo real e o minério era extraído sem um escoramento suficiente. A tentativa de obter rapidamente uma produção antes de se tomarem as precauções preliminares causou danos graves em várias minas, diversas jazidas tiveram de ser abandonadas.
«Jamais esquecerei a situação com que nos confrontámos em Kalata. Aqui, nos Urais Setentrionais, encontrava-se uma das mais importantes explorações de cobre da Rússia, constituída por seis minas, um concentrador e uma fundição, com fornos reverberantes e ventiladores. Sete engenheiros de minas americanos de primeira classe tinham sido destacados recentemente para esta exploração, auferindo altos salários. Qualquer deles ao chegar teria reposto em poucas semanas a exploração em boa ordem, se lhe tivessem dado oportunidade. Porém, no momento do desembarque da nossa comissão, encontrámo-los a chafurdar num pântano de burocracia. As suas recomendações eram letra morta; não lhes era atribuído um trabalho concreto; estavam impossibilitados de transmitir as suas noções aos engenheiros russos devido ao seu desconhecimento da língua e à ausência de intérpretes competentes. Naturalmente, sabiam o que estava mal tecnicamente nas minas e nas fábricas de Kalata e a razão por que a produção não era senão uma fracção do que seria possível com os equipamentos e o pessoal colocados à disposição.
«A nossa comissão visitou todas as grandes minas de cobre dos Urais e inspeccionou-as em detalhe. A despeito das condições deploráveis acima descritas, poucas queixas tinham aparecido nos jornais soviéticos relativas à sabotagem nas minas de cobre dos Urais. Este era um facto curioso porque os comunistas tinham o hábito de atribuir uma intenção deliberada a grande parte da confusão e da desordem industrial. Mas os comunistas dos Urais, que controlavam as minas de cobre, mantinham-se surpreendentemente mudos.
«Em Julho de 1931, Serebróvski, depois de ter examinado o nosso relatório, decidiu enviar-me de novo a Kalata, desta vez na qualidade de engenheiro-chefe, esperando que eu conseguisse obter alguma coisa daquela grande exploração. Fez-me acompanhar de um director russo comunista que não conhecia a arte de mineração, mas tinha plenos poderes e, aparentemente, ordem para me deixar agir. Os sete engenheiros americanos respiraram de alívio quando constataram que nós dispúnhamos realmente de autoridade suficiente para pôr um travão à burocracia e dar uma oportunidade ao trabalho de se manifestar. Nos meses seguintes desceram com os homens ao fundo das minas, segundo a tradição americana. As operações progrediram rapidamente e, ao cabo de poucos meses, a produção tinha aumentado 90 por cento.
«O director comunista era um folgazão sério. Mas os engenheiros russos daquelas minas, quase sem excepção, mostravam enfado e faziam obstrução. Levantaram objecções contra todos os aperfeiçoamentos que sugerimos. Eu não estava habituado a um tal comportamento; os engenheiros russos das minas de ouro onde havia trabalhado nunca tinham agido assim.
«Não obstante consegui que os meus métodos fossem experimentados porque o dirigente comunista apoiou todas as minhas recomendações. E quando os métodos tiveram êxito, os engenheiros russos pareceram render-se à evidência. Ao cabo de cinco meses decidi deixar o terreno. Os poços e os equipamentos tinham sido completamente reorganizados; não havia razão para que a produção não se mantivesse nos níveis satisfatórios que tínhamos alcançado. Redigi instruções detalhadas para as operações futuras. Expliquei-as em pormenor aos engenheiros russos e ao director comunista que começara a adquirir algumas noções do ofício. Este último assegurou-me que as minhas instruções seriam seguidas à letra».(59)
«Na Primavera de 1932, pouco depois do meu regresso a Moscovo, fui informado de que as minas de cobre de Kalata estavam em muito má situação; a produção caíra abaixo do nível existente antes da reorganização do Verão anterior. O relatório atordoou-me; não podia compreender como as coisas tinham podido mudar num lapso tão curto de tempo, já que tudo parecia ir bem no momento em que os tinha deixado.
«Serebróvski pediu-me para voltar a Kalata e ver o que era preciso fazer. Quando cheguei, encontrei-me diante de uma cena deprimente. Os americanos tinham terminado os seus dois anos de contrato, que não fora renovado, e tinham voltado para casa. Poucos meses antes da minha chegada, o director comunista fora demitido por uma comissão enviada de Sverdlóvsk, onde estavam os centros de direcção comunistas da região dos Urais. A comissão tinha-o considerado ignorante e incapaz, embora não tivesse nada de concreto contra ele, e tinha nomeado para o seu lugar o presidente da comissão de investigação — procedimento curioso!
«Durante a minha anterior estadia havíamos elevado a capacidade diária dos fornos para 78 toneladas por metro quadrado; agora tinham caído para o antigo rendimento de 40 a 50 toneladas. Pior ainda. Tinha-se perdido irremediavelmente milhares de toneladas de minério de alta concentração devido à introdução em duas minas de métodos contra os quais eu tinha expressamente advertido. Vim a saber que, após a partida dos engenheiros americanos, os tais engenheiros russos tinham aplicado um método sobre o qual os tinha prevenido dos perigos, já que, embora fosse apropriado em algumas minas, noutras podia provocar a sua derrocada e a perda de uma grande quantidade de minério. Esforcei-me para colocar as coisas em movimento. Um belo dia descobri que o novo director anulava em segredo quase todas as medidas que eu ordenava. Relatei directamente a Serebróvski as minhas observações de Kalata. Pouco tempo depois, o director e alguns engenheiros foram julgados por sabotagem. O director foi condenado a dez anos e os engenheiros a detenções menores.
«Eu estava convencido de que havia alguma instância superior ao pequeno grupo de homens de Kalata, mas não podia naturalmente prevenir Serebróvski contra membros influentes do seu próprio Partido Comunista. Mas sentia que havia alguma coisa de podre nas altas esferas da administração política dos Urais. Parecia-me evidente que a escolha da comissão e a forma como esta agira em Kalata eram motivo suficiente para conduzir a investigação até à direcção do Partido em Sverdlovsk, cujos membros eram culpados fosse de negligência criminosa, fosse de participação activa nos acontecimentos que se desenrolavam nas minas.
«Todavia, o secretário do Partido Comunista da região dos Urais, Kabakov, ocupava este posto desde 1922. Era considerado tão poderoso que lhe chamavam o «vice-rei bolchevique dos Urais». Nada justificava a sua reputação. Sob a sua longa vigência, aquela região mineira, uma das mais ricas da Rússia, que recebeu um capital de exploração ilimitado, nunca produziu o que deveria.
«A comissão de Kalata, cujos membros confessaram posteriormente as suas intenções de sabotagem, fora enviada directamente do quartel-general desse homem.
Em conversa com alguns dos meus amigos russos, disse-lhes que havia certamente muitas outras tramóias nos Urais que não tinham sido reveladas e que deveriam vir de cima.
«Todos estes incidentes tornaram-se mais claros após o processo por conspiração que teve lugar em Janeiro de 1937, quando Piatakov e vários associados seus confessaram diante do tribunal que tinham montado uma sabotagem organizada nas minas, nos caminhos-de-ferro e noutros empreendimentos industriais desde começos de 1931. Algumas semanas mais tarde, o secretário do Partido nos Urais, Kabakov, que trabalhara em associação íntima com Piatakov, foi preso e acusado de cumplicidade na mesma conspiração.»(60)
A opinião que Littlepage exprime aqui a propósito de Kabakov merece uma atenção especial, já que Khruchov apresenta-o no seu «relatório secreto» como um exemplo de dirigente meritório, «membro do Partido desde 1914» e vítima das «repressões infundamentadas.»(61)
Littlepage esteve em muitas regiões mineiras e pôde constatar que a sabotagem industrial, enquanto forma de luta de classes encarniçada, tinha-se desenvolvido em todo o território soviético. Eis o seu relato do que viveu no Cazaquistão, entre 1932 e 1937.
«Em Outubro de 1932, as famosas minas de zinco Ridder, do Cazaquistão Oriental, próximo da fronteira chinesa, lançaram um SOS (...) Ordenaram-me que tomasse a obra em mãos, como engenheiro-chefe, e que aplicasse os métodos que julgasse apropriados. Ao mesmo tempo, os directores comunistas receberam aparentemente ordem para me deixarem as mãos livres e me apoiarem.
«O governo tinha despendido vultosas somas para dotar estas minas de máquinas e ferramentas americanas modernas, mas os engenheiros mostravam-se tão ignorantes na utilização do equipamento e os operários tão desleixados e tão estúpidos a manipular as máquinas, que um grande número destes equipamentos importados estava perdido, sem possibilidade de conserto.»(62)
«Dois jovens engenheiros russos destas minas pareceram-me particularmente capazes e tive muito trabalho a explicar-lhes por que razão antes as coisas andavam mal e o que é que tínhamos feito para as pôr em ordem. Após as instruções que lhes dei, pareceu-me que estes jovens estavam em condições para assumir as funções de direcção da exploração.»(63)
«As minas Ridder funcionaram bastante bem durante os dois a três anos que se seguiram à reorganização que realizei em 1932. Os dois jovens engenheiros, que me tinham deixado tão boa impressão, permaneceram nos seus postos e agiam conforme as minhas instruções com um incontestável sucesso.
«Mais tarde, uma comissão de investigação, semelhante àquela que fora enviada às minas de Kalata, chegou inesperadamente de Alma-Ata. A partir desse momento, apesar de os engenheiros serem os mesmos, foi introduzido um sistema completamente diferente nas minas — o qual qualquer engenheiro competente teria visto que poderia provocar a destruição das minas em apenas alguns meses. Até tinham feito explodir as pilastras que havíamos erguido para protecção dos poços principais, de modo que o terreno abatera nas proximidades.
«Quando lá voltei em 1937, os dois engenheiros de que falei já não trabalhavam nas minas; soube que tinham sido presos, acusados de cumplicidade numa conspiração de sabotagem das indústrias soviéticas descoberta durante o julgamento dos conspiradores em Janeiro.
«Assim que lhes apresentei o meu relatório, mostraram-me as confissões escritas dos engenheiros com os quais tinha travado amizade em 1932. Confessaram ter entrado numa conspiração contra o regime de Stáline, organizada por comunistas da oposição, que os convenceram de que tinham força suficiente para derrubar Stáline e assumir o controlo do governo. Os conspiradores provaram-lhes que tinham apoios em comunistas dos mais altos escalões. Embora esses engenheiros fossem sem partido, pensaram que teriam de optar por uma das duas facções e apostaram no mau cavalo.
«Segundo as suas confissões, a “comissão de investigação” era composta por conspiradores que se deslocavam de mina em mina para fazer recrutamentos. Após terem sido persuadidos a entrar na conspiração, os engenheiros da Ridder serviram-se das minhas instruções escritas para a sabotagem das minas. Introduziram deliberadamente métodos contra os quais eu prevenira, e puseram assim as minas em risco de derrocada.»(64)
«Nunca me interessei pelas subtilezas das ideias políticas. Estou firmemente convencido de que Stáline e os seus associados levaram um certo tempo até se darem conta de que os comunistas descontentes eram os seus inimigos mais perigosos.
«A minha experiência confirma a explicação oficial se, retirando-lhe o seu palavreado, chegarmos à afirmação simples de que os comunistas ««de fora» conspiraram para derrubar os comunistas ««de dentro» e recorreram a uma conspiração subterrânea e a uma sabotagem industrial porque o sistema soviético havia sufocado todos os meios legítimos para travar uma luta política.
«A querela comunista tornou-se um assunto tão importante que numerosos não comunistas foram arrastados e tiveram de tomar partido. Muitas pequenas personagens de todo tipo dispuseram-se a apoiar qualquer tentativa oposicionista subterrânea simplesmente porque estavam descontentes com a situação.»(65)
Durante o processo de Janeiro de 1937, o antigo trotskista Piatakov foi condenado como principal responsável da sabotagem industrial. Littlepage teve ocasião de constatar pessoalmente que Piatakov esteve envolvido em actividades clandestinas. Eis o que relatou a este propósito:
«Na Primavera de 1931, Serebróvski falou-me de uma missão de grandes compras que fora enviada a Berlim sob a direcção de Gueórgui Piatakov, que era então vice-comissário da Indústria Pesada. Cheguei a Berlim quase ao mesmo tempo que a missão. Entre outras ofertas de compra, a missão encomendou várias dezenas de elevadores com potências entre 100 e mil cavalos-vapor. Esses elevadores eram compostos habitualmente por tambores, vigamento, porta-cargas, engrenagens, etc., colocados sobre uma base de barras em I ou H.
«A missão tinha pedido preços em pfennigs por quilograma. Várias firmas apresentaram orçamentos, mas havia diferenças consideráveis - de cinco a seis pfennigs por quilograma — entre a maior parte das ofertas e duas que apresentaram preços bastantes mais baixos. Estas diferenças levaram-me a examinar de perto as especificações. Descobri então que aquelas duas empresas tinham substituído a base que deveria ser em aço leve por outra em ferro, de maneira que, se as suas propostas fossem aceites, os russos iriam pagar mais, já que a base em ferro pesava muito mais que a de aço leve, mas pareceria que tinham pago menos, considerando o preço em pfennigs por quilograma.
«Tratava-se claramente de uma manigância e senti natural prazer ao fazer tal descoberta. Relatei-a aos membros russos da missão com satisfação. Para meu espanto, não ficaram nada contentes. Chegaram mesmo a pressionar-me para que eu aceitasse a compra, dizendo-me que eu tinha compreendido mal a encomenda. Não conseguia explicar a sua atitude. Pensei que podia haver ali um caso de suborno.»(66)
Durante o processo, Piatakov fez as seguintes declarações diante do tribunal:
«Em 1931, eu estava numa missão de serviço em Berlim. Em pleno Verão daquele ano, em Berlim, Ivan Nikítitch Smírnov informou-me de que a luta trotskista ressurgira naquele momento com nova força contra o governo soviético e a direcção do Partido, de que ele, Smírnov, tinha tido um encontro em Berlim com o filho de Trótski, Sedov, e que lhe havia transmitido, por incumbência de Trotski, novas directivas. (...) Smírnov informou-me de que Sedov desejava muito ver-me. Eu consenti nesse encontro (... ) Sedov disse-me que estava formado um centro trotskista; tratava-se da unificação de todas as forças capazes de desenvolver a luta contra a direcção stalinista. Estava a ser avaliada a possibilidade de restabelecer uma organização comum com os zinovievista. Sedov disse igualmente que os direitistas, representados por Tómski, Bukhárine e Ríkov, não tinham, nenhum deles, deposto as armas, que se mantinham à margem apenas momentaneamente e que era necessário estabelecer a ligação com eles. (... ) Sedov disse que exigiam de mim uma única coisa: que fizesse o maior número possível de encomendas às duas firmas alemãs Borsig e Demag, que ele, Sedov, se encarregaria de obter as somas necessárias, na condição, naturalmente, de que eu não insistisse muito nos preços. Se é preciso explicar, era claro que o acréscimo de preço sobre as encomendas soviéticas passaria total ou pelo menos parcialmente para as mãos de Trótski para os seus objectivos contra-revolucionários.»(67)
Littlepage fez acerca disto o seguinte comentário:
«Esta passagem da confissão de Piatakov é, no meu entender, uma explicação plausível do que se passou em Berlim em 1930 quando suspeitei dos russos que acompanhavam Piatakov, que queriam fazer-me a aprovar uma compra de elevadores de minas que, para além de serem muito caros, não teriam qualquer utilidade para as explorações a que estavam destinados. Mas eles estavam habituados às conspirações desde antes da revolução e tinham corrido riscos por aquilo que consideravam ser a sua causa.»(68)
Um outro engenheiro americano, John Scott, que trabalhou em Magnitogorsk, relata factos similares no seu livro Para lá dos Urais. Sobre a depuração de 1937 escreveu que tinha havido negligências graves e muitas vezes criminosas da parte dos responsáveis. Magnitogorsk conheceu casos flagrantes de sabotagem de máquinas praticados por antigos kulaques que se tinham tornado operários.
Engenheiro burguês, Scott faz a sua análise da depuração nestes termos:
«Várias personagens presas em Magnitogorsk e acusadas de atentar contra o regime não eram senão ladrões, vigaristas ou malfeitores. (...) É em 1937 que a depuração se faz sentir mais fortemente em Magnitogorsk. Foram presos milhares de indivíduos. (...) A Revolução de Outubro provocara o ódio da antiga aristocracia, dos oficiais do exército tsarista e dos diversos exércitos brancos, dos funcionários anteriores à guerra, de todo o tipo de comerciantes, pequenos proprietários de terra e kulaques. Todos estes indivíduos tinham motivos profundos para odiar o poder soviético cujo advento os tinha despojado. Perigosas no interior do país, estas pessoas constituíam um material excelente para os agentes estrangeiros com os quais estavam prontas a colaborar. As condições geográficas eram tais que nações sobrepovoadas como a Itália e o Japão ou agressivas como a Alemanha não poupariam esforços para enviar agentes seus para a Rússia. Esses agentes deviam estabelecer a sua organização e exercer a sua influência. Uma depuração tinha-se tornado necessária. Durante esta acção foram fuzilados e deportados numerosos espiões, sabotadores e membros da quinta coluna. Mas mais numerosos ainda foram os inocentes que sofreram com esses acontecimentos.»(69)
No início de Março de 1937 teve lugar uma reunião crucial do Comité Central do partido bolchevique. Aí se decidiu a necessidade de uma depuração e a sua orientação. Um relatório de Stáline, documento capital, foi publicado em seguida. À data do plenário, a polícia havia reunido material comprovativo de que Bukhárine estava a par das actividades conspirativas dos grupos antipartido desmascarados durante os processos de Zinóviev e de Piatakov. Bukhárine foi confrontado com essas acusações durante o plenário. Contrariamente aos outros grupos, o de Bukhárine encontrava-se no próprio centro do Partido e a sua influência política era considerável.
Alguns afirmam que o relatório de Stáline foi o sinal para o «terror» e a «arbitrariedade criminosa». Vejamos então o conteúdo real desse documento. A sua primeira tese afirma que a falta de vigilância revolucionária e a ingenuidade política se tinham propagado no Partido. A morte de Kírov fora um primeiro aviso grave do qual não se retirara todas as consequências. O processo de Zinóviev e o dos trotskistas revelaram que estes elementos estavam agora dispostos a tudo para destruir o regime. No entanto, os grandes êxitos económicos haviam criado no Partido um sentimento de vitória e uma atmosfera de auto-suficiência. Os quadros tinham tendência para esquecer o cerco capitalista e a dureza crescente da luta de classes ao nível internacional. Muitos estavam imersos pelos problemas comezinhos da gestão e já não se ocupavam das grandes orientações da luta internacional e nacional.
Stáline afirma:
«Dos relatórios e sua discussão ouvidos no Plenário, ressalta claramente que estamos aqui confrontados com os seguintes três factos principais:
«Em primeiro lugar, o trabalho subversivo, de espionagem e diversão dos agentes de estados estrangeiros, entre os quais os trotskistas desempenharam um papel bastante activo, afectou em menor ou maior grau todas ou quase todas as nossas organizações — tanto económicas como administrativas e partidárias.
«Em segundo lugar, agentes de estados estrangeiros, entre eles trotskistas, introduziram-se não só nas organizações de base, mas também em alguns cargos de responsabilidade.
