História do Mundo
Volume I - O Mundo Antigo - A Idade Média

A. Z. Manfred


II Parte: A Idade Média
Capítulo VIII - O Aparecimento do Capitalismo Primitivo na Europa Ocidental


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Este capítulo tratará do terceiro estádio da Idade Média, quando dentro da trama das relações de produção feudal apareceram elementos de um novo modo de produção capitalista. Este processo resultou do avanço de técnicas e da organização da produção.

O desenvolvimento da exploração das minas de ferro foi um factor extremamente importante neste processo, pois o ferro era o metal mais importante tanto para a agricultura como para a indústria. Foram utilizados os primeiros altos-fornos e neles foi obtido o ferro em barra e depois fez-se a mistura de aço e ferro. Outros metais valiosos, o cobre, o estanho e o chumbo foram explorados e houve importantes inovações nas técnicas de exploração de minas. Os povos aprenderam a utilizar poços de fundos e inventaram maneiras de extrair a água e de os encher de ar. Foram inventadas máquinas movidas a água e azenhas.

Também houve grandes progressos nos transportes. Com a ajuda do compasso empreendiam-se agora grandes viagens por mares afastados da terra; introduziram-se novas velas que tornavam possível virar de bordo contra o vento. Todas estas novas descobertas e invenções prepararam o caminho para as grandes descobertas geográficas do período desde o final do século XV ao final do século XVI.

As Grandes Descobertas Geográficas

Foi neste período que os europeus descobriram muitos países novos e abriram novas rotas até aí desconhecidas para distantes regiões do globo. Em 1492, um marinheiro genovês ao serviço da coroa espanhola, Cristóvão Colombo, descobriu a América, que mais tarde recebeu o nome de outro explorador genovês, Américo Vespucci, que iria fazer o mapa do novo continente.

Em 1497-1498, Vasco da Gama foi de Portugal à Índia pelo cabo da Boa Esperança.

Em 1519, o explorador português Fernão de Magalhães completou a sua primeira viagem da volta ao Mundo ao serviço do rei de Espanha. Partindo de Espanha em direcção ao Oeste acabou por descobrir o estreito que separa a Terra do Fogo (o estreito de Magalhães) e continuou a navegar pelo oceano Pacífico até às ilhas Filipinas. Aqui foi morto numa escaramuça com os nativos mas os seus companheiros continuaram a viagem sob o comando de Del Cano e em Setembro de 1522 chegaram a Espanha, tendo perdido a maior parte da tripulação (desapareceram 218 dos 234 homens) por causa da fome e da doença. No século XVII, a Austrália foi descoberta pelos holandeses.

O Aparecimento do Modo de Produção Capitalista

Várias inovações nas técnicas de produção aumentaram o nível da produtividade do trabalho. No entanto, a produção em pequena escala, típica da Idade Média, era inadequada para promover o aperfeiçoamento dos utensílios de trabalho: os padrões organizados da indústria medieval não eram de molde a encorajar os inventos e melhoramentos. As guildas medievais faziam o possível por obstruir o aperfeiçoamento das técnicas ou da organização do trabalho, receando que isso levasse a que uns enriquecessem mais do que os outros. Entretanto, a necessidade de expandir a produção fazia-se sentir cada vez mais. Isto acontecia particularmente com as indústrias, tais como a têxtil, que desde há muito estava organizada para fornecer um grande mercado interno e externo; e ainda a produção de seda e lã de Florença e com a indústria de tecidos de Gent, Bruges e Ypres. Aqui iriam aparecer as primeiras características da transição para o capitalismo.

Novas características que preparavam o caminho para grandes mudanças futuras apareceram gradualmente no sistema de guildas. A maior produtividade do trabalho e o considerável aumento do volume de produção em várias indústrias levou a uma divisão do processo de produção em algumas operações ou processos separados, cada um deles levando a cabo por uma guilda. Assim, na indústria têxtil florentina foram estabelecidas guildas de tecelões, fiandeiros e tintureiros — exemplo daquilo que se chama divisão de trabalho entre guildas separadas.

