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Primeira edição: Crítica del Eurocomunismo, Editorial Fontamara, Barcelona, março de 1978, pp. 13-43
Fonte da presente tradução: Ernest Mandel Archivo Internet
Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Setembro 2023.
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Breve nota introdutória do tradutor
Esta tradução foi feita como uma homenagem a Ernest Ezra Mandel (Frankfurt am Main, Alemanha, 5 de abril de 1923-Bruxelas, 20 de julho de 1995), economista, historiador e político belga e um dos mais salientes líderes do marxismo revolucionário após a morte de Leão Trótski, no centenário de seu nascimento.
Independentemente de o leitor ou militante concordar ou não com os seus juízos políticos e liderança dentro do Secretariado Unificado e embora hoje, vistas duma perspectiva histórica, algumas de suas teses possam - e devam - ser consideradas erróneas, o seu lavor incansável como militante e pensador revolucionário é digno dos maiores elogios.
O mexicano Arturo Anguiano, investigador da Universidade Autónoma do México, num ensaio que vale a pena ler: Ernest Mandel, autodeterminação dos trabalhadores e democracia socialista salienta, em nossa opinião de forma correcta e elegante que, “Embora Mandel seja conhecido fundamentalmente polos seus ensaios de crítica da economia política, polas suas contribuições à teoria económica marxista, seu trabalho é verdadeiramente interdisciplinar, como deveria ser o pensamento científico” (pág. 4).
Seus mais de 30 livros e 2.000 artigos publicados renderam-lhe um reconhecimento intelectual que excedeu em muito as fileiras do trotskismo. Seu Tratado sobre Economia Marxista e A Formação do Pensamento Econômico de Marx (excelente obra que inclui uma polémica com Althusser), a sua obra mais importante Capitalismo Tardio (traduzida para vários idiomas a partir do original alemão), As Longas Ondas do Desenvolvimento Capitalista, as introduções aos três volumes de O Capital, publicado mais tarde como livro independente sob o título de O Capital. Cem anos de polêmicas em torno da obra de Karl Marx. O reconhecimento da sua erudição e qualidade intelectual foi praticamente unânime entre a intelectualidade de esquerdas não-estalinista.
Mas acima de tudo, Mandel deve ser lembrado como um revolucionário. Fez parte daqueles que tentaram manter a continuidade da Quarta Internacional numa situação muito difícil e peculiar, marcada polo fortalecimento do estalinismo no final da guerra, em vez do seu colapso, como Trótski havia previsto erradamente, (mas tenhamos cuidado ao tratar o velho bolchevique como um Nostradamus se quisermos ser qualificados com seriedade. Lev Davídovitch foi um revolucionário, não um charlatão de feiras), com base no prestígio de ter derrotado a Wehrmacht polas mãos do Exército Vermelho e com a expansão para a Europa de Leste, para a China e a Coreia dos países onde o capitalismo foi expropriado em 1949. Ao mesmo tempo, nos países imperialistas, com o início do "boom do pós-guerra” no plano de reconstrução levado a cabo polos Estados Unidos (Plano Marshall -oficialmente denominado Programa de Recuperação Europeu, European Recovery Program-) envolvendo cerca de vinte anos de crescimento económico ininterrupto nestes Estados, a taxas médias de 6% ao ano, a social-democracia e os partidos comunistas foram fortalecidos nomeadamente na França e na Itália. Entretanto, em diferentes semi-colónias, as variantes nacionalistas burguesas e pequeno-burguesas ganharam peso. A traição do estalinismo à revolução nos países da Europa Ocidental, particularmente em Itália, França e Grécia cumprindo o acordado com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha nos pactos de Yalta e Potsdam e a dissolução não emblemática, mas sintomática, da Internacional Comunista por Estaline em 15 de maio de 1943, portanto, não havia espaço para dúvidas, Moscovo desistia da revolução (Veja a página muito interessante do Comintern em russo aqui), permitiram a estabilização económica nos centros imperialistas, enquanto a revolução se expandia na Ásia, África e América Latina, ou seja, nos países do que na altura se chamava “Terceiro Mundo” e hoje são renomeados com o arrogante nome de “Sul Global”.
Os trotskistas sobreviveram ao massacre, mas eram uma pequena minoria. Mandel estava, desde muito jovem, entre aqueles que assumiram a liderança na reorganização da Quarta Internacional face aos menores esforços iniciais de líderes mais tradicionais, como os do SWP americano. Tornava-se necessário responder ao novo quadro estratégico. Mas as respostas dadas, na nossa opinião, não estiveram à altura do desafio colocado.
Marxista revolucionário até o último suspiro, escreveu, como se fosse um epitáfio do seu descanso eterno, o seguinte num artigo intitulado: "Pourquoi sommes-nous révolutionnaires aujourd'hui?" (“Por que somos revolucionários hoje?” em La Gauche (A Esquerda) de 10 de janeiro de 1989: "É porque acreditamos que a longo prazo estas explosões revolucionárias ocorrerão de qualquer maneira que devemos preparar-nos hoje para a sua vitória - o que não é fácil construindo hoje um Partido e uma Internacional revolucionária.
Em última análise, a revolução socialista alcançada através da ampla mobilização, actividade e auto-organização das massas trabalhadoras confirmará o velho lema que Marx deu ao movimento operário da Primeira Internacional: "A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores."
Por fim, e para não atrasar mais a leitura do ensaio do marxista belga, recomendamos a visualização do documentário de 90 minutos de duração realizado em 2005 por Chris Den Hond sob o título: "Ernest Mandel, uma vida para a revolução“. Não encontro melhor maneira do que honrar a sua memória.
Salve camarada!
Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a Segunda Internacional representava uma força política impressionante. Reuniu milhões de membros na Europa. Foi representada por centenas de deputados nos parlamentos. Mobilizou grandes multidões em comícios e manifestações públicas, principalmente contra o militarismo e as ameaças de guerra. Incorporou social, política e moralmente a resistência contra o cataclismo que se aproximava do horizonte.
Já no Congresso de Stuttgart, em 1907, a Segunda Internacional adotou, após fortes debates, uma fórmula não desprovida de clareza: “Se a guerra eclodir apesar de tudo, é um dever dos socialistas agir para a sua rápida conclusão e operar com todas as suas forças para usar a crise económica e política causada pola guerra para levantar o povo e, assim, acelerar a abolição da dominação da classe capitalista”. Os congressos de Copenhague e Basileia (1912) readoptaram fórmulas análogas(1).
A multiplicação das regalias de que gozavam os dirigentes dos partidos social-democratas no interior do Estado democrático-burguês acabou por criar uma comunidade de interesses entre estes dirigentes e a burguesia. O aumento considerável do nível de vida das camadas privilegiadas da classe trabalhadora favoreceu um clima político em que o programa mínimo (exigências imediatas) foi cada vez mais separado do programa máximo (a derrubada do regime capitalista). A ausência duma compreensão abrangente da natureza da era imperialista; a rejeição duma orientação para grandes mobilizações de massas extraparlamentares (defendida em vão por Rosa Luxemburgo depois de 1910); a ausência de perspectivas revolucionárias e a incapacidade de modificar as tácticas gradualistas com base na compreensão de que as convulsões violentas se iriam tornar inevitáveis, todas estas fraquezas políticas e teóricas também tinham, sem dúvida, preparado o terreno para a catástrofe de Agosto de 1914.
Mas mesmo sem ser consideradas decisivas, a ausência de disciplina internacional e a ausência de hábitos práticos na aplicação das resoluções adoptadas pola maioria dos congressos da Internacional foram classificadas entre os principais factores que contribuíram para a viragem espectacular dos principais partidos socialistas no final de julho de 1914.
Lenine não foi o único a proclamar: a Segunda Internacional está morta, a Terceira Internacional deve ser construída sobre uma base doutrinal e organizacional muito mais firme. Também Rosa Luxemburgo, e boa parte da maioria “centrista” da conferência de Zimmerwald, aceitaram a ideia de que “a Internacional é a nossa única pátria” e que era apropriado impor a disciplina internacional dentro do movimento operário revolucionário, polo menos no que diz respeito aos principais questões internacionais(2). Este conceito não foi produto da vitória da Revolução de Outubro, da predominância adquirida polos bolcheviques após a fundação do Comintern, ou da suposta inclinação de Lenine para estender as suas “concepções organizacionais russas” a todo o mundo. Foi a herança comum de todos os internacionalistas, bolcheviques ou não, a partir de 1915. Foi a reacção quase unânime à catástrofe que atingiu o movimento operário internacional em Agosto de 1914.
Foi também mais do que isto: foi um conceito organizativo ajustado a uma visão teórica mais correcta das tendências de internacionalização da luita de classes na era imperialista. A noção de revolução mundial, que, antes de 1914, flutuava vagamente no pano de fundo do “marxismo ortodoxo”, reminiscente do que tinha acontecido em 1848, ou, no máximo, como uma tendência para as revoluções se espalharem por vários países(3), adquiriu um tema quente no quadro da consciência da unidade orgânica e contraditória da economia mundial, tal como o imperialismo a forjara.
Quase todos os marxistas revolucionários rejeitaram, com muita razão, a ideia utópica duma revolução que deveria eclodir simultaneamente em todos os principais países do mundo (uma ideia que, por trás da sua aparência radical, forneceu um pretexto para a recusa reformista e centrista de luitar pola conquista do poder polo proletariado em cada país, sempre que as relações político-sociais de força o permitirem). Mas compreenderam o inevitável entrelaçamento de revoluções que primeiro conquistaram o poder, depois colidiram com a intervenção internacional da burguesia, incluindo a sua intervenção militar; de contrarrevoluções temporariamente triunfantes em outros países, o que agravaria consideravelmente as contradições que o proletariado vitorioso e momentaneamente isolado enfrentaria; da radicalização e exacerbação internacional da luita de classes como resultado das repercussões internacionais de revoluções e contra-revoluções vitoriosas; das incidências económicas desta luita de classes no desenvolvimento, a médio e longo prazo, da situação da economia capitalista internacional, e das repercussões desta situação na própria luita de classes; Tudo isto também está integrado no complexo de conflitos entre as nações oprimidas (especialmente, mas não só, as dos países coloniais e semicoloniais) e o imperialismo.
