A Viragem da Segunda Guerra Mundial

Mao Tsetung

12 de Outubro de 1942


Primeira Edição: Editorial redigido pelo camarada Mao Tsetung para o Quiefanjepao, de Ien-an.
Tradução: A presente tradução está conforme à nova edição das Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo II (Edições do Povo, Pequim, Agosto de 1952). Nas notas introduziram-se alterações, para atender as necessidades de edição em línguas estrangeiras.
Fonte: Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Pequim, 1975, Tomo III, pág: 153-161.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo

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A batalha de Estalinegrado foi comparada pela imprensa britânica e norte-americana à batalha de Verdun, e o “Verdun Vermelho” tornou-se célebre no mundo inteiro. A comparação, porém, não é feliz. A atual batalha de Estalinegrado difere, pelo seu próprio caráter, do Verdun da Primeira Guerra Mundial. Contudo, elas têm um ponto em comum: hoje, como outrora, muitas pessoas vivem enganadas pelas ações ofensivas da Alemanha e pensam que esta ainda pode alcançar a vitória. A Primeira Guerra Mundial terminou no Inverno de 1918; em 1916, o exército alemão lançou várias ofensivas contra a praça forte francesa de Verdun. O kronprinz em pessoa dirigia as operações, e as forças lançadas na batalha eram a élite do exército alemão. A batalha era decisiva. Com o fracasso dos furiosos assaltos alemães, o campo germano-austro-turco-búlgaro ficou sem saída; daí em diante as suas dificuldades foram aumentando dia a dia, a deserção atingiu-lhe as fileiras, começou a desagregação e, finalmente, deu-se o desmoronamento. Naquela altura, porém, o campo anglo-norte-americano-francês ainda não compreendia a situação, julgava que o exército alemão ainda era muito forte e não via que a vitória lhe estava já ao alcance das mãos. Na história da humanidade, toda a força reacionária no limiar da morte lança-se, invariavelmente, numa última e desesperada luta contra as forças revolucionárias; muitas vezes certos revolucionários deixam-se temporariamente enganar por esse fenômeno de força aparente, dissimulador duma fraqueza interior, não vendo o fato essencial que consiste em o inimigo estar perto do fim, enquanto que eles próprios estão próximos da vitória. O avanço do conjunto das forças fascistas e as guerras de agressão que vêm desencadeando há alguns anos representam justamente a agonia das forças reacionárias, e, na guerra atual, o ataque contra Estalinegrado marca o último estertor desesperado dessas mesmas forças fascistas. Diante de tal viragem da História, muitas pessoas, no seio da frente antifascista mundial, deixaram-se enganar pelo aspeto feroz do fascismo e não conseguiram perceber-lhe a essência. Combates duma dureza sem precedentes na História desenrolaram-se durante 48 dias, desde 23 de Agosto, data em que as tropas alemãs concluíram a passagem da curva do Don e desencadearam o ataque geral contra Estalinegrado, até 9 de Outubro, dia em que o Birô de Informação Soviético anunciou que o Exército Vermelho tinha rompido o cerco alemão ao bairro industrial do noroeste da cidade, onde, em 15 de Setembro, uma parte das tropas alemãs havia penetrado. Finalmente a batalha acabou por ser ganha pelas forças soviéticas. Durante 48 dias, as notícias diárias provenientes dessa cidade sobre o desenrolar da batalha mantiveram em expetativa dezenas e dezenas de milhões de homens, ora causando-lhes desgosto ora alegria. Essa batalha não só representa uma viragem na guerra soviético-germânica e na guerra mundial antifascista, como também representa uma viragem na história de toda a humanidade. Durante esses 48 dias a atenção dos povos do mundo esteve concentrada em Estalinegrado, e dum modo ainda mais intenso que no caso de Moscovo, em Outubro último.

