Introdução à Política I

Fernando Luso Soares


VI — Domínios da Organização Social: Estrutura (ou Base) e Superestrutura


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A propósito da «organização social», vimos que o programa da disciplina de «Introdução à Política» estabelece um paralelo que importa criticar.

A ideia com que uma pessoa ficava era a de que o «económico», o «social», o «jurídico» e o «político» seriam sectores objectivos de factos diferenciados a que correspondem diferentes ciências que os têm por objecto. Os factos ou factores económicos seriam objecto da ciência chamada «Economia», os factos sociais objecto da «Sociologia», os factos jurídicos objecto do «Direito» e, finalmente, os factos políticos objecto da «Ciência Política». Contudo — como enunciei no final do capítulo anterior e agora acentuo melhor — este confronto de correspondências parece-me simplista, até mesmo errado.

Passo a explicar porquê.

Segundo o dizer corrente, os economistas e a Economia estudariam as «forças produtivas», a produção, ou — como geralmente se diz — o «factor económico». A Sociologia, essa, estudaria as relações sociais. Porém, não é menos verdade que o factor económico (as forças produtivas) só parcialmente pertencem à Economia. As ciências da natureza (a física e a química) e outras semelhantes (a geologia, a geografia, a tecnologia) têm também por objecto o factor económico, as forças produtivas. Por seu turno, a ciência da sociedade (a Sociologia) haverá de ter igualmente em consideração o desenvolvimento das forças produtivas, precisamente na medida em que estas condicionam as relações entre os homens e as definem como relações de produção. É errado, portanto, sustentar simplistamente que o «económico» é objecto da Economia e o «social» objecto da Sociologia. O programa oficial insinua-nos, pois, uma ideia inexacta. Aqui a contestamos.

Mas outro equívoco se deve apontar no confronto que o mesmo programa estabelece nos quadros da organização social, alinhando de um lado o «económico», o «social», o «jurídico» e o «político», e do outro (em correspondência) a Economia, a Sociologia, o Direito e a Ciência Política. Passo assim a demonstrar que o «jurídico» e o «político» não podem (correctamente) ser emparelhados como objectos em si autónomos, à semelhança do que acontece com o «económico» e o «social». Para isso, teremos de ver mais rigorosamente o que constitui a organização social — ou mais profundamente o que representa, como organização, toda e qualquer formação económico-social.

A «formação económico-social» de um dado momento histórico define-se, em concreto, pelos seus dois elementos complementares:

  1. pela estrutura económica da base (a base económica da sociedade);
  2. pela superestrutura correspondente àquela base.

Falando em estrutura e em superestrutura, não iremos porém adiante sem procurar saber o que significam tais palavras. Mas uma coisa podemos desde já verificar: — se a «superestrutura» é obviamente uma estrutura superior, a simples «estrutura» situa-se como estrutura inferior, básica ou de base.

Porém, o que significa «estrutura»?

Não nos vamos embrenhar, é evidente, no conceito aprofundado do que ela seja — aliás, um tema de há anos a esta parte na ordem do dia a propósito do «estruturalismo», designadamente das relações deste com o «marxismo». Contentemo-nos, neste momento, com uma ideia que nem sequer peca por demasiada imprecisão: —«estrutura» é conexão e relação recíprocas, estáveis, entre as partes ou elementos de um todo ou sistema.

Sabemos já que a «organização social» representa um conjunto de elementos pessoais, materiais e relacionais, e não é difícil entender que alguns desses elementos se situam na base e outros na cúpula de referida organização. Por isso, distinguiremos a estrutura de base ou simplesmente a estrutura (que também se designa por base) da estrutura de cúpula ou superestrutura.

A base da sociedade é constituída pelas forças produtivas (meios e instrumentos de produção) e pelas relações de produção estabelecidas entre os homens. É a base económica — o «económico» a que alude o programa da «Introdução à Política».

No século passado foi inventada a máquina a vapor, uma nova força produtiva, novo instrumento de produção — e este facto reflectiu-se logo no estabelecimento entre os homens, de um novo tipo de relações de produção, as próprias da fase do industrialismo. Muitos séculos antes a invenção da roda (instrumento de produção) criara novas formas de relações entre os homens. Tal como, milénios antes, a descoberta do fogo havia alterado radicalmente o processo da convivência humana. Gama de exemplos, esta, que chega suficientemente para se afirmar que as relações sociais da produção correspondem sempre a uma fase determinada do desenvolvimento das forças produtivas.