Mas outras mudanças estavam a ocorrer. Os mercadores que dispunham de meios para isso compravam muitas vezes grandes quantidades de produtos de uma ou mais guildas e depois encarregavam-se de os vender e de organizar o transporte necessário para o local onde iam ser vendidos e consumidos. Então começaram a ocupar-se, pouco a pouco, do fornecimento de matérias-primas e mais tarde de utensílios de trabalho, tornando os membros das guildas cada vez mais dependentes dos comerciantes. Como as cartas de instituição das guildas medievais estabeleciam limites definidos à organização progressiva desta dependência, os mercados concentravam muitas vezes a sua actividade nas aldeias onde os camponeses se tinham dedicado a várias profissões desde tempos imemoriais, e se tinham dedicado a vários tipos de produção (particularmente a produção têxtil) para obviar às suas necessidades e às das suas famílias. Os mercadores forneciam a estes artesãos de aldeia matérias-primas e utensílios — rodas de fiar, teares, tintas, etc., e estes em breve ficaram dependentes deles. Os mercadores pagavam-lhes o menos possível pelo seu trabalho, exigiam um alto juro sobre as matérias-primas, utensílios e outros materiais que lhes forneciam e, finalmente, vendiam o que eles produziam pelo mais alto preço possível. Os artesãos das aldeias ficaram desde então altamente dependentes dos mercadores, especialmente quando estes começaram a superintender na produção no próprio local da produção.

Este tipo de comerciantes emprestava aos artesãos matérias-primas e utensílios e exigiam-lhes que vendessem o que produziam apenas a eles, sabendo muito bem que iam receber a longo prazo muito mais do que tinham pago originalmente pelos materiais emprestados.

Mais tarde ou mais cedo receberiam não só o custo dos objectos fornecidos aos artesãos e os juros, mas também tirariam proveito da venda do produto acabado. Porque o produto acabado valia mais do que as matérias-primas de que era feito, não só porque o preço do produto acabado inclui o preço das matérias-primas e de parte do custo dos utensílios de produção utilizados mas, sobretudo, porque a sua produção exigia uma quantidade específica de trabalho humano.

Os empreendedores pagavam aos artesãos só uma parte do trabalho que estes despendiam na produção, e guardavam o resto para si. O trabalho apropriado deste modo pelo empresário chama-se trabalho excedente e o produto acabado e produzido pelo trabalho excedente é mais tarde vendido no mercado e traz ao empresário um sobrevalor ou lucro excedente, pelo qual o empresário afirma a sua autoridade sobre os trabalhadores a quem paga. Nesta fase do desenvolvimento social ele não desempenhava um papel directo na supervisão da produção e deixava-a continuar como tinha existido até aí, mas já estava a pagar a trabalhadores que estavam a produzir mais do que o custo da sua força de trabalho. Estes exploravam os seus trabalhadores assalariados para receberem mais dinheiro. O preço pelo qual o empresário ganha controlo sobre a força de trabalho de um trabalhador é o salário deste. A soma que o empresário investe no trabalho dos praticantes e dos artesãos das aldeias chama-se capital — a soma que traz o valor excedente — e ele chama-se capitalista. O valor excedente é uma característica essencial do modo de produção capitalista; é o fim para que é dirigida a actividade do capitalista e no qual ele vê a razão da sua actividade.