«Em terceiro lugar, alguns dos nossos dirigentes, tanto no centro como ao nível local, não só não souberam identificar o verdadeiro rosto desses subversores, diversionistas, espiões e assassinos, como se revelaram descuidados, complacentes e ingénuos, ao ponto de, por vezes, eles próprios terem contribuído para a promoção de agentes de estados estrangeiros para estes ou aqueles cargos de responsabilidade.»(70)
A partir destas constatações, Stáline tirou duas conclusões. Desde logo que era preciso liquidar a credulidade e a ingenuidade políticas e reforçar a vigilância revolucionária. Os resquícios das classes exploradoras adoptam agora formas de luta mais agudas e recorrem aos mais desesperados métodos de luta.
Em 1956, no seu «relatório secreto», Khruchov referir-se-á a esta conclusão, acusando Stáline de ter
«justificado a política de terror de massas», lançando a ideia de que, «à medida que avançamos para o socialismo, a luta de classes deverá agudizar-se cada vez mais».(71)
Trata-se de uma manipulação. A mais «intensa» luta de classes é a guerra civil generalizada que coloca grandes massas umas contra outras, como em 1918-1920. Stáline fala dos resquícios das antigas classes que, numa situação desesperada, recorrem às mais agudas formas de luta: atentados, assassinatos, sabotagem.(72)
Stáline extrai uma segunda conclusão: para reforçar a vigilância, era preciso aperfeiçoar a educação política dos quadros do Partido. Ele propõe um sistema de cursos políticos de quatro a oito meses para todos os quadros, desde os dirigentes de célula até os dirigentes superiores.
Se na primeira intervenção de 3 de Março, Stáline insistiu para que os membros do Comité Central tomassem consciência da gravidade da situação e se dessem conta da amplitude do trabalho subversivo, na sua intervenção de 5 de Março concentra-se no combate de outros desvios, designadamente do esquerdismo e do burocratismo.
Stáline começou por advertir expressamente contra a tendência para alargar de forma arbitrária a depuração e a repressão.
«Significará isso que temos de abater e extirpar não apenas os trotskistas autênticos, mas também aqueles que em tempos vacilaram para o lado do trotskismo e que depois, faz já muito tempo, se afastaram do trotskismo; não só aqueles que são realmente agentes trotskistas subversivos, mas também os que lhes aconteceu passar pela mesma rua por onde alguma vez passou tal ou tal trotskista? Em todo o caso, ouviram-se aqui vozes nesse sentido. Poderemos considerar correcta tal interpretação da resolução? Não, não se pode considerar correcta. Nesta questão, como em todas as outras questões, exige-se uma abordagem individual e diferenciada. Não se pode medir tudo pela mesma bitola. Uma abordagem tão niveladora só poderá prejudicar a causa da luta contra os autênticos trotskistas, sabotadores e espiões.»(73)
A expectativa da guerra exigia, a todo o custo, uma depuração do Partido dos inimigos infiltrados; mas Stáline advertiu que o alargamento arbitrário dessa depuração prejudicaria a luta contra os verdadeiros inimigos. Se o Partido estava ameaçado pelo trabalho subversivo dos inimigos infiltrados, não o estava menos pelos desvios de alguns quadros e, em particular, pela sua tendência de formar círculos restritos de amigos e de se desligarem dos militantes e das massas através de um estilo burocrático.
Stáline critica «esse ambiente doméstico», notando que nele
«não pode haver lugar nem para a crítica das insuficiências do trabalho nem para a autocrítica dos que dirigem o trabalho».
«Na maior parte dos casos, os funcionários são seleccionados não segundo critérios objectivos, mas com base em critérios fortuitos, subjectivos, pequeno-burgueses. Na maior parte das vezes seleccionam-se os chamados conhecidos, amigos, conterrâneos, gente pessoalmente devotada, mestres na arte de louvar os seus chefes.»(74)
Em seguida, Stáline critica o burocratismo, notando que durante as «verificações» muitos simples operários eram excluídos do Partido por «passividade». A maior parte dessas exclusões não se justificava e deveria ter sido anulada há muito tempo, não fosse a atitude burocrática de alguns dirigentes.
«Alguns dos nossos dirigentes padecem de falta de atenção para com as pessoas, com os membros do Partido, com os funcionários. Para além disso, não conhecem bem os membros do Partido, não sabem de que vivem e como se desenvolvem, desconhecem em geral os militantes. Por isso não têm uma abordagem individual dos membros do Partido. E precisamente porque não têm uma abordagem individual na avaliação dos membros do Partido, agem normalmente ao acaso: tanto tecem elogios indiscriminados e desmesurados, como excluem do Partido milhares e dezenas de milhares. (...) excluir do Partido milhares e dezenas de milhares de pessoas é para eles uma ninharia, consolando-se com o facto de o nosso Partido ter dois milhões de membros e que algumas dezenas de milhares de excluídos não alteraram em nada a situação. Mas só pessoas profundamente antipartido, na sua essência, podem tratar desta maneira os membros do Partido.»(75)
O burocratismo impede também os dirigentes de aprenderem junto das massas. Porém, para dirigir correctamente o Partido e o País, os dirigentes comunistas devem apoiar-se na experiência das massas.
Finalmente, o burocratismo torna impossível o controlo dos dirigentes pelos membros do Partido. Os dirigentes devem prestar contas do seu trabalho e escutar as críticas da base.
«A aplicação rigorosa do centralismo democrático no Partido, como exigem os Estatutos do nosso Partido, consiste na elegibilidade absoluta dos órgãos partidários, no direito a apresentar e retirar candidaturas, no sufrágio secreto, na liberdade de crítica e de autocrítica (...)».(76)
Entre 1928-1930, Bukhárine fora duramente criticado pelas suas ideias sociais- democratas e principalmente pela sua oposição à colectivização, a sua política de «paz social» em relação aos kulaques e a sua vontade de abrandar o ritmo da industrialização.
Levando por diante as concepções de Bukhárine, Martemian Riútine formou em 19311932 um grupo cuja orientação era nitidamente contra-revolucionária. Riútine, antigo membro suplente do CC, foi secretário do Partido de um distrito de Moscovo até 1928. Estava rodeado de vários jovens bukharinistas muito conhecidos, entre os quais Slepkov, Maretski e Petróvski.(77)
Em 1931, Riútine redige um documento de 200 páginas que constitui um verdadeiro programa da contra-revolução burguesa. Nele lê-se:
«Foi entre 1924 e 1925 que Stáline decide organizar o seu “18 de Brumário”. Tal como Luís Bonaparte, que jurou diante da Câmara fidelidade à Constituição enquanto ao mesmo tempo preparava a sua proclamação como imperador (...) Stáline preparava o 18 de Brumário “sem derramamento de sangue” procedendo à amputação de um grupo após outro. (...) Aqueles que não conseguem reflectir de maneira marxista pensam que a eliminação de Stáline significaria ao mesmo tempo a derrota do poder soviético. (...) A ditadura do proletariado perecerá inevitavelmente devido aos erros de Stáline e da sua clique. Eliminando Stáline, teremos muitas hipóteses de a salvar. Que fazer?
«O Partido. 1) Liquidar a ditadura de Stáline e da sua clique. 2) Substituir toda a direcção do aparelho do Partido. 3) Convocar imediatamente um congresso extraordinário do Partido.
«Os sovietes. 1) Novas eleições com exclusão da nomeação. Substituição da máquina judiciária e introdução de uma legalidade rigorosa. 3) Substituição e saneamento do aparelho da GPU.
«Agricultura. 1) Dissolução de todos os kolkhozes criados a força. 2) Liquidação de todos os sovkhozes deficitários. 3) Fim imediato da pilhagem dos camponeses. 4) Regulamentação da exploração da terra pelos proprietários privados e atribuição das terras por um prazo prolongado.»(78)
O programa do «comunista» Riútine não difere, na sua essência, do da contra-revolução burguesa: liquidar a direcção do Partido, desmantelar o aparelho de segurança do Estado e restabelecer a exploração da terra pelos proprietários privados e kulaques. Mas em 1931, Riútine, tanto quanto Trótski, via-se obrigado a embrulhar este programa numa fraseologia de «esquerda». Note-se que defende a restauração do capitalismo alegadamente para salvar a ditadura do proletariado e para pôr fim à contra-revolução, quer dizer, ao «18 de Brumário» ou ao «Thermidor».
Durante o seu julgamento, em 1938, Bukhárine declarou que os «jovens bukharinistas», com o seu acordo e por iniciativa de Slepkov, realizaram no final do Verão de 1932 uma conferência que aprovou a plataforma de Riútine.
«Declarei o meu total acordo com aquela plataforma e assumo inteiramente a responsabilidade», afirmou Bukhárine.(79)
A partir de 1931, Bukhárine desempenha um papel preponderante no trabalho do Partido junto dos intelectuais. A sua influência era grande na comunidade científica da URSS e no seio da Academia das Ciências.(80) Como redactor-chefe do jornal governamental Izvéstia, Bukhárine pôde promover a sua própria corrente política e ideológica.(81) No I Congresso dos Escritores, Bukhárine faz o elogio de Boris Pasternak, que pregava um «apolitismo militante» na literatura.(82) Bukhárine, que era já o ídolo dos camponeses ricos, torna-se também o porta-estandarte dos novos tecnocratas.
O norte-americano Stephen Cohen escreveu uma biografia intitulada Bukharin and the Bolshevik Revolution, onde considera que Bukhárine se juntou à direcção de Stáline para melhor a combater. Eis a sua tese:
«Era evidente para Bukhárine que o Partido e o País tinham entrado num novo período de incerteza, mas também de possibilidades de mudança na política interna e externa soviéticas. Para participar nos acontecimentos e influenciá-los, Bukhárine teve, também ele, de aderir à fachada da unidade e da aceitação incondicional da direcção de Stáline, fachada por trás da qual seria conduzida a luta secreta pela orientação futura do País.»(83)
Em 1934-1936, Bukhárine escreve abundantemente sobre o perigo fascista e a inevitável guerra com o nazismo. Como medidas a tomar para preparar o País para a guerra futura, Bukhárine define um programa que constituía de facto uma recuperação das suas antigas concepções oportunistas de direita e sociais-democratas. É preciso, dizia ele, eliminar «o enorme descontentamento entre a população», principalmente entre os camponeses. Era uma nova versão do seu antigo apelo à conciliação com os kulaques — a única classe no campo realmente descontente nesses anos. Para atacar a experiência da colectivização, Bukhárine desenvolve uma propaganda sobre o tema do «humanismo socialista», cujo critério seria «a liberdade de desenvolvimento máximo do número máximo de pessoas». Em nome do «humanismo» Bukhárine prega a conciliação de classes e «a liberdade do desenvolvimento máximo» para os novos e antigos elementos burgueses. Para se estar em condições de resistir ao fascismo era preciso introduzir «reformas democráticas» e oferecer uma «vida próspera» às massas. Ora, face à necessidade de grandes sacrifícios para se poder resistir, a promessa de uma «vida próspera» era clara demagogia. No entanto, nesta sociedade ainda pouco desenvolvida, os tecnocratas e os burocratas já aspiravam à «democracia» para a sua tendência burguesa em gestação e a uma «vida próspera» em detrimento das massas trabalhadoras. Bukhárine é o seu porta-voz.
O essencial do programa bukharinista é o fim da luta de classes, o fim da vigilância política sobre as forças anti-socialistas, a promessa demagógica de uma melhoria imediata do nível de vida, a democracia para as tendências oportunistas e sociais- democratas. Cohen, que era um anticomunista militante, não se enganou quando viu neste programa o precursor da linha de Khruchov.(84)
Em 1936, Bukhárine foi enviado a Paris com a missão de comprar os manuscritos de Marx e de Engels que estavam na posse do menchevique Nikoláievski. No registo que deixou desses encontros, Nikoláievski afirma:
«Bukhárine tinha o ar de desejar sossego, de se afastar da fadiga que a vida em Moscovo impunha. Estava cansado.»(85) «Bukhárine deu-me a entender indirectamente que se tinha deixado tomar por um grande pessimismo na Ásia Central e que tinha perdido o seu desejo de viver. No entanto, não queria suicidar-se.»(86)
Deste modo, em 1936, Bukhárine parece um «velho bolchevique», moralmente acabado, invadido pelo espírito da capitulação e pelo derrotismo. O menchevique Nikoláievski continua:
«Eu conhecia a ordem do Partido que proibia os comunistas de falar sobre questões internas do Partido com os não membros. No entanto, nós mantivemos numerosas conversações sobre a situação interna do Partido. Bukhárine estava com vontade de falar.»(87)
Bukhárine, o «velho bolchevique», violava as regras mais elementares de um Partido comunista frente a um inimigo político.
«Fanny Yzerskaia tentou persuadi-lo a ficar no estrangeiro. Disse-lhe que era preciso fundar um jornal de oposição, um jornal realmente informado sobre o que se passava na Rússia poderia exercer uma grande influência. Afirmava que Bukhárine era o único que podia desempenhar esse papel. Mas ela contou-me que Bukhárine lhe respondeu: “Creio que não poderia viver sem a Rússia. Nós estamos todos habituados ao que por lá se passa e à tensão que reina”.»(88).
Bukhárine deixou-se acercar por inimigos que conspiravam o derrube do regime bolchevique; a sua resposta evasiva demonstra que não tomou uma atitude de princípio face à proposta provocadora de dirigir uma revista antibolchevique no estrangeiro.
Nikoláievski continua seu testemunho:
«Quando estávamos em Copenhaga, Bukhárine lembrou-me que Trótski se encontrava relativamente próximo de nós, em Oslo. Com um piscar de olho, sugeriu-me: “E se fizéssemos a mala para irmos passar um dia com Trótski?”. E prosseguiu: “Evidentemente, nós travámos uma luta de morte, mas isso não me impede de ter por ele o maior respeito”.»(89)
Em Paris, Bukhárine visita também o chefe menchevique Fiódor Dan, ao qual confiou que, a seu ver, Stáline «não era um homem, mas um diabo.»(90)
Em 1936, Trótski era partidário de uma insurreição antibolchevique. Dan era um dos principais chefes da contra-revolução social-democrata. Bukhárine tinha-se aproximado politicamente daqueles dois indivíduos. Nikoláievski recorda:
«Um dia, ele pediu-me que lhe procurasse o Boletim de Trótski para poder ler os últimos números. Eu forneci-lhe igualmente publicações socialistas, inclusive o Sostialistítcheski Véstnik.»(91) «Um artigo no último número continha uma análise do plano de Górki, que visava reagrupar a intelligensia num partido separado para participar nas eleições. Bukhárine declarou: “É necessário um segundo Partido. Se não existir, haverá uma só lista eleitoral, sem oposição, isso equivale ao nazismo”.»(92)
«Bukhárine puxou uma caneta. “Foi com ela que a Nova Constituição Soviética foi inteiramente redigida, da primeira à última palavra”. Bukhárine estava muito orgulhoso dessa constituição. No seu conjunto, era um quadro bem concebido para uma transição pacífica da ditadura de um Partido para uma verdadeira democracia popular.»(93)
«Interessando-se» pelas ideias de Trótski e dos sociais-democratas, Bukhárine acaba por adoptar a tese principal sobre a necessidade de um partido de oposição antibolchevique, que se tornaria inevitavelmente o ponto de convergência de todas as forças reaccionárias.
Nikoláievski prossegue:
«O humanismo de Bukhárine devia-se em grande parte à crueldade da colectivização e ao combate interno que ela desencadeou no interior do Partido. (...) “Já não são seres humanos”, dizia Bukhárine. “Tornaram-se engrenagens de uma máquina medonha. Está em curso uma desumanização total das pessoas que trabalham no seio do aparelho soviético”.»(94)
«Nos começos da revolução bolchevique, Bogdánov tinha previsto o nascimento da ditadura de uma nova classe de dirigentes económicos. Pensador original, e o segundo mais importante entre os bolcheviques, Bogdánov desempenhou um grande papel na educação de Bukhárine. Bukhárine não estava de acordo com as conclusões de Bogdánov, mas compreendia que o grande perigo do “socialismo prematuro”, que os bolcheviques empreendiam, residia na criação de uma ditadura da nova classe. Bukhárine e eu falámos longamente sobre esta questão.»(95)
Durante os anos 1918-1920, face à severidade da luta de classes, todos os oportunistas se passaram para o lado da reacção tsarista e imperialista em nome do «humanismo». Tendo apoiado a intervenção anglo-francesa, e dessa forma os regimes colonialistas mais terroristas, todos esses homens, de Tseretéli a Bogdánov, denunciaram a «ditadura» e a «nova classe dos aristocratas bolcheviques» na União Soviética. Nas condições da luta de classes dos anos 30, Bukhárine seguiu o mesmo caminho.
Em 1935-1936, Bukhárine aproximou-se também de grupos de conspiradores militares que planeavam o derrubamento da direcção de Partido. Em 28 de Julho de 1936 teve lugar uma conferência clandestina da organização anticomunista à qual pertencia o coronel Tokáev. Na ordem do dia constava, entre outros, a discussão sobre os diferentes anteprojectos da nova Constituição Soviética.
Tokáev anota:
«Stáline queria a ditadura de um só partido e uma centralização completa. Bukhárine projectava vários partidos e mesmo partidos nacionalistas e era adepto de uma descentralização máxima. Queria que os poderes fossem transferidos para as repúblicas constituintes, as mais importantes teriam inclusive o controlo das suas próprias relações externas. Em 1936, Bukhárine estava próximo dos pontos de vista sociais-democratas da ala esquerda dos socialistas ocidentais.»(96)
«Bukhárine tinha estudado o projecto alternativo (de Constituição), redigido por Demócratov (membro da organização clandestina de Tokáev, N. do A.), e nos documentos tinha-se incluído um certo número de observações importantes baseadas no nosso trabalho.»(97)
Os conspiradores militares do grupo Tokáev diziam-se próximos das posições políticas defendidas por Bukhárine.
«Bukhárine queria ir lentamente com os camponeses e adiar para mais tarde o fim da NEP; acreditava também que a revolução não devia ser feita em todo o lado pela força, através da insurreição armada. Bukhárine acreditava que cada país deveria desenvolver-se seguindo as suas próprias linhas. Bukhárine, Ríkov e Tómski conseguiram publicar os pontos principais do seu programa:
1. Não pôr termo à NEP, mas sim continuá-la pelo menos durante mais dez anos (...) 4. Não deixando de prosseguir a industrialização, era preciso concentrar muito mais forças na indústria ligeira — o socialismo é feito por homens felizes, bem alimentados e não por mendigos moribundos. 5. Suspender a colectivização forçada na agricultura e a destruição dos kulaques.»(98)
Este programa tendia a proteger a burguesia na agricultura, no comércio e na indústria ligeira e a refrear a industrialização. A sua aplicação teria sem dúvida causado a derrota na guerra antifascista.
Durante o seu julgamento, Bukhárine confessou que, em 1918, após a paz de Brest-Litovsk, houve um plano para prender Lénine, Stáline e Sverdlov e para formar um novo governo composto de «comunistas de esquerda» e de socialistas revolucionários. Mas negou firmemente que tivesse havido também um plano para os executar.(99) Constatamos assim que Bukhárine esteve prestes a prender Lénine no momento da crise de Brest-Litovsk.
Dezoito anos mais tarde, em 1936, Bukhárine era um homem completamente desmoralizado. Com a aproximação da guerra mundial a tensão subia ao extremo. As tentativas de golpe de estado contra a direcção do Partido eram cada vez mais prováveis.
Bukhárine com o seu prestígio de «velho bolchevique», Bukhárine, o único rival importante de Stáline, Bukhárine, que detestava a «extrema dureza» do regime de Stáline, que acreditava que os «stalinistas» formariam uma «nova aristocracia» e que só a «democracia» podia salvar a União Soviética, como poderia ele não aceitar emprestar a sua autoridade a um eventual golpe de força «democrática» anti-stalinista? Aquele que aceitara prender Lénine em 1918, como poderia numa situação ainda mais tensa e dramática não dar cobertura à prisão de Stáline, Jdánov, Mólotov e Káganovitch?
