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Primeira Edição: Publicado em Variedades, Lima, 31 de janeiro de 1925
Fonte: Nova Cultura - https://www.novacultura.info/post/2022/03/30/o-partido-bolchevique-e-trotsky
Tradução: Equipe de Traduções Nova Cultura
Transcrição: Igor Dias
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Nunca no mundo, a queda de um ministro teve uma ressonância tão extensa e tão intensa como a queda de Trotsky. O parlamentarismo tem habituado ao mundo às crises ministeriais, mas, a queda de Trotsky não é uma crise de ministério e sim uma crise de partido. Trotsky representa uma fração ou uma tendência derrotada dentro do bolchevismo. Além disso, várias outras circunstâncias coincidem, neste caso, com a excepcional sonoridade da queda. Em primeiro lugar, a qualidade do líder no infortúnio. Trotsky é um dos personagens mais interessantes da história contemporânea: condutor da revolução russa, organizador e animador do exército vermelho, pensador e crítico brilhante do comunismo. Os revolucionários de todos os países estão seguindo atentamente a polêmica entre Trotsky e o estado maior bolchevique e os reacionários tem dissimulado sua magra esperança de que a dissidência de Trotsky marque o começo da dissolução da república sovietista.
Examinemos o processo do conflito.
O debate que causou a separação de Trotsky do governo dos sovietes foi o mais apaixonado e ardente de todos que agitaram o bolchevismo desde 1917. Durou mais de um ano. Foi aberto por uma lembrança de Trotsky ao comitê central do partido comunista. Neste documento, em outubro de 1923, Trotsky colocou aos seus camaradas duas questões urgentes: a necessidade de um “plano de orientação” na política econômica e a necessidade de um regime de “democracia operária” no partido. Trotsky sustentava que a revolução russa entrava numa nova etapa. A política econômica deveria dirigir seus esforços em direção a uma melhor organização da produção industrial que reestabelecesse o equilíbrio entre os preços agrícolas e os preços industriais e que deveria fazer-se efetiva na vida do partido uma verdadeira “democracia operária”.
Esta questão da “democracia operária” que dominava o conjunto das opiniões, precisa ser esclarecida e melhor definida. A defesa da revolução forçou o partido bolchevique a aceitar uma disciplina militar. O partido era governado por uma hierarquia de funcionários escolhidos entre os elementos mais provados e mais doutrinados. Lenin e seu estado maior foram investidos de plenos poderes pelas massas. Não era possível defender de outro modo o trabalho da revolução contra os assaltos e as perseguições de seus adversários. A admissão no partido teve que ser severamente controlada para evitar a infiltração de pessoas ambíguas e equivocas em suas fileiras. A “velha guarda” bolchevique, como se denominava aos bolcheviques da primeira hora, dirigia todas as funções e todas as atividades do partido. Os comunistas concordaram unanimemente que a situação não permitia outra coisa. Mas, chegado o sétimo aniversário da revolução, começou a se esboçar no partido bolchevique um movimento a favor de um regime de “democracia operária”. Os novos elementos exigiam o reconhecimento do direito à participação ativa na escolha dos rumos e métodos do bolchevismo. Sete anos de experiência prepararam uma nova geração e em alguns núcleos da juventude comunista não demorou muito para fermentar a impaciência.
Trotsky, apoiando as reivindicações dos jovens, disse que a velha guarda constituía quase uma burocracia. Criticava sua tendência a considerar a questão da educação ideológica e revolucionária da juventude a partir do ponto de vista pedagógico mais que do ponto de vista político. “A imensa autoridade do grupo de veteranos do partido –dizia– é universalmente reconhecida, mas, somente por uma colaboração constante com a nova geração, no quadro da democracia, conservará a velha guarda seu caráter de fator revolucionário, se não, pode se converter insensivelmente na expressão mais acabada do burocratismo. A história nos oferece mais de um caso desse gênero. Citamos o exemplo mais recente e impressionante: o dos chefes dos partidos da Segunda Internacional. Kautsky, Bernstein, Guesde, eram discípulos diretos de Marx e Engels. No entanto, na atmosfera do parlamentarismo e sub a influência do desenvolvimento automático do organismo do partido e dos sindicatos, estes líderes, total ou parcialmente, caíram no oportunismo. Na véspera da guerra, o formidável mecanismo da socialdemocracia, amparado pela autoridade da antiga geração, havia se tornado o freio mais potente do avanço revolucionário. Por isso nós, os “velhos” devemos dizer que nossa geração, que têm naturalmente o papel dirigente no partido, não estaria absolutamente prevenida contra a debilidade do espírito revolucionário e proletário em seu seio, se o partido tolerar o desenvolvimento de métodos burocráticos”.
O estado maior do bolchevismo não desconhecia a necessidade da democratização do partido; mas rejeitou as razões em que Trotsky apoiava sua tese, por isso, protestou vivamente contra a linguagem de Trotsky. A polêmica tornou-se acirrada. Zinoviev confrontou os antecedentes dos homens da velha guarda com os antecedentes de Trotsky. Os homens da velha guarda –Zinoviev, Kamenev, Stalin, Rykov, etc. –eram os que, ao flanco de Lenin, haviam preparado, através de um trabalho tenaz e coerente de muitos anos, a revolução comunista. Trotsky pelo contrário, havia sido menchevique.
