O Duo Hurley—Tchiang Kai-chek foi um Fiasco

Mao Tsetung

10 de Julho de 1945


Primeira Edição: Comentário redigido pelo camarada Mao Tsetung para a Agência Hsinghua.
Tradução: A presente tradução está conforme à nova edição das Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo II (Edições do Povo, Pequim, Agosto de 1952). Nas notas introduziram-se alterações, para atender as necessidades de edição em línguas estrangeiras.
Fonte: Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Pequim, 1975, Tomo III, pág: 447-453.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo

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No dia 7 de Julho iniciou-se, em Tchuntchim, a sessão do IV Conselho Político Nacional, convocada no intuito de dissimular com lindas cores o regime ditatorial de Tchiang Kai-chek. Nunca uma sessão de abertura viu assistência tão esparsa. Estavam ausentes tanto os representantes do Partido Comunista da China como um grande número doutros membros desse conselho. Sobre um total de duzentos e noventa membros, só cento e oitenta estavam presentes. Nessa sessão, Tchiang Kai-chek lançou-se num discurso em que declarou nomeadamente o seguinte:

“Não é intenção do governo apresentar um projeto concreto sobre as questões relativas à convocação da Assembleia Nacional; fica pois aos senhores a possibilidade de realizarem amplas discussões a esse respeito. O governo está pronto a ouvir as suas opiniões com a maior boa fé e sinceridade.”

Provavelmente, o problema da convocação da Assembleia Nacional, prevista para o próximo dia 12 de Novembro, há de ficar por aí. O imperialista Hurley não é estranho a toda essa questão. Com efeito, foi ele quem encorajou vivamente Tchiang Kai-chek a empreender a manobra; por isso este último ousou manifestar alguma segurança no discurso de Ano Novo(1) e mesmo muita arrogância no discurso de 1 de Março(2), quando falou da sua determinação de “entregar o poder ao povo” no dia 12 de Novembro. Neste último discurso, Tchiang Kai-chek rejeitou categoricamente a proposta do Partido Comunista da China que, traduzindo a vontade do povo, reclamava a convocação duma conferência de todos os partidos e grupos políticos e a formação dum governo de coalizão. Em contrapartida, preconizou com entusiasmo delirante a criação duma comissão de três membros, entre os quais um norte-americano, para “reorganização” das tropas do Partido Comunista da China, e levou inclusivamente a sua ousadia ao ponto de declarar que este devia entregar-lhe as tropas antes de ele lhe reconhecer como prêmio um “estatuto legal”. Em toda esta questão, o apoio de Sua Excelência o sr. Patrick J. Hurley foi decisivo. Com efeito, numa declaração feita em Washington, a 2 de Abril, Hurley, retomando a velha cantilena imperialista — negação do papel do Partido Comunista da China, calúnias sobre a atividade deste e recusa de cooperação com tal Partido — entregou-se a grande alarido sobre a “Assembleia Nacional” e outros projetos vis de Tchiang Kai-chek. Assim foi como o duo Hurley—Tchiang Kai-chek, um discursando nos Estados Unidos e o outro na China, mas ambos com o mesmo objetivo de sacrificar o povo chinês, atingiu o seu diapasão mais alto. Mas a partir daí as coisas parece que começaram a degenerar. Entre os chineses e entre os estrangeiros, dentro e fora do Kuomintang, entre os membros dos diferentes partidos e entre os sem-partido, por toda a parte começaram a elevar-se vozes de protesto, muitas mesmo. E a única razão disso consiste no fato de o jogo Hurley—Tchiang Kai-chek, a despeito de toda a propaganda altissonante, visar no fim de contas a sacrificar os interesses do povo chinês, a sabotar ainda mais a unidade deste e a armar a mina que provocará na China a explosão duma grande guerra civil, o que prejudicará os interesses comuns do povo dos Estados Unidos e dos outros países aliados, tanto durante a guerra contra o fascismo como durante a coexistência pacífica após a guerra. Presentemente, Hurley parece que anda escondido, ocupado em não se sabe quê, daí resultando que Tchiang Kai-chek não pôde senão revelar inépcia ante o Conselho Político Nacional. A 1 de Março, Tchiang Kai-chek declarou:

“Entre nós a situação não é a mesma que nos outros países; antes da convocação da Assembleia Nacional não temos organização responsável representativa do povo, através de quem o governo possa ouvir a opinião popular.”

Mas se é assim, por que motivo o nosso presidente do Conselho Militar vem então agora ao Conselho Político “ouvir” a “opinião popular”? Segundo ele, não há em toda a China “organização responsável ... através de quem o governo possa ouvir a opinião popular”; então o Conselho é uma “organização” que existe apenas para comer, não existe razão legal para “ouvi-lo”. Seja como for, bastará ao Conselho dizer uma palavra apenas contra a convocação dessa pseudo-assembleia nacional para fazer obra útil e merecer as graças divinas, ainda que, desse modo, viole o Édito Imperial de 1 de Março e cometa um crime de lesa-majestade. Claro que é cedo para fazer já comentários sobre a sessão do Conselho; há ainda que esperar alguns dias para saber-se o que ela fará “ouvir” ao presidente do Conselho Militar. Mas uma coisa é certa: desde que o povo chinês se levantou unânime contra a convocação dessa pseudo-assembleia nacional, até os partidários fervorosos da “monarquia constitucional” vivem inquietos a respeito do nosso “monarca”; aconselharam-no a não amarrar a corda ao pescoço com a convocação dum “Parlamento de Vendidos”(3), a evitar a triste sorte de Iuan Chi-cai. Quem sabe pois se o nosso “monarca” não se ficará por aí? De todos os modos, ele e o seu círculo jamais permitirão que o povo se aposse da menor parcela de poder, nem que isso lhes custe apenas um cabelo. A prova imediata é que o “monarca” qualificou de “ataques frenéticos” as justas críticas populares. Efetivamente ele declarou:

“... em tempo de guerra, não pode obviamente realizar-se qualquer eleição geral nas regiões ocupadas pelo Japão. A sessão plenária do Comitê Executivo Central do Kuomintang decidiu portanto, há dois anos, que será convocada uma Assembleia Nacional e instaurado um regime constitucional no ano que se seguir ao fim da guerra. Não obstante, certos círculos lançaram-se em ataques frenéticos.”

Segundo ele o fundamento desses ataques era que o momento estabelecido era muito tardio. Então o nosso “monarca”, “considerando que o resultado final da guerra podia ser retardado e que não há de ser seguramente possível restabelecer com rapidez a ordem por toda a parte, mesmo após a cessação da guerra”, propôs “convocar a Assembleia Nacional assim que se estabilizasse a situação militar”. Mas, para sua grande surpresa, as gentes recomeçaram os “ataques frenéticos”, deixando-o em terrível embaraço. O povo chinês deve fazer a Tchiang Kai-chek e ao seu grupo esta advertência: digam o que disserem e façam o que fizerem, nenhum engano violador da vontade do povo será tolerado. O que o povo chinês deseja é a realização imediata de reformas democráticas, nomeadamente a libertação dos presos políticos, supressão dos serviços secretos, reconhecimento de liberdade para o povo e de estatuto legal para os partidos e grupos políticos. Quanto a isso vocês nada têm feito, e, sobre o problema da data da convocação da “Assembleia Nacional”, entregam-se a truques de prestidigitação que não podem sequer enganar uma criança de três anos. Sem um mínimo de reformas democráticas verdadeiras, todas as vossas assembleias, grandes e pequenas, só servirão para o lixo. Chamem a isso “ataques frenéticos”, se quiserem, mas todos os vossos embustes devem ser resoluta, radical, integral e totalmente denunciados. É inadmissível deixar deles o menor vestígio, já que se trata de puras mentiras. Convocar ou não uma assembleia é uma coisa, realizar ou não um mínimo de reformas democráticas é outra. Pode passar-se provisoriamente sem assembleia nacional, mas quanto a reformas democráticas há que realizá-las imediatamente. Se Tchiang Kai-chek e o seu grupo querem “entregar o poder ao povo” “antes do prazo previsto”, como se recusam a proceder, “antes do prazo previsto”, a um mínimo de reformas democráticas? Senhores kuomintanistas! O meu artigo chegou ao fim, há que reconhecer que os comunistas não vos fazem “ataques frenéticos”, mas apenas uma pergunta. Será que não têm eles esse direito? Será que se recusarão a responder-lhes? A pergunta a que devem responder é esta: Por que razão não querem proceder a reformas democráticas se desejam “entregar o poder ao povo”?


Notas de rodapé:

(1) Discurso radiodifundido, pronunciado a 1 de Janeiro de 1945 por Tchiang Kai-chek. Nesse discurso ele não fez a menor alusão às derrotas vergonhosas sofridas no ano anterior pelas tropas kuomintanistas, quando dos ataques do invasor japonês; em contrapartida, caluniou freneticamente o povo e opôs-se à proposta apoiada pela totalidade do povo, partidos e grupos políticos anti-japoneses, de suprimir a ditadura de um só partido, ditadura kuomintanista, e criar um governo de coalizão e um alto comando conjunto; ele insistiu na manutenção da ditadura exclusiva do Kuomintang e, para escudar-se contra as flechas populares, falou da convocação duma “Assembleia Nacional” enfeudada ao Kuomintang, não obstante ter sido essa Assembleia rejeitada pela totalidade da nação. (retornar ao texto)

(2) Discurso pronunciado a 1 de Março de 1945, em Tchun-tchim, na Associação para o Estabelecimento dum Regime Constitucional, e onde, mantendo as posições reacionárias do “Discurso de Ano Novo”, Tchiang Kai-chek propôs a criação duma comissão de três membros, entre os quais um norte-americano, para “reorganização” do VIII Exército e do Novo IV Exército, o que era o mesmo que pedir abertamente aos imperialistas norte-americanos que interviessem nos negócios internos da China. (retornar ao texto)

Notas do Tradutor:

(3) Em 1923, Tsao Cun, caudilho militar do Norte, fez-se eleger “Presidente da República da China”, subornando os membros do parlamento pela soma de cinco mil yuan-prata o voto. Tornou-se célebre como presidente eleito por suborno; os membros subornados foram apelidados de “deputados vendidos” e o parlamento “Parlamento de Vendidos”. (retornar ao texto)

Inclusão 13/12/2015