A questão coloca-se pois desta forma. Homem desmoralizado e politicamente terminado, Bukhárine já não tinha certamente mais energia para conduzir uma luta consequente contra Stáline. Mas outros, os contra-revolucionários de direita, estavam firmemente decididos a agir. E Bukhárine servia-lhes de biombo. O livro do coronel Tokáev permite compreender esta distribuição de papéis. Em 1939, Tokáev e cinco companheiros seus, todos oficiais superiores, reuniram-se no apartamento de um professor da Academia Militar Budiónni. Aí discutiram um plano para derrubar Stáline em caso de guerra.
«Chmidt (membro da Academia Naval Vorochílov de Leningrado) lamentou a oportunidade perdida: se tivéssemos agido na altura do processo de Bukhárine, os camponeses ter-se-iam levantado em seu nome. Agora não há ninguém com a sua envergadura para inspirar o povo.»
Um dos conspiradores propôs oferecer o posto de primeiro-ministro a Béria, que se tornara bastante popular depois de ter libertado muitas pessoas injustamente presas do tempo de Ejov.(100)
Esta passagem mostra claramente que os conspiradores militares, pelo menos num primeiro momento, tinham necessidade de uma «bandeira bolchevique» para realizarem o seu golpe de Estado anticomunista. Tendo mantido boas relações com Bukhárine, estes militares de direita mostram-se convencidos de que ele teria aceitado o «facto consumado», uma vez Stáline eliminado. De resto, em 1938, antes da prisão de Bukhárine, Tokáev e o seu grupo já tinham delineado esta estratégia. Quando Rádek fez suas confissões na prisão, o «Camarada X», nome de guerra do chefe da organização de Tokáev, teve acesso ao seu testemunho escrito.
Tokáev assinala:
«Rádek forneceu as “provas” mais importantes na base das quais Bukhárine foi preso, julgado e fuzilado. Nós tivemos conhecimento da traição de Rádek duas semanas antes da prisão de Bukhárine, a 16 de Outubro de 1936, e tentámos salvar Bukhárine. Fizemos-lhe uma oferta precisa e sem ambiguidades: “Depois do que Rádek avançou contra ti por escrito, Ejov e Vichínski vão em breve prender-te para instruir mais um processo político. Sugerimos-te que “desapareças” sem mais demoras. É isto que te propomos.” Não havia condições políticas nesta oferta. Fizemo-la (...) porque seria um golpe mortal se o NKVD transformasse Bukhárine noutro Kámenev, Zinóviev ou Rádek diante do tribunal. A própria ideia de oposição seria desacreditada em toda a URSS. Bukhárine exprimiu a sua profunda gratidão pela oferta, mas declinou-a.»(101) «Se Bukhárine não se mostrasse à altura e não conseguisse provar que as acusações eram falsas, isso seria uma tragédia: através de Bukhárine, todos os outros movimentos de oposição moderados seriam vilipendiados.»(102)
Antes da prisão de Bukhárine, os conspiradores militares pensavam, portanto, em utilizar Bukhárine como bandeira. Ao mesmo tempo, compreendiam o perigo de um processo público contra Bukhárine. Kámenev, Zinóviev e Rádek tinham confessado a sua actividade conspirativa, tinham «traído» a causa da oposição. Se Bukhárine reconhecesse diante do tribunal que estava implicado no complot para derrubar o regime, assestaria um golpe fatal em toda a oposição anticomunista. Tal era o sentido do processo de Bukhárine e assim o entenderam os piores inimigos do bolchevismo infiltrados no Partido e no exército.
No momento da invasão nazi, Tokáev analisou a atmosfera no país e no seio do exército.
«Apercebemo-nos de que os homens no topo estavam de cabeça perdida. Eles sabiam demasiado bem que o seu regime reaccionário não tinha qualquer apoio popular real. Assentava no terror, nos automatismos mentais, e dependia da paz: a guerra iria mudar tudo isso.»
Depois, Tokáev descreve as reacções de vários oficiais. Beskaravaini propunha dividir a União Soviética: uma Ucrânia e um Cáucaso independentes bater-se-iam melhor (!). Klímov propunha demitir todo o Bureau Político, o povo salvaria depois o país. Kokoriov entendia que os judeus eram a causa de todos os problemas.(103)
«Tínhamos constantemente em mente o nosso problema enquanto democratas revolucionários. Não seria este o momento mais apropriado para tentar derrubar Stáline? Muitos factores deviam ser tidos em conta (...).
«Nesses dias, o Camarada X estava convencido de que Stáline jogava no tudo ou nada. O problema era que nós não podíamos ver Hitler como um libertador. Por essa razão, dizia o Camarada X, devemos estar preparados para o derrubamento do regime de Stáline, mas não devemos fazer nada para enfraquecê-lo.»(104)
É evidente que a grande desordem e a extrema confusão surgidas com as primeiras derrotas ante o invasor nazi criaram uma situação política muito precária. Os nacionalistas burgueses, os anticomunistas, os anti-semitas, todos acreditavam que a sua hora tinha chegado. O que teria acontecido se a depuração não se tivesse processado com firmeza, se uma oposição oportunista conservasse posições importantes à cabeça do Partido, se um homem como Bukhárine continuasse disponível para uma «mudança de regime»? Naqueles momentos de tensões extremas, os conspiradores militares e os oportunistas ter-se-iam encontrado numa posição muito forte para arriscar o tudo por tudo e executar o golpe de estado que há muito projectavam.
Durante o seu processo, Bukhárine fez confissões, precisando alguns aspectos da conspiração nas acareações com outros arguidos. Joseph Davies, embaixador dos Estados Unidos em Moscovo e advogado de renome, assistiu a todas as sessões do processo. Manifestou a convicção, partilhada por todos os observadores estrangeiros competentes, de que Bukhárine falou livremente e que suas confissões foram sinceras. A 17 de Março de 1938, Davies enviou uma mensagem confidencial ao secretário de Estado em Washington.
«Ainda que eu tenha preconceitos contra a prova por confissão e contra um sistema judiciário que não assegura, por assim dizer, nenhuma protecção ao acusado, após ter, a cada dia, observado as testemunhas e a sua maneira de testemunhar, anotado as corroborações inconscientes que foram apresentadas e outros factos que marcaram o processo, penso, concordando com outros que consideram que o julgamento é aceitável, que, no que respeita aos acusados, eles cometeram crimes suficientes segundo a lei soviética, crimes estabelecidos pela prova e sem que uma dúvida razoável seja possível, para justificar o veredicto que os torna culpados de traição e a sentença que os condena à pena prevista pelas leis criminais da União Soviética. É sentimento geral dos diplomatas que têm assistido ao processo que a prova estabeleceu a existência de um complot extremamente grave»(105).
Durante as dezenas de horas que duraram as sessões, Bukhárine mostrou-se perfeitamente lúcido e atento, discutindo, contestando, ironizando, negando com veemência algumas acusações. Para aqueles que assistiram ao processo, como para nós, que podemos hoje ler a acta, a teoria de uma «peça montada», largamente propagada pelos anticomunistas, não tem sustentação. Tokáev afirma que a polícia não torturou Bukhárine por recear que ele «dissesse a verdade frente ao mundo, diante do tribunal.»(106)
Tokáev relata as réplicas contundentes de Bukhárine ao procurador e os seus desmentidos corajosos, e depois conclui:
«Bukhárine mostrou uma coragem suprema» (...) «Vichínski perdeu. Foi um erro cardinal apresentar Bukhárine diante um tribunal público.»(107)
Destas afirmações, retemos que Bukhárine foi bem ele próprio.
As 850 páginas da acta são de uma leitura altamente instrutiva. A forte impressão que produzem não pode ser apagada pelas habituais tiradas contra os «processos monstruosos». Bukhárine surge como um oportunista que foi várias vezes batido politicamente e criticado ideologicamente. Mas longe de alterar os seus pontos de vista pequeno-burgueses, tornou-se numa pessoa azeda que não ousava opor-se abertamente à linha do Partido e às suas realizações impressionantes. Permanecendo nas cúpulas do Partido, é através de intrigas e manobras de bastidores que espera, um dia, derrubar a direcção e impor os seus pontos de vista. Alia-se a todo o tipo de oposicionistas clandestinos, alguns dos quais eram anticomunistas decididos. Incapaz de travar uma luta política aberta, Bukhárine depositou as suas esperanças num golpe de estado resultante de um complot militar ou provocado durante uma revolta de massas.
A leitura da acta revela-nos também as ligações entre a degenerescência política de Bukhárine e dos seus amigos e as actividades criminosas propriamente ditas: assassinatos, insurreições, espionagem, conluios com potências estrangeiras. Desde 1928-1929 que Bukhárine defendia posições revisionistas que exprimiam os interesses dos kulaques e das outras classes exploradoras. Bukhárine teve o apoio das facções políticas que representavam essas classes no interior e fora do Partido. No momento em que a luta de classes se exacerbou, Bukhárine acercou-se ainda mais dessas forças. A aproximação da guerra mundial fez subir todas as tensões e os opositores à direcção do Partido orientaram-se para a acção violenta e o golpe de estado. Bukhárine reconheceu as suas ligações com todas essas personagens, mas negou com veemência ter ele próprio organizado assassinatos e espionagem. Quando Vichínski lhe perguntou:
«Você não falou das suas ligações com os serviços de espionagem estrangeiros e os meios fascistas», Bukhárine respondeu-lhe: «Nada tenho a declarar sobre isso.»(108)
No entanto, Bukhárine foi obrigado a reconhecer que alguns homens no seio do bloco que dirigia haviam estabelecido ligações com a Alemanha fascista. A este respeito, transcrevemos uma página da acta. Nela, Bukhárine explica que alguns dirigentes da conspiração pensavam criar as condições para um golpe de estado, aproveitando a confusão provocada pelas derrotas militares em caso de guerra com a Alemanha.
«Bukhárine - Em 1935, Karakhan partiu sem ter tido um encontro preliminar com os membros do centro dirigente, excepção feita a Tómski (...). Recordo-me que Tómski me disse que Karakhan tinha conseguido concluir um acordo com a Alemanha mais vantajoso do que Trótski.
«Vichínski - Quando teve o encontro no qual planearam abrir a frente aos alemães?
«Bukhárine - Quando eu perguntei a Tómski como via ele o mecanismo do golpe de estado, respondeu-me que essa era a tarefa da organização militar que devia abrir a frente.
«Vichínski - Então Tómski preparou-se para abrir a frente?
«Bukhárine - Ele não disse isso.
«Vichínski - Tómski disse “abrir a frente”?
«Bukhárine - Vou dizer-lhe exactamente.
«Vichínski - Que disse ele então?
«Bukhárine - Tómski disse que aquilo dizia respeito à organização militar que devia abrir a frente.
«Vichínski - Porque é que ela devia abrir a frente?
«Bukhárine - Ele não o disse.
«Vichínski - Porque é que ela devia abrir a frente?
«Bukhárine - Do meu ponto de vista ela não devia abrir a frente.
«Vichínski - E do ponto de vista de Tómski?
«Bukhárine - Se não levantou objecções é porque, provavelmente, estava de acordo em três quartos.»(109)
Nas declarações que fez, Bukhárine reconheceu que a sua orientação revisionista o levou a procurar relações ilegais com outros opositores, que apostou em revoltas no país para tomar o poder e que adoptou a táctica do terrorismo e do golpe de Estado.
Na sua biografia de Bukhárine, Cohen tenta corrigir «a falsa ideia largamente divulgada» segundo a qual Bukhárine «teria confessado crimes hediondos» com o objectivo de «se arrepender sinceramente da sua oposição a Stáline, prestando assim um último serviço ao Partido.»(110)
Eis como Cohen se livra de apuros.
«O plano de Bukhárine», afirma Cohen, era «transformar o seu processo num contraprocesso ao regime stalinista».
A sua táctica consistia em confessar-se «politicamente responsável por tudo», mas ao mesmo tempo em «negar terminantemente qualquer crime em concreto». Bukhárine dava a entender, insiste Cohen, que, ao falar da sua «organização contra-revolucionária» e do seu «bloco anti-soviético», estava a referir-se ao «velho partido bolchevique».
«Quando Bukhárine declarou: “Eu assumo a responsabilidade pelo bloco”, queria dizer: pelo bolchevismo”».(111)
Um achado... Cohen. Este porta-voz dos interesses americanos podia permitir-se uma tal pirueta pois nenhum dos seus leitores iria verificar as actas do julgamento.
Ora é bastante instrutivo estudar as passagens-chave do testemunho que Bukhárine prestou diante do tribunal sobre a sua evolução política. Bukhárine estava suficientemente lúcido para reconhecer as etapas da sua própria degenerescência e para compreender como se enredou nas malhas de um complot contra-revolucionário. Bem podem Cohen e a burguesia esforçar-se para desculpar o «bolchevique» Bukhárine. Para os comunistas, as confissões de Bukhárine oferecem preciosas lições sobre os mecanismos da degenerescência lenta e da subversão anti-socialista. Elas ajudam a compreender o aparecimento, mais tarde, de figuras como Khruchov e Mikoian, Bréjnev e Gorbatchov.
Eis o texto, é Bukhárine quem fala:
«Aparentemente, os contra-revolucionários de direita representavam no início um “desvio”. (...) Desenvolveu-se em nós um processo muito curioso de sobrestimação da exploração individual, a passagem gradual à sua idealização, à idealização do proprietário. No programa, a exploração próspera do camponês individual; e o kulaque, quanto ao fundo, converte-se num fim em si. O kolkhoz é a música do futuro. É preciso multiplicar os proprietários ricos. Tal foi a formidável reviravolta na nossa forma de ver.
«Já em 1928, eu próprio tinha dado uma fórmula relativa à exploração militar-feudal do campesinato: imputava os custos da luta de classes não à classe hostil ao proletariado, mas justamente à direcção do próprio proletariado. (... ) Se quisermos formular a minha plataforma na prática, ela seria no que dizia respeito à economia: o capitalismo de Estado, o mujique abastado, proteger os seus bens, a redução dos kolkhozes, as concessões estrangeiras, o abandono do monopólio do comércio externo e, como resultado, a restauração do capitalismo. (...) O nosso programa era de facto um deslizamento para a liberdade democrática burguesa, para a coligação do bloco com os mencheviques, com os socialistas revolucionários e os outros, porque daí decorria a liberdade dos partidos, das coligações. Quando escolhemos os nossos aliados para derrubar o governo, eles serão amanhã, em caso de eventual vitória, co-participantes no poder. (... )
«É em 1928-1929 que se dá a minha aproximação com Tómski e Ríkov. De seguida vieram as ligações e as sondagens entre os membros do Comité Central da altura, as conferências clandestinas, ilegais em relação ao Comité Central. (...) Foi então que começaram as diligências para um bloco. Primeiro, a minha conversa com Kámenev, no seu domicílio. Em segundo lugar, a minha entrevista com Piatakov, no hospital, à qual assistiu também Kámenev. Em terceiro lugar, o meu encontro com Kámenev, na casa de campo de Chmidt.(...)
«A etapa seguinte começa em 1930-1931. O país conheceu então um forte agravamento da luta de classes, a sabotagem dos kulaques, a resistência da classe dos kulaques à política do Partido, etc. (...) O trio (Bukhárine—Ríkov—Tómski) tornara-se um centro ilegal. Se antes liderava os meios da oposição, agora era o centro da organização contra-revolucionária clandestina. (...) Enukídze aderiu activamente a este centro clandestino, ao qual se ligou por intermédio de Tómski. (... )
«Perto do final de 1931, os participantes daquilo a que se chamou a “Escola de Bukhárine” foram enviados para a província, para Vorónej, Samara, Leningrado, Novossibirsk, e já nesta época a sua transferência foi utilizada com fins contra- revolucionários. (...)
«Por volta do Outono de 1932 começou a etapa seguinte do desenvolvimento da organização dos direitistas, a saber: a passagem à táctica do derrubamento do Poder dos Sovietes pela violência. (... ) Eu dato-a do momento em que foi elaborada a plataforma dita de Riútine. (...) Era uma plataforma de uma organização contra- revolucionária de direitistas. (... ) Tinha sido aprovada em nome do centro dos direitistas. A plataforma de Riútine previa: a “revolução de palácio”, terrorismo, orientação para uma aliança directa com os trotskistas.
«Foi nesta época que amadureceu a ideia de uma “revolução de palácio”. No começo, esta ideia foi formulada por Tómski, que estava ligado a Enukídze. Tómski via a possibilidade de utilizar a posição oficial de Enukídze, que tinha nessa altura autoridade sobre a guarda do Krémline. (...) Foram recrutados homens para realizar a “revolução de palácio”. É então que se concretiza o bloco político com Zinóviev. Durante este período tiveram lugar reuniões com Sirtsov e Lominádze. (...) No decorrer de um encontro realizado no Verão de 1932, Piatakov falou-me da sua reunião com Sedov, da directiva de Trótski relativa ao terrorismo. Nesse momento considerámos, Piatakov e eu, que essas ideias não eram as nossas; mas decidimos que poderíamos encontrar rapidamente uma linguagem comum e que os desacordos relativos à luta contra o Poder dos Sovietes seriam dirimidos. (... )
«A criação do grupo de conspiradores no Exército Vermelho data deste período. Soube disso através de Tómski, que fora informado directamente por Enukídze com o qual mantinha relações pessoais. (...) Tómski e Enukídze informaram-me de que os direitistas, zinovievista e trotskistas tinham-se unido na direcção do Exército Vermelho; deram-me os nomes de Tukhatchévski, Kork, Primakov e Pútna.
A ligação com o centro dos direitistas efectuava-se então através da seguinte linha: grupo militar, Enukídze, Tómski e os outros.»(112)
«Em 1933-1934, a classe dos kulaques foi esmagada, o movimento insurreccional deixara de fazer parte do domínio das possibilidades. Seguiu-se então um período no qual a ideia central da organização dos direitistas foi orientar-se para um complot, para um golpe de estado contra-revolucionário. (... )
«As forças do complot eram as forças de Enukídze mais as de Iágoda, as respectivas organizações no Krémline e no Comissariado do Povo dos Assuntos Internos. Nessa altura, tanto quanto me lembro, Enukídze conseguiu envolver o antigo comandante do Krémline, Peterson, que, refira-se a propósito, tinha sido no seu tempo comandante do comboio de Trótski. Depois vinha a organização militar dos conspiradores: Tukhatchévski, Kork e outros.»(113)
«Por alturas do XVII Congresso do Partido, surgiu a ideia, sugerida por Tómski, de fazer coincidir o golpe de estado com o Congresso, utilizando a força armada contra- revolucionária. Na ideia de Tómski, a prisão dos participantes do XVII Congresso do Partido - um crime monstruoso - deveria fazer parte integrante do golpe de estado. A proposta de Tómski foi examinada, à pressa é certo. Foram levantadas objecções de todas as partes. (...) Piatakov pronunciou-se contra a ideia por considerações tácticas, uma vez que provocaria uma indignação excepcional entre as massas. (... ) Mas só o facto de essa ideia ter vindo ao espírito e ter sido examinada testemunha com suficiente clareza o carácter monstruoso e criminoso desta organização.»(114)
«No Verão de 1934, Rádek disse-me que tinham chegado directivas de Trótski, que Trótski estava em conversações com os alemães e que já lhes tinha prometido algumas concessões territoriais, entre outras a Ucrânia. (...) É preciso dizer que, nessa época, eu colocava objecções a Rádek. Ele confirmou-o durante a nossa acareação; eu considerava que era indispensável que ele, Rádek, escrevesse a Trótski para lhe dizer que tinha ido demasiado longe nessas conversações e que se arriscava não só a comprometer-se a si próprio, mas a comprometer todos os seus aliados e muito particularmente nós, os conspiradores direitistas, o que tornaria o nosso fracasso inevitável. Eu considerava que, tendo em conta o patriotismo das massas, a atitude de Trótski não era racional do ponto de vista político e táctico. (...)
