História do Mundo
Volume I - O Mundo Antigo - A Idade Média

A. Z. Manfred


II Parte: A Idade Média
Capítulo I - A Transição para o Feudalismo e o Aparecimento dos Primeiros Estados Feudais na Europa


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No período inicial da queda do Império Romano e da conquista dos seus territórios pelos bárbaros deu-se um drástico declínio cultural. Não tardou que poucos vestígios ficassem das notáveis realizações da arte e da ciência clássicas. Os bárbaros — Germanos e Eslavos(4) — ainda viviam em primitivas comunidades patriarcais e encaravam a guerra como meio de adquirir tudo o que não sabia ainda criar com o seu trabalho. Pilhavam cidades e aldeias, aprisionavam cidadãos ricos e depois pediam um grande resgate por eles ou eliminavam-nos antes de tomarem as suas propriedades e pastagens; muitas vezes obrigavam a população local a pagar-lhes um terço do seu rendimento. A própria Roma foi saqueada e pilhada por mais de uma vez.

Os ofícios e o comércio declinavam rapidamente nos territórios que tinham sido conquistados pelos bárbaros, e os elos de ligação entre as cidades do Império Romano (particularmente nas antigas províncias ocidentais) e outros países em breve desapareceram. Cada nova vaga de colonos praticava uma agricultura auto-suficiente e o Império do Ocidente, que pouco a pouco se foi desmembrando em vários reinos bárbaros, acabou por dar origem a um grande número de unidades baseadas numa economia natural.

Seria, contudo, errado supor que todas estas alterações fundamentais foram vistas pelos povos como um flagelo. O império tinha sobrecarregado os seus cidadãos de pesados impostos, de uma opressão intolerável, de um inumerável exército de funcionários administrativos, da obrigação de aboletar os soldados e de uma cruel exploração por parte da nobreza local nas províncias que trabalhavam a soldo dos romanos. A população local, muitas vezes, saudava os bárbaros como libertadores, porque embora fossem por vezes inexoráveis e cruéis ao ajustar contas com a nobreza local, não tocavam em geral no povo, libertavam os escravos e aligeiravam o fardo da intolerável opressão dos funcionários imperiais. Um romano que vivia na época da queda do império, um tal Orósio deixou-nos o seguinte comentário acerca das invasões bárbaras:

«Depois de pousarem as espadas, os bárbaros agarraram em arados e começaram a tratar os sobreviventes romanos como companheiros e amigos. Entre os romanos é mesmo possível encontrar alguns que preferem viver pobremente com os bárbaros, mas em liberdade, do que sob o domínio romano a pagar tão pesados impostos.»

A Estrutura Social das Tribos Celtas e Germânicas

A Norte e a Leste do império romano, na Europa Central e Oriental viviam numerosas tribos bárbaras. Os vizinhos mais próximos dos Romanos eram os Celtas na Europa Ocidental e as tribos germânicas na Europa Central. As tribos celtas foram desde logo repelidas pelas tribos germânicas. Houve alguma miscigenação entre ambas e nos nossos dias os únicos povos celtas que existem são os Irlandeses, os Escoceses, os Galeses e os Bretões no noroeste da França. A história posterior das restantes tribos celtas está ligada à história dos povos germânicos. As tribos germânicas viviam inicialmente entre Reno a oeste, e o Oder a leste. Para leste viviam os Lituanos, os Finlandeses e numerosas tribos eslavas que os fizeram recuar para ocidente para além do Elba, nos primeiros séculos d.C. As tribos germânicas foram-se fixando gradualmente no Oeste, tendo ocupado toda a Europa Ocidental e as ilhas Britânicas. Todas estas tribos eram de tipo patriarcal primitivo e estavam divididas em grupos de clãs formados por grandes unidades familiares.

Várias informações sobre as tribos germânicas chegaram-nos através dos escritos de Júlio César, que os encontrou em meados do séc. I a.C., e através do historiador romano Tácito, que estudou o seu modo de vida e os seus costumes na última parte do século I d. C.

As principais actividades das tribos germânicas no tempo de Júlio César eram a caça, a pesca e a criação de gado. Mas, como notou César, mostravam pouco interesse pela agricultura. Os grandes clãs estabeleciam-se num lote de terra, cultivavam-na comunalmente e depois dividiam os produtos entre si. No entanto, no espaço de 150 anos, a agricultura tornou-se a sua principal actividade e começaram a dividir a terra em parcelas «familiares», sendo cada unidade familiar de três gerações. Cada uma destas famílias trabalhava na terra comum, e a propriedade individual da terra não existia entre as tribos germânicas nem no tempo de César nem no tempo de Tácito. Se a terra que conquistavam tivesse florestas, queimavam as árvores e depois dividiam a terra em parcelas familiares. Utilizavam primitivos arados de madeira, semeavam o mesmo solo durante sete anos seguidos e depois deixavam-no em pousio durante anos, e entretanto ou desbravavam outros lotes de terra ou cultivavam terras já desbravadas. E como as terras onde viviam eram vastas e escassamente povoadas, não faltava terra a nenhum clã. Contudo, este estado de coisas não podia continuar para sempre, e, em breve, à procura de novas terras, os povos germânicos começaram a invadir o território romano, que desde há muito estava sob cultivo sistemático.

Estas tribos viviam em aldeias e cada aldeia estava organizada numa base comunal. A terra arável que pertencia à aldeia era dividida entre os grupos de famílias e as pastagens e os prados eram comuns. A maior parte da população de cada aldeia era formada por homens livres da tribo, que gozavam todos de iguais direitos.

No entanto, em breve surgiram diferenças de posição nas comunas bárbaras. Apareceram aristocracias de clã e aristocracias militares. Os representantes destes grupos tinham mais terras que os outros homens livres do clã; tinham mais gado e ocasionalmente dispunham de escravos. Os escravos destas comunas bárbaras eram obrigados a trabalhar a terra do seu senhor e a dar-lhe uma parte da sua produção. Contudo, a economia das comunas bárbaras não estava organizada sobre a escravatura. Os escravos viviam juntamente com os seus senhores, ajudavam-nos no seu trabalho, e alguns observadores romanos admiravam-se com o tratamento relativamente suave que eles recebiam. Tácito afirmou claramente que, no seu tempo, o povo germânico dava terras aos seus escravos, permitia-lhes que possuíssem as suas terras e casas e exigia deles em troca uma renda — por outras palavras, acrescentou ele, os escravos dos bárbaros viviam como os coloni de Roma.

