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Fonte: https://teoriamarxista.wixsite.com/blog-mri/post/comunismo-ernest-mandel
Tradução: Vinícius Azevedo - da versão disponível https://www.marxists.org/archive/mandel/19xx/xx/communism.htm - Extraído de J. Eatwell, M. Milgate & P. Newman (eds.), The New Palgrave: A Dictionary of Economics, London 1990, p. 512-513.
Revisão: Pedro Barbosa
HTML: Fernando Araújo.
O termo "comunismo" foi utilizado pela primeira vez pelo advogado francês Etiénne Cabet no final dos anos 1830s, para designar uma doutrina – ou regime – econômica específica, e um credo político que introduzia esse regime; a obra de Cabet, especialmente a utopia L'Icarie, foi influente na classe trabalhadora de Paris antes da revolução de 1848. Em 1840, o primeiro "banquete comunista" aconteceu em Paris – banquetes e discursos de banquetes eram uma forma comum de protesto político sob a Monarquia de Julho. O termo se espalhou rapidamente, de forma que Karl Marx intitulou um de seus primeiros artigos políticos, lançado no 16 de outubro de 1842, Der Kommunismus und die Augsburger Allgemeine Zeitung. Ele notou que o "comunismo" já era um movimento internacional, se manifestando na Grã-Bretanha e na Alemanha, fora a França, e traçou a sua origem desde Platão. Ele poderia também ter mencionado antigas seitas judaicas e monastérios cristãos primitivos.
De fato, alguns dos chamados "socialistas utópicos", em primeiro lugar Weitling, na Alemanha, chamavam a si mesmos de comunistas e espalharam a influência da nova doutrina entre artesãos itinerantes alemães por toda a Europa, bem como entre os trabalhadores industriais mais estabelecidos de Rhineland. Sob a influência de Marx e Engels, a Liga dos Justos (Bund des Gerechten) que eles criaram mudou seu nome para Liga dos Comunistas, em 1846. A Liga solicitou aos dois jovens autores alemães que produzissem uma declaração de princípios para sua organização. Essa declaração apareceria em fevereiro de 1848 sob o título de Manifesto Comunista, que faria famosas as palavras "comunismo" e "comunistas" por todo o mundo.
Comunismo, daí em diante, designaria tanto uma sociedade sem classes, sem propriedade e sem posse – privada ou nacionalizada – dos meios de produção, sem produção de mercadorias, dinheiro ou um aparato estatal separado e apartado dos membros da comunidade, e o movimento sócio-político para alcançar tal sociedade. Depois da vitória da Revolução Russa de Outubro de 1917, esse movimento seria amplamente identificado com partidos comunistas e uma Internacional Comunista (ou ao menos um "movimento internacional comunista"), embora existisse uma pequena minoria de comunistas, inspirados pelo astrônomo holandês Pannekoek, que eram hostis a organizações partidárias de qualquer tipo (os assim chamados "comunistas conselhistas", Rätekommunisten).
As primeiras tentativas de chegar a uma sociedade comunista (deixando de lado comunidades primitivas, medievais e cristãs mais modernas) foram feitas nos Estados Unidos no século XIX, através do estabelecimento de acordos entre pequenos agricultores sobre propriedade coletiva, trabalho organizado coletivamente e total ausência de dinheiro dentro de suas fronteiras. Desse ponto de vista, eles diferiam radicalmente dos produtores cooperativos promovidos, por exemplo, pelo industrial e filantropo inglês Robert Owen. O próprio Weitling criou uma comunidade parecida, com o significativo nome de Communia. Embora elas fossem estabelecidas, de forma geral, por um seleto grupo de seguidores que compartilhavam de convicções e interesses em comum, essas comunidades agrárias não sobreviveram muito tempo em um ambiente hostil. O que há de mais próximo dessas comunidades primitivas contemporaneamente são os kibbutzim em Israel.
Rapidamente, e certamente após a aparição do Manifesto Comunista, o comunismo veio a ser associado menos com pequenas comunidades configuradas por elites moralmente ou intelectualmente seletas, e passou a ser identificado majoritariamente – se não totalmente – com o movimento de emancipação da classe trabalhadora em geral, englobando ainda os principais países do mundo (em termos de riqueza e população). No maior tratado teórico de seus anos de juventude, A Ideologia Alemã, Marx e Engels afirmaram enfaticamente:
“O proletariado só pode existir, portanto, em termos de história universal, assim como o comunismo, que é a sua consequência, só pode se apresentar enquanto existência "histórica universal". Existência histórica universal dos indivíduos, em outras palavras, existência dos indivíduos diretamente ligada à história universal.” (MARX; ENGELS, 2001, p. 30).