«A partir do momento em que foi colocada a questão do golpe de estado militar, o papel do grupo de conspiradores militares tornou-se, pela própria lógica das coisas, particularmente importante. É precisamente esta parte das forças contra- revolucionárias, que dispunha então de forças materiais e, portanto, de forças políticas consideráveis, que poderia criar um perigo de tipo bonapartista. Quanto aos bonapartistas - tenho sobretudo em vista Tukhatchévski - a sua primeira preocupação seria de liquidar, a exemplo de Napoleão, os seus aliados, aqueles que, por assim dizer, o tinham inspirado. Nos nossos encontros, sempre designei Tukhatchévski com a expressão de “pequeno Napoleão virtual”; ora sabemos o que Napoleão fazia com os chamados ideólogos.
«Vichínski - E você considera-se como um ideólogo?
«Bukhárine - Entre outros como ideólogo do golpe de estado contra-revolucionário e como um homem que o põe em prática. Evidentemente que teríeis preferido que dissesse que me considero um espião, mas não me considero de forma alguma como tal.
«Vichínski - E, no entanto, isso teria sido mais exacto.
«Bukhárine - É a sua opinião, não a minha.»(115).
Quando chega por fim o momento da sua última declaração, Bukhárine já se sabia um homem morto. É possível que Cohen possa ler nas suas palavras uma «defesa hábil do verdadeiro bolchevismo» e uma «denúncia do stalinismo». Um comunista, ao contrário, verá nelas um homem que lutou durante muito tempo pelo socialismo, que se desviou irremediavelmente para o revisionismo e que, diante da tumba, se dá conta que, no contexto de uma luta de classes nacional e internacional muito severa, o revisionismo tinha-o conduzido à traição.
«A lógica pura da luta foi acompanhada de uma degenerescência das ideias, de uma degenerescência psicológica. (...) Desta forma, parece-me verosímil que cada um de nós, que estamos neste banco dos réus, tenha tido um singular desdobramento da consciência, uma fé incompleta no nosso labor contra-revolucionário. (...) Daí esta espécie de semiparalisia da vontade, este torpor dos reflexos.
«(...) A contradição entre a aceleração da nossa degenerescência e o adormecimento dos reflexos traduz a situação do contra-revolucionário que cresce no quadro da edificação socialista em progresso. Criou-se aqui uma dupla psicologia. (...)
«Com frequência eu próprio me entusiasmava, glorificando nos meus escritos a edificação socialista; mas, no dia seguinte, contradizia-me pelas minhas acções práticas de carácter criminoso. Formou-se aquilo a que se chamou na filosofia de Hegel uma consciência infeliz. Esta consciência infeliz diferia da consciência ordinária por ser ao mesmo tempo uma consciência criminosa. O que faz o poder do Estado proletário não é apenas o facto de ter esmagado os bandos contra-revolucionários, mas também de ter decomposto interiormente os seus inimigos, desorganizado a sua vontade. Coisa que não existia em nenhuma parte e não poderá existir em nenhum país capitalista. (...)
«O arrependimento é muitas vezes explicado com todo o tipo de coisas absolutamente absurdas, como, por exemplo, pós deperlimpimpim, etc.. Quanto a mim, afirmo que na prisão onde permaneci quase um ano, trabalhei, ocupei-me, conservei a lucidez de espírito.
«Fala-se de hipnose. Mas neste processo eu assumi a minha defesa jurídica, orientei- me em cada instante, polemizei com o procurador. E qualquer pessoa, mesmo que não tenha muita experiência nos diferentes ramos da medicina, será forçada a reconhecer que não poderia haver aqui hipnose. (...)
«Agora quero falar de mim próprio, das causas que me levaram ao arrependimento. Desde logo, é preciso dizer que as provas da minha culpabilidade desempenham, também elas, um papel importante. Durante três meses limitei-me a negar. Depois enveredei pela via da confissão. Porquê? A razão é que durante a minha prisão reexaminei todo o meu passado. Porque quando nos perguntamos: Se vais morrer, morrerás em nome de quê? É então que subitamente aparece com uma nitidez penetrante um abismo absolutamente negro. Não há nada em nome de que valha a pena morrer se quisesse morrer sem confessar a minha culpa. E, ao invés, todos os factos positivos que resplandecem na União Soviética assumem proporções diferentes na consciência do homem. Foi isso que no fim de contas me desarmou definitivamente; foi isso que me forçou a dobrar os joelhos diante do Partido e diante do País. (...)
«É claro que não se trata aqui de arrependimento, muito menos do meu arrependimento. Mesmo sem isso, o tribunal pode ler o seu veredicto. As confissões dos acusados não são obrigatórias. A confissão dos acusados é um princípio jurídico medieval. Mas há nela uma derrota interior das forças da contra-revolução. E é preciso ser Trótski para não desarmar. É meu dever demonstrar aqui que, na panóplia das forças que formaram a táctica contra-revolucionária, Trótski foi o principal motor do movimento. E que as posições violentas — o terrorismo, a espionagem, o desmembramento da URSS, a sabotagem — provinham em primeiro lugar dessa fonte.
«A priori, posso presumir que Trótski e os meus outros aliados nesses crimes, assim como a II Internacional — tanto mais que falei com Nikoláievski - procurarão defender-nos, a mim sobretudo. Eu rejeito essa defesa, uma vez que me ajoelhei diante do País, diante do Partido, diante de todo o povo.»(116)
Stephen F. Cohen publicou em 1973 uma biografia elogiosa de Bukhárine, em que o apresenta como «o último bolchevique». É comovente ver como um adversário resoluto do comunismo «chora o fim de Bukhárine e do bolchevismo russo!»(117)
Com esse objectivo, Cohen dá relevo ao pensamento de outro adepto de Bukhárine, Roy Medvédev:
«O stalinismo não pode ser considerado como o marxismo-leninismo de três decénios. Stáline introduziu uma perversão na teoria e na prática do movimento comunista. O processo de purificação do movimento comunista, de eliminação das camadas de sordidez stalinista, ainda não foi realizado.»(118)
Cohen e Medvédev apresentam a política leninista prosseguida por Stáline como uma «perversão» do leninismo e propõem, eles que são adversários do bolchevismo, «a purificação do movimento comunista»! É claro que se trata de uma táctica desenvolvida na perfeição ao longo de decénios. Quando uma revolução triunfa e se consolida, os seus piores inimigos apresentam-se como os defensores mais firmes da «revolução autêntica», contra os seus dirigentes que «traíram o ideal inicial». Não obstante, esta tese de Cohen e de Medvédev foi repetida por quase todos os comunistas khruchovistas. Mesmo Fidel Castro, também ele influenciado pelas teorias de Khruchov, nem sempre escapa a esta tentação. E, no entanto, a mesma táctica foi utilizada contra a revolução cubana. Desde 1961 que a CIA lançou uma ofensiva em «defesa da revolução cubana», contra o usurpador Fidel Castro, que a tinha «traído»...
Em 1948, a Jugoslávia tornou-se o primeiro país socialista a voltar-se para o bukharinismo. Tito recebeu o apoio decidido dos Estados Unidos. A partir de então, as teorias titistas infiltraram-se na maior parte dos países da Europa de Leste.
O livro de Cohen, Bukharin and the Bolshevik Revolution, e o publicado pelo social-democrata inglês Ken Coates, presidente da Bertrand Russel Peace Foundation, serviram de base à campanha internacional de reabilitação de Bukhárine durante os anos 70. Esta campanha aliava os revisionistas dos partidos comunistas italiano e francês aos sociais-democratas — desde Pelikan a Gilles Martinet — e, é claro, às diversas seitas trotskistas.
Estas mesmas correntes apoiariam Gorbatchov até ao dia da sua queda. Todos afirmaram que Bukhárine representava uma «alternativa» bolchevique ao stalinismo e alguns chegaram a proclamá-lo precursor do eurocomunismo.(119)
Logo em 1973, a orientação de toda esta campanha foi dada por Cohen:
«As ideias e as políticas de estilo bukhariniano voltaram a estar em relevo. Na Jugoslávia, Hungria, Polónia e Checoslováquia, reformadores comunistas advogam o socialismo de mercado, uma planificação e um crescimento económico equilibrados, um desenvolvimento evolucionista, a paz civil, um sector agrícola misto e a aceitação do pluralismo social e cultural no quadro de um Estado de partido único.»(120)
É uma definição perfeita da contra-revolução de veludo que finalmente triunfou nos anos 19881989 na Europa de Leste.
«Se os reformadores conseguirem criar um comunismo mais liberal, um “socialismo de rosto humano”, a visão de Bukhárine e a ordem de tipo NEP que ele defendeu poderão aparecer, finalmente, como a verdadeira prefiguração do futuro comunista - a alternativa ao stalinismo depois de Stáline.»(121)
Gorbatchov, apoiando-se nas experiências de «vanguarda» dos países da Europa de Leste nos anos 60 e 70, também adoptou o velho programa de Bukhárine. É inútil acrescentar que Cohen foi acolhido e aclamado na União Soviética de Gorbatchov como um grande precursor do «novo pensamento» e da «renovação socialista». Acrescentemos que a «escola de Bukhárine» ganhou influência na China de Deng Xiaoping.
A 26 de Maio de 1937, o marechal Tukhatchévski e os comandantes Iakir, Ubórevitch, Eideman, Kork, Pútna, Feldman e Primakov foram presos e julgados por um tribunal militar. Em 12 de Julho foi anunciada a sua execução.
Desde o início de Maio que pesavam suspeitas sobre eles. A 8 de Maio, foi reintroduzido no exército o sistema dos comissários políticos. A reintrodução deste sistema, criado na Guerra Civil, reflectia o receio do Partido das tendências bonapartistas no seio do exército.(122) Os comissários políticos tinham deixado de exercer controlo sobre os oficiais superiores em 1927, através de uma directiva de 13 de Maio do comissário da Defesa. O comando militar passou a ter a responsabilidade da «direcção política geral, com o objectivo de realizar uma coordenação integral dos assuntos militares e políticos nas unidades». O seu «assistente político» tornou-se responsável pelo «conjunto do trabalho do Partido»; tinha o dever de informar o comando sobre as condições políticas da unidade.(123)
A Academia Político-Militar Tolmachev de Leningrado e os comissários da região militar da Bielorússia protestaram contra a «desvalorização e diminuição do papel dos órgãos políticos do Partido».(124) Blomberg, um oficial superior alemão, no relatório que elaborou após uma missão na URSS em 1928, anotou:
«Pontos de vista puramente militares tomam cada vez mais importância; tudo o resto está subordinado.»(125)
Como muitos dos soldados vinham do campo, a influência dos kulaques fazia-se sentir fortemente no exército. Unchlikht, oficial superior, afirmou em 1928 e 1929 que o perigo do desvio social-democrata era maior no exército do que nas organizações civis do Partido.(126)
Em 1930, dez por cento do corpo de oficiais, ou seja, 4500 militares, eram antigos oficiais tsaristas. No Outono de 1919, quando se procedeu ao saneamento das instituições, Unchlikht impediu o lançamento de um grande movimento contra os antigos oficiais tsaristas no exército.(127) Todos estes elementos explicam a persistência de influências burguesas no exército, que o tornaram num dos corpos menos fiáveis do sistema socialista.
Em 1937-1938, V. Likhachov era oficial do Exército Vermelho no Extremo-Oriente. No seu livro, A Conspiração no Extremo-Oriente, afirma que houve efectivamente uma grande conspiração no seio do exército.(128)
O jornalista Alexandre Werth, no seu livro Moscovo 41, escreveu um capítulo intitulado «O processo de Tukhatchévski», onde se lê:
«Estou também convencido de que a purga no Exército Vermelho teve muito a ver com o receio de Stáline da iminência da guerra com a Alemanha. Quem era Tukhatchévski? Pessoas do Deuxiéme Bureau Français [serviços de informações militares] há muito que me diziam que Tukhatchévski era pró-alemão. E os checos contaram-me a história extraordinária da visita de Tukhatchévski a Praga, onde, no final de um banquete - estava bastante embriagado — deixou escapar que um acordo com Hitler era a única esperança para a Checoslováquia e para a Rússia. E começou a injuriar Stáline. Os checos não deixaram de relatar isso ao Krémline, e foi o fim de Tukhatchévski — e de muitos dos seus partidários.»(129)
O embaixador americano em Moscovo, Joseph Davies, anotou as suas impressões, a 30 de Junho e a 4 de Julho de 1937.
«Disse a Litvínov que as reacções suscitadas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental pelas purgas e a execução dos generais eram claramente negativas. (...) Litvínov foi muito franco. Disse que o governo tinha de “se assegurar”, através daquelas purgas, de que não haveria traição possível na Rússia em proveito de Berlim ou de Tóquio e que o mundo viria um dia a compreender que o governo soviético agiu daquela forma para se proteger contra uma “traição ameaçadora”. Na realidade, dizia ele, a Rússia está a prestar um serviço ao mundo inteiro protegendo-se contra a ameaça que constitui o sonho de Hitler e dos nazis de dominarem o universo, e conservando assim a força da União Soviética como uma muralha contra a ameaça nazi. Um dia, dizia ele, o mundo verá o tão grande homem que é Stáline.»(130)
Mais adiante, Davies escreveu:
«Os espíritos mais sérios parecem crer com toda a probabilidade que estava em vias de execução pelo exército um golpe de estado, um complot que era menos dirigido contra Stáline pessoalmente do que contra o sistema administrativo e o Partido, e que Stáline o tinha surpreendido com a sua presteza, a sua audácia e a sua força habitual.»(131)
Em 1937, Abdurakhmane Avtórkhanov trabalhava num serviço do Comité Central do partido bolchevique. Este nacionalista burguês afirma ter estado em estreita relação com os chefes da oposição e com os caucasianos membros do Comité Central. No seu livro, Stáline no Poder, lamenta que Tukhatchévski não tenha tomado o poder em 1937 e afirma que, no início desse ano, após a sua viagem à Inglaterra, Tukhatchévski fez perante os oficiais superiores a seguinte declaração:
«O que caracteriza o exército de Sua Majestade britânica é que, à sua cabeça, nunca poderiam estar agentes da Scotland Yard (alusão ao papel da Segurança do Estado na URSS). Quanto aos sapateiros (alusão ao pai de Stáline), só são admitidos nos depósitos da intendência e mesmo assim sem cartão do Partido. Os ingleses não falam de bom grado do seu patriotismo, pois parece-lhes natural ser unicamente inglês. Não há em Inglaterra uma linha direita, curva ou “geral”, só há uma política inglesa, que um lorde ou um operário, um conservador ou um socialista, um oficial ou um soldado servem com o mesmo zelo. É certo que o soldado britânico é um ignorante completo no que respeita à história do Partido e aos índices de produção (alusão à educação política no Exército Vermelho) mas, em contrapartida, conhece a topografia do mundo tão bem quanto a área da sua casa. Neste país, o rei é coberto de honras, mas não tem poder pessoal. Para a carreira de oficial, duas qualidades são necessárias: a coragem e o conhecimento.»(132)
Robert Coulondre foi embaixador da França em Moscovo em 1936-1938. Nas suas Memórias evoca o terror da revolução francesa que, em 1792, esmagou os aristocratas e preparou o povo francês para a guerra contra os estados reaccionários europeus. Na altura, os inimigos da revolução francesa, nomeadamente a Inglaterra e a Rússia, interpretaram o terror revolucionário como um prenúncio da derrocada do regime. Ora o contrário era verdadeiro. A mesma coisa, observa Coulondre, se passa hoje com a revolução soviética.
«Pouco depois da prisão de Tukhatchévski, o ministro da Lituânia, que tinha contactos com vários dirigentes bolcheviques, disse-me que o marechal, irritado com os entraves que o Partido Comunista colocava ao desenvolvimento do poder militar russo, sobretudo a uma boa organização do exército, tinha efectivamente assumido a cabeça de um movimento que visava jugular o Partido e instaurar uma ditadura militar. (... ) A minha correspondência poderá testemunhar que atribuí ao “terror soviético” o seu verdadeiro sentido. Não é possível concluir, como não tenho cessado de escrever, que o regime esteja a erodir-se ou que as forças russas estejam esgotadas. Trata-se, pelo contrário, da crise de crescimento de um país que se engrandece rapidamente.»(133)
Churchill escreve nas suas Memórias que Hitler prometeu a Benès, presidente da Checoslováquia, respeitar a integridade do seu país com a condição de que se comprometesse a permanecer neutro em caso de guerra franco-alemã.
«Durante o Outono de 1936, o presidente Benès recebeu uma mensagem de uma alta personalidade militar alemã informando-o de que, se queria aproveitar as ofertas de Hitler, deveria apressar-se, pois em breve iriam ter lugar acontecimentos na Rússia que permitiriam à Alemanha dispensar a ajuda dos checos.
«Enquanto Benès meditava sobre o sentido daquela alusão inquietante, teve conhecimento de que o governo alemão estava em contacto com importantes personalidades russas através do canal da embaixada soviética em Praga. Isto fazia parte do que se chamou a conspiração militar e o complot da velha guarda comunista, que visavam derrubar Stáline e instaurar na Rússia um novo regime cuja política seria pró-alemã. Pouco depois foi levada a cabo na Rússia soviética uma purga impiedosa, mas inquestionavelmente útil, que depurou os meios políticos e económicos. (... ) O exército russo foi purgado dos seus elementos pró-alemães e o seu valor militar sofreu cruelmente. O governo soviético estava agora fortemente prevenido contra a Alemanha. Bem entendido, Hitler leu com muita clareza os acontecimentos mas, tanto quanto o saiba, os governos britânico e francês não foram tão bem esclarecidos sobre o que se passou. Para o Sr. Chamberlain, para os estados-maiores britânico e francês, a depuração de 1937foi, sobretudo, um episódio da rivalidade que dilacerava o interior do exército russo e isso deu-lhes a imagem de uma União Soviética dilacerada por ódios e vinganças inexpiáveis.»(134)
O trotskista Deutscher raramente perde uma ocasião para obscurecer e caluniar Stáline. No entanto, ele que afirmava que na base dos processos de Moscovo não havia senão uma «conspiração imaginária», viu-se obrigado a escrever a propósito da execução de Tukhatchévski:
«Todas as versões não stalinistas concordam num ponto: os generais projectavam efectivamente um golpe de estado. Fizeram-no por razões pessoais e iniciativa própria, sem estarem concertados com uma potência estrangeira. O episódio principal deste golpe de estado consistia numa revolta de palácio no Krémline que resultaria no assassinato de Stáline. Uma operação militar decisiva estava igualmente projectada para fora do Krémline, a tomada por assalto do quartel-general da GPU. Tukhatchévski era a alma da conspiração (...). Por outro lado, era o único dos chefes militares e civis da época que, em numerosos aspectos, se parecia com o Bonaparte original e teria podido desempenhar o papel de Primeiro Cônsul russo. O comissário político chefe do Exército, Gamarnik, que mais tarde se suicidou, fazia parte do complot. O general Iakir, comandante de Leningrado, deveria assegurar a cooperação da sua guarnição. Os generais Ubórevitch, comandante da Academia Militar de Moscovo, Primakov, adjunto de Budiónni no comando da Cavalaria, e alguns outros, estiveram igualmente no complot.»(135)
Deutscher, anticomunista consequente, mesmo quando aceita a veracidade do complot de Tukhatchévski, apressa-se a sublinhar as «boas intenções» dos conspiradores, que queriam «salvar o exército e o País do terror louco provocado pelas purgas», e assegura aos leitores que Tukhatchévski nunca agiu de modo nenhum «no interesse da Alemanha».(136)
O nazi Léon Degrelle, num escrito de 1977, faz referência ao caso Tukhatchévski nestes termos:
«Quem em plena França da Revolução teria podido pensar, no tempo dos crimes do Terror, que surgiria pouco depois um Bonaparte que levantaria com punho de ferro a França tombada no fundo do abismo? Em apenas alguns anos, este Bonaparte esteve prestes a criar a Europa unida! Um Bonaparte russo pode também surgir. O jovem marechal Tukhatchévski, que foi levado à morte por Stáline sob conselho de Benès, tinha essa estatura em 1937.»(137)
Em 8 de Maio de 1943, Goebbels anotou no seu diário algumas conversas de Hitler que mostram que os nazis compreendiam perfeitamente a vantagem que poderiam retirar das correntes oposicionistas e derrotistas no seio do Exército Vermelho.