Estas comunas eram governadas por representantes eleitos que se reuniam em assembleias de toda a tribo, aldeia ou distrito. Nestas assembleias deliberava-se sobre assuntos importantes e tinham lugar os processos legais. Todos os homens adultos das comunas não só trabalhavam a terra mas eram também guerreiros. A posse de armas era encarada como sinal de se ser homem livre da comuna com plenos direitos. Os membros nobres e ricos das comunas reuniam muitas vezes «corpos» de criados e com a ajuda destes atacavam constantemente as tribos vizinhas, preferindo, como Tácito registaria, tomar pelo derramamento de sangue o que outros conseguiam com o suor do seu rosto. Estes «nobres» recrutavam os seus dependentes sem tomar em conta a que tribo pertenciam, contribuindo assim para a gradual desintegração da estrutura do clã desta sociedade primitiva. Por vezes os konungr — reis — salientavam-se das fileiras da aristocracia, e depois unificavam algumas tribos sob o seu domínio e empreendiam expedições militares em larga escala com o objectivo de anexarem novas terras.

Conquistas deste tipo foram vulgares durante o período das migrações em massa das tribos bárbaras entre os séculos terceiro e quinto, que ficou na história conhecido como a grande migração de povos, e que teve como resultado a formação de grande número de estados bárbaros no território do antigo Império Romano.

No século quarto formou-se uma grande união de tribos bárbaras no Dniepre, chefiada pelos Godos e comandada pelo chefe Germanarix. Esta aliança cairia nas mãos de novas tribos bárbaras, nómadas das estepes da Ásia, os Hunos, que, pouco tempo antes, tinham conseguido invadir a China e devastá-la.

O Início da Grande Migração de Povos
A Formação de Reinos Bárbaros

Na segunda metade do séc. IV, os Hunos, depois de atravessarem o Volga, derrotaram as forças aliadas chefiadas por Germanarix, e obrigaram as tribos germânicas a deslocarem-se para Ocidente. Alguns de entre eles, os Godos ocidentais ou Visigodos, atravessaram as fronteiras do império do Oriente (376) e estabeleceram-se no território da actual Bulgária. Foram cruelmente explorados pelos administradores imperiais e logo se revoltaram, tendo infligido uma pesada derrota ao exército bizantino. Bizâncio foi, assim, obrigada a encetar negociações com eles e tomou alguns ao seu serviço, tendo-os autorizado a estabelecerem-se na parte ocidental do império. Uma vez aqui, os Visigodos reuniram as suas forças sob direcção do talentoso chefe Alarico e começaram a devastar o território adjacente antes de marcharem sobre Roma, no ano 410, e de pilharem a cidade durante seis dias. Pouco depois, Alarico retirou-se para o Sul da Itália, onde morreu. De acordo com um tratado concluído com Bizâncio, foram dadas as terras entre o rio Garona e os Pirenéus aos seus descendentes. Ali se estabeleceram e, pouco a pouco, alargaram o seu poder para o Sul, a toda a Espanha. Desta maneira, nasceu o primeiro reino bárbaro que abrangia o sudoeste da França e a Espanha (419).

Os Hunos, depois de vencerem os Godos no século IV, não ficaram muito tempo nas margens do Dniestre onde se tinham estabelecido a princípio. No século V, sob o comando dum chefe decidido e cruel, Átila, que reuniu um grande exército de hunos e muitas tribos germânicas, e marchou para o Ocidente. Invadiu os Balcãs em várias ocasiões, devastando terras bizantinas e obrigando o imperador a pagar-lhe um grande tributo em dinheiro.

Em 450, Átila pôs-se em marcha para Ocidente e embora tenha conseguido devastar a terra dos Belgas, a sua marcha foi interrompida por forças unidas, romanas e bárbaras, que o derrotaram numa batalha travada perto de Châlons-sur-Marne, no ano 451. Embora Átila e as tropas que sobreviveram continuassem a saquear várias cidades no Norte da Itália, não tentou outras conquistas. O seu império desintegrou-se depois da sua morte, em 453, e os Hunos misturaram-se, pouco a pouco, com a população local.

A marcha dos Hunos para a Europa Central obrigou outras tribos germânicas a moverem-se à procura de novas terras. Obrigados pelos vândalos a deixar o Sul da Espanha, os Godos passaram-se para o Norte de África, fundaram ali um Estado e passaram a viver da pilhagem e da pirataria no Mediterrâneo. Em 455, tomaram Roma e saquearam-na durante duas semanas inteiras. Os Burgúndios foram-se fixando gradualmente em todo o vale do Ródano, e os Francos avançaram do estuário do Reno até ao rio Schelde, de onde conseguiram conquistar todo o Norte da Gália até ao rio Loire. Cerca do ano 449, as tribos germânicas dos Anglos, Saxões, Jutas e Turíngios invadiram a Grã-Bretanha e estabeleceram vários reinos bárbaros, que haviam de se unificar, formando a Inglaterra (por volta do século IX). Entretanto, em 493, os Ostrogodos conquistaram a Itália sob o comando do rei Teodorico.

Embora Bizâncio conseguisse subjugar os Ostrogodos e unir a Itália ao resto do império (555), os Italianos que de início tinham saudado as tropas bizantinas como libertadoras, começaram logo a lamentar a partida dos bárbaros, visto que mais uma vez passaram a ser vítimas de pesados impostos e de uma burocracia completamente arbitrária. Por isso, não é de admirar que, quando treze anos mais tarde, em 568, uma nova tribo germânica, os Lombardos, invadiu a Itália, não tenha tido dificuldade em obter o controlo da península desta vez em definitivo.

O historiador Paulo Diácono escreve que nessa altura muitos nobres romanos caíram vítimas da cobiça insaciável dos duques lombardos, enquanto os restantes foram obrigados a pagar aos bárbaros um terço do seu rendimento.