E antes, na mesma passagem:
“Por outro lado, esse desenvolvimento das forças produtivas (que já implica que a existência empírica real dos homens se desenrole no plano da história mundial e não no plano da vida local) é uma condição prática prévia absolutamente indispensável, pois, sem ele, a penúria se generalizaria, e, com a necessidade, também a luta pelo necessário recomeçaria, e se cairia fatalmente na mesma imundície anterior.” (idem, p. 31)
Essa linha de argumentação é até hoje repetida pela maioria dos marxistas ortodoxos (comunistas), que encontram nela uma explicação do que "deu errado" na Rússia Soviética, uma vez que ela ficou isolada num ambiente capitalista como um resultado da derrota da revolução em outros países europeus no período entre 1918-23. Mas muitos partidos comunistas "oficiais" ainda se prendem à versão particular de comunismo de Stálin, de acordo com a qual é possível completar a construção do socialismo e do comunismo em um único país, ou em um pequeno número de países.
A definição radical e internacional de uma sociedade comunista dada por Marx e Engels leva inevitavelmente à perspectiva de uma transição (período de transição) entre capitalismo e comunismo: primeiro Marx e Engels, notadamente em seus escritos sobre a Comuna de Paris (A Guerra Civil na França) e na sua Crítica ao Programa de Gotha (do partido social-democrata alemão), e depois Lênin – especialmente em seu livro O Estado e a revolução –, tentaram dar ao menos um esboço geral de como seria tal período de transição. Ele se centrava nas seguintes ideias:
O proletariado, como a única classe social radicalmente oposta à propriedade privada dos meios de produção, bem como a única classe que tem potencialmente o poder de paralisar e derrubar a sociedade burguesa, e que também está inclinada para a cooperação e solidariedade coletivas, que são as forças motrizes da construção do comunismo, conquista o poder político (estatal). Usa esse poder ("a ditadura do proletariado") para fazer mais e mais "incursões despóticas" dentro do domínio da propriedade privada e da produção privada, substituindo-as por produtos organizados coletiva e conscientemente (planejados), cada vez mais voltados para a satisfação direta das necessidades. Isso implica um desaparecimento gradual da economia de mercado.
A ditadura do proletariado, entretanto, sendo o instrumento da maioria para segurar uma minoria, não precisa de um pesado aparato de funcionários em tempo integral, e certamente não precisa de um pesado aparato de repressão. Ela é um estado sui generis, um estado que começa a desaparecer desde seu surgimento, isto é, começa-se a devolver mais e mais das tradicionais funções de estado para organismos de cidadãos auto-organizados, para a sociedade em sua totalidade. Esse desaparecimento do estado vai de mãos dadas com o indicado desaparecimento da produção de mercadorias e do dinheiro, acompanhando o desaparecimento geral das classes sociais e da estratificação social, isto é, da divisão da sociedade entre administradores e administrados, entre "chefes" e pessoas "chefiadas".
Tal visão da transição em direção ao comunismo como um processo essencialmente evolucionário tem obviamente precondições: que os países engajados nesse caminho já possuam um relativamente alto nível de desenvolvimento (industrialização, modernização, riqueza material, estoque de infraestrutura, nível de habilidade e cultura do povo, etc.) criado pelo próprio capitalismo; que a construção da nova sociedade seja apoiada pela maioria da população (isto é, que os assalariados já representem a grande maioria dos produtores e que tenham ultrapassado o limiar de um nível necessário de consciência de classe política socialista); e que o processo envolva os principais países do mundo.
Marx, Engels, Lênin e seus principais discípulos e co-pensadores como Rosa Luxemburgo, Trótski, Gramsci, Otto Bauer, Rudolf Hilferding, Bukhárin e outros – incidentalmente também Stálin, até 1928 – distinguiram sucessivos estágios da sociedade comunista: o estágio inferior, geralmente chamado "socialismo", no qual não haveria produção de mercadorias nem classes, mas no qual o acesso individual ao fundo de consumo ainda seria estritamente medido pela sua quantidade de trabalho investida, avaliada em horas de trabalho; e um estágio superior, geralmente chamado "comunismo", no qual o princípio de satisfação de necessidades para todos se aplicaria, independentemente de qualquer mensuração exata de trabalho executado. Marx estabeleceu essa diferença básica entre os dois estágios do comunismo na sua Crítica ao Programa de Gotha, junto com muito. Isso também foi elaborado à exaustão no livro O Estado e a revolução, de Lênin.
Sob a luz desses princípios, fica claro que nenhuma sociedade socialista ou comunista existe em qualquer lugar no mundo de hoje. Só é possível falar sobre um "socialismo realmente existente" no presente, se se introduzir uma nova definição "reducionista" de uma sociedade socialista, como sendo idêntica à propriedade predominantemente nacionalizada dos meios de produção e um planejamento econômico centralizado. Isso obviamente difere da definição de socialismo dos escritos marxistas clássicos. Se essa nova definição é legítima ou não à luz da experiência histórica é uma questão de juízo político e filosófico. De todo modo, trata-se de uma outra questão se os objetivos radicais emancipatórios projetados pelos fundadores do comunismo contemporâneo foram ou não realizados em tais sociedades realmente existentes. Este obviamente não é o caso.
Bibliografia:
Marx, K. and Engels, F. 1845-6. The German Ideology.
Obs.: para a tradução dos trechos da obra “A ideologia alemã”, foi utilizada a seguinte edição: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alem㸠2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.