História do Mundo
Volume I - O Mundo Antigo - A Idade Média

A. Z. Manfred


II Parte: A Idade Média
Capítulo IV - A Transição para o Feudalismo no Médio Oriente e na Ásia Central


O Aparecimento das Relações Feudais no Irão
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O império sassânida dominou o Irão do século III ao século VII. A sua história estava directamente ligada à do povo iraniano e do seu estado, que formava o núcleo do império. Aqui, o desenvolvimento das relações feudais deu-se, por um lado, a partir de antigas tradições de escravatura como na Índia ou no vale do rio Amarelo, e, por outro lado, como resultado do colapso da primitiva sociedade das tribos iranianas baseada em padrões de clã e de comuna. As alterações socioeconómicas, culturais e políticas ligadas ao aparecimento de uma sociedade feudal deram-se aqui dentro de uma unidade etnicamente homogénea com um firme núcleo central (o Irão Central e do Sudoeste) como no Japão e no Vietname, mais do que no califado árabe e no império chinês.

O aparecimento de uma classe de camponeses ligados à terra dos seus senhores deu-se à medida que os escravos que trabalhavam nas propriedades privadas alcançaram a posição de servos e as comunas se foram desintegrando. Tudo isto teve como resultado o aparecimento de uma nova classe, a dos azats, soldados a cavalo, prósperos e livres. As guildas dos ofícios formaram-se nas cidades, mas não desempenhavam um papel importante no Irão da alta Idade Média. Nesta altura já se tinha estabelecido um sistema de castas, menos rígido que o indiano.

Política e economicamente, o Irão foi o Estado mais forte da Ásia Ocidental durante os séculos III, IV e V. O poder principal estava nas mãos da aristocracia que tinha terras e da Igreja Zoroastriana, que também possuía vastas terras e muitos escravos. Os zoroastrianos adoravam o sol, o fogo, a lua e as estrelas. O zoroastrianismo foi adoptado como religião oficial do povo iraniano no início da nossa era. As instituições religiosas ricas, e de influência, constituíam uma importante força social no Irão.

O Irão também viveria uma crise da sociedade esclavagista quando ocorreu um movimento das massas exploradas, o maniqueísmo. No entanto, embora os maniqueístas criticassem a estrutura social existente como injusta, os seus protestos limitavam-se à resistência passiva.

A ausência de quaisquer revoltas interiores importantes deram aos sassânidas, a possibilidade de alargar as suas possessões territoriais na Transcaucásia, na Mesopotâmia e na Ásia Menor. Estas conquistas, que trouxeram riquezas consideráveis à aristocracia esclavagista e aos governantes do império, serviram para agravar a crise crescente dentro da sociedade esclavagista iraniana. As greves da fome tornaram-se mais frequentes e deram-se revoltas em massa contra a aristocracia proprietária de terras, tanto entre os antigos camponeses das comunas que esperavam reconquistar as suas antigas liberdades, como entre os azats que desejavam afirmar o seu direito à pequena e média propriedade. Os governantes do império também esperavam obter terras apoderando-se de parte da propriedade das principais famílias aristocratas com quem lutaram em vão, no fim do século IV e no início do século V. Impunha-se, além disso, uma consolidação do poder central do império por causa da ameaça, nas fronteiras orientais, de uma invasão dos nómadas eftalistas (nome dado à aliança entre os Hunos e as tribos iranianas orientais que mais tarde estabeleceram um Estado feudal).

O Mazdaquismo

Estes vários grupos congregaram as suas forças no movimento mazdaquista (assim chamado por causa do seu líder, Mazdak). Ao contrário dos seus antecessores maniqueístas, os mazdaquistas exortavam à luta aberta contra a degenerescência social e particularmente exigiam que se confiscasse à aristocracia o excesso de propriedades. O governante sassânida Kavadh I entrou numa aliança com os mazdaquitas e os azatz, venceu o poder da nobreza, aboliu o sistema de castas e fez do mazdaquismo a religião oficial. Pouco depois desta vitória, houve um choque de interesses entre as massas de camponeses e artífices por um lado, e o grupo dos revoltosos, os azais e o corte, que apoiava os seus interesses, por outro lado. Mais uma vez os azais e Kavadh reuniram as suas forças e juntamente com os últimos representantes da aristocracia secular e religiosa esmagaram a revolta camponesa, no ano 529.