Baseou-se nos problemas estratégicos e táticos específicos que surgem desta complexa realidade da luita de classes internacional, isto é, a partir desta realidade da revolução mundial, que a Internacional Comunista foi criada, com base numa disciplina internacional aceite em comum. A ideia duma Internacional democraticamente centralizada é um conceito essencialmente político, é parte integrante duma teoria global da realidade social do mundo na era imperialista, e não um subproduto da “extrapolação internacional das concepções da organização organizacional de Lenine”. Nada do que ocorreu à escala mundial durante os sessenta anos desde a Revolução de Outubro nos permite desafiar fundamentalmente a validade desta teoria. Foi a base de granito sobre a qual o movimento comunista foi fundado depois de 1917. Continua hoje a ser a base de granito do marxismo revolucionário. Trótski não teve outro mérito senão explicá-lo de forma mais sistemática no segundo painel da sua teoria da revolução permanente(4).
Estaline e a sua facção, maioritária no CC e entre os quadros dirigentes do PCUS, colocaram uma tremenda carga explosiva sob aquela base granítica quando desenvolveram abruptamente, a partir de 1924, a sua teoria sobre a possibilidade de completar a construção do socialismo num único país(5).
Mais uma vez, a origem última desta mudança não é evidentemente ideológica. Não deve ser procurada na fragilidade da capacidade teórica dum determinado indivíduo ou na falta de clarividência política dum grupo de quadros. A sua origem é social e está ligada a interesses materiais precisos. Esta mudança teórica encontra a sua explicação, em última análise, na ascensão e consolidação, no seio da sociedade soviética, duma nova camada social materialmente privilegiada, a burocracia soviética, e na simbiose progressiva entre essa camada e o aparelho partidário. A teoria de Estaline do “socialismo num só país” expressava, acima de tudo, o conservadorismo pequeno-burguês daquela burocracia, bem como o desejo crescente do aparelho partidário de desfrutar das vantagens do poder. A ideia, desenvolvida por inúmeros comentadores, de que esta teoria foi aceite porque oferecia “uma perspectiva concreta do desenvolvimento económico do país” face ao verdadeiro fracasso da revolução mundial, é profundamente anacrónica(6). Não explica minimamente a verdadeira cadeia entre os acontecimentos da luita de classes internacional, a política económica da URSS, as luitas sociais naquele país, os conflitos políticos e debates teóricos dentro do PCUS e a evolução do Comintern.
Embora as revisões teóricas devam, em última análise, ser explicadas polas mudanças socioeconómicas (caso contrário rompem com o materialismo histórico, baseado na tese de que a existência social é o que determina a consciência), isso não significa que esta revisão, uma vez realizada, não tenha a sua própria e, até certo ponto, dinâmica autónoma. Na verdade, a adopção da teoria sobre a possibilidade de alcançar o “socialismo num só país” teve repercussões profundas que abalaram todo o movimento comunista internacional. O facto de a grande maioria dos quadros comunistas convictos e sinceros não terem consciência disso, nem em 1924, nem em 1928, nem em 1934, mostra quão difícil é para o pensamento humano, mesmo quando equipado com um instrumento analítico tão excepcional como o método marxista, compreender imediatamente uma reviravolta radical nas coordenadas do terreno social em que se move. O que só aumenta o mérito da minoria comunista agrupada em torno de Leão Trótski, que compreendeu quase instantaneamente quais seriam os seus desastrosos efeitos a longo prazo.
A adopção da teoria do “socialismo num só país” conduziu a cinco transformações que iriam abalar, dum extremo ao outro, a base teórica e estratégica, bem como a prática política e a estrutura organizativa, dos partidos comunistas e da Internacional Comunista, modificando radicalmente a sua função objetiva no mundo contemporâneo.
—Implicava a revisão do próprio conceito de revolução mundial e da relevância dessa revolução mundial na época imperialista, o que, além disso, teve como consequência a revisão de toda a teoria da época imperialista.
—Disto emergiu uma modificação não menos fundamental da relação entre a defesa do Estado proletário isolado (e o início da construção socialista dentro desse Estado), por um lado, e a revolução internacional, por outro. A defesa do “bastião” foi proclamada como a primeira tarefa do movimento comunista e do proletariado mundial, o que levou progressivamente a uma crescente subordinação dos interesses da revolução internacional aos (pretensos) interesses da defesa do “bastião”.
—Esta subordinação fez com que os PCs deixassem de ser uma força que operava para a derrubada revolucionária do capitalismo nos seus respectivos países (e a IC um instrumento para a derrubada revolucionária do sistema imperialista e do capitalismo em escala global) para se tornar um instrumento prioritário da defesa do “bastião soviético”, o que levou cada vez mais à adaptação automática destes partidos e da IC aos ziguezagues da diplomacia do Kremlin.
—Tal adaptação não poderia deixar de conduzir a um “messianismo nacional” soviético (na realidade, um messianismo nacionalista pequeno-burguês da burocracia soviética)(7), uma vez que esta subordinação sistemática só se justificava em termos da importância decisiva atribuída à União Soviética, ao proletariado Soviético e ao PC da URSS em relação a toda a humanidade. Os conceitos de Estado dirigente e de partido dirigente, que desempenharam um papel tão fundamental na era estalinista, e que Khrushchev e Brezhnev tentaram salvar do naufrágio do estalinismo, encontram a sua origem neste messianismo pequeno-burguês. O seu inevitável corolário organizacional foi o monolitismo dentro da IC e do PC, a supressão de todo debate ou reflexão crítica, que ameaçasse perturbar a tranquilidade e os interesses dos líderes do “Estado-guia”, a burocratização da IC como um subproduto da burocratização do PCUS e o estado soviético.
—Na mesma medida em que toda esta degeneração teórica, política e organizacional minou os fundamentos sobre os quais se baseavam o programa e a existência da Internacional Comunista, só poderia decompô-la a longo prazo. As burocracias dos partidos comunistas não se submeteram cegamente às ordens do Kremlin - que deixaram de corresponder, de forma cada vez mais evidente, aos interesses do proletariado dos seus respectivos países – mais do que na medida em que não viam outra saída, quer com base na sua dependência material, quer com base na visão que tinham das perspectivas políticas nacionais e internacionais a médio prazo(8).
Quando esta situação mudou, foi apenas uma questão de tempo até que o “monolitismo de ferro” caísse como um castelo de cartas. O “messianismo nacional” do PCUS iria produzir tantos “messianismos” quantos fossem os PCs poderosos e materialmente independentes do Kremlin. O “centro único” iria produzir o policentrismo. O “internacionalismo proletário”, identificado com a “defesa do bastião soviético”, iria levar a uma proliferação do “comunismo nacional”. Neste sentido, o eurocomunismo foi inscrito em filigrana no futuro do movimento comunista mundial desde a adopção da teoria do “socialismo num só país”. Trótski, com seu génio profético, compreendeu-o e proclamou-o a partir de então:
“O marxismo sempre ensinou aos trabalhadores que mesmo a luita polos salários e a limitação da jornada de trabalho não podem ter sucesso se não for uma luita internacional. E agora, de repente, descobrimos que o ideal duma sociedade socialista pode ser realizado apenas com as forças duma nação. É um golpe mortal desferido na Internacional. A convicção inabalável de que o objectivo de classe fundamental pode ser alcançado ainda menos do que os objectivos parciais, por meios nacionais, ou no quadro duma nação, constitui o núcleo do internacionalismo revolucionário. Se o objectivo final puder ser alcançado dentro das fronteiras nacionais polos esforços do proletariado duma nação, então a razão de ser do internacionalismo desaparece. A teoria da possibilidade de realizar o socialismo num único país rompe a relação interna que existe entre o patriotismo do proletariado vitorioso e o derrotismo do proletariado dos países burgueses. Até agora, o proletariado dos países capitalistas progressistas nada faz senão avançar em direção ao futuro. Como ele marchará em direção a ela, que caminhos seguirá na sua marcha? Tudo isto depende completamente, inteiramente, de como se considera a organização da sociedade socialista: isto é, se a consideramos como um problema nacional ou internacional.
Em geral, se for possível alcançar o socialismo num único país, esta teoria pode ser aceite não só depois da conquista do poder, mas também antes. Se o socialismo é viável no quadro nacional da atrasada URSS, será muito mais viável no quadro da Alemanha progressista. Amanhã, os líderes do Partido Comunista Alemão desenvolverão esta teoria. O projecto de programa dá-lhes esse direito. Depois de amanhã será a vez do Partido Comunista Francês. Esse será o início da decomposição da Internacional Comunista, que seguirá a linha política do social patriotismo. O partido comunista de qualquer país capitalista, depois de se ter imbuído da ideia de que existem no seu Estado todas as premissas “necessárias e suficientes” para organizar polas suas próprias forças a “sociedade socialista abrangente” não se distinguirá, em essência, nada da social-democracia revolucionária, que também não foi iniciada por Noske, mas que fracassou definitivamente quando se deparou com esta questão em 4 de agosto de 1914.
Quando se diz que o próprio facto da existência da URSS é uma garantia contra o social patriotismo, visto que o patriotismo para com a república operária é um dever revolucionário, o espírito nacional limitado por esta utilização unilateral duma ideia justa exprime-se com precisão: só olhem para a URSS e fechem os olhos ao proletariado mundial. Isto não pode ser guiado polo derrotismo em relação ao Estado burguês, exceto abordando no programa o problema essencial do ponto de vista internacional, rejeitando implacavelmente o contrabando social-patriótico que ainda está escondido, tentando fazer o seu ninho no domínio teórico do programa ...da Internacional “Leninista”(9).
A transformação da Internacional Comunista de instrumento da revolução socialista em instrumento da diplomacia da burocracia soviética continha no seu germe a possibilidade da sua transformação periódica num instrumento da contra-revolução burguesa, isto é, da defesa da propriedade privada. O carácter conservador da burocracia, o seu medo das repercussões internacionais de qualquer avanço da revolução em qualquer parte do mundo, a sua consciência de que a passividade e a despolitização do proletariado soviético constituem a base do seu poder e privilégios e o perigo de ver esta passividade e esta despolitização questionada novamente com base nos grandes progressos da revolução mundial, tudo isto inclina-a para uma política de coexistência pacífica com o imperialismo, de procurar dividir o mundo em esferas de influência, de defesa feroz do status quo(10).