A Fábrica

Vejamos agora a maneira como os primeiros capitalistas tentaram aumentar os seus lucros. De início, costumavam comprar o produto acabado aos produtores individuais, mais tarde começaram a tomar parte directa na supervisão da produção. Esta supervisão assumiu várias formas. Por exemplo, o empresário obrigava os artesãos a realizar algumas das operações mais caras ou mais complexas, tais como a tinturação dos tecidos, em instalações suas, sob a sua supervisão directa. Mais tarde ainda podia concentrar todas as operações de um tipo específico de produção em instalações suas, sob a sua supervisão directa. Mais tarde ainda não podia concentrar todas as operações de um tipo específico de produção em instalações especiais sob a sua supervisão directa. Esta última etapa levou ao aparecimento de manufacturas, instituição primitiva da produção capitalista que estava espalhada pela Europa no fim do século XV e que ia predominar até ao século XVIII: por isso se chama a este período «o período das manufacturas». Este nome deriva da expressão latina manu facio (feito com a mão), porque todas as operações essenciais nestas manufacturas eram feitas à mão pelo trabalhador com a ajuda dos pequenos utensílios manuais. Se o capitalista fazia com que todo o trabalho, isto é, todas as operações necessárias para a preparação de um dado produto fosse feito em instalações sob a sua supervisão, a manufactura era considerada centralizada; se, pelo contrário, o capitalista contratava homens individuais que trabalhavam nas suas oficinas, este tipo de manufactura era chamada dispersa. Finalmente, existia um terceiro tipo, na qual algumas operações de produção eram realizadas nas oficinas de artesãos individuais e o resto em instalações que pertenciam ao empresário sob a sua supervisão e administração.

O Aparecimento de uma Classe de Trabalhadores Assalariados

Os três tipos de manufacturas acima descritos eram todos empresas capitalistas, porque aqueles que nelas trabalhavam eram trabalhadores assalariados, que vendiam a sua força de trabalho ao capitalista, o qual explorando esta força de trabalho obtinha para si um valor excedente, a parte principal do seu lucro. A sede do lucro era a força motora que estava por trás de todas as empresas dos capitalistas e este lutava sempre por aumentá-lo, tentando pagar ao trabalhador o menos possível e obrigando-o a produzir o mais possível. No que se refere ao primeiro objectivo, o capitalista tinha interesse em garantir que houvesse o maior número possível de pobres na cidade, privados de meios de produção e de subsistência, que, por isso, eram obrigados a vender a sua força de trabalho, a única coisa de que podiam dispor. Quantos mais houvesse, menos o capitalista tinha de lhes pagar como salário. Assim, para elevar a produtividade de trabalho dos trabalhadores assalariados o dono da fábrica determinou uma detalhada divisão de trabalho: cada trabalhador realizava uma só operação, o que significava que se habituava a um só e mesmo movimento a ser executado com os mesmos instrumentos.

Estes trabalhadores de especialidade em breve passaram a executar a sua parte no processo de produção com mais rapidez e podiam, assim, realizar um maior número de operações em certo período de tempo do que o artífice medieval que realizava sozinho todos os passos do processo da produção, que envolvia várias operações que requeriam todas elas movimentos diferentes.

Outro factor que desempenhou um papel importante na elevação da produtividade do trabalho foi o aperfeiçoamento dos utensílios usados na produção. Quanto melhores fossem os utensílios utilizados pelos trabalhadores da manufactura, quanto mais adequados à única operação que tinham de executar, menos tempo gastariam nela e mais produziam. Naturalmente que era do interesse dos donos das manufacturas adquirir utensílios aperfeiçoados e conseguir por este meio maiores proventos.

O novo modo de produção prometia grandes lucros a todos aqueles que nele investissem o seu capital, e, por isso, o número de manufacturas aumentou rapidamente. Cada dono de uma manufactura tinha em geral um vizinho que competia com ele, tentando produzir melhores produtos e mais baratos, porque essa era a única maneira de se sentir seguro apesar da competição. O modo capitalista de produção, por isso, deu origem a grandes aperfeiçoamentos dos instrumentos de produção e a uma revolução nas técnicas de produção. A introdução de novas técnicas aperfeiçoadas pelos primeiros capitalistas no interesse de obterem o lucro máximo, foi uma característica progressista deste modo de produção. A necessidade de processos de produção eficientes levou as pessoas a pensar em substituir as mãos humanas por máquinas que executassem operações semelhantes mas com mais velocidade e precisão. Tudo isto levou ao aparecimento da máquina, à substituição da manufactura pela fábrica e teve como resultado o enorme progresso técnico típico da idade moderna. Os primitivos manufactureiros intensificaram o trabalho dos seus trabalhadores assalariados melhorando a organização das suas empresas, treinando melhor os trabalhadores, em resultado do que muitos deles se tornaram peritos no seu ofício, e, finalmente, introduzindo melhores instrumentos de trabalho.