O Império Sassânida sob Chosroes I

A sociedade feudal iraniana surgiu no século V e no início do século VI, sobretudo durante o reinado de Chosroes I (531 -579). Com a vitória sobre a aristocracia, o poder central adquirira ainda mais terras, uma considerável parte das quais foi dada aos azais, agora que a propriedade estatal fora estabelecida. Todos os trabalhadores foram obrigados a pagar um imposto per capita sobre as suas terras (em vez de estarem sujeitos a frequentes requisições), que no conjunto era um fardo menos pesado do que os anteriores impostos. O restabelecimento da propriedade estatal da terra também se fez sentir no papel que o Estado desempenhava na economia (concessão de empréstimos aos camponeses, etc.). O sector da sociedade em que a Monarquia tinha o seu maior apoio era a classe azai, classe militar da sociedade feudal. O exército permanente do imperador, ao contrário do seu correspondente árabe, era formado por mercenários e juntamente com os destacamentos azat e a burocracia dispersa mais centralizada com funcionários azat, formavam a base do aparelho administrativo do império sassânida.

A consolidação das relações feudais e o fim da agitação dos camponeses deram aos sassânidas a possibilidade de voltar a sua expansão para o Sul e expulsar os eftalitas das suas fronteiras orientais. No Ocidente, depois de alguns sucessos iniciais, o Irão encontrava-se envolvido numa longa e dispendiosa guerra com Bizâncio.

A Arábia no Início do Século VII

O aparecimento de relações feudais na península arábica e nos territórios imediatamente adjacentes deu-se em meados do primeiro milénio d.C., com o gradual declínio das sociedades esclavagistas do Sul e do Sudoeste da península, e com a designação do primitivo sistema de clãs dos nómadas noutras regiões.

Nessa altura, uma grande parte do gado e das pastagens estava nas mãos da nobreza dos clãs, enquanto às tribos nómadas mais pobres faltava a terra, pois a criação de gado não era suficiente para sustentar a população que estava a aumentar. Começaram a travar-se guerras intertribais pela posse da terra, no decurso das quais se fizeram várias alianças. A necessidade de alargar os territórios à custa das tribos vizinhas tornou-se cada vez maior. Outro factor que promoveu o impulso para a unificação foi o número cada vez maior dos laços económicos e políticos entre as regiões mais desenvolvidas da Arábia onde os padrões feudais já estavam a tomar forma e entre estas regiões e os povos nómadas.

Começou também um movimento para a unificação de todos os árabes que coincidiu com a feudalização tanto dos nómadas como dos povos fixos; o movimento adquiriu desde logo um carácter religioso, propagando a nova religião do Islão.

Os Começos do Islão

O islamismo é uma religião monoteísta, que reconhece um deus, Allah, representado na Terra pelos seus profetas e representantes, os califas. Esta religião exigia aos seus adeptos obediência cega a deus e aos seus servidores. As organizações religiosas moslémicas tinham muito em comum com a de um Estado. De início, a propagação de Islão esteve ligada ao nome do profeta Maomé (570-632). O movimento para a unidade religiosa entre os povos arábicos e a crítica da prática da escravatura trouxe a Mohammed muitos seguidores de várias camadas sociais. Um aspecto importante do Islão, que reflectia as aspirações territoriais e o desejo de unificação dos povos árabes na primitiva sociedade feudal (cujo principal recurso era a criação de gado) era a tendência para espalhar a «fé do profeta» à força, nas terras vizinhas.