A mudança para uma política de defesa do Estado burguês e do status quo social nos países imperialistas, que implicava a defesa da propriedade privada em casos de crise social grave e a defesa nacional em caso de guerra imperialista, foi levada a cabo no sétimo congresso do Comintern nos chamados países imperialistas “democráticos”. Foi precedida por uma viragem inicial nesta direcção por parte do PCF, na sequência do pacto militar Estaline-Laval. A chamada política de frente popular foi a sua tradução mais clara, e a sua aplicação no decurso da guerra civil espanhola foi a sua tradução mais radical. Contra as coletivizações levadas a cabo espontaneamente polos trabalhadores e camponeses pobres da Espanha republicana, contra os órgãos de poder criados polo proletariado e, em particular, contra os comités e milícias que infligiram uma derrota decisiva aos insurrecionistas militar-fascistas. Nas principais cidades do país, o PC emergiu como o mais feroz, consistente e sanguinário defensor do restabelecimento da ordem burguesa.
Não o fez, claro, como agente da burguesia, mas como agente do Kremlin, obcecado polo receio de que uma revolução vitoriosa em Espanha e em França conduzisse a uma “grande aliança” de todas as potências imperialistas contra a União Soviética. É claro que nada mais foi do que uma mudança tática. Assim que a diplomacia soviética mudou de casaco e concluiu o pacto de Hitler e Estaline, os PC começaram a acusar os “imperialistas anglo-saxónicos” de fomentadores da guerra, tornaram-se mais uma vez “derrotistas” nos países imperialistas “democráticos” e nem sequer hesitaram em apoiar, no Outono de 1939, a ofensiva de paz da diplomacia nazi, exigindo a cessação das hostilidades sem restabelecer a independência da Polónia e da Checoslováquia.
Estas duas considerações são importantes para compreender que ocasionalmente, e dentro de limites estreitos, a burocracia soviética, cujos privilégios têm como base material um modo de produção resultante da abolição da propriedade privada e do capitalismo, pode tentar ampliar o seu poder, alargando a área em que este novo modo de produção opera. Ele já fez isso em 1939-40 no leste da Polônia, nos países bálticos e na Bessarábia. Foi o que fez, em maior escala, em 1947-49, nos países dos seus “glacis” militares, conquistados no final da Segunda Guerra Mundial na Europa de Leste. Mas sempre o fez com meios militar-burocráticos sob o seu estrito controle, sem dirigir qualquer verdadeira revolução popular de massas, em condições tais que não poderia resultar uma repolitização entusiástica do proletariado soviético, e sempre com acordo prévio com o imperialismo no que diz respeito à divisão do mundo em zonas de influência. Devemos excluir que isto possa ser reproduzido na Europa ou na Ásia num futuro próximo. Estas excepções confirmam, portanto, a apreciação global da política externa da burocracia como contra-revolucionária, depois de esta burocracia ter sido transformada numa camada ossificada na URSS, impossível de eliminar excepto através duma revolução política.
Os PCs fizeram com que o ano de 1935 se voltasse por lealdade à União Soviética, tal como a entendiam (isto é, lealdade à burocracia soviética, da qual se tornaram cada vez mais dependentes, material e politicamente). Mas a viragem do sétimo congresso do Comintern, com tudo o que implicava, desencadeou outro mecanismo autónomo cujo controlo o Kremlin iria perder. Ao integrarem-se cada vez mais no Estado burguês, apropriando-se das vantagens da democracia parlamentar burguesa como resultado dos seus sucessos eleitorais e sindicais, os aparelhos dos PCs dos países imperialistas “democráticos” foram doravante sujeitos a pressão material independente e, em certa medida, antagónico, ao do Kremlin. Tal como o “socialismo num só país” conduz ao nacional-comunismo, a teoria e a prática da frente popular conduzem a uma linha política que alimenta um processo gradual de social-democratização. Estas são duas das principais raízes históricas do eurocomunismo.
A maioria dos líderes eurocomunistas mais lúcidos estão perfeitamente conscientes disso. Referem-se constantemente aos “grandes precedentes históricos” da política de frente popular e à “união antifascista da resistência”, durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, como etapas preparatórias do eurocomunismo. Não estão errados em lembrar aos maoistas, em parte ignorantes e em parte desonestos, desta forma, à sua própria maneira, que o verdadeiro precursor do eurocomunismo é o próprio José Estaline. Basta examinar os documentos do PCF, do PCI, do PCE e de muitos outros PCs, dos períodos 1935-38 e 1941-47, para encontrar, escritos polos seus líderes da época, polos mais fiéis tenentes de Estaline na própria URSS e fora dela, mesmo polo próprio Estaline, as mesmas fórmulas revisionistas sobre o Estado burguês, a “nova democracia” e a “democracia avançada” sobre as quais os nossos maostalinistas hoje fingem estar indignados, esquecendo, além disso, que o Mao próprio os copiou fielmente em 1941(11).
A desagradável surpresa do Kremlin resulta do facto de acreditar poder controlar todos os movimentos deste mecanismo: “Direita! Esquerda! Firmes!" A sua suficiência burocrática já estava quebrada quando o pacto Hitler-Estaline foi concluído. Os acontecimentos subsequentes fizeram-nos esquecer a grave crise que então atravessou o PCF, em particular; nada menos que 40% do seu grupo parlamentar, incluindo vários membros do Bureau Político, desaprovaram Moscovo nessa ocasião; parte deles passaram para o campo da sua própria burguesia(12). Apesar de tudo, a maior parte do aparelho permaneceu leal ao Kremlin.
O mesmo ocorreu após o início da “guerra fria” que se seguiu à “grande aliança antifascista”. Todos os PCs da Europa capitalista deram obedientemente uma volta de 180 graus. Afirmaram, como um só homem, que se “perseguindo o agressor imperialista” o Exército Vermelho chegasse às fronteiras do seu próprio país, seriam aí recebidos de braços abertos, como uma força libertadora. Essa não era, sem dúvida, a linguagem dum partido social-democrata.
Em momentos diferentes, na década de 1960 (em alguns casos já na década de 1950), alguns PCs da Europa capitalista mais uma vez fizeram a mudança no sentido da adaptação à social-democracia, o que mais ou menos coincidiu com alguma mudança paralela. os Estados Unidos; “o espírito de Camp David”; Reunião Khrushchev-Kennedy em Viena, etc. Desta vez, porém, o mecanismo não só era mais difícil de controlar do que em 1935-38 ou 1941-47, como também estava bastante descomposto.
A razão fundamental para isto reside nos efeitos cumulativos das sucessivas mudanças, na duração da nova alteração reformista, na modificação na composição do aparelho dos PCs, na natureza diferente do recrutamento dos PCs com base na sua neo-política reformista. As mudanças ocorridas a cada três anos, que deram grande flexibilidade e diversidade à experiência dos burocratas e quadros dos PCs, foram substituídas por uma prática reformista aplicada ininterruptamente durante quase vinte anos, e por vezes mais. Toda uma geração de quadros eurocomunistas não aprendeu nada mais do que preparar boas eleições e conduzir acções de protesto imediatas. O desaparecimento progressivo de toda a geração comunista que se formou nos anos anteriores a 1935, durante a resistência, ou mesmo durante os anos da “guerra fria”, e que conheceu uma prática política muito diferente da de hoje, desempenha nisto um papel muito importante.
Outro processo cumulativo não é menos significativo: o da instalação quase permanente do aparelho do PC nas proximidades do pesebre do Estado democrático-burguês. A este respeito, repete-se, mais ou menos, um processo de degeneração análogo àquele que a social-democracia clássica viveu entre 1900 e 1914. Isto aplica-se sobretudo aos grandes partidos comunistas nos países capitalistas, sobretudo ao PCI e ao PCF. Longos anos de sigilo preservaram até agora o PC português e espanhol dos efeitos diretos desta corrupção (algo que pode mudar rapidamente); A linha de direita destes partidos é determinada, neste momento, por factores de orientação ideológica e estratégica. Mas mesmo os PCs mais pequenos, como os da Suécia, Bélgica, Suíça, Países Baixos, Finlândia ou Grã-Bretanha, são parcialmente arrastados por este movimento, seja a nível municipal ou a nível sindical. Às vezes, graças ao exemplo do vizinho, a ideologia antecipa a realidade. O desejo de acessar a manjedoura antecede o próprio acesso e dita a linha política a partir de então.
Mas a ênfase deve ser colocada sobretudo na mudança do contexto internacional. A crise conjunta do imperialismo e do estalinismo mina os conceitos em que se baseava a ideologia de Estaline. A revolução chinesa quebrou o cerco capitalista à URSS. Juntamente com as revoluções jugoslava, vietnamita e cubana, quebrou o mito da “União Soviética, o único bastião da revolução mundial”. O conflito sino-soviético permite a Togliatti desenvolver uma atitude de Pôncio Pilatos (“ambos são parcialmente culpados”) e mina ainda mais o conceito de um “bastião central” que deve ser defendido. Além disso, identificar o progresso da revolução mundial apenas com a defesa do “campo socialista” – especialmente quando a Jugoslávia, em primeiro lugar, e depois a China, foram projectados para fora desse “campo”, e quando esse “campo” permitiu o bombardeamento do Hanói socialista praticamente sem reagir – é algo que se torna cada vez menos credível. Paradoxalmente, o próprio fortalecimento militar e industrial da URSS destrói uma das principais alavancas com que funcionava a mecânica estalinista das décadas de 1930 e 1940. Ninguém acredita seriamente que exista hoje uma ameaça mortal de aniquilação que paira sobre a União Soviética, algo em que muitos comunistas acreditavam, natural e correctamente, no tempo de Hitler (se escolheram ou não a resposta correcta a essa ameaça é outra questão). A ideia de “competição pacífica entre os dous campos”, que deve ser vencida polo “campo socialista” antes que o socialismo possa triunfar no Ocidente, é o novo mito que substitui o antigo. Mas o seu poder de persuasão está bastante diminuído.
