Princípios da Política Agrária Nacional

José Carlos Mariátegui

1º de julho de 1927


Primeira Edição: Publicado em Mundial, Lima, 1º de julho de 1927

Fonte: Nova Cultura - https://www.novacultura.info/post/2022/05/30/mariategui-principios-da-politica-agraria-nacional

Tradução: L.H.

Transcrição: Igor Dias

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


Como um apêndice ou complemento ao estudo do problema de terra no Peru, que pude terminar no número anterior do “Mundial”, estimo ser oportuno expor, num esquema sumário, os alinhamentos que, de acordo com as proporções de meus estudos, podia ter dentro das condições históricas vigentes, uma política agrária inspirada no propósito de solucionar organicamente esse problema.(1) Este esquema reduz-se necessariamente a um corpo de conclusões gerais, do qual acaba excluída a consideração de qualquer aspecto particular ou adjetivo da questão, focada somente em seus grandes planos.

1.- O ponto de partida, formal e doutrinal, de uma política agrária socialista não pode ser outro que uma lei de nacionalização da terra. Mas, na prática, a nacionalização deve se adaptar às necessidades e condições concretas da economia do país. O princípio não basta por si só, em nenhum caso. Já temos experimentado como os princípios liberais da Constituição e do Código Civil não têm sido suficientes para instaurar no Peru uma economia liberal, isto é, capitalista e como a respeito desses princípios, subsistem até hoje formas e instituições próprias da economia feudal. É possível efetuar uma política de nacionalização, ainda sem incorporar na carta constitucional o respectivo princípio em sua forma nata, se este estatuto não é revisado integralmente. O exemplo do México a este respeito, é o que com mais proveito pode ser consultado. O artigo 27° da Constituição Mexicana define assim a doutrina do Estado no tocante a propriedade da terra: “1- A propriedade das terras e águas compreendidas dentro dos limites do território nacional, corresponde originariamente a Nação, a qual tem o direito de transmitir o domínio delas a particulares, constituindo a propriedade privada. 2- As expropriações só poderão serem feitas por causa de utilidade pública e mediante indenização. 3- A Nação terá o tempo todo o direito de impor à propriedade privada as modalidades que dite o interesse público, assim como o de regular o aproveitamento dos elementos naturais suscetíveis de apropriação, para fazer uma distribuição equitativa da riqueza pública e para cuidar de sua conservação. Com esse objeto se ditará as medidas necessárias para o fracionamento dos latifúndios; para o desenvolvimento da pequena propriedade; para a criação de novos centros que sejam indispensáveis para o fomento da agricultura e para evitar a destruição dos elementos naturais e dos danos que a propriedade possa sofrer em prejuízo da sociedade. Os povos, ranchos e comunidades que careçam de terras e aguas, ou não as tenham em quantidades suficientes para as necessidades de sua população terão direito a que lhes dote delas, tomando-as das propriedades imediatas, respeitando sempre a pequena propriedade. Portanto, as concessões de terras que foram feitas até agora são confirmadas de acordo com o decreto de 6 de março de 1915. A aquisição das propriedades particulares necessárias para conseguir os objetivos antes expressados, serão consideradas de utilidade pública”.

2.- Em contraste com a política formalmente liberal e praticamente gamonalista de nosso primeiro século, uma nova política agrária tem que tender, antes de tudo, ao fomento e proteção da “comunidade” indígena. O “ayllu”, célula do Estado incaico, sobrevivente até agora apesar dos ataques da feudalidade e do gamonalismo, apresenta ainda bastante vitalidade para gradualmente converter-se na célula de um Estado socialista moderno. A ação do Estado, como acertadamente propõe Castro Pozo, deve dirigir-se a transformação das comunidades agrícolas em cooperativas de produção e de consumo. A atribuição de terras às comunidades deve, é claro, ser feita à custa das grandes propriedades, exceto por qualquer expropriação, como no México, para proprietários pequenos e até médios, se a exigência de "presença real" existir em seu pagamento. A extensão de terras disponíveis permite reservar as necessárias para uma adoção progressiva em relação continua com o crescimento das comunidades. Esta medida asseguraria o crescimento demográfico do Peru com maior proporção do que qualquer política “imigrantista” possível atualmente.

3.- O crédito agrícola, que somente controlado e dirigido pelo Estado pode impulsionar a agricultura no sentido mais conveniente as necessidades da agricultura nacional, constituiria dentro desta política agrária, a melhor nascente da produção comunitária. O Banco Agrícola Nacional acordaria a preferência as operações das cooperativas, as quais, por outro lado, seriam ajudadas pelos corpos técnicos e educativos do Estado para o melhor trabalho de suas terras e a instrução industrial de seus membros.

4.- A exploração capitalista dos lotes nos quais a agricultura é industrializada, pode ser mantida enquanto continue sendo a mais eficiente e não perca sua aptidão progressiva; mas, tem que estar sujeita ao estrito controle do Estado em tudo o que concerne a observação da legislação do trabalho e a higiene publica, assim como a participação fiscal nas utilidades.

5.- A pequena propriedade encontra possibilidades e razões de fomento nos vales da costa ou nas montanhas, onde existem fatores favoráveis econômica e socialmente a seu desenvolvimento. O “yanacón”(2) da costa, quando são abolidos nele os hábitos, tradições do socialismo indígena, apresenta o tipo em formação ou transição do pequeno agricultor. Enquanto subsista o problema da insuficiência das águas para irrigação, nada aconselha ao fracionamento dos lotes da costa dedicados a cultivos industriais com fixação a uma técnica moderna. Uma política de divisão de lotes em benefício da pequena propriedade não deve já, em nenhum caso, obedecer a propósitos que não visem a uma melhor produção.

6.- A confiscação das terras, não cultivadas e a irrigação ou bonificação das terras estéreis, colocariam a disposição do Estado extensões que seriam destinadas preferencialmente a sua colonização por meio de cooperativas tecnicamente capacitadas.

7.- Os lotes que não são explorados diretamente por seus proprietários. – pertencentes a grandes rentistas rurais improdutivos -, passariam as mãos de seus arrendatários, dentro das limitações de usufruto e extensão territorial pelo Estado, nos casos em que a exploração do solo seja praticada conforme a uma técnica industrial moderna, com instalações e capitais eficientes.

8.- O Estado organizaria a educação agrícola e sua máxima difusão na massa rural, por meio de escolas primárias rurais e escolas práticas de agricultura ou granjas escolas, etc. Para a instrução das crianças do campo se daria um caráter notoriamente agrícola.

Não acredito ser necessário fundamentar estas conclusões que são propostas, unicamente, agrupar num pequeno esboço, alguns alinhamentos concretos da política agrária que consentem as presentes condições históricas do país, dentro do ritmo atual da história do continente. Quero que não se diga que de meu exame crítico da questão agrária peruana se desprendem somente conclusões negativas ou proposições de um doutrinário intransigente.


Notas:

(1) Veja em "El Problema de la Tierra", 7 Ensaios págs. 50-101, Volume 2 da primeira série Popular (N. dos E.). (retornar ao texto)

(2) “yanacón”- índio parceiro no cultivo de uma terra. (retornar ao texto)

logo Nova Cultura
Inclusão: 18/08/2022