A Unificação dos Árabes e o Aparecimento do Califado

O Estado maometano de Medina, que surgiu no primeiro terço do século VI, começou cedo a alargar as suas fronteiras. Esta expansão territorial foi facilitada pela propagação do Islão: o aspecto mais vital do Islão era a luta para conseguir um poder político forte. A teocracia centralizada, instituída por Maomé, procurava apoio nas tropas que eram remuneradas não com terra mas com uma parte dos despojos capturados na batalha. Este sistema (que não excluía a presença dos proprietários de terras entre os guerreiros e comandantes) teve todo o apoio dos primeiros califas (sucessores do profeta) e assegurou uma eficácia constante ao exército durante um período relativamente longo. Outro factor que contribuiu para a consolidação do poder central foi a cobrança de impostos a todos os que possuíam terras, embora os impostos fossem mais baixos no caso dos senhores feudais. Só uma pequena parte da terra pertencia ao Estado (terra comum ou a que não estava a ser cultivada), enquanto a maior parte dela era ou propriedade privada ou propriedade do clã.

Os califas atribuíam lotes das terras do estado aos que desempenhavam funções militares ou administrativas enquanto estivessem no exercício das suas funções e isto marcou o início de uma nova classe de proprietários de terras e de senhores, cujas propriedades dependiam do serviço prestado ao Estado. Estas terras podiam ser expropriadas aos donos na condição de que o novo dono cumprisse as funções que lhe eram exigidas. Este sistema de propriedade de terras, que logo se espalhou pela Ásia Menor e pelo Norte de África, diferia fundamentalmente dos que se encontravam no Extremo Oriente e na Índia.

Em meados do século VII, a Arábia estava unificada mas não havia esperança de estabilidade permanente na medida em que esta unidade não oferecia solução para o problema da distribuição da terra. Depois de estabelecerem poderosas propriedades na Arábia os chefes árabes aspiravam a aumentá-las à custa dos povos vizinhos.

Entretanto, no curso de um grande número de campanhas os nómadas, para quem não havia lugar na Arábia feudal, tornaram-se guerreiros profissionais e, mais tarde, proprietários de terras nos países que conquistavam. Isto serviu para consolidar ainda mais os padrões sociais feudais, e fez com que os califas tivessem ao seu dispor tropas de confiança, as quais estavam unidas por uma fé e um fundo étnico comuns; estas tropas viviam do saque das terras conquistadas.

No século VII, os Árabes empreenderam uma grande expedição contra os impérios de Bizâncio e do Irão, que estavam ambos enfraquecidos por hostilidades mútuas e revoltas internas.

No ano 636, Bizâncio foi expulso da Síria e da Palestina e, em 651, os Árabes ocuparam o Irão. Factor de importância no êxito destes novos conquistadores foi a sua tolerância religiosa (só utilizavam meios económicos, para encorajar a conversão ao Islão) e o seu respeito pela propriedade de todos aqueles que se lhe rendiam sem resistência. Este facto neutralizou sectores consideráveis da população nos países conquistados, particularmente porque, neste período, os califas se limitavam, sobretudo, a cobrar impostos, sem recrutar soldados ou abolir os privilégios da nobreza local. Além disso, os territórios conquistados eram declarados propriedade do Estado e, enquanto a população local ficava sujeita a impostos, os dos chefes locais eram consideravelmente reduzidos. Os convertidos ao Islão ficavam isentos de um imposto especial que os infiéis tinham de pagar.

A base do sistema económico do califado era a propriedade condicional da terra em troca de serviço, impostos obrigatórios e serviço militar e a obrigação de cultivar a terra que se tinha (o direito de transferência também era assegurado). Este tipo de propriedade era o tipo predominante depois da redistribuição em massa, pelos califas, das terras dos seus inimigos. A propriedade privada e comunal da terra era menos vulgar. A terra dos chefes poderosos era geralmente cultivada por camponeses servos.

A incorporação no califado de novas terras economicamente independentes dele e povoadas por homens de diferentes raças, com a sua própria história e tradições, levou a perturbações no Estado, tal como as houve em todos os primitivos Estados feudais.