Evidente é, do mesmo passo, que as relações de produção (estabelecidas em cada momento entre os homens) nos mostram em que mãos se encontram (nesse momento) os meios ou instrumentos de produção — quem é, enfim, o possuidor das forças produtivas. Em consequência, como as relações de produção constituem a base económica da organização social, tal base caracteriza-se conforme quem possui as referidas forças. E portanto, se pensarmos na antinomia «capitalismo-socialismo», veremos então esta diferença fundamental: — a base da sociedade capitalista caracteriza-se pela propriedade individual dos meios de produção e pela exploração do homem pelo homem (a exploração do trabalho assalariado); — opostamente, a base da sociedade socialista define-se pela propriedade colectiva dos meios de produção e a ausência de exploração do homem pelo homem. Eis onde reside a diferenciação estrutural básica do capitalismo e do socialismo.

Estamos agora em situação para analisarmos como é, e como se forma, a estrutura de cúpula, aquela que se costuma designar por superestrutura.

O desenvolvimento das forças produtivas e o estabelecimento de relações de produção tipicamente correspondentes, eis um conjunto que engendra na consciência dos homens uma série de formas políticas, ideológicas, morais, jurídicas, etc. Pois a superestrutura é precisamente o conjunto dessas formas — as quais, portanto, constituem formas de consciência. E cumpre-nos recordar a questão posta no 4.° capítulo deste livro: — aí verificamos que foi e é a existência social do homem (as suas relações com os instrumentos de produção e as suas relações de produção com os outros homens) que engendrou, desenvolve e continuará a desenvolver-lhe a consciência. As formas ideológicas, as formas políticas (entre elas o Estado), as formas morais, as formas jurídicas, as formas estéticas, literárias e artísticas, todas elas são formas de consciência e constituem a superestrutura. A superestrutura de um dado tempo abrange todas as formas de consciência dos homens desse mesmo tempo.

Podemos, neste momento, detectar claramente o vício da selecção (para confronto) dos elementos da organização social feita pelo programa de «Introdução à Política». Na verdade, se o «económico» e o «social» são elementos da base económica de uma dada formação económico-social o «jurídico» e o «político» representam formas de consciência que se situam, portanto, a nível super-estrutural. Estes quatro elementos, perfeitamente emparelháveis dois a dois, não têm no conjunto (dos quatro) emparelhamento possível.

A teoria da base e da superestrutura revela-nos o nexo existente entre as relações económicas de uma sociedade e todas as outras relações estabelecidas na mesma sociedade. As relações sócio-económicas de produção, como dissemos já, constituem a base — e à base está «ligada» à superestrutura por vínculos ao mesmo tempo definidores e revolucionantes. Dada a importância do problema, parece melhor examinarmos com mais profundidade esta conexão activa, esta ligação dinâmica.

Formam parte da superestrutura as ideias, as concepções, as organizações, as instituições sociais. Consequentemcnte, no núcleo daquela entram as concepções políticas, jurídicas, morais, estéticas, religiosas e filosóficas, também denominadas, como já vimos, formas de consciência. E resulta evidente, em virtude da conexão há pouco referida, que todas as formas de consciência social reflectem, de um ou de outro modo, as relações económicas, a estrutura económica da sociedade.

Acontece, porém, que esta conexão existente entre a base e a superestrutura não é paralítica. Por outro modo de dizer, não é estática. Já atrás a dissemos dinamica, não obstante todas as formas superestruturais terem em si próprias a tendência para permanecer. Mas é melhor explicar.

Os fenómenos da superestrutura — uma orgânica estadual, política ou social que se estabelece, um código de leis que se publica, uma doutrina religiosa que se proclama e prega, uma filosofia que se sustenta, uma teoria científica que se define, uma posição estética que se afirma — todos estes fenómenos, uma vez declarados ou instituídos, têm tendência para não desaparecer, para se conservar. Várias causas humanas explicam esse fenómeno que contraria o natural progressismo humano, designadamente a partir do instinto de conservação, do comodismo, do conformismo com o que está feito. É indubitável que os fenómenos da superestrutura, ainda que ditados por uma base económica em constante desenvolvimento, tendem para não variar. Os códigos, as correntes filosóficas, as ideias religiosas tendem a conservar-se. Mas quando a base (complexo das relações de produção) se transformou bastante, então as formas superestruturais mostram-se de todo insuportáveis. Elas são agora formas velhas, caducadas ainda que, só como fantasmas imperantes, continuem a sobreviver. Repare-se nesta verdade: — o que de insuportável seria, por exemplo, após a época do industrialismo manter-se, persistindo em se conservar, a legislação medieval do artesanato.