O aparecimento do novo modo capitalista de produção teve consequências históricas e anunciou uma nova era na história da humanidade. Estas consequências fizeram-se sentir pela primeira vez na catástrofe que caiu sobre todos os pequenos produtores tanto nas cidades como nas aldeias. As massas trabalhadoras da cidade e do campo converteram-se em pouco tempo cm proletários empobrecidos, isto é, pessoas que, privadas dos meios e dos instrumentos de produção e dos meios de subsistência, eram obrigadas a viver, vendendo a sua força de trabalho.

As Primeiras Acumulações de Capital

Para que a exploração dos trabalhadores assalariados se tornasse possível era necessário que a grande massa de camponeses e artífices fosse privada dos instrumentos e meios de produção e dos meios de subsistência e fosse obrigada a viver vendendo a sua força de trabalho. Na verdade, este fenómeno precedeu o aparecimento do modo capitalista de produção em todo o Mundo. Foi através de expropriações que expulsaram os camponeses das terras, através da ruína e do empobrecimento dos artífices, que todos os meios de produção — a terra, os instrumentos de produção, e, portanto, os meios de subsistência dos trabalhadores — acabaram por se concentrar nas mãos de uma minoria de capitalistas, que dispunham a seu bel-prazer, não só de tudo o que tinham tirado às massas trabalhadoras mas também dos trabalhadores que tinham sido obrigados a vender-lhes a sua força de trabalho.

A evolução desta primeira acumulação de capital pode reconstituir-se com mais facilidade em Inglaterra, país que representa um modelo clássico de desenvolvimento capitalista. Por causa da sua abundante pluviosidade, a Inglaterra era rica de viçosas pastagens. Durante séculos, os Ingleses tinham prosperado criando gado e vendendo lã à Flandres, onde era transformada em tecidos. À medida que a procura dos têxteis aumentou, a lã encareceu e, no final do século XV, comerciantes ingleses começaram a organizar as suas próprias manufacturas para a produção de tecidos de lã. A procura de lã aumentou mais e os representantes da classe dominante inglesa, para expandirem a sua lucrativa produção de lã começaram a expulsar os seus camponeses das suas terras, a cercar a terra assim adquirida para que ninguém a pudesse usar, e a transformá-las em terras de pasto. Vezes houve em que aldeias inteiras foram destruídas, e os camponeses, que ficaram arruinados, depois de perderem as suas terras dirigiram-se às cidades para procurarem trabalho nas manufacturas.

A Expropriação dos Camponeses

O notável erudito inglês do século XVI, Thomas More, escreveu que na Inglaterra «os carneiros estão a comer as pessoas». Em meados do século XVIII, o campesinato como classe tinha desaparecido no país. A terra estava nas mãos dos senhores, poderosos proprietários de terras, que a alugavam a lavradores para que estes a trabalhassem com a ajuda de jornaleiros assalariados. Foi assim que o modo de produção capitalista se tornou predominante na agricultura inglesa.

O progresso económico foi conseguido à custa da ruína dos pequenos produtores e como as manufacturas não podiam, particularmente nos primeiros tempos, absorver toda a massa de camponeses expulsos da terra, muitos foram obrigados a vaguear pelo país à procura de trabalhos ocasionais, e se não o encontrassem, tinham de se entregar à mendicidade, ao roubo e à pilhagem. A resposta do governo foi a promulgação de duras leis contra a vagabundagem. A forca era a pena para o roubo de coisas tão pouco importantes como um leitão. De acordo com uma lei promulgada por Eduardo VI em 1547, todos aqueles que não quisessem trabalhar podiam ser escravizados por quem os denunciasse. Alguns podiam ser chicoteados e acorrentados e obrigados a trabalhar assim. Se um trabalhador se ausentasse por duas semanas sem autorização, era reduzido à escravatura por toda a vida e gravavam-lhe na fronte a letra S; se fugisse pela terceira vez era enforcado como criminoso.