Nestas condições, a necessidade implacável de subordinação às ordens do Kremlin já não é evidente, mesmo de acordo com a lógica estreita do “socialismo num só país”. Os interesses dos aparelhos “nacionais” dos PCs tornam-se cada vez mais autónomos relativamente aos da burocracia soviética. Esta autonomia tem a sua própria lógica, traz consigo as suas próprias consequências. Obter votos nas eleições, ganhar prefeituras e assentos parlamentares, manter ou obter controle sobre sindicatos ou cooperativas de massa, são cousas que progressivamente vêm antes dos imperativos da “defesa da URSS”, ou mesmo do “campo socialista”. Que estes dous imperativos possam conspirar é algo que, para cada burocrata de qualquer PC na Europa capitalista capaz de ver e ouvir, foi confirmado polas reações dos militantes comunistas de base, da classe trabalhadora e das massas trabalhadoras da Europa capitalista antes do esmagamento da revolução húngara de 1956 ou antes da invasão da República Socialista da Checoslováquia em 1968.
Neste sentido, a emergência gradual do fenómeno do eurocomunismo - visto que se trata duma formação gradual e não duma transformação radical dum dia para o outro, como muitos observadores pretendem acreditar - está indissociavelmente ligada à crise progressiva do estalinismo, que gradualmente se transforma numa crise de decomposição(13).
Como já dissemos, a crise de decomposição do estalinismo resulta inevitavelmente da conquista, por um certo número de PCs, de bases materiais e políticas independentes do Kremlin, uma vez que a doutrina do “socialismo num só país” foi universalmente aceite polos conjunto desses partidos. Os casos mais claros são, evidentemente, os do PC jugoslavo e chinês. Ambos conquistaram o poder liderando uma grande revolução popular(14) que mobilizou milhões (no caso da China, dezenas de milhões) de trabalhadores e camponeses, embora tenha sido uma revolução burocratizada desde as suas origens e uma mobilização burocraticamente controlada e manipulada em grande medida. Como consequência, estes partidos e as suas lideranças gozaram de enorme prestígio entre as massas trabalhadoras dos seus respectivos países e adquiriram tanto uma base material autónoma como uma base política para resistir vitoriosamente aos ukazes do Kremlin, algo que nenhuma liderança comunista que quisesse permanecer no quadro do Comintern tinha sido capaz de fazer antes de 1946.
O caso do PC da Checoslováquia vai na mesma direção. Este partido recebeu o poder do Kremlin em Fevereiro de 1948, tendo a pressão militar-burocrática desempenhado nesta ocasião um papel muito mais decisivo do que a mobilização duma fracção da classe trabalhadora controlada polo PC. Como resultado da sua imitação dos métodos estalinistas e da sua infeudação com a burocracia soviética, as suas fundações populares diminuíram significativamente entre 1949 e 1967. Mas a decisão da sua facção “centrista” de iniciar o processo que iria levar à Primavera de Praga em 1968, o apoio popular a esta nova orientação, a rápida conquista da autonomia de acção e a politização progressiva da classe trabalhadora proporcionaram um apoio massivo dentro das massas trabalhadoras quando ele defendeu estas primeiras conquistas (que representavam objectivamente conquistas dos pogroms da revolução política) face à crescente pressão do Kremlin. Este apoio tornou possível o apogeu do 14º congresso do PCC, um congresso clandestino e operário de resistência à imposição do Kremlin. Mas esta imposição foi apoiada por tanques de batalha, e a facção “centrista” foi varrida polos “normalizadores” através destes tanques de batalha e das suas próprias vacilações.
O caso da equipa cubana fidelista é uma confirmação negativa da mesma regra. Esta equipa tomou o poder liderando uma formidável mobilização de trabalhadores e camponeses em massa, muito menos burocratizada e manipulada do que nos casos da Jugoslávia ou da China. Varreu as objeções, a resistência e a sabotagem dos estalinistas cubanos e realizou um processo de revolução permanente através da destruição da ordem burguesa e da criação dum Estado operário, adquirindo assim uma independência política quase total, num primeiro momento, em relação ao Kremlin. Mas o isolamento da revolução cubana no Hemisfério Ocidental, o bloqueio e a agressão do imperialismo americano, a fragilidade crescente da situação militar e económica ao longo dos anos 60, as derrotas sofridas pola revolução latino-americana, tiveram como resultado uma dependência material cada vez mais total da burocracia soviética. Daí a regressão política da equipa fidelista.
A burocracia soviética, habituada a lidar apenas com servos que recebem ordens ou com “trotskistas inimigos do povo” que devem ser exterminados, ficou desconcertada com a resistência inesperada que subitamente encontrou dentro da sua própria órbita. O seu primeiro reflexo foi o da violência transposta para o nível das relações estatais: excomunhão de Tito, bloqueio da Jugoslávia, mobilização de exércitos nas fronteiras com a Jugoslávia, apelos à insurreição, ou mesmo assassinato.
O método brutal falhou. Khrushchev mudou de rumo em direção à conciliação. Os “bandidos trotskistas e fascistas da camarilha Tito-Rankovic” foram transformados da noite para o dia nos “mais queridos camaradas iugoslavos”(15). A chegada em pessoa de Khrushchev ao aeródromo em Belgrado para dar um abraço aos “queridos camaradas” reunidos foi um golpe tão forte para o mito da infalibilidade do PCUS e da subordinação de todos os PCs às ordens do Kremlin como tinha sido sete anos antes a excomunhão de Tito.
O próprio Khrushchev, e depois Brezhnev, também atacaram brutalmente a liderança chinesa quando esta se recusou a curvar-se: bloqueio económico, recusa de ajuda militar, mobilização e concentração do exército na fronteira chinesa, escaramuças ocasionais que podiam por vezes degenerar em confrontos de maior magnitude, como os de Ussuri(16). O fracasso foi mais uma vez total. A liderança chinesa, longe de ceder à pressão e à excomunhão, afirmou cada vez mais a sua autonomia política e organizacional.
A estes dous confrontos deve acrescentar-se, naturalmente, o do XX Congresso do PCUS e o início da desestalinização. Não só foi aí destruído o mito da infalibilidade – sem dúvida definitivamente – mas também a manifesta incapacidade da burocracia para explicar as razões profundas da degeneração de Estaline, a flagrante insuficiência da fórmula do “culto à personalidade”, a impotência do aparato soviético para levar a cabo qualquer reforma institucional capaz de oferecer garantias mínimas contra o regresso a tais crimes e erros monstruosos, tudo isto despojou o “modelo soviético” de qualquer credibilidade como “modelo para a construção do socialismo” e assim minou, inevitavelmente , o princípio do “estado líder” e do “partido líder”. Togliatti foi o primeiro a compreender isto, estabelecendo no seu “Testamento de Yalta” uma ligação causal entre a insuficiência da teoria do “culto da personalidade”, as “imperfeições” do modelo soviético de socialismo, e uma ascensão inevitável do “policentrismo”. dentro do movimento comunista internacional(17).16 O Kremlin estava a perder o controlo de tudo o que já não conseguia controlar com os meios militares e económicos mais directos.
A invasão da República Socialista da Checoslováquia foi a gota d'água que transbordou o copo. Quanto tempo durou o caminho percorrido entre o esmagamento da revolução húngara polos tanques soviéticos em Novembro de 1956, sem qualquer liderança de qualquer PC – com excepção do PC Jugoslavo – formulando a mais leve crítica pública, e os múltiplos protestos que se seguiram à invasão da CSSR, vindos dos PCs eurocomunistas! Esta reviravolta não pode ser explicada apenas polo verdadeiro entusiasmo que a “Primavera de Praga” provocou entre as fileiras dos PCs europeus, mas também por aquele provocado entre o proletariado Europeu como um todo. As múltiplas ligações tecidas pola liderança Dubcekista com os eurocomunistas contam obviamente para alguma cousa. A manifesta impopularidade do acontecimento aos olhos das massas trabalhadoras da Europa, o medo duma nova onda de anticomunismo e de sérios reveses eleitorais também desempenharam um papel nesta questão.
Mas o que havia, mais do que tudo, era uma monótona preocupação político-histórica: “E se amanhã nós, comunistas italianos, franceses, britânicos, estivéssemos no poder, e se a nossa política desagradasse ao”irmão mais velho”, o que o impediria de sermos o caso do “nosso” país da mesma forma que tratou a Tchecoslováquia, o que o impediria de nos espancar ou de “fazer” algo pior conosco, como “fez” com František Kriegel e seus camaradas, sequestrados assim que os tanques chegaram Praga?" Essa capacidade de imaginar o inimaginável, que ainda não havia sido adquirida em 1936 ou 1949, existia agora inquestionavelmente. O tempo fez seu trabalho. A experiência do estalinismo, polo menos nos seus piores aspectos, foi assimilada. Houve um grito unânime vindo do coração: “Isso, nunca para nós!” A Internacional Estalinista estava morta. Ou, polo menos, foi cada vez mais reduzida a organizações esqueléticas que viviam directamente dos subsídios do Kremlin. Não havia mais espaço dentro dela para partidos de massas com raízes próprias na classe trabalhadora, na mesma medida em que a classe trabalhadora internacional tinha agora assimilado a natureza essencial do estalinismo.
A reviravolta do sétimo congresso do Comintern foi justificada, essencialmente, pola necessidade de a URSS “manobrar entre as potências imperialistas”. Essa necessidade é um facto objetivo. Também a Rússia de Lenine e Trótski teve que concluir o tratado de Brest-Litovsk e o tratado de Rapallo. Por outro lado, o que não constitui uma necessidade, mas antes um abandono dos princípios elementares do marxismo, é que os partidos operários modifiquem o seu curso de oposição irrevogável à burguesia imperialista com base nestes tratados e coloquem as suas tácticas em linha com as manobras, necessariamente circunstanciais e temporárias, da diplomacia do Estado operário.