Até às vitórias na frente oeste, Hitler parecia dar provas de prudência. Enquanto lançou os ataques contra a Polônia, Noruega, Holanda, Bélgica, França e os Bálcãs, ele concentrou sempre as suas forças num só objetivo, sem ousar desviar daí a atenção. Mas depois das vitórias a oeste, inebriado pelo sucesso, passou a querer bater a União Soviética em três meses. De Murmansk, ao norte, até à Crimeia, no sul, desencadeou uma ofensiva geral contra esse imenso e poderoso país socialista, com o que dispersou as suas forças. O fracasso da ofensiva contra Moscovo, em Outubro do ano passado, pôs termo à primeira fase da guerra soviético-germânica; o primeiro plano estratégico de Hitler tinha falhado. O Exército Vermelho deteve a ofensiva alemã do ano passado e, no Inverno, passou à contraofensiva em toda a frente; essa foi a segunda fase da guerra soviético-germânica. Hitler teve de bater em retirada e colocar-se na defensiva. Entretanto, demitiu Von Brauchitsch, comandante em chefe das operações, assumiu em pessoa o comando e decidiu abandonar o plano de ofensiva geral, preparando-se, com a reunião de todas as suas forças disponíveis na Europa, para lançar uma ofensiva final que, embora limitada à frente sul, iria, segundo ele, golpear os setores vitais da União Soviética. Como essa ofensiva tinha um caráter decisivo, e dela dependia a própria sobrevivência do fascismo, Hitler concentrou forças enormes, chegando inclusivamente a transferir para essa frente uma parte dos aviões e dos tanques que operavam no Norte de África. Com o ataque alemão contra Kertch e Sebastopol, em Maio último, a guerra entrou na terceira fase. Tendo reunido um exército superior a 1.500.000 homens, e apoiado pelo principal das suas forças aéreas e blindadas, Hitler lançou uma ofensiva de violência sem precedentes, em direcção de Estalinegrado e do Cáucaso. Ao tentar apoderar-se rapidamente dessas regiões, ele tinha dois objetivos: cortar o Volga e tomar Bacu, para marchar em seguida em direcção ao norte, contra Moscovo, e penetrar no sul até ao Golfo Pérsico. Ao mesmo tempo, arrastou os fascistas japoneses a concentrarem as suas forças na Manchúria, tendo em vista uma ofensiva na Sibéria, após a queda de Estalinegrado. Hitler sonhava levar o enfraquecimento do poderio da União Soviética a um ponto tal que lhe permitisse retirar dessa frente as forças principais do exército alemão, a fim de poder fazer face, na frente oeste, à eventualidade duma ofensiva anglo-norte-americana, apoderar-se dos recursos do Próximo Oriente, fazer a junção com o exército japonês e, ao mesmo tempo, permitir ao grosso das forças japonesas que se retirasse do Norte em direção do Oeste e do Sul, contra a China, a Inglaterra e os Estados Unidos, e isso sem que os exércitos alemão e japonês tivessem de preocupar-se com as suas retaguardas. Eis como queria conquistar a vitória para a frente fascista. Mas o que é que se passou no decurso dessa fase? Hitler esbarrou com a tática soviética, que se lhe revelou mortal. A União Soviética adoptou o plano de levar o inimigo a penetrar profundamente no interior do seu território e opor-lhe em seguida uma resistência obstinada. Em cinco meses de combate, o exército alemão não conseguiu penetrar nos campos de petróleo do Cáucaso nem tomar Estalinegrado e Hitler viu-se obrigado a deter as suas tropas na base de altas montanhas e diante dos muros duma cidade inconquistável, sem poder avançar nem recuar, sofrendo perdas enormes e embrenhando-se numa situação sem saída. Está-se então em Outubro e com o Inverno à porta; a terceira fase da guerra chega ao seu termo, e a quarta vai começar. Não há um só plano estratégico hitleriano de ataque à União Soviética que não tenha fracassado. Durante esse período, Hitler, compreendendo que a sua derrota no Verão anterior fora devida à dispersão das tropas, concentrou as forças na frente sul. Mas, como procurava ainda atingir com um só golpe o duplo objetivo de cortar o Volga a leste e tomar o Cáucaso a sul, viu-se obrigado a dividir uma vez mais as forças. Nos seus cálculos Hitler não previu a desproporção entre as possibilidades reais e as suas ambições, ficando assim nessa situação sem saída como um “carregador que, sem ter um ponto de apoio, vê a carga escorregar-lhe pelas duas extremidades da vara”. Em contrapartida, a União Soviética à medida que combate vai-se tornando mais forte. A brilhante direcção estratégica de Estáline conquistou inteiramente a iniciativa e, por toda a parte, empurra Hitler para a ruína. A quarta fase da guerra, que começará este Inverno, levará Hitler à derrota.

Se comparamos a situação de Hitler no decurso da primeira e da terceira fase, vemos que está no limiar duma derrota definitiva. atualmente, tanto em Estalinegrado como no Cáucaso, o Exército Vermelho já conseguiu deter efetivamente a ofensiva alemã; Hitler está sem fôlego e fracassou na ofensiva contra Estalinegrado e o Cáucaso. As escassas forças que conseguiu reunir durante todo o período de Inverno, de Dezembro a Maio último, já estão esgotadas. Agora que, em menos de um mês, o Inverno se instalará na frente soviético-germânica, Hitler terá que passar a toda a pressa à defensiva. O conjunto da região situada a oeste e a sul do Don será o mais perigoso para ele, pois há de ser aí que o Exército Vermelho lançará a sua contraofensiva. Neste Inverno, Hitler, acossado pela ameaça dum desfecho fatal, tentará mais uma vez reagrupar as suas forças. Pode ser que ainda lhe seja possível reunir o que lhe resta quanto a forças para formar algumas novas divisões; além disso, pode pedir aos outros três comparsas fascistas, a Itália, a Romênia e a Hungria, uma certa ajuda no fornecimento de carne para canhão, com vista a fazer face à situação crítica das frentes leste e oeste. Contudo, ele terá de contar com perdas enormes ao longo da campanha de Inverno na frente leste e ainda com a abertura duma segunda frente a oeste, enquanto que a Itália, a Romênia e a Hungria, decepcionadas ante a perspetiva da derrocada inevitável de Hitler, afastar-se-ão cada vez mais dele. Em resumo, depois de 9 de Outubro, Hitler só tem um caminho a seguir: o caminho da morte.