A Ruína dos Artesãos

Embora a sorte dos camponeses expulsos das suas terras fosse cruel a dos artífices não era melhor. O número cada vez maior de manufactura em muitas esferas da indústria levou inevitavelmente à ruína artífices, que se revelaram incapazes de competir com as manufacturas que podiam produzir mercadoria mais barata e de melhor qualidade. Os artífices foram obrigados a fechar as suas oficinas e, se tivessem sorte, podiam trabalhar como assalariados em manufacturas, ou juntavam-se ao rebanho de vagabundos e pobres.

A Pilhagem Colonial

Depois de terem provocado o empobrecimento do seu próprio campesinato, as classes dirigentes inglesas (particularmente os sectores que estavam directamente ligados à produção capitalista, isto é, os proprietários de terra que se tinham tornado capitalistas e os donos das manufacturas, que queriam ser admitidos nas fileiras da nobreza), incitados por uma insaciável sede de riqueza, voltaram-se para as colónias. Foi nesta altura que surgiram as políticas coloniais das potências europeias, o colonialismo com todos os seus horrores — a escravização de povos estrangeiros, o roubo descarado e a expropriação das suas riquezas. Primeiro, os Espanhóis e os Portugueses, e depois os Ingleses, voltaram o seu olhar esfaimado para as terras recentemente descobertas. Os cruéis e implacáveis «hidalgos» Espanhóis e Portugueses devastaram literalmente a América Central, os Ingleses liquidaram grande número de nativos da América do Norte e os Holandeses penetraram no Sudeste da Ásia.

Os Holandeses que de início tinham ficado para trás dos seus rivais Ingleses e Espanhóis, em breve compensaram o tempo perdido. A história do colonialismo holandês do século XVII fornece um exemplo clássico de uma primitiva potência colonial com o seu recorde de traições, subornos, assassínios e baixa crueldade. Os colonialistas holandeses chegaram ao ponto de raptar homens na ilha de Celebes para os levar para Java, tendo-se formado destacamentos especiais para raptos com esse fim. Os ladrões, os mercadores e os intérpretes eram os principais instigadores deste comércio de seres humanos, seus irmãos, enquanto os colegas nativos eram os principais negociantes.

O sistema colonial tornou possível um rápido crescimento do comércio e da navegação. «Companhias de monopólio comercial» constituíram poderosas alavancas para a concentração de capital. As colónias forneceram ao número sempre crescente de manufacturas, bons mercados, e o monopólio destes mercados levou a uma acumulação intensificada de riquezas. Fortunas adquiridas nas colónias pelo saque, pela escravização das populações nativas e pelo assassínio entraram nos cofres das companhias comerciais, fornecendo novo capital que servia para a exploração dos trabalhadores nos países colonizadores de origem que estavam a ser, pouco a pouco, reduzidos à pobreza no decurso do processo da acumulação primária. O sistema colonial que persistiu até há pouco submeteu os povos escravizados a uma exploração impiedosa: para garantir uma organização eficaz e ininterrupta desta exploração, os colonialistas asseguraram-se de que a população das novas possessões vivesse na pobreza e na ignorância, convencidos de que quanto piores fossem as condições de vida dos povos coloniais, tanto mais baixos salários eles teriam de pagar pelo seu trabalho. Assim, os colonialistas obstruíram o desenvolvimento industrial das colónias, obrigando os povos nativos a produzirem matérias-primas para a indústria europeia e a comprarem os artigos manufacturados produzidos nas metrópoles. Este tipo de exploração continuou durante séculos e os exploradores coloniais do passado, (da Espanha, da Inglaterra, da Holanda e da França), foram em muitos lugares substituídos por monopólios dos Estados Unidos.

A Formação da Burguesia e do Proletariado

O advento do capitalismo trouxe alterações fundamentais à estrutura da sociedade. Apareceram duas novas classes, a burguesia industrial, os donos dos meios de produção, e o proletariado que não os possuía e era obrigado a vender a sua força de trabalho.