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A Leste das tribos germânicas vivia um grande número de tribos eslavas. Dividiam-se em três grupos principais — os Eslavos do Oeste, do Leste e do Sul. Os Eslavos do Oeste ocupavam as bacias dos rios Vístula, Oder e Elba. As tribos checa e morávia viviam nos troços superiores do Elba, as tribos polacas junto ao Vístula e ao Oder, e as tribos pomerânias ao longo da costa sul do Báltico. Os Eslavos deste período, como as tribos germânicas, viviam em comunas primitivas. As classes e os Estados apareceram entre as tribos eslavas mais tarde do que nas tribos germânicas.

No século IX foi fundado um grande reino eslavo sob o nome de Morávia, mas iria durar pouco. No ano de 906, este Estado foi pressionado pelos Germanos a oeste e por tribos nómadas de pastores fino-húngaros a leste. Uma parte do reino da Morávia, a Boémia, manteve a sua independência e mais tarde faria parte do Sacro Império Romano, como a Germânia passaria a ser chamada a partir do século XII. No século XI, o príncipe Checo tomou o título do rei da Boémia, e o seu reino, embora fizesse parte do Sacro Império Romano, gozava de um elevado grau de independência.

No século X, as tribos eslavas dos vales do Vístula e do Oder estabeleceram um grande Estado polaco. Os pequenos Estados fundados pelas tribos pomerânicas e polábias (Laba é o nome eslavo do Elba) não conservaram a sua independência por muito tempo, sendo vencidos por conquistadores estrangeiros no século XII. Os eslavos do Leste, que viviam a leste dos polacos, estabeleceram um vasto Estado russo no século IX.

Os eslavos do Sul começaram logo no século VI a infiltrar-se em Bizâncio a Sul do Danúbio. No final do século VII, tribos eslavas que habitavam os troços inferiores do Danúbio foram subjugadas por tribos turcas, os Búlgaros, que em breve se juntaram aos povos conquistados mais civilizados, e estabeleceram um poderoso reino búlgaro. No século IX, este reino dominava a maior parte da península balcânica e era uma ameaça à própria Bizâncio. Contudo, no início do século XI, Bizâncio conseguiu derrotar os Búlgaros. No século XII, o Estado búlgaro recuperou a liberdade, mas no século XIV foi vencido pelos turcos otomanos, sob cujo jugo permaneceu até ao século XIX.

Nos troços centrais do Danúbio habitavam tribos servo-croatas que, nos séculos VI e VII, depois de atravessarem o Danúbio, fundaram pequenos reinos na parte central da península. Porém, foram anexados por Bizâncio no século XI, e só na segunda metade do século XII foi estabelecido um poderoso Estado sérvio, que em 1389 foi derrotado pelos turcos na Batalha do Campo de Kossovo, e, juntamente com outras tribos eslavas, permaneceria por muitos séculos sob o domínio turco.

Bizâncio do Século IV ao Século VII d.C.

No ano de 395 (d.C.) deu-se a cisão final entre os impérios romanos do Oriente e do Ocidente, e Bizâncio passou a ser um Estado separado. O seu nome vem da antiga colónia grega onde fora construída a nova capital: Constantinopla. Os bizantinos chamavam-se a si próprios «rhomaioi», e ao seu Estado «Império dos Rhomaioi». A população de Bizâncio era extremamente heterogénea, incluindo gregos e muitas tribos e povos helenizados do Oriente. Contudo, a língua predominante era o grego, que no século VII se tornou língua oficial.

Bizâncio conseguiu dominar o processo de desintegração em que entrara o império do Ocidente como resultado do colapso da economia baseada no trabalho escravo. O segredo da vitalidade do império Bizantino residia na sua estrutura social e económica. Utilizava-se menos o trabalho escravo na agricultura (isto é, nas herdades dos grandes proprietários), do que no império do Ocidente. Os escravos há muito que tinham autorização de possuir os seus próprios instrumentos de trabalho e mesmo pequenas parcelas de terra, sem as quais não podiam ser vendidos. Por outras palavras, o escravo ocupava na prática a mesma posição que o colonus.

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A agricultura baseada nos coloni, tinha-se enraizado mais em Bizâncio do que no império do Ocidente. Arrendar a terra, nomeadamente a longo prazo, tinha-se também tornado prática comum, e a posse da terra tornou-se pouco e pouco hereditária. Em Bizâncio sobreviveram muitas mais pequenas propriedades livres e comunas camponesas independentes do que no império do Ocidente.

Outro factor que favoreceu a estabilidade de Bizâncio foi o menor número de invasões bárbaras a que foram sujeitas as suas ricas terras. As suas grandes cidades e centros comerciais, particularmente Constantinopla, no Bósforo, Antioquia, na Síria, e Alexandria, no Egipto, asseguravam ao império importantes laços comerciais e possibilidades de expansão do seu comércio de exportação. Outra das suas vantagens foi o seu papel de medianeiro comercial entre a Europa e os países do Oriente.

Os séculos IV, V e VI foram marcados pelo desaparecimento gradual da sociedade que praticava a escravatura e pelo desenvolvimento gradual, mas persistente, das relações feudais em Bizâncio. Enquanto no Ocidente as invasões bárbaras tinham levado a um colapso do antigo aparelho militar e burocrático, em Bizâncio a feudalização progrediu dentro da forma e da antiga estrutura de poder centralizado. A evolução dos antigos proprietários de escravos como poderosos senhores feudais não foi acompanhada de quaisquer alterações na burocracia centralizada, que fornecia uma base ideal para uma estrutura despótica de Estado.

À medida que os senhores feudais individuais consolidaram a sua posição e o seu poder nas províncias, o governo imperial tomou medidas para limitar tanto quanto possível a sua influência. Foram proibidos de ter exércitos privados e de construir prisões nas suas propriedades. O governo tentou também conservar intacta a hierarquia social da época da escravatura, embora nalguns casos fosse obrigado a permitir a passagem dos escravos à posição de coloni. Este papel reaccionário do Estado, esforçando-se por apoiar um sistema que já pertencia ao passado, manifestou-se particularmente durante o reinado de Justiniano I (527 - 565). Este foi um notável político e homem de Estado, em cujo reinado Bizâncio alcançou o zénite do seu poderio. O Código Civil (Corpus juris civilis), elaborado por iniciativa de Justiniano, definia os poderes praticamente ilimitados do imperador, protegia os privilégios da Igreja e da propriedade privada, e confirmava o estado de coisas existente, pelo qual os escravos e coloni estavam privados de todos os direitos.