A “divisão das potências imperialistas” abre um campo de manobra tanto depois como antes da Segunda Guerra Mundial. Não é guiado apenas pola oposição das potências imperialistas entre si. É também orientada, e cada vez mais, baseada no apoio (temporário) a esta ou aquela fracção interna da burguesia imperialista do mesmo país contra esta ou aquela outra fracção. Qualquer partido comunista que se deixe arrastar por este caminho acrescenta, ao abandono da independência de classe do proletariado e dos princípios elementares do comunismo, um perigo crescente de abandonar até mesmo a defesa dos interesses materiais mais imediatos da classe trabalhadora.
Alguém se lembra do apoio dado pelo PCF à “defesa da independência nacional” de De Gaulle e dos gaullistas contra os “Atlantistas” que apoiavam o CED? Já é sabido o que aconteceu a seguir. De Gaulle chegou ao poder em 1958 graças a um golpe de estado militar e estabeleceu um “Estado forte” que fez a classe trabalhadora francesa recuar muito durante quase uma década. Foi necessário maio de 1968 para permitir que ela recuperasse o terreno perdido.
Mas, mais uma vez, encontramo-nos na presença dum mecanismo que é cada vez mais impossível de ser controlado polo Kremlin. Quem julgará, e com que critérios, qual é a facção imperialista e qual é a variante mais favorável da política burguesa “para a paz”? Antes a escolha era simples. Estaline teve sempre razão, mesmo quando subitamente proclamou, em 1940, aos trabalhadores alemães que o seu principal inimigo já não era Hitler, mas “a facção belicista de Fritz Thyssen”, que procurava quebrar a política do pacto de não-agressão germano-soviético. Como a infalibilidade foi eliminada para sempre com a reabilitação de Tito e com o XX Congresso, as bilheteiras estão abertas a apostar num ou noutro cavalo para o “grande prémio da paz”.
Serão os “Atlantistas” o inimigo número 1 da paz e da détente? É nisso que Georges Marchais parece continuar a acreditar. (O Kremlin, no que lhe diz respeito, não concorda muito com este julgamento. Não estava nada insatisfeito com os “atlantistas” Nixon e Kissinger, longe disso.) Existe talvez o perigo duma unidade nuclear alemã independente? arma (ou germano-britânica, ou franco-alemã-britânica) talvez transforme a OTAN num mal menor? As preferências de Segré parecem ser mais nesse sentido (e não ficaríamos surpresos se ele tivesse recebido a bênção discreta de Gromyko). Será que a OTAN pode tornar-se menos prejudicial colocando um dedo “socialista” no gatilho? Marchais e Berlinguer inclinam-se cautelosamente para esta solução “intermédia”. Não seria talvez melhor proclamar uma posição de “neutralismo positivo”? Essa parece ser a posição assumida por Santiago Carrillo. Quanto a Cunhal, que se apega às antigas vociferações contra a NATO, para grande satisfação do PC dos Estados Unidos, observa com preocupação que o “Pravda” reproduz cada vez mais raramente as suas ardentes profissões de fé. O DKP é o único que não tem problemas: repete como um papagaio o que se diz em Berlim Oriental.
Com tudo isto, quando encontramos maoistas semi-ortodoxos a tentar apresentar uma acusação contra a política externa dos eurocomunistas, as acrobacias que são forçados a realizar para introduzir a complexidade das posições no seu sistema simplista são um espectáculo doloroso: Os eurocomunistas, esses anti-comunistas modernos (sic), demonstram a sua submissão ao social-imperialismo soviético recusando-se a opor-se resolutamente ao imperialismo americano e sacrificando a independência nacional, que só pode ser alcançada através duma luita irredutível contra as duas superpotências, que concordaram para subjugar a Europa, e cujo acordo mútuo implica uma luita feroz e implacável pola hegemonia, que amanhã os levará a massacrar-se mutuamente (e a massacrar-nos a todos nós) no decurso da inevitável terceira guerra mundial. É por isso que uma aliança tática com o imperialismo norte-americano, menos agressivo porque está enfraquecido, não deve ser excluída a priori...(18)
O eurocomunismo favorece a “distensão” ou aumenta as “tensões”? Favorece a hegemonia do imperialismo americano ou, polo contrário, fortalece a afirmação da Europa imperialista contra os Estados Unidos? Estas questões, colocadas desta forma vulgar, tornam impossível qualquer resposta razoável.
O eurocomunismo constitui um fenómeno de regressão política e ideológica duma fração do movimento operário europeu, em condições de exacerbação das tensões e das luitas de classes. É esta exacerbação, e não a política cada vez mais reformista dos líderes eurocomunistas, que provoca a evasão de capitais de Portugal, Itália, França e Espanha sucessivamente. Da mesma forma, se a perspectiva de participação governamental dos PCs eurocomunistas assusta fracções da burguesia europeia, não é precisamente por causa dos golpes que estes ministros bem-humorados se preparam para desferir à propriedade privada: todos sabem que os seus planos são mais moderados do que os do executivo do Partido Trabalhista de 1945 ou 1977. Além disso, como este exemplo demonstra, existe uma distância entre a chávena e os lábios, e entre os planos e a política governamental! É função das perspectivas de ascensão revolucionária das massas, difíceis de controlar polos PCs, embora estimuladas, apesar de tudo, pola chegada ao poder dum governo de "esquerda" e polas reacções que provocaria por parte da grande burguesia, que o imperialismo os encoraja.
Não há razão para supor que os líderes eurocomunistas se tenham tornado agentes directos do imperialismo americano, embora algumas das suas manobras possam favorecer esta ou aquela operação da administração Carter. Nenhuma explicação materialista pode ser fornecida para uma hipótese tão bizarra. A sua crescente integração no aparelho do Estado burguês faria deles, como possibilidade limitante, agentes da sua própria burguesia, isto é, da burguesia europeia, um aliado, sem dúvida, mas também um concorrente (e um agente cada vez mais feroz, cada vez mais entrincheirado) do imperialismo americano. Que o eurocomunismo dificulta as suas manobras em relação a Washington? Sim, se for responsabilizado pola fuga de capitais, pola greve dos investimentos, pola estagnação praticamente total da economia, o que é absolutamente injustificado. Não, se vermos nisso um elemento suplementar de reestabilização da ordem burguesa na Europa capitalista; na verdade, a última barragem que a revolução socialista deve demolir antes do seu triunfo.
Durante duas décadas, toda a fracção militante da classe trabalhadora do sudoeste da Europa foi ferozmente hostil ao “seu” Estado burguês, com o “seu” exército e a “sua” polícia. Se “compromisso histórico” tem algum significado, é precisamente para eliminar esta hostilidade(19). O paralelismo com a social-democracia de 1914 a 1929 é mais uma vez chocante. No caso (improvável, na nossa opinião) desta manobra ser coroada de sucesso, a burguesia europeia seria fortalecida e não enfraquecida em relação ao imperialismo americano. Paradoxalmente, os mais convictos defensores da teoria maoista das duas “superpotências” deveriam conceder um preconceito favorável à estratégia eurocomunista, uma vez que esta está orientada para reforçar “a independência (e a força) da Europa (Europa imperialista)” versus os Estados Unidos. E como podemos não perceber que a transformação dos grandes partidos operários de agência da burocracia soviética em forças políticas autónomas que se inclinam para uma aliança “histórica” com uma fracção da sua burguesia imperialista reforça essa mesma Europa imperialista também contra a URSS?
Não há dúvida de que os partidos eurocomunistas são apoiantes sinceros da détente. Estão convencidos de que os seus projectos reformistas, e muito menos o seu projecto de participação governamental, não têm hipóteses de serem concretizados no caso de uma recaída na guerra fria, para não falar da guerra pura. Seria absurdo acusá-los de belicistas. Se há alguma cousa pola qual os podemos culpar, é o facto de espalharem a perigosa ilusão pacifista de que a paz só pode ser salva a longo prazo através da “pressão” sobre o capitalismo, sem aboli-lo. Mas herdaram esta ilusão pacifista da “ortodoxia estalinista”, da qual foi e continua a ser parte integrante. É outro corolário lógico do “socialismo num só país”.
O receio expresso por certos meios de comunicação burgueses de que, independentemente da “boa fé” com que os dirigentes eurocomunistas se distanciem de Moscovo, o aumento do seu peso na vida política e, se necessário, nos governos da Europa capitalista, “objetivamente” implica o perigo duma “Finlandização”, duma “neutralização” dessa Europa, é duplamente infundado. Em primeiro lugar, porque os dirigentes do PCF e do PCI já afirmaram claramente que já não consideram a ruptura com a Aliança Atlântica como condição prévia para a participação governamental (é interessante realçar que o PC português, apesar do seu fiel “seguimento” relativamente o Kremlin, agiu da mesma forma durante os governos provisórios em que participou em 1974-75). Em segundo lugar, porque, ao contrário da situação finlandesa, os líderes eurocomunistas manifestaram-se a favor do fortalecimento, e não do enfraquecimento, da “defesa nacional” das suas respectivas burguesias. E estas burguesias são tudo menos “neutras”.
A partir daí, o único elemento realista nestes receios dos burgueses mais ossificados é que as mesmas transformações nas relações de forças sociopolíticas que poderiam levar à entrada no governo dos eurocomunistas poderiam levar a rupturas da Aliança Atlântica. Isto é inquestionavelmente verdade. Seria ainda necessário acrescentar, para não cair em sofismas, que o objectivo político dos dirigentes eurocomunistas é precisamente a limitação destas transformações, a sua canalização para caminhos compatíveis com a manutenção da ordem burguesa (e, em última análise, com a manutenção da Aliança Atlântica). Se este ou aquele país da Europa Ocidental alguma vez romper com a OTAN, não será por causa, mas apesar dos esforços políticos dos eurocomunistas.
Resta saber se, do ponto de vista da burocracia soviética, a OTAN e a situação actual não são preferíveis à nova distribuição de cartas que resultaria dum reforço militar autónomo do imperialismo europeu, para a qual o eurocomunismo teria contribuído em seu próprio caminho. É perfeitamente possível, assim como o facto das piscadelas cúmplices do Kremlin a Giscard, que se repetem desde antes das últimas eleições presidenciais, e que Marchais censura - justificadamente, do seu ponto de vista - “pola ausência de internacionalismo proletário”, refletem uma preocupação monótona relativamente a uma Europa “tripolar”, com um rearmamento autónomo alemão-franco-italiano-britânico (para não mencionar uma Europa “tetrapolar”, com uma revolução socialista vitoriosa num ou vários países do sudoeste da Europa).