As tropas da cavalaria, a quem só era concedida parte dos despojos militares, revoltou-se sob a chefia de Ali (602-661) contra a aristocracia árabe que tinha adquirido grande extensão de terras. No ano 656, Ali tornou-se califa mas a aristocracia reuniu-se e organizou um movimento de resistência chefiado por Moawiya dos Omíades, cuja principal praça-forte era a Síria, uma das mais desenvolvidas das terras conquistadas.

As contradições sociais que houve no curso da luta entre a cavalaria e a nobreza iam encontrar expressão numa controvérsia doutrinal. Os seguidores de Ali fundaram a seita Xhiita(5a) (que em breve ia afirmar-se no Irão), enquanto os seguidores de Moawiya fundaram a seita sunita, que depois da vitória destes últimos se ia tornar na seita ortodoxa. A doutrina sunita baseia-se em lendas «Moslem» ou sunna que se espalharam depois do Corão, (livro Moslem ditado por Maomé) e que reflectiam os novos desenvolvimentos da sociedade árabe, na sua subsequente estratificação em classes. Outro sector da cavalaria estabeleceu a seita khawarij, que defendia a igualdade de todos os crentes.

As Conquistas Árabes

Utilizando na mão-de-obra e nos recursos materiais da Síria e com o apoio dos chefes poderosos, Moawiyasain passou vitorioso destas hostilidades. Transformou a Síria num centro administrativo e começou a explorar cruelmente a população do Iraque e do Irão. Os Omíades (descendentes de moawiya) travaram guerras mal sucedidas contra Bizâncio na Ásia Menor, mas os seus exércitos varreram o Norte de África, pondo fim ao domínio bizantino na região. Os chefes berberes locais, que durante muito tempo tinham estado em guerra com os nómadas norte-africanos, passaram-se para o lado dos Árabes. Durante os anos 711-714, os exércitos árabes chefiados por Tariq conquistaram a península ibérica e depois invadiram a França. A derrota que sofreram na batalha de Poitiers (732) obrigou os Árabes a retirar-se para lá dos Pirenéus que então se tornaram a fronteira do império árabe.

Durante este período os exércitos árabes também apareceram na Transcaucásia, no Noroeste da Índia e na Ásia Central. Assim, em meados do século VIII tinha sido estabelecido um império omíade gigante, cujo êxito se deve à combinação de um poderoso exército, às pequenas alterações introduzidas nos aparelhos governamentais locais e aos privilégios concedidos aos chefes locais, cujas fileiras foram aumentadas por Árabes a quem foram dadas terras nos países conquistados como recompensa.

O Império Omíade

O reinado da dinastia omíade (661-750) foi marcado por um rápido desenvolvimento de estreitos contactos entre os Árabes e os chefes locais apesar de o facto do elemento árabe predominar (na linguagem oficial, nos métodos de exploração de trabalho e na cobrança dos impostos, na religião, nos sistemas fiscal e legal). Contudo, no início do séc. VIII, a conversão em massa ao Islão levou a uma diminuição dos impostos cobrados aos não moslems, o que minou o poder económico do califado.

Os últimos califas omíades introduziram grandes aumentos nos impostos: as despesas militares exigidas para manter a unidade do enorme império já não podiam ser enfrentadas mesmo com a exploração desenfreada dos territórios subjugados. A primeira metade do século VIII foi marcada por toda uma série de revoltas nas terras conquistadas que acabaram por chegar à própria Síria. Uma grande rebelião na Ásia Central, que depois se espalhou para o Irão e para o Iraque, levou à queda dos omíades. Contudo, o poder não foi tomado pelos revoltosos mas pelos membros da família Abbasid, que exploraram a turbulenta situação em proveito próprio: os califas desta dinastia procuraram, sobretudo, apoio na província iraquiana do império, que tinha estado exposta a fortes influências árabes, e fizeram Bagodá a sua capital (750- 1258).

O Califado Abbássidas

O enorme império dos omíades começou a declinar apenas seis anos depois de os abbássidas tomarem o poder. Apesar de todos os esforços dos califas, o exército nos países conquistados tornou-se uma classe de proprietários de terras com vários graus de riqueza e poder, e estava mais ligado aos lugares onde vivia do que ao centro do califado e já não sentia a necessidade do apoio deste.