O Absolutismo

Entretanto, as monarquias politicamente limitadas cederam o lugar às monarquias absolutas — árbitros entre a antiga classe dominante dos nobres proprietários de terras e a burguesia, e defensores de ambas as classes contra os movimentos revolucionários das massas populares, expostas à exploração de ambos os grupos. A burguesia estava a ganhar cada vez mais poder económico, mas ainda não era suficientemente forte para lutar com a antiga classe dominante, pelo poder. O poder continuava nas mãos dos nobres, mas a monarquia centralizada, numa tentativa para aumentar as suas rendas, apoiou os capitalistas e a burguesia, à medida que estes consolidaram o seu poder; ao mesmo tempo, a burguesia procurou o apoio da monarquia absoluta, que lhe garantia as condições para uma competição eficaz nos mercados externos e lhe dava subsídios para as manufacturas, promovendo a sua expansão.

Em alguns Estados europeus, grandes ou pequenos, ia aparecer uma monarquia deste tipo. Mesmo na Inglaterra dos Tudors (1485-1603), os monarcas gozavam de poderes excepcionais, apesar da existência do Parlamento. Contudo, o crescimento da burguesia e da sua riqueza significava o fim da era da nobreza. Utilizando para seu proveito o descontentamento das massas populares, a burguesia começou a aspirar ao poder. A era das revoluções burguesas já não vinha longe.

O Início da Reforma na Alemanha

A primeira, fracassada, revolução burguesa deu-se na Alemanha. Inicialmente assumiu a forma de uma revolta contra a Igreja Católica — a máscara ideológica dos interesses da nobreza — que, aproveitando-se do caos político num império dividido em muitos pequenos Estados, sem que um governo central forte lhe barrasse o caminho, podia ver na Alemanha a principal fonte dos seus rendimentos. Por isso, quando o desenvolvimento do capitalismo estava na sua primeira fase, os burgueses alemães começaram a protestar contra as inúmeras exigências materiais feitas à população tanto pelo clero local, particularmente pelos bispos poderosos, e pelo principal bastião da Igreja, o papado.

Martinho Lutero
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A burguesia alemã, através do seu porta-voz Martinho Lutero (1483-1546) protestou contra as exorbitantes exigências materiais, e contra o papado, exigindo a subordinação da Igreja ao governo secular. Um amplo movimento espalhou-se pela Alemanha e mais tarde veio a ter o apoio das massas populares. Contudo, o povo exigia não só modificações nas questões da Igreja mas também amplas reformas sociais, que minavam a própria base da sociedade feudal. Em alguns casos apareceram ideias ainda mais radicais, referentes à reorganização da sociedade e de acordo com a «justiça de Deus», ideias que reflectiam as noções ainda mal definidas das massas populares — particularmente os antecessores imediatos do proletariado alemão —, em relação à possibilidade de igualdade social.

A Grande Guerra dos Camponeses

Uma alargada revolta das massas camponesas — a grande guerra dos camponeses — estalou em 1524, que pelo seu alcance e pelo seu extremo radicalismo logo alarmou a burguesia a tal ponto que ela se dissociou do movimento, se aliou à nobreza e tratou de participar na cruel repressão que pôs fim ao movimento no ano seguinte. Em consequência, as únicas mudanças introduzidas foram todas as referentes à Igreja: ao lado da Igreja Católica surgiu uma Igreja Luterana com rituais muito mais simples, menos cerimónias, menos sacramentos e maior ênfase à Bíblia, que Lutero traduziu do latim para alemão, tornando-a assim muito mais acessível aos leigos. Estas reformas da Igreja não só não conseguiram eliminar a sociedade feudal com pelo contrário serviram para a consolidar. As terras e a propriedade da Igreja foram confiscadas pelos príncipes, que foi quem mais ganhou com a reforma, enriquecendo à custa da Igreja. A Alemanha continuou a sofrer da mesma falta de unidade política, enquanto o poder do imperador cada vez se ia tornando mais efémero.

A Revolução nos Países Baixos

A primeira revolução burguesa que teve êxito foi a revolta nos Países Baixos contra a Espanha. Este país que tinha uma economia avançada, havia permanecido sob o domínio espanhol desde o século XV.

No início do século XVI, a produção das manufacturas já tinha atingido um alto nível: no Sul, na Flandres, no Brabante, e, no Norte, nas províncias de Holanda e da Zelândia, etc., a criação de gado, a pesca (sobretudo do arenque) e a construção de barcos estavam bastante desenvolvidas. Antuérpia era um grande centro do comércio internacional.