«O führer explicou uma vez mais o caso Tukhatchévski e exprimiu a opinião de que nós estávamos absolutamente errados quando acreditámos que Stáline iria dessa forma arruinar o Exército Vermelho. O contrário é que era verdadeiro: Stáline desembaraçou-se de todos os círculos oposicionistas do Exército Vermelho e assim conseguiu acabar com a corrente derrotista no exército. (... ) Em relação a nós, Stáline tinha a vantagem suplementar de não ter oposição social, pois o bolchevismo tinha-a também suprimido durante as liquidações destes últimos 25 anos. (...) O bolchevismo eliminou esse perigo a tempo e pôde assim dirigir toda a sua força contra o seu inimigo.»(138)
Reproduzimos também a opinião de Mólotov, que, juntamente com Káganovitch, foi o único membro do Bureau Político de 1953 que nunca renegou o seu passado revolucionário. Nas entrevistas que deu, durante os anos 80, recordou as condições da depuração.
«Durante esse período reinava uma tensão extrema, era necessário agir sem qualquer piedade. Eu creio que se justificava. Se Tukhatchévski, Iakir, Ríkov e Zinóviev tivessem lançado a sua oposição em tempo de guerra, teria havido uma luta extremamente dura, o número de vítimas teria sido colossal. Colossal. Os dois lados seriam condenados ao desastre. Eles tinham ligações que chegavam até Hitler. Assim tão longe. Trótski tinha ligações semelhantes, não há que ter dúvidas. Hitler era um aventureiro e Trótski também, tinham traços comuns. E os direitistas, Bukhárine e Ríkov, estavam ligados a eles. E, é claro, muitos dirigentes militares.»(139)
Num estudo financiado pelo exército americano e realizado no quadro da Rand Corporation, Roman Kolkowicz analisou as relações entre o Partido e o exército na União Soviética segundo o ponto de vista político reinante nos serviços de informação militares dos EUA. É interessante notar que ele apoia todas as tendências que defendiam o profissionalismo, o apolitismo, o militarismo e os privilégios, que se tinham desenvolvido no seio do Exército Vermelho desde os anos 20. E, evidentemente, Kolkowicz critica Stáline por ter reprimido estas tendências burguesas e militaristas.
Após explicar que Stáline definiu o estatuto do exército na sociedade socialista nos anos 20, Kollowicz escreve:
«O Exército Vermelho saiu deste processo como um adjunto da elite do Partido no poder; foi recusada a autoridade total aos oficiais, necessária para o exercício da profissão militar; estes eram mantidos num estado de incerteza permanente sobre a sua carreira; e a comunidade militar, que tende para o exclusivismo, era forçada a abrir-se devido a um elaborado sistema de controlo e doutrinação.»
Em seguida,
«Stáline lançou um programa maciço para assegurar ao exército soviético armas, equipamentos e logística modernos, mas continuava preocupado com a tendência dos militares para o elitismo e a exclusividade, propensão que se acentuou com o seu renascimento profissional. Esta desconfiança tornou-se tão dominante que, no momento em que um perigo iminente de guerra se apresentava na Europa, Stáline golpeou os militares durante as purgas maciças de 1937. (...) Cercados por todos os lados pela polícia secreta, pelos órgãos políticos, pelas organizações do Partido e do Komsomol, os militares viram a sua liberdade de acção severamente limitada.»(140)
Eis-nos informados sobre aquilo que o exército americano mais «detestava» no Exército Vermelho: a formação política (a «doutrinação») e o controlo político (pelos órgãos políticos, pelo Partido e o Komsomol, pela Segurança). Em contrapartida, o exército americano sempre viu com bons olhos as tendências de autonomia e dos privilégios dos oficiais superiores («o elitismo») e o militarismo («a exclusividade»).
As purgas são analisadas por Kolkowicz como uma etapa na luta do Partido, dirigida por Stáline, contra as tendências «profissionalizantes» e bonapartistas entre os oficiais superiores. Essas correntes burguesas não puderam impor-se senão após a morte de Stáline.
«Com a morte de Stáline e a divisão no seio do Partido que se seguiu, os mecanismos de controlo foram enfraquecidos e os interesses e valores próprios dos militares passaram a exprimir-se abertamente. Largos sectores do exército encontraram o seu porta-voz na pessoa do marechal Júkov, que conseguiu desembaraçar a elite militar do controlo invasor dos órgãos políticos. Ele introduziu uma disciplina estrita, a separação das patentes militares e requereu a reabilitação dos dirigentes militares depurados, bem como a punição daqueles que os haviam atormentado.»(141) Cabe aqui notar que Júkov foi o braço armado de Khruchov para os seus dois golpes de estado, em 1953 (o caso Béria) e em 1957 (o caso Mólotov—Malenkov—Káganovitch).
Mas não será aberrante admitir que generais do Exército Vermelho tivessem podido encarar uma colaboração com Hitler? Mesmo que não fossem bons comunistas, esses militares não seriam pelo menos nacionalistas? A esta pergunta respondemos para já com outra pergunta. Por que é que tal hipótese seria mais aberrante na União Soviética do que na França, por exemplo? O marechal Pétain, o vencedor de Verdun, não era ele o símbolo do patriotismo chauvinista francês? O general Weygand e o almirante Darlan não eram eles defensores encarniçados do colonialismo francês? No entanto, tornaram- se personalidades-chave na colaboração francesa. Será que, para todas as forças nostálgicas da livre empresa, a destruição do capitalismo e a repressão da burguesia na União Soviética não constituíam motivos suplementares para colaborar com o «capitalismo dinâmico» alemão? E a II Guerra Mundial não mostrou que a tendência representada por Pétain em França existia também em certos oficiais soviéticos?
No final de 1941, o general Vlássov desempenhou um papel importante na defesa de Moscovo. Preso em 1942 pelos alemães, passa-se para o seu lado. Mas é só em 16 de Setembro de 1944, após uma entrevista com Himmler, que recebe a autorização oficial para criar o seu exército de libertação russo, do qual formara já a primeira divisão em 1943. Outros oficiais prisioneiros colocaram-se também ao serviço dos nazis, eis alguns nomes: o major-general Trukhíne, chefe da secção operacional do Estado-Maior da região do Báltico, professor na academia do Estado-Maior General. O major-general Malíchkine, chefe do Estado-Maior do 19.° Exército. O major-general Zakútine, professor da academia do Estado-Maior General. Os majores-generais Blagovéchenski, comandante de brigada, Chapóvalov, comandante de um corpo de artilheiros, e Meándrov, O comissário de brigada Jílenkov, membro do Conselho Militar do 32.° Exército. Os coronéis Máltsev, Zvériev, Neriánine e Buniatchénko, este último comandante da 389ª Divisão Blindada.(142)
Qual era o perfil político destes homens? Cookridge, um antigo agente secreto britânico e historiador do Renseignement, escreveu:
«A comitiva de Vlássov tinha uma curiosa mistura. O mais inteligente dos seus oficiais era o coronel Mileti Zíkov, um judeu. (...) Pertenceu ao movimento dos “desviacionistas de direita” de Bukhárine e, em 1936, foi enviado para a Sibéria por Stáline, para aí se purgar durante quatro anos. O general Malíchkine, antigo chefe do Estado-Maior do Oriente, era também um sobrevivente dos processos de Stáline. Fora preso durante o processo de Tukhatchévski. O general Jílenkov era um antigo comissário político do Exército. Como muitos outros oficiais recrutados por Gehlen, eles tinham sido “reabilitados” no começo da guerra em 1941.»(143)
Assim, ficamos a saber que vários oficiais superiores, condenados e enviados para a Sibéria em 1937, e depois reabilitados no início da guerra, se passaram para o lado de Hitler! Aparentemente, as sanções aplicadas na «grande purga» tinham com frequência algum fundamento.
Para justificar a sua passagem para o lado dos nazis, Vlássov publicou uma carta aberta, que intitulou «Por que me comprometi com a luta contra o bolchevismo?». O que aí se lê é extremamente elucidativo. Desde logo, as críticas que faz ao regime soviético assemelham-se como duas gotas de água às de Trótski e dos ideólogos da direita ocidental.
«Eu via que o operário russo tinha uma vida penosa, que o camponês tinha sido empurrado à força para os kolkhozes, que milhões de russos desapareciam, presos sem qualquer julgamento.»
De seguida Vlássov faz a sua análise sobre o estado do Exército Vermelho:
«O sistema dos comissários desmantelava o Exército Vermelho. A ausência de responsabilidade, a vigilância e a espionagem faziam do comandante um joguete nas mãos dos funcionários do Partido à paisana ou de uniforme. (...) Milhares e milhares entre os melhores comandantes, inclusive marechais, foram presos e fuzilados.»
Concluímos daqui que Vlássov era partidário de um exército profissional, cioso da autonomia militar, liberto do controlo do Partido, exactamente como preconizava o estudo do exército americano que já citámos.
Vlássov explica também como o seu derrotismo o levou a juntar-se aos nazis. Veremos mais adiante que Trótski e os trotskistas desenvolveram uma obstinada propaganda derrotista.
«Via que a guerra estava a ser perdida por duas razões: devido à recusa do povo russo em defender o poder bolchevique e o sistema de violência que tinha criado, e devido à direcção irresponsável do Exército.»
Finalmente, na linguagem «anticapitalista» cara aos nazis, Vlássov explica que a «nova» Rússia devia integrar-se na Europa alemã.
«(É preciso) construir uma Rússia nova, sem bolcheviques e sem capitalistas. (...) Os interesses do povo russo sempre se harmonizaram com os do povo alemão, com os interesses de todos os povos da Europa. O bolchevismo isolou o povo russo da Europa com um muro impenetrável.»(144)
Abrimos um breve parêntese para falarmos de Soljenítsine, que se tornou a voz autorizada dos cinco por cento de tsaristas, burgueses, especuladores, kulaques, proxenetas, mafiosos e vlassovianos que foram a justo título reprimidos pelo poder socialista.
Soljenítsine, esse escritor tsarista, viveu um dilema cruel durante a ocupação nazi. Chauvinista, detestava os invasores alemães. Mas odiava o socialismo com uma paixão bem mais feroz. Também tinha pensamentos ternos pelo general Vlássov, o mais célebre dos colaboradores dos nazis. Se Soljenítsine lamentava um pouco o namoro de Vlássov com Hitler, saudava calorosamente o seu ódio ao bolchevismo.
Após ter sido feito prisioneiro, o general Vlássov traiu a Pátria colaborando com os nazis. Mas Soljenítsine esforçou-se por explicar e justificar a traição deste antigo comandante do II Exército. Escreveu:
«O II Exército de Choque encontrou-se afundado em 75 quilómetros no dispositivo alemão! E foi nesse momento que os aventureiros do grande quartel-general ficaram sem reservas de homens e munições. O Exército ficou privado de reabastecimentos, apesar disso, a autorização de recuar foi recusada a Vlássov. (...) É certo que houve traição à Pátria! É certo que houve abandono pérfido e egoísta. Mas da parte de Stáline. Imperícia e incúria na preparação da guerra, desordem e cobardia no seu comando, sacrifício absurdo de exércitos e de corpos de exército com o único fim de salvar o seu uniforme de marechal - haverá traição mais amarga da parte de um comandante supremo?»(145)
Deste modo, Soljenítsine tomou a defesa do traidor Vlássov contra Stáline. Vejamos por um instante aquilo que realmente se passou no início de 1942. Vários exércitos tinham recebido a ordem de romper o bloqueio alemão de Leninegrado. Mas a ofensiva rapidamente se atolou e o comandante da frente, Khózine, recebeu ordem do quartel-general de Stáline para retirar o exército de Vlássov. O marechal Vassiliévski escreveu:
«Vlássov, que não se distinguia por grandes capacidades de comando e era de natureza extremamente instável e pusilânime, estava em completa inacção. Não fez qualquer tentativa para que as suas tropas operassem uma retirada pronta e dissimulada. (... ) Eu posso confirmar com plena responsabilidade a preocupação ansiosa que o comandante supremo, Stáline, manifestava, de dia para dia, em relação ao destino do II Exército de Choque, e as medidas tomadas para lhe prestar todo o socorro possível. Isso é testemunhado por toda uma série de directivas que me foram ditadas pelo próprio comandante supremo e que pessoalmente escrevi.»(146)
Vlássov passou-se para o inimigo enquanto uma parte considerável de seu exército foi capaz de abrir uma brecha no cerco alemão e salvar-se.
Mas será verdade que estes russos entraram para o exército nazi para combater o povo soviético? Sim, mas, diz Soljenítsine, foi o regime criminoso de Stáline que os impeliu!
«Só o último extremo, o cúmulo do desespero, o ódio insaciável ao regime soviético os pôde conduzir às “unidades Vlássov” da Wehrmacht.»(147)
De resto, diz Soljenítsine, os colaboradores vlassovianos eram mais anticomunistas do que pró-nazis.
«Só no Outono de 1944 é que se começou a constituir divisões propriamente vlassovianas e integralmente russas. O primeiro e último acto de independência das divisões de Vlássov foi desferir um golpe... nos alemães! Vlássov deu ordem às suas divisões para passarem para o lado dos checos insurrectos.»(148)
Esta é a fábula que debitam todos os criminosos nazis das diferentes nacionalidades. Na véspera da derrota dos fascistas alemães, todos descobriram dentro de si uma vocação «nacional e independente» e lembraram-se de que eram «opositores» aos alemães para procurarem protecção sob as asas dos aliados do imperialismo americano!
Soljenítsine não censura os alemães por serem fascistas, mas por serem fascistas estúpidos e míopes. Se tivessem sido inteligentes, os nazis alemães teriam reconhecido o valor dos seus irmãos em armas russos e ter-lhes-iam reconhecido uma certa autonomia.
«Com uma miopia e uma satisfação obtusas, os alemães permitiram-lhes (aos vlassovianos) apenas morrer pelo Reich, impedindo-os de pensar num destino russo independente.»(149)
A guerra ainda causava grandes destroços e o nazismo estava longe de ser batido definitivamente, mas Soljenítsine já começava a apiedar-se da sorte «desumana» dos criminosos vlassovianos presos! No seu livro, descreve a seguinte cena a que assistiu após a limpeza de uma bolsa de nazis no território soviético:
«Vejo um homem de pé, vestido com umas calças alemãs, tronco nu, a cara, o peito, os ombros e as costas todos ensanguentados. Exprimindo-se num russo sem sotaque, gritou-me que o ajudasse. Um sargento fazia-o avançar com chicotadas. Pois bem, tive medo de defender aquele vlassoviano contra o sargento das Secções Especiais. (...) Este quadro ficou-me para sempre gravado nos meus olhos. Por ser quase o símbolo do Arquipélago de Gulag, poderia ilustrar a capa deste livro.»(150)
Devemos agradecer a Soljenítsine esta confissão desconcertante: o homem que melhor encarnou os «milhões de vítimas do stalinismo» era um colaborador nazi!
A depuração no Exército Vermelho é frequentemente apresentada como uma sucessão de actos de repressão cega, marcados pela loucura e o arbítrio; estes processos teriam sido fabricados para assegurar a ditadura pessoal de Stáline. Qual é a realidade? Vejamos um exemplo concreto e muito interessante que nos permite compreender alguns aspectos essenciais. Um coronel do exército soviético, G. A. Tokáev, passou-se para o lado dos ingleses em 1948. Escreveu um livro intitulado Camarada X, verdadeira mina de ouro para aqueles que tentam entender a complexidade da luta no seio do partido bolchevique. Engenheiro mecânico especializado em aeronáutica, Tokáev foi secretário político na Academia da Força Aérea Júkovski de 1937 a 1948. Pertencia portanto aos quadros superiores.(151)
Quando entrou no Partido em 1931, com 22 anos de idade, Tokáev já era membro de uma organização anticomunista clandestina. À cabeça da sua organização encontrava-se um oficial superior do Exército Vermelho, membro influente do Comité Central do partido bolchevique, que Tokáev designa por Camarada X. O grupo clandestino realizava conferências secretas, aprovava resoluções e enviava emissários através do país.
No seu livro, publicado em 1956, Tokáev desenvolve as ideias políticas do seu grupo clandestino. A leitura dos principais pontos do programa adoptado por esta organização é elucidativa. Tokáev apresenta-se como «um liberal e democrata revolucionário.»(152) «Nós», afirma ele,
«éramos inimigos de qualquer pessoa que pensasse dividir o mundo em “nós” e “eles”, em comunistas e anticomunistas.»(153)
O grupo de Tokáev «proclama o ideal da fraternidade universal» e «considera o cristianismo como um dos grandes sistemas de valores humanos universais.»(154)
O grupo de Tokáev era partidário do regime burguês instalado pela revolução de Fevereiro de 1917.
«A revolução de Fevereiro representou ao menos um clarão de democracia, que indicava uma fé latente na democracia do homem da rua.»(155)
No grupo de Tokáev circulava o jornal dos mencheviques no estrangeiro, Sotsialistítcheski Véstnik e o livro do menchevique G. Aaronson, A Alvorada do Terror Vermelho.(156) Tokáev reconhecia o parentesco entre sua organização e a social-democracia internacional.
«O movimento democrático revolucionário está próximo dos socialistas democráticos. Tenho trabalhado em estreita cooperação com muitos socialistas convictos, como Kurt Schumacher. Nomes como Attlee, Bevin, Spaak e Blum significam alguma coisa para a humanidade.»(157)
Tokáev batia-se também pelos «direitos do homem» de todos os anticomunistas.
«Aos nossos olhos, não havia tarefa mais urgente na URSS do que a luta pelos direitos do homem, pelo indivíduo.»(158)
O multipartidarismo e a divisão da URSS em repúblicas independentes eram dois pontos essenciais do programa dos conspiradores.