As medidas políticas de Justiniano provocaram sério descontentamento entre vários sectores da população. Uma vaga de revoltas varreu várias regiões do império. Uma revolta particularmente séria ocorreu na própria Constantinopla e ficaria a ser chamada de «Nika» (Vence!). Depois de a esmagar, Justiniano voltou a sua atenção para planos de grande alcance na esfera da política externa. Mas os êxitos que obteve na Itália, em Espanha e na África mais não foram que castelos sobre areia. No reinado dos seus sucessores imediatos, Bizâncio perderia todos os territórios conquistados. Além disso, o próprio território de Bizâncio foi invadido pelos bárbaros: no século VII, Síria, a Palestina e o Egipto foram conquistados pelos Árabes.

A Sociedade Bárbara

Quando os chefes bárbaros se estabeleceram no território recentemente conquistado, ou nas terras recuperadas aos romanos, naturalmente, trouxeram consigo os seus costumes e as suas comunas. No entanto, os antigos habitantes das terras conquistadas, tinham pertencido a sociedades classistas: juntamente com os romanos livres havia escravos e coloni; e a administração de uma tal sociedade requeria medidas diferentes das que tinham sido tomadas até aí, que nas novas circunstâncias se revelaram inadequadas. Como veremos mais tarde, a sociedade bárbara em breve perderia a sua coesão, e iria desenvolver-se um regime de classes. Todos estes factos em conjunto levaram a alterações na sociedade bárbara que preparavam o caminho para a formação de Estados. Os conquistadores precisavam de tropas, de órgãos administrativos, legais e outros, que apareceram quando se fez sentir a necessidade de uma administração mais complexa, sobretudo para manter subjugados os povos conquistados, exigir-lhes tributo e fazer cumprir a lei e estabelecer a ordem numa sociedade que já era formada de exploradores e explorados.

O desaparecimento gradual da igualdade inerente às primitivas comunas iria inevitavelmente levar a alterações na sociedade bárbara, transformando-a de uma sociedade de comunas primitivas numa sociedade feudal.

O que foi este processo de feudalização e como se deu ele nos novos Estados bárbaros? À primeira parte da questão pode responder-se de maneira breve. A terra foi tomada pelos senhores feudais, enquanto o povo trabalhador passou a depender deles: tendo começado uma vez a trabalhar como servos, eram obrigados a pôr o seu trabalho ou uma parte da sua produção à disposição dos senhores feudais. A posse da terra pelos senhores feudais, a dependência feudal dos trabalhadores e a sua obrigação de pagar uma renda à classe dominante — tais foram os fenómenos sociais que resultaram do processo de feudalização. Ora, como se realizou esse processo?

Quando as tribos bárbaras, comandadas pelo seu chefe e à frente do seu exército, conquistavam um novo território, o chefe dividia grande parte da terra pelos seus súbditos, a quem muitas vezes eram dadas as grandes propriedades dos nobres romanos, com escravos e coloni. Os outros membros livres da tribo recebiam terra de acordo com os direitos à terra de que tinham usufruído no seu país de origem. Unidades com características de clã tinham vivido em comunas de aldeias: cada grande unidade familiar possuía hereditariamente uma propriedade que consistia numa habitação com uma cerca para o gado e uma parcela de terra arável; a restante terra da comuna — bosques, pastagens, baldios com água — era terra comum. As grandes unidades familiares foram-se, porém, desintegrando gradualmente em unidades mais pequenas e as propriedades foram, por isso, mesmo divididas. O chefe de cada pequena unidade familiar tornava-se dono da sua propriedade com direitos hereditários e tinha direito a utilizar toda a terra comum da aldeia. Estes pequenos lavradores, que inicialmente eram independentes, em breve perderam as terras e a liberdade, e tornaram-se camponeses dependentes ou servos ao serviço dos grandes proprietários.

Na época das migrações em larga escala das tribos bárbaras, e mais tarde, quando os bárbaros se estabeleceram em novos territórios e tomaram as grandes propriedades, o homem livre do povo muitas vezes não encontrava apoio ou protecção da parte dos companheiros da sua comuna de origem, que nesta altura enfraquecera e se desorganizara. Nem podia esperar essa protecção do chefe da sua tribo, agora rei de um Estado bárbaro recém-formado, porque os reis reinavam agora sobre vastos territórios e a distância tornava-os inacessíveis.

O pequeno lavrador dessa época era obrigado a procurar protecção junto dos homens poderosos da sua própria região e estes eram muitas vezes os antigos membros do séquito armado do chefe da tribo, a quem este tinha doado grandes propriedades, ou eram simplesmente homens ricos que tinham o seu próprio séquito armado, que conquistavam terras a seu talante e alargavam as suas propriedades, comprando as parcelas de terra dos homens livres da comunidade. Uma vez a terra sujeita à propriedade individual, os direitos podiam-se comprar e vender, e a formação de grandes propriedades, por um lado, e o aparecimento de courelas de simples subsistência, e de camponeses sem terra por outro lado, era uma só questão de tempo. Tal foi o processo que ocorreu na sociedade bárbara quando novos Estados estavam a ser estabelecidos nos territórios conquistados.

O Aparecimento de Relações Feudais na Europa Ocidental

Os pequenos lavradores que procuravam a protecção e o amparo dos ricos e dos nobres acabaram por conseguir esta protecção e este amparo, pelo preço da perda da sua liberdade. Se não tinham terras, davam-lhes pequenas parcelas e às vezes alguns animais e cabanas para os ter. Mas eram obrigados a pagar por isso, quer trabalhando para os seus senhores (corveia), quer com parte da sua produção (renda). Nalguns casos, a assistência material prestada aos pequenos camponeses indefesos era tão grande que eles não só se obrigavam eles próprios ao serviço dos senhores mas também vinculavam os seus descendentes a esse serviço. Como as condições de vida dos homens do povo livres das antigas aldeias bárbaras eram sensivelmente as mesmas, esta sujeição aos grandes proprietários e aos membros ricos da sociedade ia tornar-se numa prática universal.