Para o movimento operário internacional e para a classe trabalhadora europeia, estes nada mais são do que jogos em grande parte gratuitos e, ao mesmo tempo, demasiado perigosos. A classe trabalhadora não tem de escolher entre diferentes variantes da política internacional burguesa. Agora é disso que tratam todas essas especulações. A classe trabalhadora deve luitar por uma política internacional dos trabalhadores, isto é, uma política de classe independente, oposta a qualquer aliança com uma determinada facção do imperialismo contra outra. Isto traduz-se hoje em duas fórmulas: Contra as armas (em primeiro lugar as armas nucleares) e contra os preparativos de guerra de toda a burguesia imperialista! polos Estados Unidos socialistas da Europa!
Quando falamos dum processo de social-democratização dos PCs da Europa Ocidental, os representantes do eurocomunismo reagem com raiva: não temos nada em comum com a social-democracia de hoje, dizem eles. Nunca dissemos que os PCs se estão a tornar na mesma cousa que a miserável social-democracia de Helmut Schmidt, Wilson-Healy-Callaghan ou Mário Soares. Destacámos o óbvio: paralelismo com a evolução da social-democracia nos anos 1910-1930, que foi, apesar de tudo, algo diferente de hoje. Os líderes eurocomunistas ainda não responderam seriamente a esta comparação.
Agora, falamos sobre um processo. A social-democracia de hoje é um produto da década de 1920, mas é muito diferente dela. Da mesma forma, a social-democracia da década de 1920 foi produto da capitulação de 1914, mas por isso sofreu transformações importantes em comparação com a de antes de agosto de 1914. E a capitulação de agosto de 1914 foi, por sua vez, produto da mudanças que ocorreram na social-democracia clássica antes da Primeira Guerra Mundial.
Da mesma forma, o eurocomunismo, que ainda não transformou os PCs em partidos social-democratas, mas apenas acelerou a sua evolução neste sentido, é o produto duma opção cada vez mais sistemática e de longo prazo desde o fim da “guerra fria”. Opção que por sua vez é o resultado das transformações introduzidas no Comintern polo sétimo congresso, pola frente popular e pola política de “união antifascista” do período 1941-47, transformações inconcebíveis sem a viragem para o “socialismo num único país”na URSS e no Comintern depois de 1924.
Ao descrever as origens da traição social-patriótica na social-democracia internacional, Trótski destaca a seguinte característica:
“O patriotismo dos sociais-democratas alemães começou com o patriotismo muito legítimo que sentiam em relação ao seu partido, o mais poderoso da Segunda Internacional. A social-democracia alemã pretendia construir a”sua” sociedade socialista baseada na alta técnica alemã e nas qualidades organizacionais superiores do povo alemão. Deixando de lado os burocratas empedernidos, os carreiristas, os empresários parlamentares e os vigaristas políticos em geral, o social-patriotismo das bases social-democratas derivou precisamente da esperança de organizar o socialismo alemão. Não se pode pensar que as centenas de milhares de militantes que formaram os quadros social-democratas (para não mencionar os milhões de trabalhadores comuns) tentaram defender os Hohenzollerns ou a burguesia. Não, eles queriam proteger a indústria alemã, a tecnologia e a cultura alemãs e, acima de tudo, as organizações da classe trabalhadora alemã como premissas nacionais “necessárias e suficientes” do socialismo.”(20)
A analogia com a evolução do PCF, e especialmente do PCI, é surpreendente. Nos escritos dos eurocomunistas, é repetido como leitmotiv que qualquer crise “catastrófica” do “Estado democrático” colocaria em perigo “as conquistas da classe trabalhadora”. Esta é a razão profunda pola qual os PCs se tornam um “factor de ordem”(21). Alcançarão a gratidão das “estratos médios” pola sua abnegação, polo seu “senso de Estado”, pola sua recusa em “explorar as dificuldades para fins partidários”. É assim que vão consolidar o que conquistaram e depois, aos poucos, irão ampliando...
Voltaremos mais tarde às contradições manifestas contidas na estratégia que se baseia em raciocínios semelhantes(22). O que é indiscutível é que estes repetem literalmente outros raciocínios análogos da social-democracia: a terceira raiz histórica do eurocomunismo é a “estratégia de desgaste” de Kautsky. E está condenada a conduzir às mesmas derrotas e falências a que a social-democracia clássica levou.
E tudo isto ignora o factor decisivo da política na sociedade burguesa: a luita de classes elementar. Por meio das sucessivas mediações introduzidas entre a análise socioeconômica e a análise política, esta última acaba por ser completamente desvinculada da sua base e considerada como um jogo totalmente autónomo em que a astúcia, a tática, a manobra, o comprometimento, a psicologia, são tudo, enquanto o interesse material de classe não é mais nada. Mas toda a história do século XX testemunha contra tais concepções burocráticas, manobradoras e manipuladoras da política, que não são essencialmente estalinistas na medida em que são comuns à burocracia social-democrata e à burocracia estalinista. A burguesia europeia é, sem dúvida, demasiado educada e experiente para ser paralisada pola “astúcia”. Quanto à classe trabalhadora politicamente menos experiente, pode, sem dúvida, ser ocasionalmente enganada por manobras inteligentes. Mas o engano leva à desmoralização que leva ao enfraquecimento da classe trabalhadora. E este enfraquecimento inclina a balança numa direcção contrária aos desígnios reformistas (e eurocomunistas).
Duas características essenciais da situação actual tornam a “transformação gradual do capitalismo” prosseguida polos eurocomunistas ainda menos viável do que os projectos semelhantes de Kautsky e companhia antes da Primeira Guerra Mundial.
Em primeiro lugar, a Europa capitalista evolui hoje num clima de crise económica e social duradoura, que restringiu ao máximo as margens de manobra da burguesia imperialista e a sua possibilidade de conceder reformas. Na verdade, o que se fala em todo o lado é de austeridade e não de reformas. A maioria dos projectos eurocomunistas (começando polo “Programa Comum” francês) foram condicionados por uma projecção de médio e longo prazo duma taxa de crescimento económico de 5% ao ano. No quadro do regime capitalista, mesmo “condicionado”, isto tornou-se algo totalmente utópico para os próximos anos. Qualquer orientação reformista é uma orientação de gestão de crises e não uma orientação “profundamente transformadora”. Continuará a sê-lo na Europa capitalista dos anos 70 e 80. Só rompendo com a burguesia, só abolindo o regime capitalista, poderá ser aberto um caminho para o crescimento acelerado.
Em segundo lugar, a internacionalização das forças produtivas, do capital e da luita de classes está hoje muito mais avançada do que em 1914, 1936 ou 1945. A interpenetração internacional dos capitais no Mercado Comum é um facto, embora continue a ser um fenómeno que se desenvolve de forma desigual e contraditória. Nestas condições, qualquer projecto de “transformação gradual do capitalismo” numa base nacional, mantendo ao mesmo tempo as estruturas fundamentais da economia capitalista, é totalmente utópico, se não reaccionário. Não pode implicar mais do que uma escolha dolorosa entre dous males dos quais a classe trabalhadora deve fugir como uma praga: ou uma cadeia de capitulação às imposições do capital financeiro internacional (ver Wilson-Healy-Callaghan!), ou então um recurso crescente ao proteccionismo. Ambas as opções resultarão em regressões no padrão de vida da classe trabalhadora. Ambos prendem-na numa situação política sem saída.
Os líderes do PCI sentem isto, contudo, de forma confusa. Insistem no facto de não terem qualquer intenção de cair no proteccionismo. Acabam mesmo por valorizar o Mercado Comum, a Europa do capital. Mas isto torna o projecto político eurocomunista ainda mais irrealista. Quem você quer que acredite que o socialismo poderia ser introduzido “gradualmente” na Itália ou na França, sem deixar de estar associado ao grande capital federal alemão e britânico?
O “socialismo num só país” traduzido em “nacional-comunismo” a ser gradualmente realizado em cada país da Europa isoladamente leva a um beco sem saída. O comunismo, como qualquer política e qualquer projecto de classe do proletariado, é internacional ou não é nada. Não há substituto para a orientação para os Estados Unidos socialistas da Europa, a única resposta historicamente válida e superior à integração capitalista da Europa. Não há nenhuma derrubada concebível do capitalismo na Europa que não seja aquela que seja orientada e sustentada por este objectivo.
O internacionalismo proletário baseia-se na comunidade de interesses de classe do proletariado de todos os países, em oposição à competição capitalista estruturada em mercados e estados separados uns dos outros pola lógica da propriedade privada dos meios de produção. Implica a solidariedade indispensável com qualquer luita da classe trabalhadora compatível com o interesse de classe(23). Isto não pode ser negado, na teoria e na prática, exceto se esta comunidade de interesses for negada, rejeitando assim as principais premissas da teoria marxista sobre a possibilidade duma emancipação socialista da humanidade. Esta recusa implica, no melhor dos casos, um recuo para a utopia, para um socialismo que surge da doutrinação e da propaganda e não baseado na consciência de interesses materiais e sociais comuns. Na pior das hipóteses, implica o abandono de qualquer perspectiva socialista, ou seja, a queda no pessimismo ou na indiferença relativamente ao destino da raça humana.
Mas o internacionalismo proletário, como qualquer painel da consciência de classe do proletariado, não pode ser outra cousa senão uma conquista progressiva da massa de assalariados, baseada na experiência efectiva de luita e solidariedade. Acreditar que será o resultado automático de ordens superiores ou da divulgação de discursos, artigos, panfletos e livros – por mais importante que seja esta educação – equivale a não compreender nada sobre a formação concreta da consciência de classe entre as grandes massas, para recair no idealismo histórico.