Os Países Baixos estavam divididos em dezassete províncias, todas representadas nos Estados gerais. No entanto, o país era dominado pelos habsburgos, imperadores alemães e reis espanhóis, representados localmente por um regente espanhol.

O desacordo entre o avançado desenvolvimento económico deste país onde o capitalismo já tomava forma e a reaccionária Espanha feudal, particularmente no reinado do fanático Filipe II, ia levar a terríveis consequências. A burguesia dos Países Baixos adoptou o protestantismo e fez tudo para preservar as suas liberdades e privilégios, incluindo o de governo próprio. Entretanto, Filipe torturava, queimava hereges e preparava-se para reafirmar o poder espanhol. Conduziu as suas tropas para os Países Baixos com a intenção de pôr fim a todas as aspirações de autogoverno.

Isto deu origem a uma nova e muito forte vaga de descontentamento que ia abranger não só a burguesia e o povo mas também a nobreza, que receava que o seu papel na administração e na exploração do povo fosse tomado pela nobreza espanhola, que o país em geral tivesse o mesmo destino que as colónias espanholas da América.

A oposição transformou-se logo numa revolta aberta que ia durar de 1566 a 1609, quando as províncias do Norte, chefiadas pela Holanda, se libertaram do domínio espanhol e estabeleceram a República das Províncias Unidas, independente, ou simplesmente República de Holanda. Só as províncias do Sul continuaram a pertencer à Espanha e tinham uma existência precária, enquanto a Holanda, o primeiro país a fundar um sistema colonial, tinha atingido o apogeu do seu poder económico em 1648, e constitui realmente o modelo do estado capitalista do século XVII. As massas populares nesta altura estavam sujeitas a duras condições de trabalho e a opressão social era muito forte, mas na verdade era esta a sorte reservada aos povos de todos os Estados que em toda a parte se desenvolviam em linhas capitalistas.

Assim, vimos que a fase inicial do desenvolvimento capitalista do trabalho artesanal da ordem feudal levou a alterações fundamentais na sociedade e na estrutura do Estado: apareceram duas novas classes — a burguesia e o proletariado; a luta de classes assumiu uma forma mais complexa que, por sua vez, levou ao aparecimento das monarquias absolutas. As alterações que se deram nos domínios de religião, da ciência e da cultura, por outras palavras, na superestrutura ideológica da sociedade, não foram menos importantes.

O Humanismo e o Renascimento

A nova classe burguesa — os organizadores da produção capitalista tanto nas cidades como no campo — precisava de elevar o nível da produtividade do trabalho nas suas empresas e de produzir mais, mercadoria melhor e mais barata, para competir com êxito com os seus rivais. Por isso, era importante saber mais acerca das qualidades das matérias-primas utilizadas; em resumo, tornou-se necessário um conhecimento mais preciso da natureza e das suas leis.

O início da era capitalista foi marcado pelo desenvolvimento de um novo clima intelectual e cultural conhecido por Renascimento. O Renascimento, a Era do Humanismo, surgiu ligado ao aparecimento de um modo de produção novo, o modo de produção capitalista, e da classe burguesa. O progresso e a expansão económica vibraram um golpe mortal na velha filosofia medieval defendida na Europa Ocidental pela Igreja Católica, que tentou transferir as esperanças de uma ordem social justa para a outra vida, ensinando que o homem, durante a sua passagem pela terra, devia pôr todas as suas esperanças no Senhor. Agora, os empresários burgueses tinham começado a pôr as suas esperanças na sua própria energia, na sua iniciativa, no seu engenho, e era o homem, e não Deus, que a nova filosofia humanista ia pôr no centro. O nome de Renascimento dado ao período em que a filosofia humanista se espalhou pela Europa reflecte o facto de ela ter representado um «renascer» de cultura clássica. Os humanistas redescobriram as grandes realizações científicas e, especialmente, artísticas dos gregos e dos romanos e fizeram tudo para as imitar e, sobretudo, no campo da ciência, continuar o que eles tinham feito.