Alguns camponeses que tinham as suas próprias propriedades, e terras suficientes para fazer uma vida razoável, também entravam voluntariamente ao serviço dos ricos e dos nobres para obterem a iodo o custo a sua protecção e o seu amparo. Desistiam dos seus direitos à terra e entregavam-na aos novos senhores, recebendo-a de novo com a obrigação de pagar renda como se nunca tivesse sido deles. Assim, a terra tornou-se numa terra arrendada e o seu antigo dono num arrendatário. Os ricos proprietários, como a Igreja Católica, e fundações, como mosteiros, asilos, etc., estavam sempre prontos a prestar assistência e amparo aos pequenos lavradores, que lhes entregavam as terras, para as receberem sob forma de terras arrendadas. Os mosteiros muitas vezes devolviam as terras arrendadas aos seus antigos proprietários, com mais uma parcela de terra — em geral parte de um bosque ou pântano — com a condição de a prepararem para ser semeada. Pouco a pouco, os habitantes das antigas comunas de aldeias, pequenos lavradores que trabalhavam a sua terra e até então tinham sido homens livres, tornaram-se camponeses dependentes ou servos, ligados à terra e ao serviço dos grandes proprietários.

No entanto, não foram só estas as condicionantes do processo. Os grandes proprietários adquiriram gradualmente novos direitos sobre a população camponesa local. Como as estradas eram más e as viagens longas e muito perigosas, era, muitas vezes, mais ou menos impossível um camponês recorrer ao rei para resolver com justiça um conflito de interesses entre eles e um poderoso senhor local. Assim, os ricos — e isto significava sobretudo os senhores feudais — foram-se tornando gradualmente detentores da justiça e mais tarde de todo o poder administrativo, dentro das suas grandes propriedades.

Para consolidar as suas conquistas, os senhores feudais procuravam obter do rei títulos que lhes dessem o direito que já tinham tomado para si. Estes documentos ficaram conhecidos pelo nome de cartas de imunidade e o novo poder atribuído aos seus detentores chamava-se imunidade. A palavra immunis em latim significa isento, e estas cartas tornavam as terras dos grandes proprietários isentas do controlo do rei e dos seus funcionários administrativos. Uma carta de imunidade dava aos proprietários poderes legais e administrativos sobre toda a sua propriedade e muitas vezes para além dela, pois os estados bárbaros eram fracos e mal organizados.

A administração central e local no verdadeiro sentido da palavra não existia e aos reis convinha confiar as suas funções a senhores locais. O poder obrigava os senhores a irem às assembleias locais do povo, onde em geral se realizavam os processos legais, para presidir à manutenção da lei e da ordem em dada região. Por outras palavras, desempenhavam as funções administrativas e legais. Como recompensa por estes serviços, os senhores feudais recebiam o rendimento das terras que administravam: multas por ofensas legais, o direito de exigir toda a espécie de servidões a todo o povo que vivia sob a sua jurisdição — reparar estradas, construir pontes, barcos para a travessia de rios e mesmo castelos e fortalezas. Em troca da manutenção da lei e da ordem nos mercados, moinhos, etc., o rei e os seus funcionários instituíram portagens nos mercados, estradas, barcos e pontes, que eram cobradas pelos donos de terras que tinham cartas de imunidade.

Além disso, os chefes locais aproveitaram uma nova oportunidade que ajudou a defender os seus privilégios com extrema firmeza e por um longo período. Os exércitos recrutados entre os homens do povo, que seguiram os seus chefes na batalha e em campanhas de conquista, começaram a desempenhar um papel menos importante. O contacto e até simples recontros com as tropas romanas e o progresso geral na técnica militar tornaram inevitável a introdução de armas e armaduras de metal. A necessidade de destacamentos de cavalaria, além de destacamentos de infantaria, começou a fazer-se sentir, e os cavalos precisavam de armaduras de metal tal como os cavaleiros. Estas inovações eram muito dispendiosas: uma armadura completa custava 45 vacas, ou seja uma manada inteira. Obviamente, uma armadura era um luxo inacessível ao pequeno lavrador das comunas de aldeia. Por esta razão, o serviço militar universal em breve seria uma recordação do passado.

À medida que o tempo rodava, as tropas dos novos estados bárbaros passaram a ser constituídas cada vez mais por súbditos ricos que se podiam armar de acordo com as exigências das novas técnicas militares. Assim, os reis dos novos Estados abriram naturalmente o serviço militar quer aos súbditos que já eram ricos, quer a outros que eles próprios enriqueciam concedendo favores aos seus dependentes ou aos ricos da região na forma da doação de uma terra juntamente com camponeses arrendatários, em troca do que eram obrigados a apresentar-se com um cavalo e uma armadura completa quando fosse necessário. A terra distribuída deste modo aos súbditos chamava-se feudo e aqueles que a recebiam passaram a ser chamados senhores feudais. De início, os senhores feudais conservavam as suas terras só enquanto podiam cumprir as suas obrigações militares, mas em breve essas terras passaram a ser propriedades hereditárias, e as obrigações militares também passaram a ser herdadas pelos seus descendentes.

Foi assim que se formou uma nova classe dominante — uma classe de proprietários guerreiros com vastas terras (comparadas com as pequenas parcelas dos camponeses), que dentro dos limites da sua propriedade desempenhavam todas as funções do poder do Estado. As grandes massas dos actuais produtores — os camponeses, dependentes destes senhores feudais — eram obrigadas a pagar-lhes, pelas suas parcelas de terreno, na forma de corveias ou de renda, e também a prestar-lhes vários serviços e a pagar-lhes várias contribuições na sua qualidade de representantes do poder estadual.

A estrutura política da nova sociedade também sofreu alterações significativas. Durante a era da primitiva sociedade bárbara comunal sem classes, não havia propriamente Estados. O órgão social básico dos bárbaros tinha sido uma Assembleia Popular, uma Assembleia dos Anciãos, que resolvia os assuntos importantes da tribo, decidia a guerra e a paz, tomava deliberações legais, e velava pela manutenção da lei e da ordem. O poder dos chefes tribais — duques ou reis — era electivo e não coercivo, como era muitas vezes o caso em sociedades mais desenvolvidas, e dependia da autoridade concedida aos candidatos individuais e da confiança que neles depositavam os membros da tribo.