Agora, a única prática que pode levar a uma difusão cada vez mais ampla do internacionalismo proletário é uma prática de solidariedade recíproca. Ao desviar a IC dos seus objectivos iniciais, ao desnaturalizá-la, transformando-a num instrumento dócil das suas manobras diplomáticas e da defesa dos seus privilégios particulares, a burocracia estalinista desferiu um golpe mortal no internacionalismo proletário nas fileiras do movimento que controlava em escala mundial.
Trabalhadores alemães, espanhóis, franceses; o PC Polaco e Jugoslavo (dissolvido); os comunistas alemães e austríacos que se refugiaram na URSS, posteriormente entregues a Hitler por Estaline; O povo tártaro, “varrido do mapa”, está entre aqueles que sofreram em primeira mão a alimentação forçada baseada nos frutos amargos do “socialismo num só país”. O conflito Estaline-Tito, o conflito Sino-Soviético, o conflito com a liderança do PC da Checoslováquia em 1968, a disputa do Eurocomunismo, são os bumerangues sucessivos que acabaram por atingir a burocracia soviética como consequência desse pecado original.
Quando os porta-vozes desta burocracia e os seus dóceis papagaios dos PCs búlgaros, “normalizados” da Checoslováquia, da Alemanha, da Áustria e dos EUA, hoje acusam os chamados líderes eurocomunistas de “traírem o internacionalismo proletário”, o seu cinismo só é comparável ao seu quase falta de jeito quase ingénuo. Aqueles que traíram e continuam a trair inúmeras revoluções, greves, movimentos económicos e políticos dos trabalhadores numa centena de países em todas as partes do mundo, com que direito podem invocar hoje este princípio, que só tem um valor aceitável se for baseado na estrita reciprocidade e universalidade? Um mineiro espanhol das Astúrias, que viu vários dos seus movimentos de protesto enfraquecidos sob o regime de Franco devido às importações de carvão dos "países socialistas", terá de receber lições de "internacionalismo proletário" daqueles que então se comportaram como fura-greves vulgares? Podem os militantes do Partido Trabalhista Britânico, que se lembram de que, por medo de impedir a “grande aliança antifascista”, o Kremlin os aconselhou a manter, em 1945, uma aliança com os seus exploradores capitalistas conservadores, Churchill e Eden, os apelos ao internacionalismo? que vêm desta fonte suspeita? Podem os militantes trabalhistas indianos que sabem que o Kremlin forçou a liderança do PC indiano a combater abertamente o movimento pola independência nacional daquele país colonial em Agosto de 1942, levar a sério as referências ao internacionalismo proletário proferidas por Brezhnev e Dange?(24)
A brilhante fórmula de Maurice Thorez é compreendida ao longo desta campanha: “O internacionalismo proletário é a solidariedade com a União Soviética”(25). Bem, não é isso, o internacionalismo proletário é a defesa conjunta dos interesses dos proletários de todos os países (entre eles também são, naturalmente, os da União Soviética, incluindo a defesa do que resta das conquistas de Outubro). Quem não compreende que esta fórmula Thorez é hoje inaceitável para a grande maioria dos militantes do PC, e para quase todo o proletariado mundial, não compreendeu nada de tudo o que mudou no mundo ao longo dos últimos trinta anos.
Ao rejeitar o “centro único” que dirige o movimento comunista internacional, os líderes eurocomunistas imaginam que estão a rejeitar a subordinação às instruções do Kremlin, a subordinação dos seus partidos a interesses que não são os seus (não estamos a dizer: esses não são os do seu proletariado, porque eles próprios há muito deixaram de defender estes interesses de forma consistente). Os militantes comunistas imaginam redescobrir a “autonomia”, uma “independência” que há muito desejam. Mas a dialética da luita de classes é implacável. Escapando à tutela da burocracia soviética, cairão fatalmente sob a tutela da sua própria burguesia, uma vez que já não encontrarão a linha da luita anticapitalista intransigente.
Agora, nenhuma luita anticapitalista intransigente é possível na era imperialista se não for uma luita internacional. Nenhuma luita internacional consistente é possível sem uma organização internacional. O famoso “centro único”, que Estaline e o estalinismo tão profundamente desacreditaram ao identificá-lo com ordens burocráticas ao serviço duma fracção da classe (a burocracia privilegiada da URSS), é a única solução de substituição que aguarda os militantes comunistas que realmente querem redescobrir a independência de classe da burguesia e da burocracia soviética.
Qualquer “nacional-comunismo” num país capitalista está condenado a ser um “comunismo” integrado no estado burguês. Qualquer recusa de integração no Estado burguês só poderá, a longo prazo, encontrar coerência e credibilidade se for subordinada a um projecto internacional de luita de classes e de organização proletária. Não é possível opor-se à própria burguesia ao nível da política interna e ser neutro ou aquiescente em relação a ela a nível internacional e militar. A indiferença ou a traição em relação às luitas de classes internacionais acabarão, mais cedo ou mais tarde, por se transformar em indiferença ou traição em relação à luita de classes nacional. Esta é a dialética objectiva da sociedade burguesa, confirmada por inúmeros precedentes históricos.
Quando um punhado de marxistas revolucionários agrupados em torno de Leão Trótski começou a trabalhar para reconstruir a Internacional, sabiam, é claro, perfeitamente que o seu empreendimento consistia apenas em antecipar o que seria a nova Internacional comunista de massas amanhã. Constituíram apenas o seu primeiro núcleo. Embora hoje sejam dez ou vinte vezes mais fortes do que na época da conferência de fundação ou imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, continuam a ser apenas isto: o núcleo que garantiu a continuidade e o enriquecimento do programa comunista e que educou milhares de quadros nesta base. O resto, a fusão destes quadros e deste programa com as grandes massas, será o produto combinado da sua capacidade política e dos desenvolvimentos da luita de classes (provocando, embora não automaticamente, saltos em frente na consciência de classe).
Os marxistas revolucionários, nadando resolutamente contra a corrente, reafirmam hoje energicamente: Não ao nacional-comunismo, sim ao “centro único”! Certamente não é um “centro” burocrático que dá ordens através de meios administrativos. Não um “centro” que nomeia e demite a liderança nacional, independentemente da maturidade e compreensão da maioria dos membros do partido nacional. Longe disso é um centro que dita “tácticas” únicas, sem ter em conta a evolução desigual das relações de poder entre classes nos diferentes países (o que os eurocomunistas modestamente chamam de “não ter em conta as particularidades históricas de cada nação”). E, muito menos, um “centro” que dá ordens, subordinando os interesses da luita de classes do proletariado de qualquer país aos interesses duma fração do proletariado de outro país, ou às manobras diplomáticas dum determinado Estado.
Mas um “centro único” que permita centralizar as experiências, práticas e lições que dele emergem, dos proletários de todos os países. Um “centro” que, nesta base e através da discussão aberta e da persuasão, desenvolva uma orientação comum para todos os comunistas face aos grandes problemas internacionais. Um “centro” que nos permite, portanto, superar a fase da “solidariedade” verbal e das insípidas “trocas de experiências” e alcançar um número crescente de ações comuns dos proletários à escala mundial. Um “centro” que se opõe à centralização internacional da contrarrevolução burguesa com uma centralização progressiva da iniciativa revolucionária internacional.
Na era das “multinacionais”, da internacionalização cada vez mais avançada do capital, a crescente internacionalização da luita de classes é uma tendência objectiva e irreversível. Só acções colectivas internacionalmente coordenadas podem constituir uma resposta eficaz às manobras internacionais do capital. Recusar uma centralização internacional da política e da organização de classes significa ficar para trás em relação às tendências objectivas e espontâneas da luita de classes, em vez de ir à frente delas. Como poderíamos agir eficazmente contra o apoio do imperialismo ao golpe militar-fascista de Pinochet se não através duma resposta internacional? Como podemos ajudar os escravos coloniais rebelados e atacados polo imperialismo, se não com uma resposta à escala internacional? Como poderia o bloqueio de Portugal ser neutralizado enquanto o processo revolucionário de 1975 se desenvolvia, senão através duma resposta dos trabalhadores coordenada internacionalmente? Entretanto, o eurocomunismo alcançou os resultados tragicómicos do PCF defendendo o “vinho francês” contra o “vinho italiano”, apoiado polo PCI.
Na era das guerras, das revoluções e das contra-revoluções, o dilema “revolução permanente ou socialismo num só país”, “internacionalismo proletário ou comunismo nacional”, “centro único”, isto é, organização internacional, ou dispersão social-patriótica, tem implicações terríveis, às quais Lénine, Trótski, Rosa e os seus companheiros já eram sensíveis em 1914, mas que tantos comunistas (e não apenas aqueles ainda recentemente ligados ao Kremlin) parecem ter esquecido. Dada a multiplicação dos conflitos armados no mundo, qualquer recusa da disciplina internacional em relação às questões internacionais pode, mais cedo ou mais tarde, levar à situação invocada por Rosa na fórmula amarga com que refutou o sofisma centrista contra a disciplina internacional: “Proletários de todos países, unem-se em tempos de paz e massacram-se uns aos outros em tempos de guerra.”
Já houve casos de proletários invocando, todos eles, o comunismo, e todos eles inscrevendo nas suas bandeiras “proletários de todos os países”, e cortando a garganta uns dos outros, na Hungria em 1956, e depois em Ussuri. Já luitaram com baionetas em Angola. Podem fazer isso amanhã no Ogadem e em outros lugares.
Além disso, não há solução alternativa para estas catástrofes do que uma verdadeira Internacional comunista democraticamente centralizada, que trate todos os partidos em pé de igualdade, que não reconheça o “messianismo nacional” de qualquer país, de qualquer proletariado nacional ou de qualquer partido, que se esforça constante, paciente e obstinadamente para limpar os interesses comuns de classe do emaranhado de interesses parciais e fragmentários e da consciência fragmentária que os reflete.
Querer construir uma organização mundial deste tipo é, sem dúvida, a tarefa mais difícil que a humanidade alguma vez empreendeu. Isto é demonstrado polo facto de Marx, Engels, Lenine, Trótski não terem conseguido levá-lo até ao fim durante a sua vida. Mas sabemos que a humanidade nunca se impõe tarefas que não possa realizar. E estamos convencidos de que nenhum dos problemas vitais que a humanidade enfrenta hoje – problemas de sobrevivência no sentido literal do termo! – será resolvido sem a criação desta Internacional comunista de massas e sem a disseminação da consciência proletária internacionalista entre as grandes massas do mundo, que devem sustentá-la.