O grupo de Tokáev, cujos membros eram aparentemente na sua maioria nacionalistas da região do Cáucaso, concordou com um plano de Enukídze que
«visava destruir o stalinismo até às suas raízes e que substituiria a URSS reaccionária de Stáline por uma “união livre de povos livres”. O país seria dividido em dez regiões naturais: os Estados Unidos do Cáucaso do Norte, a República Democrática Ucraniana, a República Democrática de Moscovo, da Sibéria, etc.».(159)
Ao elaborar, em 1939, um plano para o derrubamento do governo de Stáline, o grupo de Tokáev propõe-se
«procurar apoio exterior, em particular junto da II Internacional, e eleger uma nova Assembleia Constituinte cuja primeira medida seria pôr fim ao sistema de partido único.»(160)
Por último, Tokáev tem a opinião de que a Inglaterra
«é o país mais livre e o mais democrático do mundo».(161)
E, após a II Guerra Mundial,
«eu e os meus amigos tornámo-nos grandes admiradores dos Estados Unidos.»(162)
É assaz espantoso ver que temos aqui, quase ponto por ponto, o programa do senhor Gorbatchov. As ideias que esta organização anticomunista clandestina defendia em 19311948 ressurgiram em 1985 na direcção do Partido. Gorbatchov denunciou a divisão do mundo em socialismo e capitalismo e converteu-se aos «valores universais». A partir de 1986, Gorbatchov defende abertamente a aproximação com a social-democracia. O multipartidarismo tornou-se um facto na URSS em 1989. Iéltsine foi dizer ao sr. Chirac que a Revolução de Fevereiro trouxera à Rússia «a esperança democrática». A transformação da «União Soviética reaccionária» numa União de Repúblicas livres foi realizada...
Mas em 1935, quando se bateu pelo programa que viria a ser aplicado 50 anos mais tarde por Gorbatchov, Tokáev tinha consciência de que travava uma luta de morte com a direcção bolchevique.
«No Verão de 1935, nós, os oposicionistas, tanto militares como civis, demo-nos conta plenamente de que tínhamos iniciado uma luta de morte.»(163)
Quem fazia parte do grupo clandestino de Tokáev? Tratava-se essencialmente de oficiais do Exército Vermelho, frequentemente jovens oficiais saídos das academias militares. O seu chefe, cujo nome não é revelado, o «Camarada X», oficial superior, foi membro do Comité Central durante os anos 30 e 40. O chefe do movimento clandestino na Frota do Mar Negro era Riz, capitão-tenente na força naval. Quatro vezes expulso do Partido, foi quatro vezes reintegrado.(164) Os generais Ossepiane, vice-chefe da administração política das Forças Armadas, e Álksnis estavam entre os principais responsáveis pela organização clandestina. Eram muito próximos do general Kachírine. Os três foram presos e executados durante o caso Tukhatchévski(165).
Alguns outros nomes. O tenente-coronel Gaí, morto em 1936 num confronto armado com a polícia. O coronel Kosmodemiánski que «tinha empreendido uma tentativa heróica, mas prematura para derrubar a oligarquia de Stáline».(166) O coronel-general Todórski, chefe da Academia Júkovski, e Smolénski, comissário de divisão, vice-chefe desta academia, responsável pelos assuntos políticos.(167)
Na Ucrânia, o grupo apoiava-se em Nikolai Guenerálov, com quem Tokáev se encontrou em 1931 numa reunião clandestina em Moscovo, e em Lentzer. Os dois foram presos em Dniepropetrovsk, em 1936.(168) Kátia Okmane, filha de um velho bolchevique que entrou em conflito com o Partido no início da revolução, e Klava Eriómenko, ucraniana, viúva de um oficial da aviação naval de Sebastópol, asseguravam as ligações através do país.
Por ocasião da depuração do grupo de Bukhárine («o desvio de direita») e do processo do marechal Tukhatchévski, os membros do grupo de Tokáev são presos e fuzilados na sua maioria.
«Os círculos próximos do Camarada X estavam quase completamente destruídos. A maioria tinha sido presa no caso do “desvio de direita”.»(169) «A nossa situação», diz Tokáev, «tornara-se trágica. Um dos quadros, Belínski, observou que nos tínhamos enganado ao acreditarmos que Stáline era um incapaz, que jamais poderia realizar a industrialização e o desenvolvimento cultural. Riz replicou que ele estava errado, que se tratava de uma luta de gerações e que era preciso preparar o pós-Stáline.»(170)
Apesar de ter uma plataforma anticomunista, a organização clandestina de Tokáev mantinha laços estreitos com as facções de «comunistas reformistas» no seio da direcção do Partido. Em Junho de 1935, Tokáev foi enviado para o Sul. A propósito dessa estadia, faz-nos algumas revelações sobre Enukídze e Cheboldáiev, dois velhos bolcheviques considerados correntemente como vítimas típicas da arbitrariedade de Stáline.
«Uma das minhas tarefas era tentar prevenir um ataque contra alguns dirigentes da oposição do Mar de Azov, do Mar Negro e do Cáucaso do Norte, cujo chefe era B.P. Cheboldáiev, primeiro secretário do Comité do Partido e membro do Comité Central. O nosso movimento não estava totalmente de acordo com o grupo de Cheboldáiev- Enukídze, mas sabíamos o que eles faziam e o Camarada X considerava que era nosso dever revolucionário ajudá-los num momento crítico. Tínhamos divergências sobre alguns detalhes, mas eram homens bravos e honrados que haviam em várias ocasiões salvado membros do nosso grupo e que tinham hipóteses consideráveis de êxito.»
«(Em 1935), os meus contactos pessoais deram-me acesso a alguns documentos altamente secretos do serviço central do Partido, que diziam respeito a “Abu” Enukídze e ao seu grupo. Os documentos permitiram-nos descobrir o que os stalinistas sabiam sobre aqueles que trabalhavam contra eles.»
«Enukídze era um comunista convicto da ala direita. Nos anos 30, era provavelmente o homem mais corajoso no Krémline. O conflito aberto entre Stáline e Enukídze remontava à elaboração da lei de 1 de Dezembro de 1934, adoptada imediatamente a seguir ao assassinato de Kírov. Enukídze tinha entre os subordinados um punhado de homens tecnicamente eficazes e úteis à comunidade, mas que eram anticomunistas.»(171)
Em meados de 1935, Enukídze foi posto sob prisão domiciliária. O tenente-coronel Gaí, dirigente do grupo de Tokáev, organizou a sua fuga. Em Róstov-sobre-o-Don, tiveram um encontro com Cheboldáiev, primeiro-secretário do comité do Partido na região Azov-Mar Negro, Pivovárov, presidente do soviete da região, e Lárine, responsável local. Enukídze e Gaí seguiram depois para Sul, mas foram surpreendidos pelo NKVD já próximo de Baku. Gaí abateu dois homens antes de ser também abatido.(172)
O segundo grupo oposicionista com o qual a organização de Tokáev tinha contactos era o de Bukhárine. Estas ligações já foram acima descritas. Tokáev afirma que o seu grupo tinha relações próximas com uma terceira facção na direcção do Partido, a de Iágoda, o chefe da Segurança.
«Estávamos a par do poder que tinha o chefe do NKVD, Iágoda, no seu papel, não de servidor, mas de inimigo do regime.»(173)
Tokáev diz que Iágoda protegeu muitos dos seus homens que estavam em perigo. Quando Iágoda foi preso, o grupo Tokáev perdeu todas as ligações com a direcção da Segurança. Foi um golpe extremamente duro para o seu movimento clandestino.
«O NKVD, agora dirigido por Ejov, deu passos em frente. O Bureau Político restrito tinha descoberto as conspirações do grupo Enukídze—Cheboldáiev e do grupo Iágoda- Zelínski e havia cortado as ligações da oposição com as instituições centrais da polícia política. (... ) Iágoda foi afastado do NKVD e nós perdemos um importante elo no nosso serviço secreto da oposição.»(174)
Quais eram as intenções, os projectos e as actividades do grupo de Tokáev?
«Muito antes de 1934», diz Tokáev, «o nosso grupo tinha planeado assassinar Kírov e Kalínine, o presidente da União Soviética. Finalmente, foi outro grupo que executou a operação contra Kírov, um grupo com o qual tínhamos contactos.»(175) (...) «Em 1934 houve uma conspiração para iniciar uma revolução com a prisão de todos os stalinistas reunidos no XVII Congresso do Partido.»(176)
Recordemos que Bukhárine falou deste plano, que atribuiu a Enukídze e Tómski durante o seu julgamento processo.
«Klava Eriómenko, uma camarada do grupo, havia proposto matar Stáline em meados de 1936. Ela conhecia oficiais da guarda de Stáline. O Camarada X recusou porque já tinha havido 15 tentativas falhadas que tinham provocado numerosas perdas.(177)
«Em Agosto de 1936 cheguei à conclusão de que devíamos fazer os preparativos para uma insurreição armada geral. Na altura estava seguro, como ainda hoje estou, de que, se o Camarada X tivesse lançado um apelo às armas, muitos grandes homens da URSS ter-se-iam juntado a ele. Em 1936, Álksnis, Egórov, Ossepian e Kachírine tê-lo-iam seguido.»(178)
Note-se que todos estes generais foram executados por participação na conspiração de Tukhatchévski. No entanto, Tokáev considera que em 1936 teriam tido homens suficientes no Exército para realizar um golpe de Estado com êxito, para o qual Bukhárine, ainda vivo, encontraria apoio no campesinato.
«Um dos nossos pilotos», afirma Tokáev, «apresentou ao Camarada X, a Álksnis e a Ossepian, um plano para bombardear o Mausoléu de Lénine e o Bureau Político.(179) A 20 de Novembro de 1936, em Moscovo, durante uma reunião clandestina com cinco membros, o Camarada X propôs a Demócratov assassinar Ejov durante o VIII Congresso Extraordinário dos Sovietes.(180)
«Em Abril de 1939 organizámos um congresso de dirigentes da oposição clandestina. Ao lado dos democratas revolucionários, havia dois socialistas e dois militares da oposição de “direita” (bukharinista). Adoptámos uma resolução que, pela primeira vez, definia o stalinismo como um fascismo contra-revolucionário, uma traição fascista à classe operária. A resolução foi imediatamente comunicada às personalidades eminentes do Partido e do governo e organizaram-se conferências similares noutros centros. Ponderámos também as possibilidades de uma insurreição armada contra Stáline num futuro imediato.»(181)
Anote-se que o mote «bolchevismo é idêntico ao fascismo» foi desenvolvido por um grupo de conspiradores, partidários da democracia burguesa e do imperialismo anglo-americano.
Mais tarde, Tokáev discute com um oficial superior do distrito militar de Leningrado, chamado na clandestinidade Smolnínski, sobre a possibilidade de um atentado contra Jdánov.(182)
No início de 1941, alguns meses antes da guerra, houve outra reunião onde os conspiradores discutiram a hipótese de um atentado contra Stáline em caso de guerra. Finalmente, decidiram que tal não era oportuno. Primeiro, porque já não tinham os homens suficientes para dirigir o país. E depois, diz Tokáev, naquele momento, as massas não os teriam seguido.(183)
Quando a guerra rebentou, a direcção do Partido propôs a Tokáev, que falava alemão, que fosse dirigir as operações dos resistentes atrás das linhas nazis. Obviamente, os franco-atiradores corriam riscos enormes. Então, o Camarada X decidiu que Tokáev não podia aceitar.
«Nós deveríamos, se possível, permanecer nos centros principais para estarmos prontos a tomar o poder, no caso de o regime de Stáline se desmoronar.»
Este ponto foi discutido numa reunião clandestina realizada em 5 de Julho de 1941.(184)
Após a guerra, em 1947, Tokáev foi encarregado de falar com o professor alemão Tank, especialista em aeronáutica, para convencê-lo a ir trabalhar na União Soviética.
«Tank estava pronto para trabalhar num avião de combate a jacto. Discuti o assunto com alguns homens-chave. Partilhávamos a ideia de que era errado pensar que os engenheiros da aeronáutica soviética não seriam capazes de projectar um bombardeiro a jacto, mas considerámos que não era do interesse do País que o fizessem. Na nossa opinião, a URSS não estava realmente ameaçada por inimigos exteriores. Por essa razão, nossos esforços deveriam ser dirigidos para o enfraquecimento - e não para o reforço - do imperialismo monopolista soviético, na esperança de assim tornar possível uma revolução democrática.»(185)
Tokáev reconhece aqui que a sabotagem económica e militar era um meio de luta utilizado pela sua organização clandestina. Alguns destes exemplos dão-nos uma ideia da actividade conspirativa deste grupo militar clandestino, escondido no seio do partido bolchevique, cujos sobreviventes viram seus «ideais» reconhecidos após a chegada ao poder de Khruchov e, mais tarde, realizados sob Gorbatchov.
A depuração propriamente dita foi decidida após a descoberta da conspiração militar de Tukhatchévski. A descoberta de um complot no mais alto escalão do Exército Vermelho, complot que tinha ramificações com as fracções oportunistas do Partido, provocou um verdadeiro pânico.
Desde há vários anos que a direcção do Partido tinha a convicção de que a guerra com o fascismo era inevitável. O facto de os mais altos chefes do Exército Vermelho e alguns dirigentes do Partido terem elaborado secretamente planos para um golpe de estado produziu um verdadeiro choque. Os dirigentes bolcheviques aperceberam-se da gravidade do perigo interno e das suas ligações com a ameaça exterior. Stáline compreendia perfeitamente que o confronto entre a Alemanha nazi e a União Soviética custaria milhões de vidas soviéticas. A decisão de eliminar fisicamente a quinta coluna não foi de modo nenhum um sinal da «paranóia do ditador», como afirmava a propaganda nazi, mostrou sim a determinação de Stáline e do partido bolchevique de enfrentar o fascismo numa luta de morte. Eliminando a quinta coluna, Stáline salvou a vida de vários milhões de soviéticos. Esses mortos teriam constituído um preço suplementar a pagar caso a agressão exterior pudesse tirar proveito de sabotagens, de provocações e de traições internas.
No capítulo anterior vimos que a campanha contra o burocratismo no Partido, sobretudo ao nível das suas estruturas intermédias, atingiu grande amplitude em 1937. No decurso desta campanha, Iaroslávski atacou duramente o aparelho burocrático. Afirmou que, em Sverdlóvsk, metade dos membros dos presidium das instituições governamentais tinha sido cooptada. O Soviete de Moscovo não se reunia senão uma vez por ano. Os dirigentes não conheciam nem sequer de vista os seus subordinados. Iaroslávski constatou:
«Este aparelho do Partido, que deveria ajudar o Partido, coloca-se frequentemente entre as massas e os dirigentes do Partido e reforça ainda mais o distanciamento dos dirigentes das massas.»(186)
Getty escreveu:
«O Centro tentava despertar a crítica dos activistas de base contra o escalão intermédio do Partido. Sem a sanção oficial e a pressão de cima, teria sido impossível à base organizar e manter um tal movimento contra os seus superiores directos.»(187)
A atitude burocrática e arbitrária dos homens dos aparelhos locais era reforçada pelo seu monopólio no domínio da experiência administrativa. A direcção bolchevique queria encorajar a base a lutar contra as tendências burocráticas e burguesas. Getty diz a este propósito:
«O controlo populista a partir da base não era ingénuo. Era antes uma tentativa vã, embora sincera, de utilizar os militantes de base para romper as máquinas fechadas das regiões.»(188)
No começo de 1937, um sátrapa como Rumiántsev, que dirigia a região Ocidental, um território do tamanho de um Estado europeu, não podia ser destronado só pela crítica da base. O seu afastamento foi determinado a partir de cima, por ligação ao complot militar enquanto próximo de Ubórevitch.
«As duas correntes radicais dos anos 30 convergiram em Julho de 1937 e a turbulência que se seguiu visou a destruição da burocracia. A campanha de Jdánov para fazer reviver o Partido e a caça aos inimigos dirigida por Ejov fundiram-se dando origem a um “terror populista” caótico que varreu o Partido. (...) O populismo antiburocrático e o terror policial destruíram quer a burocracia, quer os burocratas. O radicalismo tinha revolvido completamente a máquina política e destruído a burocracia do Partido.»(189)
A luta contra a infiltração nazi e a conspiração militar fundiu-se deste modo com a luta contra o burocratismo e os feudos. Houve uma depuração revolucionária de alto a baixo, que começou com uma decisão-chave, assinada em 2 de Julho de 1937, por Stáline e Mólotov. Ejov assinará em seguida as ordens de execução de 75 950 pessoas, cuja hostilidade irredutível para com o povo soviético era conhecida: criminosos de direito comum, kulaques, contra-revolucionários, espiões e elementos anti-soviéticos. Os casos eram examinados por uma troika composta pelo secretário do Partido, o presidente do soviete local e o chefe do NKVD.
Logo em Setembro de 1937, os responsáveis pela depuração ao nível regional e os enviados especiais da direcção fizeram pedidos de aumento das quotas dos elementos anti-soviéticos que podiam ser executados. Mas a depuração caracterizou-se amiúde pela ineficácia e a anarquia. Num momento em que o NKVD de Minsk se preparava para prender o coronel Kutsner, este tomou o comboio para Moscovo, e aí conseguiu obter um lugar de professor na Academia Frúnze! Citando os testemunhos de Grigorénko e de Ginzbourg, dois adversários de Stáline, Getty anotou:
«Uma pessoa que sentisse que a sua prisão estava iminente, podia ir para outra cidade e, regra geral, evitava ser preso.»(190)
Secretários regionais do Partido faziam prova da sua vigilância denunciando e expulsando um grande número de quadros inferiores e de membros de base.(191) Oposicionistas escondidos no seio do Partido prepararam intrigas para expulsar o máximo de quadros comunistas leais. A este propósito um oposicionista testemunha:
«Tentávamos expulsar do Partido tantas pessoas quanto possível. Expulsávamos pessoas sem razão alguma. Tínhamos um único objectivo em vista — aumentar o número de pessoas descontentes e assim aumentar o número dos nossos aliados.»(192)
Dirigir um país gigantesco, complexo, que continuava a ter grandes atrasos para vencer, era uma tarefa de uma dificuldade extrema. Nos múltiplos domínios estratégicos, Stáline concentrava-se na elaboração das linhas directrizes gerais. Depois, a sua concretização era confiada a outros dirigentes. Assim, para aplicar as linhas directrizes da depuração, Iágoda, um liberal que se tinha atolado em complots dos oposicionistas, foi substituído por Ejov, um velho bolchevique de origem operária.
Mas após três meses de depuração dirigida por Ejov, encontramos indícios de que Stáline não estava satisfeito com o desenvolvimento da operação. Em Outubro de 1937, interveio para afirmar que os dirigentes da economia eram dignos de confiança. Em Dezembro, celebrou-se o 20.° aniversário do NKVD. Desde há algum tempo que a imprensa promovia o culto do NKVD, «a vanguarda do Partido e da revolução». Contra qualquer expectativa, Stáline não esperou pelo fim das comemorações! No final de Dezembro, três deputados comissários do NKVD foram demitidos das suas funções.(193)
Em Janeiro de 1938, o Comité Central publica uma resolução sobre o desenrolar da depuração, onde reafirma a necessidade da vigilância e da repressão contra os inimigos e os espiões, mas critica a «falsa vigilância» de alguns secretários do Partido que atacam a base para proteger a sua própria posição. O documento começa com o seguinte:
«O Plenário do Comité Central do Partido Comunista de toda a União (bolchevique) considera que é necessário chamar a atenção das organizações do Partido e dos seus dirigentes para o facto de que, ao dirigirem o essencial dos seus esforços para a depuração das suas fileiras dos agentes trotskistas e direitistas-fascistas, têm cometido erros e perversões sérias que prejudicam a depuração do Partido dos agentes duplos, dos espiões e dos sabotadores. Não obstante as directivas e advertências repetidas do Comité Central, as organizações do Partido adoptam em numerosos casos uma abordagem completamente errónea e expulsam comunistas do Partido com uma leviandade criminosa.»(194)
A resolução identifica dois grandes problemas organizativos e políticos que estavam na base dos desvios da depuração: a presença de comunistas que procuram unicamente fazer carreira e a presença de inimigos infiltrados entre os quadros.