Assentemos, pois, em que cada «formação económico-social» tem uma base determinada e a sua correspondente superestrutura, diferenciando-se historicamente, por exemplo, as bases e as superestruturas das sociedades esclavagista, feudal, capitalista e socialista. Mudam, na base, as relações de produção, e as formas superestruturais de consciência terão de mudar também, ainda que resistam e se mantenham como sobrevivências durante certo tempo de desacerto. As mudanças da base produzem, enfim, mudanças da consciência do homem. Por exemplo: — a industrialização do século passado está economicamente na base da consciencialização do proletariado.

Quando, em suma, a base económica se modifica, a superestrutura — que depende estritamente daquela — modifica-se também por sua vez. A História da sociedade oferece numerosos exemplos dessa correlação, já o mostrámos, permitindo compreender por que motivo as ideias políticas, estéticas, morais e outras, diferem segundo as épocas históricas. Por estar vinculada a uma determinada base, a superestrutura desaparecerá com a transformação dessa base.

Mas apesar de engendrada pela base económica, a superestrutura está longe de ser passiva como mero reflexo da dinâmica daquela. É que a base não constitui, de forma alguma, a única força activa do desenvolvimento social. É preciso, assim, ter-se igualmente em conta o considerável papel dinamizádor das formas superestruturais (como o Estado, as instituições sociais, a família, o direito, as ideias políticas, filosóficas, estéticas, literárias, artísticas, etc., etc.), que todas elas influem na transformação da base. Está na ordem do dia político português, como todos sabemos, a «dinamização cultural» promovida pelo Movimento das Forças Armadas — e isso não representa outra coisa senão reconhecermos, do ponto de vista prático, que a cultura (forma superestrutural) pode actuar, e actua com certeza, nas transformações de base.

Verifica-se deste modo uma relação de subversão recíproca entre a estrutura de base e a estrutura de cúpula. Ou por outras expressões equivalentes no vocabulário da filosofia, da ciência e da prática política: — entre a base e a superestrutura.

«A situação económica é a base — escreveria Engels numa carta a Bloch, datada de 21/9/1890 —, mas os diversos elementos da superestrutura, as formas políticas da luta de classes e os seus resultados, as constituições estabelecidas uma vez ganha a batalha, as formas jurídicas, e mesmo o reflexo de todas essas lutas reais no cérebro dos participantes (tais como teorias políticas, jurídicas, filosóficas, conceitos religiosos e seu desenvolvimento posterior em sistemas dogmáticos), igualmente exercem acção nas lutas históricas e em muitos casos determinam-lhes, de modo preponderante, a forma...»

Posto isto, fica compreensivelmente assente o seguinte:

  1. que o factor económico (as forças produtivas) e o factor social (as relações de produção), referidos no programa oficial da «Introdução à Política», são elementos de base da organização social; e
  2. que o factor jurídico e o factor político, postos no referido programa ao lado daqueles dois anteriores, não. pertencem ao mesmo nível básico porque são formas de consciência, elementos de nível superestrutural.

Portanto, e em conclusão, os vários domínios da organização social distribuem-se correctamente por estes dois planos:

  1. no plano estrutural (na base económica) estão o económico e o social;
  2. no plano superestrutural (como formas de consciência) situam-se a filosofia, a organização jurídica e política do Estado, o direito, a moral, a estética, as artes, a literatura e as ciências.

Captada tal diferenciação fundamentalíssima de situações, procuraremos agora verificar os termos em que se devem definir as várias ciências a que se refere o programa oficial: — a Economia, a Sociologia, o Direito e a Política (ou Ciência Política).

Começaremos pela Economia e pela Política, mas conjuntamente mercê da sua indeclinável ligação. «A política é a expressão concentrada da economia» — no dizer de Lenine, como já antes tivemos ocasião de reconhecer.

A Política (diga-se uma ciência ou uma arte) traduz importantíssima parte da superestrutura, um reflexo do regime económico existente em dada sociedade. Na política, efectivamente encontram expressão concentrada os interesses desta ou daquela classe. Mas acresce que, como reflexo da economia, por seu turno a política exerce notável influência sobre a mesma economia. Trata-se aqui de um dos múltiplos e possíveis aspectos daquela reciprocidade de subversões a que aludíamos há pouco.