Embora durante o reinado da dinastia abbássida se assistisse à rápida desintegração do califado, nos séculos VIII e IX também houve um desenvolvimento da economia e da cultura do mundo árabe, particularmente no seu centro, o Iraque. Aqui, não só se encontrava uma sociedade feudal relativamente uniforme num vasto território mas a consolidação social foi realmente efectuada por um rápido desenvolvimento da agricultura, dos ofícios e do comércio. Nessa altura, os países árabes eram dos mais avançados do Mundo. As rotas comerciais árabes espalharam-se até longínquas terras pela Europa, pela Ásia e pela África. A distribuição de despojos de guerra já não representava a maior forma de exploração económica. O principal processo de distribuição de terras era a concessão de lotes de terra por cultivar — propriedade dos califas — a administradores em troca dos seus serviços prestados ao Estado. As terras de propriedade privada e a propriedade do califa constituíam grandes áreas de terra. Os donos das terras que dependiam das funções públicas, independentemente da sua origem social, estavam sujeitos a serviço militar, e no final do domínio do califado chegavam a ser obrigados a levar consigo para a batalha destacamentos armados. Os camponeses que trabalhavam, pagavam impostos ao Estado e renda aos seus senhores. Os impostos sobre a terra constituíam a maior parte do rendimento do Estado.

Tal como noutros Estados também no império árabe as terras concedidas por serviços prestados ao Estado se foram tornando gradualmente propriedade privada. Aqui o processo deu-se no século IX. Teve um papel importante neste processo o crescimento das grandes propriedades (ou waqfs) nas mãos de instituições religiosas moslem. Estas terras nem estavam sujeitas a impostos nem os seus habitantes tinham de prestar serviço militar. Parte destes waqfs eram nominalmente propriedade de instituições religiosas, visto que embora os chefes locais as concedessem aos seus mentores espirituais, na prática conservavam a maior parte do rendimento para si próprios. Como muitíssimas destas terras se tornaram propriedades hereditárias e waqfs, os camponeses estavam cada vez mais dependentes dos seus senhores e menos do estado.

Contudo, o Estado continuava a exigir metade do que eles ganhavam o que, dado que os proprietários privados por sua vez também estavam a pressionar mais os camponeses, significava que a sua posição era muito mais difícil do que antes. A sorte dos camponeses não árabes era particularmente difícil: todos os camponeses sofreram com a transformação quase universal dos impostos em dinheiro e o resultante desenvolvimento da usura.

O Declínio do Califado

À medida que aumentou o descontentamento entre o campesinato, particularmente nas partes do império não árabes mais afastadas, estalou a luta entre os proprietários poderosos e o poder central, pois os primeiros procuravam afirmar a sua independência económica e política. O califado havia sido obrigado a dar muita autoridade aos governadores provinciais por causa da ineficácia quase absoluta do aparelho de Estado e foram, pouco a pouco, perdendo o seu controlo. Assim, apareceu a dinastia independente Tulunida no Egipto, e a dinastia Tahirid no Irão, para dar só dois exemplos. Para contrariar estas tendências separatistas, os califas procuraram fortalecer o aparelho de Estado e criaram a categoria de vizir (ministro de Estado directamente responsável perante o califa), mas foi impossível restaurar a antiga unidade do império. O principal baluarte do poder do califa — o exército monolítico dos nómadas árabes que viviam do saque das batalhas e sem habitação fixa — tinha desaparecido. O exército mercenário, composto de berberes, khorasans e soldados recrutados entre outros povos súbditos, mostrou não ser de confiança.