«Continuamos a ter um certo número de comunistas-carreiristas que não foram expostos e desmascarados. Esta gente procura ganhar importância e conseguir uma promoção recomendando expulsões do Partido, reprimindo membros do Partido; procura proteger-se contra acusações de eventuais faltas de vigilância reprimindo de forma indiscriminada membros do Partido. (... ) Este género de comunistas- carreiristas, sempre em busca de benesses, espalha de forma indiscriminada o pânico a propósito dos inimigos do povo; nas reuniões do Partido estão sempre prontos a exigir com grande alarido a expulsão de membros do Partido por várias razões formalistas ou sem qualquer razão.»
«Além disso, surgiram numerosos casos de inimigos do povo camuflados, sabotadores e agentes duplos, que organizam com fins provocatórios a entrega de acusações caluniosas contra membros do Partido e, sob a aparência de “vigilância reforçada”, procuram expulsar do Partido comunistas honestos e dedicados. Conseguem assim desviar as atenções de si próprios e conservar as suas posições nas fileiras do Partido. (... ) Através de medidas repressivas, querem atingir os nossos quadros bolcheviques e lançar a incerteza e a suspeição excessiva nas nossas fileiras.»
Nesta passagem queremos chamar a atenção para a falsificação de Khruchov. No seu «relatório secreto», consagra um capítulo inteiro à denúncia da «grande purga». «Servindo-se da afirmação de Stáline, provocadores infiltrados nos órgãos de segurança de Estado» em conjunto com «carreiristas sem consciência» semearam o terror. O leitor pode constatar que se trata precisamente dos dois tipos de elementos hostis contra os quais Stáline preveniu logo em Janeiro de 1938! Khruchov alega que esses provocadores e carreiristas se serviram da tese de Stáline de que «quanto mais próximos estivermos do socialismo, mais inimigos teremos», fórmula inventada integralmente pelo próprio Khruchov.(195)
É certo que houve comunistas injustamente atingidos, que foram cometidos crimes durante a depuração. Mas, com uma grande clarividência, Stáline denunciou tudo isso seis meses após a operação se iniciar. Dezoito anos mais tarde, Khruchov utiliza os actos criminosos de provocadores e carreiristas, denunciados na altura por Stáline, como pretexto para denegrir a depuração em si e obscurecer Stáline.
Voltemos à Resolução de Janeiro de 1938 para salientar a seguinte conclusão:
«É tempo de compreendermos que a vigilância bolchevique consiste sobretudo na capacidade de desmascarar um inimigo, independentemente da sua inteligência, astúcia e disfarce, e não na expulsão indiscriminada e por minudências de dezenas e de centenas de pessoas, de todos aqueles que estão a jeito.»
É preciso «pôr fim às expulsões em massa e de forma indiscriminada e adoptar uma abordagem realmente individualizada e diferenciada em matéria de expulsão do Partido ou na reintegração como membros de pleno direito das pessoas indevidamente expulsas».
É necessário «demitir dos seus cargos e responsabilizar pelos seus actos aqueles dirigentes que expulsam militantes sem verificar cuidadosamente todos os materiais e que revelam uma atitude arbitrária para com os membros do Partido.»(196)
No seu livro, Tokáev considera provável que oposicionistas anticomunistas tenham provocado excessos durante a depuração para desacreditar e enfraquecer o Partido.
«O medo de serem acusados de falta de vigilância levava fanáticos locais a denunciar não apenas bukharinistas, mas também Malenkovistas, Ejovistas, até mesmo stalinistas. É claro que não é impossível que tenham sido levados a agir dessa forma por influência de oposicionistas clandestinos! (...) Numa reunião conjunta do Comité Central e da Comissão Central de Controlo, realizada no Outono de 1938, Béria declarou que se Ejov não era um agente nazi consciente, era-o certamente involuntariamente. Ele tinha transformado os serviços centrais do NKVD numa incubadora de agentes nazis.»(197)
«Gardinachvili, um dos meus melhores contactos, teve uma conversa com Béria pouco antes deste ser nomeado chefe da polícia. Gardinachvili perguntou a Béria se Stáline não via a desordem causada por tantas execuções; se não se apercebia que o reino do terror tinha ido longe de mais e que se tinha tornado contraproducente; pessoas altamente colocadas perguntavam-se se o NKVD não estaria infiltrado por agentes nazis que utilizavam a sua posição para desacreditar o nosso País. A réplica realista de Béria foi que Stáline estava bem consciente de tudo isso, mas que havia uma dificuldade técnica: o rápido restabelecimento da “normalidade” num Estado controlado centralmente com a dimensão da URSS era uma tarefa imensa.
«Além disso, havia um perigo real de guerra e por isso o governo devia mostrar-se muito prudente quando se tratava de relaxamento.»(198)
A 11 de Novembro de 1938, Stáline e Mólotov assinam uma decisão categórica para pôr fim aos excessos verificados no decurso da depuração.
«As operações gerais destinadas a esmagar e destruir os elementos inimigos, realizadas pelos órgãos do NKVD em 1937-1938, num momento em que os procedimentos de instrução e julgamento foram simplificados, tinham necessariamente de conduzir ao aparecimento de numerosos e graves erros no trabalho dos órgãos do NKVD e da Procuradoria. Esta situação foi agravada pelo facto de inimigos do povo e espiões dos serviços secretos estrangeiros terem penetrado nos órgãos do NKVD tanto a nível central como local. Tentaram por todos os meios baralhar os dossiers de instrução. Alguns agentes deformaram conscientemente as leis soviéticas, procederam a prisões maciças e injustificadas, protegendo ao mesmo tempo os seus acólitos, nomeadamente aqueles que se haviam infiltrado nos órgãos do NKVD.
«As falhas absolutamente intoleráveis verificadas no trabalho dos órgãos do NKVD e da procuradoria só puderam acontecer porque os inimigos do povo, infiltrados nos órgãos do NKVD e na Procuradoria, usaram todos os meios para separar o trabalho dos órgãos do NKVD e da Procuradoria dos órgãos do Partido, para escapar ao controlo e à direcção do Partido e assim facilitar, a si próprios e aos seus acólitos, a continuação das suas actividades anti-soviéticas.
«O Conselho dos Comissários do Povo e o Comité Central do PCU(b) decidem:
«1. Proibir os órgãos do NKVD e da Procuradoria de efectuarem operações maciças de prisão e deportação. (...) O CCP e o CC do PCU(b) previnem todos os funcionários do NKVD e da Procuradoria de que, à menor infracção das leis e directivas do Partido e do governo, sem outras considerações de ordem pessoal, serão individualmente objecto de um rigoroso procedimento judicial.
O número de pessoas atingidas durante a «grande purga» continua a suscitar grande controvérsia. Este foi sempre um assunto predilecto para a intoxicação. Segundo Rittersporn, em 1937-1938, houve 278 818 expulsões do Partido, o que é muito menos do que em anos precedentes. Em 1933 houve 854 330 expulsões, em 1934 e em 1935 o número foi de 342 294 e de 281 872, respectivamente. Em 1936 tinha havido 95 145 expulsões.(200) Contudo, é preciso sublinhar o carácter particular das depurações realizadas em cada um dos períodos examinados.
Contrariamente às depurações regulares, a «grande purga» visou principalmente os quadros. Segundo Getty, de Novembro de 1936 a Março de 1939, houve menos de 180 mil expulsões do Partido,(201) considerando o número de pessoas reintegradas.
Antes do plenário de Janeiro de 1938, foram apresentados 53 700 recursos em processos de expulsão. Em Agosto de 1938, o número de novos recursos elevou-se a 101 235. Nesse momento, de um total de 154 933 recursos, os comités do Partido já haviam examinado 85 273, sendo que em 54 por cento dos casos foi reconhecido o direito de reintegração.(202) Nada demonstra melhor a falsidade da afirmação de que a depuração foi um terror cego e sem apelo, organizado por um ditador irracional.
Conquest pretende que houve sete a nove milhões de prisões em 1937-1938. Ora, nessa época, o número de operários industriais não ultrapassava os oito milhões. Conquest baseia o seu cálculo
«essencialmente nas memórias de antigos prisioneiros, segundo os quais quatro a cinco por cento da população soviética foram encarcerados ou deportados.»(203)
Trata-se de números fantasistas, inventados a partir do nada por inimigos do socialismo decididos a prejudicar o regime por todos os meios. As suas «estimativas» não se fundamentam em nenhum elemento material sério.
«Por falta de dados materiais, todas as estimativas sem excepção são desprovidas de valor e é difícil não estar de acordo com Brzezinski, quando assinala que é impossível fazer estimativas sem cometer erros de centenas de milhares e mesmo de milhões.»(204)
Fazemos aqui uma pequena incursão no Gulag para abordar o problema mais geral do número de pessoas enviadas e mortas nos campos de trabalho correccional. A palavra Gulag é o acrónimo russo de Administração Principal dos Campos e Prisões.
Armado de toda a ciência da estatística e da extrapolação, Robert Conquest fez os seguintes cálculos: cinco milhões de reclusos no Gulag no começo de 1934; mais sete milhões de presos durante a depuração de 1937-1938, o que perfaz 12; desconta-se um milhão de executados e dois milhões de mortos por causas diversas durante esses dois anos. E chega-se assim ao número exacto de nove milhões de presos políticos em 1939 «sem contar os de delito comum»(205).
Conhecendo agora a amplitude da repressão, Conquest dispôs-se a contar os cadáveres. Entre 1939 e 1953, a taxa de mortalidade média «rondou os dez por cento» ao ano. Ora, como durante este período o número de detidos estabilizou em torno dos oito milhões, isso quer dizer que durante esses 14 anos, 12 milhões de pessoas foram assassinadas no Gulag pelo stalinismo.
Os irmãos Medvédev, esses «comunistas» da escola de Bukhárine—Gorbatchov, confirmam, no essencial, aqueles números reveladores:
«Durante a vida de Stáline havia entre doze a treze milhões de pessoas nos campos». Sob Khruchov, que fez «renascer as esperanças de democratização», as coisas melhoraram muito, bem entendido: no Gulag não havia mais do que «dois milhões de criminosos de delito comum.»(206). Até aqui, não havia problemas. Tudo ia pelo melhor para os anticomunistas. Acreditávamos nas suas palavras.
Mas, mais tarde, a URSS eclodiu e alguns discípulos de Gorbatchov puderam acercar-se dos arquivos soviéticos. Em 1990, os historiadores soviéticos Zemskov e Dúguine publicaram as estatísticas inéditas do Gulag. Nelas constam as chegadas e as partidas dos reclusos até o último homem. Consequência inesperada: estes registos permitiram arrancar a máscara científica a Conquest.
Em 1934, Conquest contou cinco milhões de reclusos políticos. De facto, oscilaram entre 127 mil e 170 mil. O número exacto de todos os detidos, políticos e de delito comum, nos campos de trabalho era de 510 307. No conjunto dos detidos, os políticos representavam entre 25 e 33 por cento. Aos 150 mil reclusos políticos, Conquest acrescentou quatro milhões e 850 mil. Um pequeno detalhe...
Conquest tinha calculado uma média anual de oito milhões de detidos nos campos. E Medvédev 12 a 13 milhões. Na realidade, o número de detidos políticos oscilou entre um mínimo de 127 mil, em 1934, e um máximo de 500 mil entre 1941 e 1942, os dois primeiros anos da guerra. Os números reais foram assim multiplicados de 16 até 26 vezes. Para uma média verificada entre 236 mil e 315 mil presos políticos, Conquest inventou mais sete milhões e 700 mil! Erro estatístico marginal, certamente. No entanto, nos nossos livros escolares, nos nossos jornais, não encontramos o número real de 272 mil, mas a calúnia dos oito milhões.
Conquest, o falsificador, pretendeu que em 1937-1938, durante a «grande purga», os campos se encheram com sete milhões de «políticos», que houve mais um milhão de execuções e mais dois milhões de mortos. De facto, de 1936 a 1939, o número de detidos nos campos aumentou em 477 789 pessoas (passando de 839 406 para 1 317 195). Um factor de falsificação de 14. Em dois anos, as mortes cifraram-se em 115 922 e não dois milhões. Ou seja, às cerca de 116 mil pessoas que faleceram devido a causas diversas, Conquest acrescentou um milhão e 884 mil «vítimas do stalinismo».
Medvédev, o ideólogo de Gorbatchov, refere entre 12 a 13 milhões de pessoas nos campos; sob o liberal Khruchov, restariam apenas dois milhões: políticos e de delito comum. Na realidade, no tempo de Stáline, o ano em que se registou um maior número de reclusos de delito comum no Gulag foi em 1951, com 1 948 158 indivíduos, ou seja, precisamente o mesmo que sob Khruchov. O número real dos presos políticos elevava-se então a 579 878. A maior parte dos «políticos» eram indivíduos que tinham colaborado com os nazis: 334 538 tinham sido condenados por traição.
Segundo Conquest, entre 1939 e 1953, a mortalidade nos campos foi de dez por cento ao ano, num total de 12 milhões de «vítimas do stalinismo». Uma média de 855 mil mortos por ano. Na verdade, o número real, em tempo normal, foi de 49 mil. Conquest inventou um excedente de 806 mil mortos por ano. Durante os quatro anos da guerra, quando a barbárie nazi tinha imposto condições insuportáveis a todos os soviéticos, a mortalidade média nos campos foi de 194 mil. Assim, em quatro anos, os nazis causaram 580 mil mortes suplementares que foram imputadas a Stáline.
Werth, que denunciou as falsificações de Conquest, esforçou-se mesmo assim por manter tanto quanto possível o mito dos «crimes stalinistas». «Em 14 anos (1934-1947), registou-se um milhão de mortes apenas nos campos de trabalho». Assim, também Werth coloca os 580 mil mortos suplementares causados pelos nazis na conta do socialismo!
Voltemos agora à depuração propriamente dita. Uma das calúnias mais correntes afirma que a depuração visava eliminar a «velha guarda bolchevique». Mesmo um inimigo do bolchevismo tão vicioso quanto Brzezinski aproveitou esta lengalenga.(207) Em 1934 havia 182 600 «velhos bolcheviques» no Partido, isto é, membros cuja adesão ao Partido remontava pelo menos a 1920. Em 1939, eles eram 125 mil. A grande maioria, 69 por cento, permaneceu sempre no Partido. No espaço de cinco anos registou-se uma perda de 57 mil pessoas, ou seja, 31 por cento. Alguns morreram de causas naturais, outros foram expulsos, outros ainda, executados. É evidente que uma parte tombou durante a depuração, não porque eram «velhos bolcheviques», mas devido ao seu comportamento.(208)
Para concluir, damos a palavra ao professor J. Arch Getty que, no final do seu notável livro, Origins of the Great Purges (Origens das Grandes Purgas), diz o seguinte:
«Os dados materiais indicam que a “Ejovchina” (a “grande purga”) deve ser redefinida. Ela não foi o resultado de uma burocracia petrificada que eliminou dissidentes e destruiu velhos revolucionários radicais. De facto, é possível que as depurações tenham sido justamente o contrário. Não é incompatível com os dados disponíveis argumentar que as depurações foram uma reacção radical, e mesmo histérica, contra a burocracia. Os funcionários bem colocados foram destruídos de alto a baixo numa onda caótica de voluntarismo e puritanismo revolucionário.»(209)
A depuração de 1937-1938 atingiu globalmente o seu objectivo. É verdade que houve muitos erros que provavelmente não se podiam evitar naquela situação concreta do Partido. A maior parte dos elementos da quinta coluna nazi tombou durante a depuração. E quando os fascistas atacaram a URSS, encontraram muito poucos colaboradores no aparelho do Estado e no Partido.
Quando ouvimos os sociais-democratas, os democratas-cristãos, os liberais e outros burgueses falarem do «terror absurdo» de Stáline, gostaríamos de lhes perguntar onde estavam eles e os seus semelhantes em 1940, quando os nazis ocuparam a Bélgica e a França. A grande maioria daqueles que, no nosso País, denunciaram a depuração de Stáline, apoiou activa ou passivamente o regime nazi desde a sua instalação. Quando os nazis ocuparam a Bélgica, Henri de Man, o presidente do Partido Socialista Belga, fez uma declaração oficial para felicitar Hitler, anunciando que a chegada das tropas hitlerianas significava «a libertação da classe operária»!
No seu Manifesto de Junho de 1940, Henri de Man, em nome do Partido Operário Belga [assim se chamou o PSB até 1945], escreveu:
«A guerra conduziu à derrocada do regime parlamentar e da plutocracia capitalista nas pretensas democracias. Para as classes trabalhadoras e para o socialismo, este desmoronamento de um mundo decrépito, longe de ser um desastre, é uma libertação. A via está livre para as duas causas que resumem as aspirações do povo: a paz e a justiça social.»(210)
Nos cursos de história somos matraqueados com todo o tipo de ataques mentirosos contra Stáline, mas não nos dizem que o presidente do Partido Socialista Belga, grande crítico da depuração stalinista, aclamou os nazis em Bruxelas! É um facto estabelecido que não só Henri de Man, mas também Achille Van Acker, futuro primeiro-ministro da Bélgica «democrática», colaboraram com os nazis desde a sua chegada a Bruxelas. Deste modo, pode-se compreender que tal gente considerasse a depuração organizada por Stáline como «criminosa» e «absurda». Eles, que se dispuseram a colaborar com os nazis, eram da mesma família que a maior parte das «vítimas da depuração». Também na França, a grande maioria dos parlamentares socialistas votou os plenos poderes a Pétain e ajudou assim a instaurar o regime colaboracionista de Vichy.
Além disso, quando os nazis ocuparam a Bélgica, a resistência foi quase inexistente. Nas primeiras semanas e nos primeiros meses não houve resistência assinalável. Quase em bloco, a burguesia belga colaborou. E as grandes massas suportaram e aceitaram passivamente a ocupação. O francês Henri Amouroux escreveu um livro intitulado Quarenta Milhões de Petanistas.(211)
Façamos a comparação com a União Soviética. Desde que os nazis puseram os pés no território soviético, tiveram pela frente militares e civis decididos a lutar até à morte. A depuração foi acompanhada de uma campanha permanente de preparação política e ideológica dos trabalhadores para a guerra de resistência. A vigilância antinazi foi a base desta campanha. No seu livro sobre os Urais, o engenheiro americano Scott descreve como esta campanha política se desenvolveu nas fábricas de Magnitogorsk. Relata-nos como o Partido explicava a situação mundial aos operários, nos jornais, nas conferências, através de filmes e de peças de teatro. Fala-nos do impacto profundo que esta educação produziu nos operários.
Foi graças, entre outras coisas, à campanha de depuração e à educação que a acompanhou que o povo soviético encontrou forças para resistir. Se não tivesse havido essa vontade feroz de se opor por todos os meios aos nazis, é evidente que os fascistas teriam tomado Leningrado, Moscovo e Stalingrado. Se a quinta coluna nazi tivesse sobrevivido, teria encontrado apoio entre os derrotistas e os capitulacionistas do Partido. Uma vez a direcção stalinista derrotada, a URSS teria capitulado, como o fez a França. Uma vitória dos nazis na União Soviética teria imediatamente criado condições para que a tendência pró-nazi no seio da burguesia inglesa, sempre muito poderosa, se impusesse ao grupo de Churchill após a saída de Chamberlain. Os nazis teriam provavelmente dominado o mundo.