Há qualquer coisa de comum entre a defesa de Estalinegrado pelo Exército Vermelho, durante esses quarenta e oito dias, e a defesa de Moscovo, no ano passado: a defesa de Estalinegrado fez fracassar o plano de Hitler para este ano, tal como a de Moscovo fez fracassar o plano do ano passado. A diferença está no fato de o Exército Vermelho, apesar da contraofensiva. de Inverno que empreendeu logo após a defesa de Moscovo, ter tido que aguentar ainda este ano uma ofensiva de Verão do exército alemão, já porque, primeiro, ainda restavam à Alemanha e seus comparsas europeus forças disponíveis, e, segundo, a Inglaterra e os Estados Unidos demoravam a abertura da segunda frente. Depois da batalha para a defesa de Estalinegrado, a situação será, porém, completamente diferente do que era no ano passado. Por um lado, a União Soviética desencadeará uma segunda contraofensiva. de Inverno de amplitude excepcional, a Inglaterra e os Estados Unidos não poderão mais adiar a abertura da segunda frente (se bem que não seja possível precisar a data exata) e os povos da Europa estarão, por seu turno, prontos a responder por meio da sublevação. Por outro lado, como a Alemanha e os seus partidários europeus não têm mais forças para empreender uma ofensiva de grande envergadura, Hitler ver-se-á constrangido a passar inteiramente à defensiva estratégica. Ora, se Hitler é obrigado a passar à defensiva estratégica, o destino do fascismo está decidido. Com efeito, um Estado fascista como o de Hitler, que desde a sua origem baseou toda a vida política e militar na ofensiva, não pode deixar de perecer quando esta fique paralisada. A batalha de Estalinegrado vai parar a ofensiva fascista; é uma batalha decisiva. E esse caráter decisivo há de decidir de todo o curso da guerra mundial.

Hitler tem diante de si três inimigos poderosos: a União Soviética, a Inglaterra e os Estados Unidos, e ainda os povos das regiões que ocupa. Na frente leste está o Exército Vermelho, fortaleza inabalável, com todas as suas contraofensivas, que se sucederão ao longo de toda a estação do segundo Inverno e mesmo depois disso; são esses os fatores que decidirão do resultado da guerra e do destino da humanidade. Na frente oeste, mesmo que a Inglaterra e os Estados Unidos continuem a seguir uma política de expetativa e adiamentos, tarde ou cedo hão de abrir a segunda frente, logo que possam atirar-se ao tigre já moribundo. Além disso, existe ainda uma frente interior contra Hitler: a grande sublevação popular que germina na Alemanha, na França e noutros lugares da Europa. Desde que seja desencadeada a contraofensiva. geral da União Soviética e tenham ribombado os canhões da segunda frente, os povos da Europa responderão com a abertura da terceira frente. Assim, uma ofensiva convergente de três frentes contra Hitler há de ser o grande processo histórico que se seguirá à batalha de Estalinegrado.

A carreira política de Napoleão terminou em Waterloo, mas foi a derrota sofrida anteriormente, em Moscovo, que decidiu da sua sorte(1). Hoje, Hitler marcha sobre as pegadas de Napoleão e a batalha de Estalinegrado já traçou também o seu destino.

Uma tal situação terá repercussões diretas no Extremo Oriente. O ano que vem também não será auspicioso para o fascismo japonês. Com o tempo as suas dores de cabeça aumentarão, até ao momento de baixar à sepultura.

Todos os que veem de maneira pessimista a situação mundial deveriam pois corrigir os seus pontos de vista.


Notas de rodapé:

(1) Em Junho de 1815, travou-se em Waterloo, sul da Bélgica, uma encarniçada batalha entre as tropas de Napoleão e as tropas coligadas anglo-prussianas. Vencido, Napoleão foi exilado para a ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde veio a morrer, em 1821. Ao longo da sua vida, Napoleão subjugou muitos países europeus, mas sofreu uma pesada derrota em Moscovo, durante a campanha da Rússia de 1812, onde viu quase inteiramente aniquilada a élite do seu exército. Golpeado, Napoleão não pôde retomar o fôlego. Quanto à derrota de Moscovo, ver nota 23(2) ao artigo “Sobre a Guerra Prolongada”, Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo II. (retornar ao texto)

(2) Nota 23: Em 1812, com um exército de 500.000 homens, Napoleão atacou a Rússia. O exército russo, ao retirar-se, incendiou Moscovo, votando o exército de Napoleão a fome, ao frio e a terríveis sofrimentos. Depois, desbaratando as linhas de comunicação na retaguarda dos invasores, colocou-os na situação insustentável de tropas cercadas, de tal maneira que Napoleão foi obrigado a retirar o seu exército. Aproveitando a situação, o exército russo passou a contra-ofensiva e, de todo o exército de Napoleão, somente uns 20.000 soldados puderam escapar. (retornar ao texto)

Inclusão 26/07/2015