As estruturas do Estado formaram-se durante as várias conquistas pois a sujeição dos povos conquistados requeria força e coerção, que não podiam ser efectivamente postas em prática pela anterior estrutura da sociedade bárbara. Na prática, os órgãos estaduais que exerciam a necessária força e coerção nos Estados bárbaros eram de início os reis e o seu séquito.

O Império de Carlos Magno

Um exemplo da maneira como os Estados bárbaros eram fundados naquele tempo pode ver-se na formação do Estado franco durante o reinado de Carlos Magno (768-814). O reino dos francos não tinha capital no sentido moderno da palavra. O centro do Estado era onde quer que se encontrassem o rei e o seu séquito. O rei viajava pelo seu reino, ocupado pelas tribos francas, juntamente com o seu séquito, de uma propriedade para outra, onde se encontrassem armazéns de alimentos e outros artigos vitais em quantidades suficientes para satisfazer as necessidades da sua corte e do seu séquito, depois de ter juntado tudo que pudesse ser cobrado legalmente à população local na forma de tributos e impostos. Estas deslocações do rei e da sua corte também serviam para definir os limites territoriais do Estado, pois todos aqueles que concordavam em pagar ao rei eram considerados seus súbditos e a terra onde viviam era considerada como parte do reino. Nos Estados bárbaros raramente se encontravam fronteiras claramente definidas. Na prática, as suas fronteiras eram os limites dentro dos quais o rei e o seu séquito exerciam a sua autoridade cobrando tributos e impostos. Temos de ter cuidado em não sermos induzidos em erro pela enorme extensão do império de Carlos Magno, para não tirarmos conclusões falsas quanto à sua natureza.

Os antecessores de Carlos Magno, Carlos Martel (715-741) e o seu filho Pepino, o Breve, tinham sido obrigados a enfrentar as conquistas árabes na Europa. Carlos Martel tinha feito grandes esforços para repelir o ataque dos Árabes contra o reino franco (batalha de Poitiers, 732). A experiência desta batalha obrigou os reis francos a melhorar o seu exército.

Esta preocupação encontrou expressão não só em subsequentes progressos no equipamento militar mas também em concessões mais frequentes de terras e camponeses, a todos aqueles que pudessem reunir-se sob o estandarte do rei em tempo de guerra. Ora os que podiam aceitar tais obrigações vinham das camadas prósperas da sociedade, cujos membros tinham podido aumentar a sua riqueza recebendo os chamados benefícios. Estes benefícios em breve se tomariam hereditários e assim a distribuição em massa de benefícios durante o reinado de Pepino levou a um aumento e a uma consolidação da classe dominante dos poderosos proprietários guerreiros, dos quais agora se tinham tornado dependentes os pequenos camponeses que habitavam a terra do benefício.

O considerável aumento em número dos membros da classe dominante dava aos reis carolíngios a possibilidade de seguirem uma política externa activa e de saírem para além-fronteiras da terra habitada pelos francos para subjugar outras tribos germânicas. Desta maneira, Carlos Magno conseguiu estender o seu poder a uma área enorme que incluía a actual França, o Norte de Espanha, o Norte da Itália e uma grande parte da Alemanha Ocidental.

No ano 800, o Papa coroou Carlos Magno, imperador e proclamou o seu reino um império. Na realidade, este império era apenas uma união débil e temporária de muitos territórios que tinham sido derrotados por um conquistador bem sucedido. Entre estas terras não havia laços realmente firmes e o império desintegrou-se pouco depois da morte do seu fundador.

Esta desintegração deu-se não apenas pelo facto de o império ser povoado por diferentes tribos, que se separaram depois da morte de Carlos Magno e começaram a estabelecer ducados independentes que tinham existido antes da sua conquista. As razões que estavam na raiz desta desintegração residiam na própria natureza do feudalismo como sistema socioeconómico e político. Para compreender a natureza daquela sociedade é importante ter uma ideia clara da estrutura do seu núcleo — a propriedade feudal —, que seria a base da sociedade feudal durante muitos séculos, desde os tempos do seu aparecimento até à sua queda na conflagração das revoluções burguesas.

O Desenvolvimento das Relações Feudais na Alta Idade Média

Nos começos do século XI, o processo de feudalização havia sido estabelecido por toda a Europa, isto é, toda ou quase toda a terra estava nas mãos dos senhores feudais, enquanto todo o povo trabalhador estava em maior ou menor grau dependente da nova classe dominante. A forma mais dura da dependência era a dos servos, que juntamente com os seus descendentes estavam adstritos ao serviço do senhor e à própria terra.

Isto significava que os servos eram obrigados a trabalhar na propriedade do seu senhor e a cultivar as suas terras, a entregar-lhe parte da sua produção e da produção da sua família (não só produtos agrícolas como cereais, carne e criação mas também artigos manufacturados como tecidos e couro). Por outras palavras: o servo era obrigado não só a alimentar a família e os criados do senhor mas também a vesti-los e calçá-los. A todas estas obrigações e presentes dava-se o nome de renda livre, e eram entregues em troca do direito a cultivar as terras do senhor, que este punha à disposição dos camponeses, ou vilãos, como se vieram a chamar.

A propriedade feudal que estava organizada conforme o modelo acima delineado e que formava o núcleo da economia e da sociedade feudais chamava-se na Rússia votchina, em Inglaterra memorial estate e em França e no resto da Europa (pois o padrão francês era tomado como modelo) senhorio. Para compreender as características essenciais das relações feudais e a estrutura da sociedade é importante ter um quadro nítido da maneira como o senhorio estava organizado e da maneira como esta unidade socioeconómica iria influenciar as relações sociais e políticas na Idade Média.