Notas:
(1) Henri Bernard, Le Communisme et l’aveuglement occidental, Ed. André Grisard, 1982 pp. 50 e 52-53. (retornar ao texto)
(2) Gabor Tamas Rittersporn, Simplifications staliniennes et complications soviétiques, Editions des Archives Contemporaines, Paris, 1988, p. 39. (retornar ao texto)
(3) Ibidem, pp. 13-15 e 38. (retornar ao texto)
(4) Ibidem, pp.13-15 e 38. (retornar ao texto)
(5) Traduzido do original russo, «Sobre as insuficiências do trabalho do Partido e as medidas para a liquidação dos trotskistas e outros dúplices, discurso no Plenário do CC do PCU(b), de 3 de Março de 1937», in I.V. Stáline, Obras, Izdátelstvo Pissátel, Moscovo, 1997, tomo 14, págs. 151, 152 e 166 (NT). (retornar ao texto)
(6) Boris Bajanov, Avec Stáline dans le Krémline, Ed. de France, Paris, 1930, pp. 2-3. (retornar ao texto)
(7) Ibidem, p. 7. (retornar ao texto)
(8) Ibidem, pp. 4-5. (retornar ao texto)
(9) Georg Solomon, Parmis les maitres muges, Série anticommuniste du Centre international de lutte active contre le communisme, Ed. Spes, Paris, 1930, p. 19. (retornar ao texto)
(10) Ibidem, p. 36. (retornar ao texto)
(11) Ibidem, p. 19. (retornar ao texto)
(12) Ibidem, p. 36. (retornar ao texto)
(13) Ibidem, pp. 348-351. (retornar ao texto)
(14) Bajanov, op. cit., pp. 105-109. (retornar ao texto)
(15) Tokáev, Comrade X, Harvill Press, Londres, 1956, p. 33. (retornar ao texto)
(16) Alexandre Zinóviev, op. cit., p. 105. (retornar ao texto)
(17) Ibidem, p. 104. (retornar ao texto)
(18) Ibidem, p. 126. (retornar ao texto)
(19) Alexandre Zinóviev, p. 110 e 118. (retornar ao texto)
(20) Ibidem, pp. 113 e 111. (retornar ao texto)
(21) Ibidem, p. 115. (retornar ao texto)
(22) Ibidem, pp. 118, 120 e 122. (retornar ao texto)
(23) Ibidem, p. 116. (retornar ao texto)
(24) Carr, Foundations of a Planned Economy, 1926-1929, vol II, pp. 7, 10 e 11, 20. (retornar ao texto)
(25) Ibidem, pp. 28-29. (retornar ao texto)
(26) Carr, Foundations of a Planned Economy, 1926-1929, vol II, p. 42. (retornar ao texto)
(27) Ibidem, p. 49. (retornar ao texto)
(28) Carr, Foundations of a Planned Economy, 1926-1929, vol II, p. 60. (retornar ao texto)
(29) Carr, Foundations of a Planned Economy, 1926-1929, vol II, p. 67. (retornar ao texto)
(30) Ibidem, p. 65. (retornar ao texto)
(31) Ibidem, p. 73. (retornar ao texto)
(32) Getty, op. cit., p. 94. (retornar ao texto)
(33) Citação traduzida do original russo, «Relatório ao XVII Congresso sobre o Trabalho do PCU(b), 26 de Janeiro de 1934», in Stáline, Obras, Gossudárstvenoe Izdátelstvo Politítcheskoi Literaturi, Moscovo, 1951, tomo 13, pág. 347 (NT). (retornar ao texto)
(34) Citação traduzida do original russo, «Em lugar do discurso de encerramento: intervenção no XVII Congresso PCU(b), 31 Janeiro 1934», in Stáline, Obras, Gossudárstvenoe Izdátelstvo Politítcheskoi Literaturi, Moscovo, 1951, tomo 13, pág. 381 (NT). (retornar ao texto)
(35) Citação traduzida do original russo, «Relatório ao XVII Congresso sobre o Trabalho do PCU(b), 26 de Janeiro de 1934», in Stáline, Obras, Gossudárstvenoe Izdátelstvo Politítcheskoi Literaturi, Moscovo, 1951, tomo 13, pág. 348 (NT). (retornar ao texto)
(36) Ibidem, p. 350 (NT). (retornar ao texto)
(37) Ibidem, p. 351 (NT). (retornar ao texto)
(38) Tokáev, op. cit., pp. 2 e 57. (retornar ao texto)
(39) Tokáev, op. cit., p. 207. (retornar ao texto)
(40) Getty, op. cit., pp. 95, 111, 112, 115-116 (retornar ao texto)
(41) Ibidem, p. 245 (retornar ao texto)
(42) Getty, op. cit., pp. 119-120. (retornar ao texto)
(43) Trotski, La lutte antibureaucratique en URSS, U.G.E., 10-18, Paris, 1975, p. 32. (retornar ao texto)
(44) 18 de Janeiro de 1934; Ibidem, p. 39. (retornar ao texto)
(45) 31 Março de 1934; Ibidem, pp. 59-60. (retornar ao texto)
(46) 18 Janeiro de 1934; Ibidem, p. 35. (retornar ao texto)
(47) Ibidem, p. 40. (retornar ao texto)
(48) 18 Janeiro de 1934; Ibidem, p. 42. (retornar ao texto)
(49) 20 Janeiro de 1934; Ibidem, p. 49. (retornar ao texto)
(50) 28 de Dezembro de 1934; Trotski, L’appareil policier du stalinisme, UGE, 10-18, 1976, pp. 26-27. (retornar ao texto)
(51) Branko Lazitch, Le rapport Khrouchtchev et son histoire, Ed. Du Seuil, série Histoire, 1976, p. 77. (retornar ao texto)
(52) Trotski, L’appareil policier, op. cit.,p. 28. Lazitch, op. cit., pp. 63-70. (retornar ao texto)
(53) Trotski, op. cit., pp. 34-35. (retornar ao texto)
(54) 26 de Setembro de 1935; Ibidem, pp. 85-87. (retornar ao texto)
(55) Getty, op. cit., p. 123 (retornar ao texto)
(56) Tokáev, op. cit., pp. 69-61. (retornar ao texto)
(57) Getty, op. cit., p. 121 (retornar ao texto)
(58) John D. Littlepage, A la recherche des mines d’or de Sibérie, 1928-1937, Ed. Payot, Paris, 1939 pp. 181-182. (retornar ao texto)
(59) John D. Littlepage, A la recherche des mines d’or de Sibérie, 1928-1937, pp. 86-90 (retornar ao texto)
(60) John D. Littlepage, A la recherche des mines d’or de Sibérie, 1928-1937, pp. 95-96. (retornar ao texto)
(61) Traduzido do original russo, «Relatório de Khruchov», publicado em Izvéstia TsKKPSS, N.° 3, Março de 1989, pág.143 (NT). (retornar ao texto)
(62) Littlepage, op. cit., pp. 100-101. (retornar ao texto)
(63) Ibidem, pp. 105-106. (retornar ao texto)
(64) Ibidem, pp. 107-108. (retornar ao texto)
(65) Ibidem, pp. 268-269. (retornar ao texto)
(66) Ibidem, pp. 91-92. (retornar ao texto)
(67) Le procés du centre antisoviétique trotskiste, resumo estenográfico, Moscovo, 1937, pp. 22, 23, 24, 28. (retornar ao texto)
(68) Littlepage, op. cit., p. 98. (retornar ao texto)
(69) John Scott, op. cit., pp. 183-194. (retornar ao texto)
(70) Traduzido do original russo, «Sobre as insuficiências do trabalho do Partido e as medidas para a liquidação dos trotskistas e outros dúplices, informe ao Plenário do CC do PCU(b), 3 de Março de 1937», in V.I. Stáline, Obras, Izdátelstvo Pissátel, 1997, tomo 14, pág. 151. (NT) (retornar ao texto)
(71) Traduzido do original russo, «Relatório de Khruchov», publicado em Izvéstia TsKKPSS, N.° 3, Março de 1989, pág.139 (NT). (retornar ao texto)
(72) I.V. Stáline afirma exactamente: «Quanto mais avançarmos em frente, quanto mais êxitos obtivermos, tanto mais se exasperarão os restos das classes derrotadas, tanto mais depressa adoptarão formas de luta mais agudas, tanto maiores danos causarão ao Estado Soviético, tanto mais recorrerão aos mais desesperados meios de luta como os últimos meios dos condenados.» («Sobre as insuficiências do trabalho do Partido e as medidas para a liquidação dos trotskistas e outros dúplices, informe ao Plenário do CC do PCU(b), 3 de Março de 1937», in V.I. Stáline, Obras, Izdátelstvo Pissátel, 1997, tomo 14, pág. 165) (NT). (retornar ao texto)
(73) Traduzido do original russo, «Discurso de encerramento no Plenário do CC do PCU(b), 5 de Março de 1937, in V.I. Stáline, Obras, Izdátelstvo Pissátel, 1997, tomo 14, pág. 176 (NT). (retornar ao texto)
(74) Ibidem, p. 177 (NT). (retornar ao texto)
(75) Ibidem, p. 185 (NT). (retornar ao texto)
(76) Ibidem, p. 179 (NT). (retornar ao texto)
(77) Stephen F. Cohen, Bukharin and the Bolshevik Revolution, Vintage Books, New York 1975, p. 343. Traduzido em francês com o título Nicolas Bukharine. La vie d’un bolchevik, Maspero, Paris, 1979. Todas as referências remetem para a edição em inglês. (retornar ao texto)
(78) Nouvelles de Moscou, n.° 21, de 27 de Maio de 1990. (retornar ao texto)
(79) Le procés du centre antisoviétique trotskiste, op. cit., p. 416. (retornar ao texto)
(80) Cohen, op. cit., p. 352. (retornar ao texto)
(81) Ibidem, p. 355. (retornar ao texto)
(82) Ibidem, p. 356. (retornar ao texto)
(83) Stephen Cohen, op. cit., p. 354. (retornar ao texto)
(84) Ibidem, pp. 361-363. (retornar ao texto)
(85) Blanc et Kaisergrüber, LAffaire Bukharine, Ed. Maspero, 1979, p. 64. (retornar ao texto)
(86) Ibidem, p. 79. (retornar ao texto)
(87) Ibidem, p. 65. (retornar ao texto)
(88) Ibidem, p. 64. (retornar ao texto)
(89) Ibidem, p. 65. (retornar ao texto)
(90) Cohen, op. cit., p. 365. (retornar ao texto)
(91) Blanc et Kaisergrüber, op. cit., p. 72. (retornar ao texto)
(92) Ibidem, p. 72. (retornar ao texto)
(93) Ibidem, p. 77. (retornar ao texto)
(94) Ibidem, p. 73. (retornar ao texto)
(95) Blanc et Kaisergrüber, op. cit., p. 76. (retornar ao texto)
(96) Tokáev, op. cit., p. 43. (retornar ao texto)
(97) Ibidem, p. 61. (retornar ao texto)
(98) Ibidem, p. 86. (retornar ao texto)
(99) Le procés du bloc antisoviétique des droitiers et des trotskistes, Ed. Comissariado do Povo da Justiça, Moscovo, 1938, pp. 401-402. (retornar ao texto)
(100) Tokáev, op. cit., p. 158. (retornar ao texto)
(101) Ibidem, pp. 68-69. (retornar ao texto)
(102) Ibidem, p. 85. (retornar ao texto)
(103) Ibidem, p. 175. (retornar ao texto)
(104) Ibidem, pp. 187-188. (retornar ao texto)
(105) Joseph E. Davies, Mission à Moscou. Ed. de l’Arbre, Montreal, 1944, pp. 243-244. (retornar ao texto)
(106) Tokáev, op. cit., p. 96. (retornar ao texto)
(107) Ibidem, pp. 96, 98. (retornar ao texto)
(108) Le procès du bloc, op. cit., p. 457. (retornar ao texto)
(109) Le procès du bloc, op. cit., p. 461-462. (retornar ao texto)
(110) Cohen, op. cit., p. 372. (retornar ao texto)
(111) Ibidem, pp. 375-376. (retornar ao texto)
(112) Le procès du bloc, op. cit., pp. 411-419. (retornar ao texto)
(113) Cohen, op. cit., p. 447. (retornar ao texto)
(114) Ibidem, p. 453. (retornar ao texto)
(115) Ibidem, pp. 458-460. (retornar ao texto)
(116) Ibidem, pp. 823-827. (retornar ao texto)
(117) Cohen, op. cit., p. 381. (retornar ao texto)
(118) Ibidem, p. 382. (retornar ao texto)
(119) Blanc et Kaisergrüber, op. cit., pp. 11 e 16. (retornar ao texto)
(120) Blanc et Kaisergruber, op. cit., pp. 11 e 16. (retornar ao texto)
(121) Ibidem, p. 386. (retornar ao texto)
(122) Getty, op. cit., p. 167. (retornar ao texto)
(123) Carr, op. cit., p. 325. (retornar ao texto)
(124) Ibidem, p. 327. (retornar ao texto)
(125) Ibidem, p. 320. (retornar ao texto)
(126) Carr, op. cit., p. 331. (retornar ao texto)
(127) Ibidem, p. 317. (retornar ao texto)
(128) Getty, op. cit., p. 255. (retornar ao texto)
(129) Citado en Harpal Brar, Perestróika, publicado por Harpal Brar, Londres, 1992, p. 161. (retornar ao texto)
(130) Davies, op. cit., p. 158. (retornar ao texto)
(131) Ibidem, p.152. (retornar ao texto)
(132) Alexandre Ouralov (Avtorkhánov), Staline au pouvoir, Ed. Les lies d’or, Paris, 1951, p. 45. (retornar ao texto)
(133) Robert Coulondre, De Staline a Hitler, Ed. Hachette, 1950, pp. 82-84. (retornar ao texto)
(134) Winston Churchill, La Deuxième Guerre mondiale, Cercle du bibliophile, volume 1 pp. 295296. (retornar ao texto)
(135) Isaac Deutscher, Staline, Ed. Gallimard, 1973, pp. 385-386. (retornar ao texto)
(136) Ibidem, p. 10. (retornar ao texto)
(137) Louise Narvaez, Degrelle m’a dit, Postface de Degrelle, Ed. du Baucens, Bruxelles, 1977, pp. 360-361. (retornar ao texto)
(138) Jacobsen, op. cit., pp. 213-214. (retornar ao texto)
(139) Félix Tchouev, Cent quarante conversations avec Molotov, Ed. Terra, Moscovo, 1991. (retornar ao texto)
(140) Roman Kolkowicz, The soviete Military and the Communist Party, Princeton University Press, 1967, pp. 343-344 (retornar ao texto)
(141) Ibidem, p. 344 (retornar ao texto)
(142) Temps Nouveaux, n.° 43, 1990, pp. 36-39. (retornar ao texto)
(143) E.H. Cookridge, L’espion du siècle Reinhard Gehlen, Ed. Fayard, 1973, p. 84. (retornar ao texto)
(144) Temps Nouveaux, n. 43, 1990, pp. 36-39. (retornar ao texto)
(145) Soljénitsyne, L’Archipel du gulag, Seuil, 1974, tomo I, p. 187. (retornar ao texto)
(146) La cause de toute une vie, Ed. Du Progrès, Moscovo, 1984, pp. 86-88. (retornar ao texto)
(147) Soljénitsyne, op. cit., p. 189. (retornar ao texto)
(148) Ibidem, p. 191. (retornar ao texto)
(149) Ibidem, p. 193. (retornar ao texto)
(150) Ibidem, pp. 189-190. (retornar ao texto)
(151) Tokáev, op. cit., p. 84. (retornar ao texto)
(152) Ibidem, p.1. (retornar ao texto)
(153) Ibidem, p.5. (retornar ao texto)
(154) Ibidem, p. 220. (retornar ao texto)
(155) nota faltando no original (retornar ao texto)
(156) nota faltando no original (retornar ao texto)
(157) nota faltando no original (retornar ao texto)
(158) nota faltando no original (retornar ao texto)
(159) nota faltando no original (retornar ao texto)
(160) nota faltando no original (retornar ao texto)
(161) nota faltando no original (retornar ao texto)
(162) Ibidem, p. 274. (retornar ao texto)
(163) Ibidem, p. 17. (retornar ao texto)
(164) Ibidem, p. 6. (retornar ao texto)
(165) Tokáev, op. cit., p. 118. (retornar ao texto)
(166) Ibidem, p. 215. (retornar ao texto)
(167) Tokáev, op. cit., p. 28. (retornar ao texto)
(168) Ibidem, pp. 9 e 47. (retornar ao texto)
(169) Ibidem, p. 84. (retornar ao texto)
(170) lbidem, p. 75. (retornar ao texto)
(171) Ibidem, pp.6, 17, 18, 20. (retornar ao texto)
(172) Ibidem, p. 22. (retornar ao texto)
(173) Ibidem, p. 7. (retornar ao texto)
(174) Ibidem, p. 63. (retornar ao texto)
(175) Ibidem, p. 2. (retornar ao texto)
(176) Ibidem, p. 37. (retornar ao texto)
(177) Ibidem, p. 49. (retornar ao texto)
(178) Tokáev, op. cit., p. 48. (retornar ao texto)
(179) Ibidem, p. 34. (retornar ao texto)
(180) Ibidem, p. 64. (retornar ao texto)
(181) Ibidem, p. 156. (retornar ao texto)
(182) Ibidem, pp. 156-157. (retornar ao texto)
(183) Ibidem, p. 160. (retornar ao texto)
(184) Ibidem, pp. 183 e 188. (retornar ao texto)
(185) Ibidem, p. 352. (retornar ao texto)
(186) Getty, op. cit., p. 137. (retornar ao texto)
(187) Ibidem, p. 155. (retornar ao texto)
(188) Ibidem, p. 162. (retornar ao texto)
(189) Ibidem, pp. 170-171. (retornar ao texto)
(190) Ibidem, p. 178. (retornar ao texto)
(191) Ibidem, p. 178. (retornar ao texto)
(192) Ibidem, p. 177. (retornar ao texto)
(193) Ibidem, p. 185. (retornar ao texto)
(194) Resolutions and Decisions of the CPSU, op. cit., p. 188. (retornar ao texto)
(195) Citações traduzidas do original russo, «Relatório de Khruchov», publicado em Izvéstia TsK KPSS, N.° 3, Março de 1989, pág.140 (NT). (retornar ao texto)
(196) Resolutions and Decisions of the CPSU, op. cit., pp. 190-194. (retornar ao texto)
(197) Tokáev, op. cit., p. 119. (retornar ao texto)
(198) Ibidem, p. 101. (retornar ao texto)
(199) Nouvelles de Moscou, n.° 26, 30 Junho de 1992, p. 15. (retornar ao texto)
(200) Rittersporn, op. cit.,pp. 26-27. (retornar ao texto)
(201) Getty, op. cit., p. 176. (retornar ao texto)
(202) Ibidem, p. 190. (retornar ao texto)
(203) Rittersporn, op. cit., p. 27. (retornar ao texto)
(204) Getty, op. cit., p. 258. (retornar ao texto)
(205) Todos os números de Conquest e os que refutam as suas afirmações provêm de Nicolas Werth, Gulag: les vrais chiffres, em L'Histoire, n.° 169, Setembro de 1993, pp. 38-51. (retornar ao texto)
(206) Roy et Jaurès Medvédev, Krouchtchev, les années de pouvoir, Ed. Maspero, Paris, 1977, p. 180. (retornar ao texto)
(207) Brzezinski, The Grand Failure, Charles Scribner’s Sons, Nova Iorque, 1989, p. 86. (retornar ao texto)
(208) Getty, op. cit., p. 176. (retornar ao texto)
(209) Ibidem, p. 206. (retornar ao texto)
(210) Henri de Man, Après coup, Ed. De la Toison d’or, Bruxelles, 1941, p. 319. (retornar ao texto)
(211) nota faltando no original (retornar ao texto)
Inclusão | 23/01/2016 |