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Primeira Edição: Publicado em Variedades, Lima, 10 de março de 1928
Fonte: Nova Cultura - https://www.novacultura.info/post/2018/10/12/a-convencao-internacional-de-professores-de-buenos-aires
Tradução: I. Dias
Transcrição: Igor Dias
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Os vigias do confuso e extenso panorama indo-americano registram um fato de transcendência para o destino do continente; a Convenção Internacional de Professores de Buenos Aires. As agências telegráficas, demasiadamente ocupadas nas viagens de Lindberg, não dedicaram quase nenhuma atenção a este evento. Mas aqui, precisamente, há uma razão para destaca-lo e expô-lo. Muito raro é encontrar refletida na informação telegráfica cotidiana um dos acontecimentos que estão desenhando a nova fisionomia espiritual da nossa América.
A convocatória deste congresso de professores data do início do último ano. Partiu da Associação Geral de Professores de Chile, uma das corporações de professores da América mais destacadas pelo seu ideário e suas campanhas renovadoras. O golpe de Estado do Coronel Ibañez malogrou a proposta dos professores chilenos de reunir a Convenção em Santiago. Alguns dos membros dirigentes da Associação Geral de Professores estavam sob perseguição.
E, em geral, sob um regime firmemente militarista e chauvinista faltava uma atmosfera espiritual adequada para os labores de um congresso onde se devia discorrer sobre a realização de ideais ecumênicos – americanos – de fraternidade e civilidade. Os iniciadores do congresso encarregaram então sua organização a um qualificado grupo de professores argentinos. Na Argentina, alcançou sua mais vigorosa afirmação o movimento de reforma universitária latino-americana, nascido em uma universidade argentina, de Córdoba. A nova sede da Convenção reunia, pois, as melhores garantias morais de trabalho fecundo.
Os votos aprovados pelo congresso testemunham o espírito sincero e profundamente renovador que o inspirou. Um experiente, dinâmico e autorizado grupo de educadores argentinos, - no qual sobressaem as figuras de Alfredo Palacios, Carlos Sánchez Viamonte, Julio R. Barcos, Juan Mantovani, Gabriel del Mazo e outros – orientou e dirigiu os trabalhos do congresso, imprimindo-lhe seu conceito moderno e humano de educação. Nestes trabalhos, ao lado de representantes do Uruguai, México, Centro América, Chile, Bolívia e demais países latino-americanos, tomaram parte Manuel A. Seoane e Oscar Herrera, compatriotas nossos.
O Congresso tem dado enfoque, com generosa visão, nos grandes problemas do ensino, pronunciando-se abertamente por uma ampla ação social dos professores. Uma de suas declarações a respeito, propunha o seguinte: “1º - Orientar o ensino a partir do princípio da fraternidade humana, baseado em uma mas justa distribuição da riqueza entre os homens de todas as latitudes da terra; 2º - Propiciar no ensino, a modificação do critério histórico atual, despojando-o de seu caráter guerrista, dando primazia à história civil e à interpretação social da civilização”. Outras declarações reivindicam para o magistério o direito à direção técnica da educação: afirmam a aliança dos professores com os trabalhadores manuais que lutam por um programa de justiça econômica e social; e reclamam a democratização efetiva do ensino a cujos graus superiores somente devem ter acesso os mais aptos. As conclusões sancionadas na Convenção sobre este ponto traduzem o novo ideário educativo. “A educação privada e pública – diz uma destas conclusões – quando significa preparação de elites e criação de futuras situações de dominação, atenta contra vida moral da humanidade. As elites não devem ser feitas: elas surgirão sozinhas no cultivo igual de todos os jovens espíritos. As pseudo-elites, formadas pelo privilégio educativo, não repousam em condições naturais, recorrem à força, à intriga e à tirania para sustentar-se minando os verdadeiros valores sociais da persistência e aprimoramento progressivo da espécie humana”. A socialização da cultura supõe: “a) o governo democrático da educação pelos pais, mestres e professores eleitos livremente por estes; b) a autonomia econômica, administrativa e técnica dos conselhos escolares; c) a escola unificada, desde o jardim da infância até a Universidade, fundamentada sobre o trabalho espiritual e manual fundidos no trabalho educativo e que supõe o direito de todo o indivíduo a ser educado até o limite que marquem suas capacidades”. A Convenção tem feito justiça às obras mais significativas e consideráveis de renovação do ensino na américa destacando como tais “a ação inovadora da revolução mexicana em matéria educacional; o moderno código de educação da Costa Rica, inspirado nas ideias mais recentes, e no magnífico plano de reconstrução educacional elaborado pela Associação Geral de Professores do Chile”.
Neste Congresso de Professores, - que recebeu a adesão de pedagogos e instituições de grande autoridade da Europa -, expôs-se e comentou-se todos os ensaios e movimentos educacionais contemporâneos. O espírito da Convenção tem sido, em todas as suas conclusões, um espírito de reforma e vanguarda. Mas, no ponto central de suas deliberações, se reconhece uma concepção mais liberal que socialista da educação. A uma reivindicação excessiva da autonomia do ensino, se junta uma insistente asserção do caráter antidogmático desta. Dois conceitos que acusam a persistência das velhas miragens da “escola laica” e da “liberdade de ensino”, como realidade absolutas e superiores à “escola religiosa” ao “ensino do Estado”. O amigo Barco – cujos méritos de educador sou o primeiro a proclamar –, movido por seu liberalismo, considera o novo programa de educação do Chile superior ao da Rússia, por este ser dogmático e o primeiro não. Por minha parte, não creio em uma cultura sem dogmas nem em um Estado agnóstico. E ainda sinto-me tentado a declarar que, partindo de pontos de vista irreconciliavelmente opostos, eu concordo com Henri Massis que apenas o dogma é fértil. Existem dogmas e dogmas, e até mesmo rejeitá-los todos é, no final, mais um. Mas este já é um tópico aparte cujo esclarecimento não cabe dentro de uma revisão resumida dos trabalhos da Convenção Internacional de Professores de Buenos Aires, ainda que estas o ponham em discussão.
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