As primeiras sementes de cultura humanista apareceram na Itália, e em breve a cultura burguesa começou a fazer rápidos progressos noutros países europeus. Factor que muito contribuiu para a expansão desta nova cultura foi a descoberta da imprensa em meados do século XV por Johann Gutenberg, na Alemanha.

Na transição de cultura religiosa da Idade Média para a nova cultura humanista apareceu a notável figura do poeta florentino Dante Alighieri (1265-1321). A sua famosa Divina Comédia foi escrita em italiano e este facto em si teve um significado vital. Nos séculos XIV e XV formou-se uma consciência nacional em muitos países e os escritores humanistas, apesar do seu impecável domínio das línguas clássicas e do facto de escreverem os seus tratados científicos em latim, voltaram-se para as suas línguas nativas quando escreveram obras literárias.

As obras dos escritores humanistas iam tentar reflectir a vida que os rodeava; os temas preferidos eram os seculares; preferiam o povo comum aos cavaleiros idealizados. Entre a brilhante plêiade de poetas, escritores e dramaturgos deste período que foram universalmente celebrados estavam Francesco Petrarca e Giovanni Boccacio, na Itália; François Rabelais, na França; Ulrich von Hutten, na Alemanha; Erasmo de Roterdão, nos Países Baixos; Miguel Cervantes, em Espanha, e William Shakespeare, em Inglaterra.

O período do Renascimento também assistiu a um grande florescimento de arte. Pintores e escultores que aderiram aos princípios realistas reflectiram fielmente o mundo em que viviam, exaltando a beleza do corpo humano e a nobreza do espírito humano (Leonardo da Vinci, Miguel Angelo, Rafael, Ticiano, Velásquez, Rembrandt, etc.).

Foi também uma época de grandes descobertas científicas. A visão do mundo dos humanistas, era empírica, e foram os cientistas desta época que lançaram as bases das ciências naturais modernas (Cardano e Galileu), da mecânica (Leonardo da Vinci e Galileu), da astronomia (Copérnico e Galileu), da anatomia e da filosofia (Vesálio e Harvey) e da interpretação materialista da natureza (Francis Bacon, Giordano Bruno).

Em política, os humanistas apoiavam um poder estatal centralizado que assegurasse a manutenção da lei e da ordem. Atacavam a Igreja Católica que ensinava que a ordem feudal, tal como o mundo em geral, eram criados por Deus e, portanto, qualquer protesto contra a ordem existente era pecaminoso.

A Reforma

Muitos países que se tinham começado a desenvolver em linhas capitalistas introduziram reformas na Igreja. Separaram-se da Igreja Católica Romana, recusaram-se a reconhecer o Papa como chefe da Igreja, tornando-o subordinado aos dirigentes temporais, aos reis, príncipes ou governos das cidades, e adaptando mais os seus ensinamentos aos interesses da burguesia. Notável nesta reforma foi Calvino, que pregava que os comerciantes e empresários que prosperavam tinham a salvação garantida na outra vida, enquanto os trabalhadores deviam trabalhar conscientemente para os seus senhores, pois só assim se podiam tornar, por sua vez, prósperos proprietários.

Calvino justificava a escravatura e o colonialismo e todos os males que surgiam no processo da acumulação primária.

Todos os países com economias progressistas adoptaram a religião protestante. Na maior parte da Europa, a nova religião foi adoptada quer sob a forma da doutrina de Lutero na nova Igreja Luterana Alemã que apoiava o governo dos príncipes, quer sob a forma da doutrina do reformador suíço Zuínglio, que adoptou a sua doutrina aos interesses do comércio urbano e da burguesia industrial.

Todas as tentativas da Igreja Católica para reconquistar o seu antigo poder falharam. A Ordem dos Jesuítas, fundada em 1540, apesar da casuística, da agilidade mental e da sua inteligente insinuação, só teve sucesso em alguns países (Alemanha, Polónia, Lituânia) em reconduzir algumas ovelhas perdidas de novo para o redil, depois de terem caído na heresia (como os católicos chamavam ao protestantismo).


Inclusão 19/06/2016