1º de setembro de 1977
Nota de rodapé:
(1) E Jaurès, porém, não esquerdista nem revolucionário, proclamou em Basileia: «Não iremos à guerra contra os nossos irmãos! Não vamos atirar neles! Se, apesar de tudo, a conflagração rebentar, haverá então guerra numa outra frente, haverá a revolução." (retornar ao texto)
(2) Nas "Teses sobre as Tarefas da Social Democracia Internacional" escritas por Rosa Luxemburgo e adotadas na primeira conferência do grupo "Die Internationale" (mais tarde grupo "Spartakus") na primavera de 1915, lemos, em particular: " O centro de gravidade da organização de classe do proletariado reside na Internacional. A Internacional decide, em tempo de paz, sobre as tácticas das secções e dos nacionais em relação ao militarismo, à política colonial, à política comercial, às celebrações do Maio, e também decide sobre as táticas a serem adotadas em tempo de guerra. O dever de implementar as decisões da Internacional precede todos os outros deveres da organização. As seções nacionais que contrariam as suas decisões são elas próprias excluídas da Internacional. " E mais tarde: “A pátria dos proletários, cuja defesa vem antes de tudo, é a Internacional socialista”. (In: Rosa Luxemburgo: A crise da social-democracia, Editions La Taupe, Bruxelas, 1970, pp. 224, 225.) (retornar ao texto)
(3) Assim, Kautsky previu correctamente que a revolução russa de 1905 abriria um ciclo revolucionário nos países do Leste. (retornar ao texto)
(4) “O triunfo da revolução socialista é inconcebível dentro das fronteiras nacionais dum país. Uma das causas fundamentais da crise da sociedade burguesa é que as forças produtivas por ela criadas já não podem ser conciliadas com os limites do Estado nacional. aqui nascem as guerras imperialistas, por um lado, e a utopia burguesa dos Estados Unidos da Europa, por outro. A revolução socialista começa na arena nacional, desenvolve-se na arena internacional e atinge a sua conclusão e remate na arena mundial "Portanto, a revolução socialista torna-se permanente num sentido novo e mais amplo da palavra: no sentido de que só é consumada com a vitória definitiva da nova sociedade em todo o planeta." "O capitalismo, ao criar um mercado mundial, uma divisão mundial do trabalho e forças produtivas mundiais, prepara sozinho a economia mundial como um todo para a transformação socialista." (Leão Trótski: A revolução permanente, trad. Andreu Nin, Fontamara, Barcelona, 1976, p. 218.) (retornar ao texto)
(5) Até o início de 1924, ou seja, até a primeira edição de Lenin e Leninismo, o próprio Estaline escreveu: “Para derrubar a burguesia bastam os esforços dum único país, a história da nossa revolução demonstra isso. socialismo, para a organização da produção socialista, os esforços dum único país, especialmente dum país camponês como a Rússia, já não são suficientes: são necessários os esforços dos proletários de vários países avançados... Estes são, em termos gerais, os traços característicos da teoria leninista da revolução proletária." Nas edições posteriores de Questões do Leninismo, esta passagem foi modificada. (retornar ao texto)
(6) Ver, entre outros, Jean Elleinstein: Histoire du phénomène stalinien (História do fenómeno estalinista), Grasset, Paris, pp. 64-65. (retornar ao texto)
(7) A fórmula foi usada por Trótski em A Revolução Permanente (Embora o link da página em português esteja correto, recomendamos a leitura da página em espanhol para ter o texto completo). (retornar ao texto)
(8) A ascensão de Hitler ao poder e a inevitabilidade duma guerra entre a Alemanha nazi e a União Soviética desempenharam um papel decisivo a este respeito entre muitos quadros do PC na década de 1930. (retornar ao texto)
(9) Leão Trótski: A Internacional Comunista depois de Lenine. Edições V, México, 1972, trad. por Andreu Nin, pp. 178-180 (retornar ao texto)
(10) Os maoistas que traçam a política de coexistência pacífica desde Khrushchev agem com ignorância ou má-fé. Deveríamos recordar a famosa entrevista dada por Estaline ao jornalista americano Floward em 1934, na qual o “pai dos povos” tentou “tragicomicamente interpretar mal” a ideia de que a União Soviética estava a tentar servir a causa da revolução mundial? (retornar ao texto)
(11) Cf. “Sobre a nova democracia”: “A nova República democrática será diferente da antiga forma euro-americana de república, capitalista sob a ditadura burguesa... Será também diferente da república socialista do tipo soviético sob a ditadura do proletariado. Durante um determinado período histórico (!), esta forma não é aplicável às revoluções dos países coloniais e semicoloniais. Durante este período, as revoluções de todos (!) os países coloniais e semicoloniais adoptarão uma terceira forma de Estado, isto é, a república da nova democracia... uma forma transitória de Estado... sob a ditadura comum (!) de diferentes (!) classes anti-imperialistas." (Mao Tse-tung: On New Democracy, pp. 350-351 de "Selected Works of Mao Tse-tung", vol. II, Foreign Language Press, Pequim, 1965 .) (retornar ao texto)
(12) A. Rossi: Physiologie du PCF, Editions Self, París, 1948. A. Rossi: Les communistes français pendant la “dróle de guerre", Ed. Albatros París, 1951. (retornar ao texto)
(13) Trótski define o sétimo congresso do Comintern como um congresso de liquidação. (Artigo datado de 23 de agosto de 1935.) "Escritos de Leão Trótski" 1935-36, Pathfinder Press, Nova York, 1977, pp. 84 e fol.) Formalmente, a fórmula revelou-se exata a partir de 1943. E um oitavo congresso nunca foi realizado. Substancialmente, a fórmula provou-se correta após a Segunda Guerra Mundial, durante a crise progressiva do estalinismo. (retornar ao texto)
(14) Este termo é aqui utilizado não no sentido duma revolução com um significado de classe específico diferente duma revolução burguesa ou duma revolução proletária, mas no sentido descritivo duma revolução na qual as massas populares participam maioritariamente de forma activa. (retornar ao texto)
(15) Os maoístas não procederam muito melhor. Depois de terem arrastado os comunistas jugoslavos na lama durante uma década como os piores "revisionistas" ou mesmo "fascistas" "restauradores do capitalismo", suspenderam subitamente qualquer crítica pública à LCY a partir de Agosto de 1968. Nem os maoistas nunca explicaram como as relações de produção e a estrutura socioeconómica da Roménia diferem das da Bulgária ou da URSS. Agora, pola única razão de Ceausescu nunca ter atacado o PC Chinês, continuam a tratar a Roménia como "socialista", enquanto a URSS é "social-imperialista" e na Bulgária, ao que parece, o capitalismo foi restaurado... (retornar ao texto)
(16) Para o confronto armado sino-soviético consulte: Conflito fronteiriço sino-soviético. Esta nota não está no original em espanhol. (retornar ao texto)
(17) Ver, sobre este famoso "Testamento de Yalta" de Togliatti, bem como sobre os seus antecedentes: Giorgio Napolitano: La politique du Partí Comunista italien, Editions Sociales, Paris, 1976. (retornar ao texto)
(18) Alguém pensará que estamos exagerando? Leia o artigo de José Sanromá Aldea, secretário-geral da ORT espanhola, publicado no jornal "El País" em 6 de agosto de 1977 sob o eloquente título de "Eurocomunismo, uma forma de anticomunismo moderno". (retornar ao texto)
(19) Veja-se o interessante debate entre o PC italiano e os “intelectuais de esquerda”, no qual o primeiro proclama orgulhosamente que a sua tarefa é salvar e defender “o Estado democrático”. ("Le Monde Diplomatique" de agosto de 1977 relata este debate.) (retornar ao texto)
(20) L. Trótski: A Internacional Comunista depois de Lenine. Ed. cit., pp. 177-178. (retornar ao texto)
(21) Cf. a aceitação polo PC italiano das medidas destinadas a "reforçar a ordem pública" propostas polo governo Andreotti durante o verão de 1977. (retornar ao texto)
(22) Ver capítulo VIII deste livro: “A estratégia do Eurocomunismo” (se os deuses nos derem saúde e força traduziremos o resto do livro, dado o seu indubitável interesse teórico). (retornar ao texto)
(23) Existem, é claro, luitas reacionárias dos trabalhadores, tais como greves contra o emprego de trabalhadores de outra raça ou de outra nacionalidade. Mas um único momento de reflexão indica que estes são conflitos entre alguns trabalhadores e outros, e não conflitos entre trabalhadores e capitalistas. (retornar ao texto)
(24) Um exemplo recente e particularmente chocante. O PC japonês tomou posição a favor do regresso das Ilhas Curilas ao Japão, após a sua anexação à URSS em 1945. O PC soviético acusa-o de chauvinismo, e com razão. Mas o que dizer da posição chauvinista de Estaline, identificando-se cinicamente com o czarismo imperialista, quando escreve, no final da Segunda Guerra Mundial: “A derrota das tropas russas em 1904 deixou amargas recordações no espírito do povo (!). Foi como uma mancha negra em nosso país (!). Nosso povo acreditou e esperou que chegaria o dia em que o Japão seria esmagado e essa mancha apagada. Nós (!), a velha geração, esperamos por este dia. durante quarenta anos”. (retornar ao texto)
(25) Um exemplo recente e particularmente chocante. O PC japonês tomou posição a favor do regresso das Ilhas Curilas ao Japão, após a sua anexação à URSS em 1945. O PC soviético acusa-o de chauvinismo, e com razão. Mas o que dizer da posição chauvinista de Estaline, identificando-se cinicamente com o czarismo imperialista, quando escreve, no final da Segunda Guerra Mundial: “A derrota das tropas russas em 1904 deixou amargas recordações no espírito do povo (!). Foi como uma mancha negra em nosso país (!). Nosso povo acreditou e esperou que chegaria o dia em que o Japão seria esmagado e essa mancha apagada. Nós (!), a velha geração, esperamos por este dia. durante quarenta anos”. (retornar ao texto)