O Senhorio

O senhorio era a unidade básica da sociedade feudal e do modo de produção feudal e, por isso mesmo, exercia uma influência decisiva sobre a sociedade e sobre os padrões da organização política e de desenvolvimento cultural em geral. Na Idade Média, toda a terra, com raras excepções, pertencia à classe dominante dos senhores feudais, que possuíam propriedades de proporções variáveis. A propriedade destas terras era diferente da propriedade burguesa, por estar sujeita a outros condicionamentos. Cada proprietário feudal era considerado como tendo recebido o seu feudo de um senhor de posição mais elevada, cujos domínios lhe tinham originalmente sido concedidos pelo rei, e era obrigado a comparecer para a guerra, com cavalo e armadura, em qualquer ocasião que o senhor o chamasse ao seu serviço. Como vassalo do seu senhor, tinha um certo número de obrigações para com o seu suserano além do serviço militar: era obrigado a contribuir com os seus haveres para o resgate do seu suserano se este fosse feito prisioneiro; a oferecer-lhe donativos se o filho mais velho deste fosse admitido na Ordem de Cavalaria ou se a sua filha mais velha fosse dada em casamento; tinha de comparecer na corte do senhor durante os processos legais, etc. Se um vassalo não cumprisse estes deveres para com o seu senhor, este podia retirar-lhe o feudo.

As terras dos proprietários feudais eram divididas em duas partes: havia o domínio que pertencia pessoalmente ao senhor da casa senhorial e que era cultivado pelos servos a troco de uma renda e também as terras pertencentes aos servos. Cada servo tinha uma parcela de terra que cultivava independentemente, com os seus próprios instrumentos e animais de tiro. Estas parcelas produziam o suficiente para que o camponês se sustentasse a si e à sua família e pagasse ao senhor a renda, quando esta tinha de ser paga total ou parcialmente em produtos. Embora as condições de vassalagem fossem duras para o camponês, ele podia trabalhar a sua própria terra independente e os chefes da comuna dos servos determinavam como devia o domínio ser semeado, e que rotação de colheitas se devia seguir. Isto significava que os servos eram economicamente independentes dos seus suseranos, eram senhores de si próprios, e deles o proprietário das terras podia receber a renda por meio de coerção não económica, quer directa quer disfarçada.

Havia várias formas de coerção não económica: a dependência pessoal do suserano, a dependência do servo em relação ao suserano no que se referia à posse da terra (era facto aceite que todas as terras do proprietário incluindo as terras dos servos pertenciam ao senhor); finalmente, a dependência do servo em relação ao suserano como representante do poder político legal e administrativo. Como os senhores feudais não eram só proprietários mas também guerreiros e cavaleiros, isto quer dizer que eles tinham meios suficientes ao seu alcance para obrigar os servos a cumprir as suas obrigações quando necessário.

A economia medieval quer na agricultura quer, como veremos mais tarde, na indústria, caracterizava-se pela produção em pequena escala. Os instrumentos agrícolas eram pequenos, feitos para uso individual, e eram iguais aos que eram utilizados pelos artífices. Assim, a base material de toda a cultura medieval era, sobretudo, o trabalho dos camponeses numa economia camponesa, isto é, a pequena propriedade arrendada do pequeno produtor independente nas aldeias e, numa fase posterior, as empresas pequenas dos artífices nas cidades.

A classe dominante não tomava parte directamente no processo de produção e o seu papel positivo nos começos da era feudal consistiu só no facto de que, como proprietários, também eram guerreiros, protegiam as terras arrendadas dos pequenos produtores contra a pilhagem dos súbditos de outros proprietários e dos estrangeiros, e mantinham a lei e a ordem essenciais no campo, o que era uma condição essencial para qualquer produção regular. Por outro lado, os proprietários feudais protegiam e consolidavam o sistema de exploração típico da economia feudal.

Dado que todos os artigos materiais necessários para a vida quotidiana eram produzidos em pequenas propriedades, cujos donos eram economicamente independentes dos seus senhores, isto significava que, trabalhando mais, os camponeses podiam obter um excedente sobre a produção mínima vital para si próprios e para as suas famílias para além do que era devido ao senhor. Aí residia o enorme progresso da ordem feudal, quando comparada com a sociedade que praticava a escravatura.

Os escravos trabalhavam a terra do seu senhor utilizando os instrumentos e os meios de produção do senhor e depois entregavam-lhes todos os frutos do seu trabalho, recebendo em troca apenas aquilo que era absolutamente necessário para a sua subsistência. O escravo odiava o seu trabalho e tentava fazer o menos possível, e muitas vezes partia os instrumentos de trabalho e mutilava os animais de tiro do senhor como vingança pela sua dignidade humana violada.

O servo medieval, porém, por mais duro que fosse o seu destino, trabalhava na sua terra independente e tinha interesse em elevar o nível de produtividade do seu trabalho. Como consequência, a sociedade feudal, embora construída sobre as ruínas do sistema de escravatura e sobre as altas realizações culturais da era precedente, mostrou ser capaz de um desenvolvimento positivo, embora extremamente lento.

Guerras na Sociedade Feudal

O poder dos senhores feudais dependia do número de vassalos que lhes pagavam renda. Por isso mesmo, os senhores de uma casa senhorial estavam sempre a tentar aumentar o número dos seus vassalos, isto é, de camponeses e habitantes das cidades ao seu serviço, e a maneira mais fácil de o conseguir era tirar vassalos aos vizinhos, senhores feudais como eles. Assim, as guerras locais entre os senhores foram uma característica permanente da Idade Média. Estas guerras eram acompanhadas por incêndios de aldeias e de cidades inteiras, e por massacres do povo, métodos esses que minaram as forças de produção da sociedade. Isto teria sido impossível se os senhores individuais cumprissem os preceitos legais que são inerentes aos Estados unificados e centralizados. No entanto, tais Estados não existiam na alta Idade Média. Os factores económicos que levaram à desintegração dos reinos bárbaros em propriedades ou senhorios também levaram ao declínio dos Estados bárbaros. Os senhorios individuais transformaram-se em centros de vida política, uma vez que se tinham já tornado centros de vida económica da sociedade feudal, constituída como era por duas classes. Os senhores feudais tornaram-se não só proprietários de terras mas também acabaram por representar o poder político para aqueles que viviam nos seus domínios.

À medida que as propriedades cresceram em extensão, os súbditos dos reis bárbaros, uma vez que tinham recebido terras, e a nobreza local, depois de ter enriquecido e dado a sua protecção aos antigos pequenos camponeses independentes, apropriaram-se do direito de julgar e de aplicar penas ao povo da região quando a lei e a ordem eram infringidas, e, como guerreiros, apropriaram-se do direito de recrutar bandos de súbditos armados.