Embora o declínio do poder central do império fosse adiado pelo facto de o califa ser universalmente aceite como líder espiritual do Islão, a partir do século IX, o califado não estava à altura da função básica: a de manter as massas sob controlo. A revolta babek (816-837) no Azerbaijão e no Noroeste do Irão marcou o princípio do fim do califado. Em breve rebentaram revoltas dos camponeses iraquianos e dos nómadas da Arábia do Norte (869 - -883) e continuou a haver perturbações semelhantes no século X. Explorando a fraqueza do califado, a Ásia Central e o Irão reafirmaram a sua independência no segundo quartel do século IX, e a Síria, o Egipto e a Palestina seguiram-se-lhes na segunda metade do século IX. Em meados do século X, o califado nada controlava além de Bagodá e do território em volta, e na prática o califa era apenas o chefe religioso do mundo moslem. Em 1258, os Mongóis conquistaram Bagodá e o califa foi assassinado.

A Cultura Árabe

O domínio político dos países árabes durante os séculos VIII, IX e X foi acompanhado de grandes realizações culturais, particularmente nas regiões centrais do califado e na península ibérica. A ciência progrediu muito, desenvolvendo-se tudo o que fora herdado do Mundo Antigo.

Particularmente, notáveis foram as realizações na Matemática, na Astronomia, na Medicina, na Geografia e na História. Os Árabes trouxeram para a Europa algumas descobertas chinesas, tais como o compasso, o papel e a pólvora. Embora muita da sua filosofia fosse herdada do passado, fizeram-se progressos consideráveis sob a influência da doutrina moslem. Apesar da sua essência religiosa, a filosofia árabe também ia revelar aspectos racionalistas.

Os árabes deram grandes contributos para a arte da navegação, a estratégia militar, alguns ofícios e para a arquitectura. A literatura árabe floresceu, com escritores de importância mundial, como Ibn Ishaq e Tabari, enquanto a literatura moslem do Médio Oriente e da Ásia Central deu ao Mundo poetas como Firdousi e Omar Khayyam.

A Ásia Central nos Séculos V-VII
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Os padrões da sociedade feudal na Ásia Central apareceram primeiro entre os povos agricultores de Khorezm, da Sógdia, etc. Nessas terras tinha aparecido uma nova classe de camponeses dependentes — vendeiros não livres — à medida que aos escravos foram concedidas parcelas de terra e os camponeses das antigas comunas começaram a ser explorados pelos chefes de clã. Todos os principados agrários da Ásia Central que se estavam a desenvolver em linhas feudais (eram mais de vinte) eram obrigados a pagar um tributo aos chefes do Estado feudal dos nómadas eftalitas, mas conservaram a sua independência nas questões internas. Só Khorezm era completamente independente.

Em 567, os eftalitas foram derrotados pelos nómadas túrquicos e o poder passou para as mãos do seu kagan (ou chefe, mais tarde monarca). Aqui, a situação era muito diferente da situação da península arábica, onde os padrões sociais feudais tinham tomado forma, simultaneamente entre os lavradores árabes e os nómadas árabes: os cultivadores da terra (habitantes da Sógdia e do Khorezm) eram de origem racial muito diferente da dos nómadas, aderiram a uma religião diferentes e falavam outra língua. Por esta razão, os padrões feudais da vida agrícola não exerceram influência directa sobre a estrutura social das tribos túrquicas nómadas, e as características feudais só se iriam desenvolver no século VI. Contudo, estas diferenças não impediam os nómadas túrquicos oprimidos de reunirem as suas forças às dos lavradores da Sógdia, empobrecidos na revolta (583-586) contra os chefes nómadas e os chefes de clã. A repressão desta revolta levou a uma exploração mais dura dos antigos camponeses das comunas. No séc. VII, os padrões sociais feudais tinham acabado por predominar entre todos os povos agrícolas da Ásia Central.

A transição para relações sociais mais evoluídas determinaram o desenvolvimento da agricultura, o avanço da indústria da seda e dos sistemas de irrigação. Surgiu um grande número de cidades fortificadas, mas os comerciantes e os artesãos desempenhavam um papel menos importante do que os chefes de clã de quem dependia uma grande parte dos artesãos urbanos e das aldeias. Porém, os mercadores da Ásia Central, sobretudo os da Sógdia, comerciavam activamente com todos os países vizinhos, especialmente com a Índia e o Médio Oriente. A religião principal destas primitivas sociedades de classes na Ásia Central foi o zoroastrismo.