Ao redor de Trotsky se agruparam vários comunistas destacados: Piatakov, Preobrajensky, Sapronov, etc. Karl Radek declarou-se advogado de uma conciliação entre os pontos de vista do comitê central e os pontos de vista de Trotsky. O “Pravda” dedicou muitas colunas a polêmica. Entre os estudantes de Moscou as teses de Trotsky encontraram um entusiasta proselitismo.
Mas o XIII congresso do partido comunista, reunido no início do ano passado, deu a razão a velha guarda que se declarou, em suas conclusões, favorável a fórmula da democratização, anulando consequentemente a bandeira de Trotsky. Somente três delegados votaram contra as conclusões do comitê central. Logo, o congresso da Terceira Internacional ratificou este voto. Radek perdeu seu cargo no comitê da Internacional. A posição do estado maior leninista se fortaleceu, também, por consequência do reconhecimento da Rússia pelas grandes potências europeias e do melhoramento da situação econômica russa. Trotsky, no entanto, conservou seus cargos no comitê central do partido comunista e no conselho de comissários do povo. O comitê central expressou sua vontade de seguir colaborando com ele.
Zinoviev disse num discurso que a despeito da tensão existente, Trotsky seria mantido em seus influentes postos.
Um novo fato veio a exasperar a situação. Trotsky publicou um livro intitulado “1917 sobre o processo da revolução de outubro”. Não conheço ainda este livro que até agora ainda não foi traduzido do russo. Os últimos documentos polêmicos de Trotsky que eu vi são reunidos em seu livro Novo Curso. Mas, parece que 1917 é uma requisição de Trotsky contra a conduta dos principais líderes da velha guarda nas jornadas de insurreição. Um grupo de notáveis leninistas –Zinoviev, Kamenev, Rykov, Miliutin e outros– discordou do parecer de Lenin e a dissensão colocou em perigo a unidade do partido bolchevique. Lenin propôs a conquista do poder e este grupo se pronunciou contra esta tese, aceitada pela maioria do partido bolchevique. Trotsky, no entanto, sustentou a tese de Lenin e colaborou em sua atuação. O novo livro de Trotsky, em suma, apresenta os atuais líderes da velha guarda, nas jornadas de outubro, sob uma luz adversa. Trotsky quis, sem dúvidas, demonstrar que aqueles que cometeram um erro em 1917, num momento decisivo para o bolchevismo, não têm o direito de fingir serem os únicos depositários e herdeiros da mentalidade e do espirito leninista.
Esta crítica, que acendeu novamente a polêmica, tem motivado a ruptura. O estado maior bolchevique deve ter respondido com uma implacável e agressiva revisão do passado de Trotsky. Trotsky como quase ninguém, ignora nunca ter sido um bolchevique ortodoxo. Pertenceu ao menchevismo até a guerra mundial. Somente a partir de então se avizinhou ao programa e a tática leninista. E somente em julho de 1917 se juntou ao bolchevismo. Lenin votou contra sua admissão na redação do “Pravda”. A aproximação de Lenin e Trotsky não ficou ratificada senão pelas jornadas de outubro e a opinião de Lenin divergiu da opinião de Trotsky em relação aos problemas mais graves da revolução. Trotsky não quis aceitar a paz de Brest-Litovsk. Lenin compreendeu rapidamente que, contra a vontade manifesta dos camponeses, a Rússia não poderia prolongar o estado de guerra. Frente às reinvindicações da insurreição de Cronstandt, Trotsky voltou a discordar de Lenin, que percebeu a realidade da situação com sua genial clarividência. Lenin se deu conta da urgência de satisfazer as reivindicações dos camponeses e ditou as medidas que inauguraram a nova política econômica dos sovietes. Os leninistas tacham Trotsky de não ter conseguido se assimilar ao bolchevismo. É evidente, ao menos, que Trotsky não conseguiu se fundir nem se identificar com a velha guarda bolchevique. Enquanto a figura de Lenin dominou todo o cenário russo, a inteligência e a colaboração da velha guarda e de Trotsky estavam asseguradas pela comum adesão à tática leninista. Lenin morreu e este laço se quebrou. Zinoviev acusa Trotsky de ter tentando com seus colaboradores o assalto do comando. Atribui essa intensão a toda a campanha de Trotsky pela democratização do partido bolchevique. Afirma que Trotsky manobrou demagogicamente para opor a nova e a velha geração. Trotsky, em todo caso, perdeu sua maior batalha. Seu partido o excomungou e lhe tirou sua confiança.
Mas os resultados da polêmica não gerarão uma cisma. Os líderes da velha guarda bolchevique, como Lenin no episódio de Cronstandt, depois de reprimir a insurreição, farão suas reinvindicações. Eles já endossaram explicitamente a tese da necessidade de democratizar o partido.
Não é a primeira vez que o destino de uma revolução quer que esta cumpra sua trajetória sem ou contra os caudilhos. O que prova, talvez, que na história, os grandes homens têm um papel mais modesto que as grandes ideias.
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