Os reis não eram suficientemente poderosos para impedir os nobres locais de aumentarem o seu poder por estes processos, e, em alguns aspectos, encorajavam mesmo as suas ambições, visto que a única maneira de compensar os membros dos seus séquitos e os seus leais servidores, quando a economia natural estava na ordem do dia e o comércio estava ainda pouco desenvolvido, era dar-lhes terras e o direito de cobrarem impostos e tributos em géneros à população local para o seu próprio proveito. Desta maneira, o poderoso proprietário de terras, dentro dos limites do seu domínio, não era só dono de terras mas também autoridade, isto é, um indivíduo investido de poderes administrativos e legais, no que respeitava ao povo que trabalhava no seu próprio senhorio.

A Hierarquia Feudal

Naquele período ainda havia reis, mas o verdadeiro poder pertencia aos proprietários locais. Os senhores feudais mais poderosos, que tinham recebido as suas propriedades directamente do rei, consideravam-se a si próprios iguais ao rei, seus pares, embora se apelidassem de seus servidores ou vassalos. Os proprietários menos poderosos, que não tinham recebido os seus feudos directamente do rei, mas de grandes nobres, eram vassalos desses mesmos senhores e obrigados ao seu serviço. Os que tinham as propriedades mais pequenas eram cavaleiros e, por sua vez, estavam submetidos como vassalos aos senhores mais poderosos. Toda a classe dominante era composta de uma complexa pirâmide hierárquica; no vértice, estava o rei, mais abaixo vinham os senhores com título (tais como duques, condes, abades de mosteiros importantes), depois vinham os barões e, por fim, os simples cavaleiros. Todos estes grupos estavam unidos por um interesse comum: explorar o povo trabalhador, e, durante a alta Idade Média, este interesse comum foi suficiente para assegurar o cumprimento obediente, pelos camponeses, da sua obrigação de alimentarem, vestirem e calçarem a classe dominante. Por isso, nessa altura, não existiam outros padrões sociais. E porque a unidade de um reino bárbaro, mesmo de um reino tão extenso como o império de Carlos Magno, se formava à volta do rei, mais tarde ou mais cedo estes Estados desintegraram-se e foram divididos era alguns senhorios, cujos proprietários estavam de um modo ou de outro obrigados a prestar vassalagem uns aos outros e, finalmente, ao próprio rei. Na prática, o papel do rei era pouco significativo, visto que cada senhor tratava directamente com o seu superior imediato, a cujas exigências tinha de atender. No reino franco, onde o modelo social feudal estava particularmente bem definido, imperava o princípio: «O vassalo do meu vassalo não é meu vassalo».

A economia da alta Idade Média centrava-se, portanto, e principalmente, na agricultura e no trabalho da aldeia, e o seu carácter social era determinado pelo processo de feudalização. Os desenvolvimentos políticos deste período foram a transição do antigo reino bárbaro para uma multidão de reinos bárbaros, nos quais o poder político estava dividido entre numerosos senhores feudais, que exerciam autoridade económica e administrativa sobre os servos, seus vassalos.

Resistência Popular à Servidão Feudal

É importante mencionar ainda outro aspecto importante deste primeiro período da Idade Média. Na Europa, a transição da sociedade primitiva baseada na comuna para a sociedade feudal foi de facto uma transição de uma sociedade pré-classes, para uma sociedade de classes que implicava a servidão das massas do povo trabalhador, a transformação dos antigos camponeses livres das comunas de aldeia com direitos hereditários sobre as suas terras, em servos dependentes privados da sua liberdade e das suas terras, que se tornaram propriedade do seu suserano. Os trabalhadores não estavam, naturalmente, todos preparados para aceitarem submissamente este estado de coisas. A luta de classes surgiu, também, frequentemente na época feudal, algumas vezes de forma latente, outras vezes declarada. Enquanto as relações feudais estavam em formação, os servos levantavam-se frequentemente para defender a sua liberdade e tentavam restabelecer a igualdade das comunas primitivas. E mesmo depois de as relações feudais se terem firmemente estabelecido, os servos ainda continuavam a protestar, cumprindo de má vontade os seus deveres para com os senhores, ou recusando-se a cumprir novos deveres e algumas vezes recorrendo à revolta aberta contra a classe exploradora.

O Papel da Igreja

A classe dominante tinha consciência de que a violência descarada não era suficiente para garantir a obediência dos camponeses. Além do gládio temporal utilizavam também meios espirituais — a Igreja (a Igreja Católica na Europa Ocidental), que tinha o monopólio da ideologia e das consciências dos homens.

A Igreja ensinava que o mundo fora criado por um Deus de bondade, e que a situação aqui na Terra, onde uns eram ricos e outros pobres, uns dominavam e outros obedeciam, uns administravam e outros eram governados, tinha sido ordenada por Deus, e quem protestasse contra as determinações de Deus não só era rebelde como pecador. Assim, todo o trabalhador devia cumprir o seu dever sem levantar problemas, alimentar e vestir o seu senhor e trabalhar para ele, não só por temor mas por uma questão de consciência. A maior parte dos trabalhadores da Idade Média eram camponeses com tendência para a superstição e para aceitar as ideias religiosas ensinadas pela Igreja, que exerciam uma grande influência sobre eles, e, assim, se tornavam uma poderosa arma nas mãos da classe dominante nos seus esforços para preservar e consolidar o sistema feudal de exploração.

Os senhores apreciavam no seu justo valor o útil papel da Igreja Católica e eram generosos nos donativos que lhe faziam. Como consequência disso, a Igreja, mesmo na alta Idade Média, veio a possuir vastas terras e os seus ministros de escalões mais elevados contavam-se entre os membros mais influentes da classe dominante. Os abades dos grandes mosteiros e os bispos consideravam-se a par dos nobres mais destacados, tais como duques e condes.

Os bispos de Roma, que vieram a ser chamados Papas, eram obrigados a desempenhar as suas funções administrativas tal como as religiosas, e a proteger a população local dos bárbaros. Assim acabaram por ser detentores de considerável autoridade e em breve reclamaram a direcção espiritual de todo o mundo cristão.


Notas de rodapé:

(4) A palavra «bárbaros» era o nome grego dado a todos os povos cuja língua era incompreensível para eles, e é também uma imitação de «gibberish». (retornar ao texto)

Inclusão 08/05/2016