Os numerosos principados da Ásia Central no século VII não travaram quaisquer guerras importantes: depois do declínio do poder túrquico a maior parte deles tornou-se independente. O completo domínio sobre os camponeses nestes países independentes, deu origem a resistência por parte deste, que encontrou expressão numa revolta (final do século VII, início do século VIII); as doutrinas a que os revoltosos aderiram tinham muito em comum com as crenças mazdkitas.

À medida que o feudalismo foi gradualmente adoptado pelos vários povos da Ásia Central, alguns grupos étnicos e as suas culturas iam ganhar proeminência: os de Sógdia e Khorezm, por exemplo. Até aí, a Ásia Central tinha representado uma unidade étnica e cultural mais ou menos compacta e homogénea. Muitas obras da literatura indiana, iraniana e cristã foram trazidas para estas terras, aperfeiçoaram-se as línguas escritas locais, e fortaleceram-se os laços comerciais e culturais com a Índia e a China. Começaram a aparecer na Ásia Central escolas de pintura e escultura que eram absolutamente distintas das tradições artísticas iranianas e indianas.

Os exércitos árabes invadiram a Ásia Central em 651, mas encontraram uma feroz resistência, que só foi quebrada depois de uma longa guerra (705-715). Factor de considerável importância nesta derrota foi a falta de unidade entre os senhores feudais individuais, alguns dos quais traíram mesmo os seus companheiros. A devastação do país e em particular o sistema de irrigação, o empobrecimento do campesinato, a fixação forçada de alguns dos habitantes e a conversão obrigatória ao Islão levaram a revoltas que estalavam constantemente, até que os Estados da Ásia Central acabaram por reestabelecer a sua independência. Mas enquanto as revoltas do período 705-737 tinham exprimido os interesses comuns tanto dos camponeses como dos nómadas, e dos senhores feudais locais, em meados do século VIII, os chefes de clã já não se associavam ao movimento, e muitos deles converteram-se ao islamismo. Pouco a pouco apareceu um novo grupo social formando de proprietários de terras e guerreiros. Com o apoio desta nova classe, os conquistadores árabes puderam utilizar métodos de coacção económica para converter ao islamismo uma parte considerável da população, introduzir a propriedade estatal da terra e outras instituições feudais.

Contudo, o poder do califado não tinha alicerces firmes. A revolta do ano 747, que começou na Ásia Central, levou à queda dos omíades. Os povos da Ásia Central ergueram-se contra os seus sucessores em 751, 776-783, 806-810; a luta para subjugar os revoltosos exigiu não só o envio de parte das tropas do califado mas também constantes concessões à nobreza local, em particular aos nobres do Tajiquistão. No século VIII, a nobreza do Tajiquistão já tinha adquirido o direito à propriedade condicional de grandes lotes da terra que anteriormente pertencera às comunas: a partir daquela altura, a maior parte dos camponeses vivia em servidão feudal. Em 819, os chefes do Tajiquistão fundaram um Estado independente, e a dinastia samândia local ia dominar a Ásia Central até 999.

Os Povos da Transcaucásia

Nos países da Transcaucásia — a Arménia, os principados georgianos de Karthia e Lazica, e os principados albanianos, Albânia e Arran, que tinham atingido diferentes níveis de desenvolvimento económico —, a transição para os padrões económicos feudais começou no século VI, quando os senhores da guerra tomaram a terra das comunas que estava em rápido declínio. Ocorreram também nesta altura novas relações de produção nas propriedades dos nobres que possuíam escravos. Estes dois processos, que levavam à formação de um campesinato dependente, estavam a dar-se, por toda a Transcaucásia. A Igreja Cristã ia, por sua vez, desempenhar um papel importante nestas novas relações de produção: tinha sido firmemente estabelecida em todos os países da Transcaucásia no século IV. Aqui não havia nem propriedade de terra pelo Estado nem quaisquer sistemas unificados de rendas e impostos. Toda a população estava dividida em três Estados — os guerreiros que possuíam terras, os sacerdotes, e os camponeses dependentes, obrigados ao serviço dos proprietários de terras.

Os séculos V e VI assistiram a importantes progressos culturais e económicos e ao alargamento de prósperas cidades comerciais em pontos estratégicos ao longo das rotas comerciais internacionais. As dinastias locais dominaram a Transcaucásia sob o controlo nominal de Bizâncio ou do Irão. As várias tentativas por parte do Irão para transformar este controlo nominal em algo de mais concreto encontraram forte resistência entre os povos da Transcaucásia. Por exemplo, uma tentativa para assimilar os Arménios, Georgianos e Albanianos (antepassados dos azerbaijanos) acompanhado por um aumento de impostos (incluindo os que eram cobrados pela Igreja), a proibição do cristianismo e o desalojar dos príncipes arménios das suas funções oficiais de chefia, levou à revolta de 450-451, sob o comando do arménio Vardan Mamikonyan. Os revoltosos foram derrotados, mas as tentativas de assimilação foram por algum tempo abandonadas.

Outra tentativa para estabelecer um firme domínio iraniano nesta parte do mundo levou a uma revolta em larga escala (481 -484), em resultado da qual os sassânidas foram mais uma vez obrigados a abandonar o seu objectivo. O último ataque deste género foi feito no reinado do Chorroes I (531 -579) quando os impostos foram aumentados e os funcionários administrativos foram substituídos por iranianos. Como reacção, houve outra revolta em massa dos Arménios, apoiados pelos Georgianos, Albanianos e por Bizâncio. No tratado de paz concluído em 591, o Irão abandonou a sua pretensão a uma grande parte da Transcaucásia, e, em 628, todo ele se tornou independente sob o domínio nominal de Bizâncio. No curso das incessantes guerras dos séculos V e VI os azats tomaram-se cada vez mais poderosos e começaram a exigir cada vez mais aos seus camponeses. Contudo, as contínuas hostilizações do Irão e de Bizâncio e as diferenças étnicas tornaram impossível nesta região o estabelecimento de um Estado unido com um governo centralizado e de um sistema de propriedade estatal das terras. As guerras frequentes também foram obstáculo ao desenvolvimento de grandes centros comerciais.

Os chefes árabes só depois de sessenta anos de dura luta se estabeleceram na Transcaucásia; os governadores árabes converteram o povo à força ao islamismo e introduziram o seu sistema próprio de exploração da terra. Porém, na Transcaucásia, ao contrário do que se passou noutras partes do império árabe, o islamismo mal chegou a enraizar-se e a propriedade da terra pelo Estado apenas foi introduzida na Albânia. Muito poucos árabes se estabeleceram na Transcaucásia e a sua posição ali era extremamente fraca; em tempo de paz as obrigações dos funcionários do califado limitavam-se à cobrança de impostos. Todavia, estes impostos eram exorbitantes e provocaram muitas revoltas tanto entre os camponeses como entre os habitantes das cidades, que contribuíram para modificar a gula dos conquistadores estrangeiros. Revoltas que houve na Arménia em 748-750, e 774-775 obrigaram o califa a baixar os impostos; em 781 e 795 deram-se revoltas semelhantes na Albânia. Os príncipes da Arménia e do Arran deram o seu apoio a todas estas revoltas na esperança de derrubarem o poder do califa. A mais importante das revoltas albanesas foi a que foi chefiada pelos Hurramitas e pelo seu líder Babek (816-837), que foram apoiados pelos Arménios. Os seguidores de Babek conseguiram infligir algumas derrotas aos exércitos do califa que tiveram muitas dificuldades em subjugá-los. Catorze anos mais tarde estalou outra revolta. Embora fosse cruelmente esmagada em 855, os Árabes deixaram a Transcaucásia pouco depois. As guerras contra os povos da Transcaucásia tiraram ao califado mais riquezas do que a exploração daquelas terras trouxe para o seu tesouro.


Notas de rodapé:

(5a) Os membros da seita Xiita reconheciam apenas os descendentes do califa Ali, como chefes espirituais dos fiéis. (retornar ao texto)

Inclusão 26/05/2016