Em virtude desta condição dialéctica, quando se executa com acerto uma determinada política, o centro de gravidade assenta necessariamente na organização da economia. É isso o que acontece na política do socialismo e daí ter Lenine escrito no seu artigo sobre «As tarefas imediatas do poder soviético»: «A tarefa de dirigir o Estado, situada agora em primeiro plano face ao Estado soviético, oferece além do mais a particularidade de que hoje e, sem dúvida, pela primeira vez na história dos povos civilizados — se trata de uma orientação em que não é a política que adquire significado predominante, antes sim a economia». Efectivamente, na sociedade socialista o desenvolvimento da base (das forças produtivas) não ocorre de maneira espontânea, como sob o capitalismo, mas de forma planificada e conforme a utilização consciente das leis económicas. E é daqui que resulta evidente a natureza superestrutural da política:—o «político» constitui a consciência mais elevada do «económico». Logo, portanto, como regra geral podemos ver que:

  1. no socialismo a economia predomina sobre o político;
  2. e no capitalismo ou no imperialismo (fase última do próprio capitalismo) a política predomina em regra sobre o económico.

Não se pode, porém, entender isto em termos rígidos, não dialécticos. Por isso, analisando o pensamento de Lenine («O Pensamento de Lenine», tradução portuguesa, Morais, 1969, págs. 232) Henri Lefebvre coloca a questão segundo estes termos:

— «Nos períodos relativamente calmos, o económico domina o social e o político: determina-os. Mas quando vem o período (longo ou breve) de crise, é o contrário que sucede (cfr. Lenine, «Oeuvres Choisies», I, págs. 643, II págs. 77). O político, determinado pela crise como abalo e crise da base, determina por sua vez o económico. E, nesse momento, passa a ser essencial à formação económico-social, em cuja história se integra, quer a crise se resolva revolucionariamente, quer se faça marcha atrás (aparentemente, e mais ou menos, porque nunca se volta atrás por completo)».

A política, como superestrutura, como forma de consciência, é portanto uma busca de solução para os fenómenos da base económica. Isto explica todo um método próprio, adequado, e também a razão por força da qual dizíamos no 1.° capítulo deste livro que a actividade política é uma arte cientificada. Não nos pareceu, e agora persistimos na ideia, que esta seja uma expressão descolorida ou confusa. Ela traduz bem a realidade.

A política, então, representa uma forma de consciência. Por sua parte, método é a maneira de reproduzirmos no pensamento o objecto em que pensamos. Mas no fundamento de todos os métodos de conhecimento encontram-se sempre, necessariamente, as leis objectivas da realidade. O que porém acontece é que, enquanto o método da política burguesa traduz um constante oportunismo alheado daquelas leis objectivas, o método da política socialista constitui, ao contrário, a maneira de reproduzirmos no pensamento os dados da base económica da sociedade, tirando daí os indicativos práticos para a condução dos assuntos do Estado. Isto quer dizer que, enquanto a política burguesa é uma arte caótica e cega para as leis objectivas da realidade, a política socialista vale antes uma conduta tanto mais científica quanto melhor apreende e toma em consideração aquelas mesmas leis.

Com o reparo desta diferença, demos por findo o nosso apontamento sobre a natureza da Economia e da Política. Passamos agora a outro ramo científico — o da Sociologia, que é a ciência da sociedade e das leis do seu desenvolvimento.

Antes de mais, porém, estando nós a tratar, separativamente, os domínios (fácticos e conscienciais) da «organização social», parece-me conveniente advertir o leitor, a propósito da sociologia, contra uma ideia que muito frequentemente se costuma infiltrar neste terreno com foros de coisa científica. Refiro-me à chamada estratificação social.

Trata-se, com efeito, de uma teoria sociológica burguesa muito em voga — a teoria da estratificação social. Conforme os seus termos a sociedade encontra-se dividida em estratos sociais, invocando-se, -se como base de diferenciação, diversos índices caracterizadores de cada estrato: — índices económicos, políticos, biológicos, raciais, religiosos e outros. Uma pessoa pertencerá, então, a um ou outro estrato conforme o volume dos seus ganhos, a ocupação profissional, o tipo de habitação que ocupa, a região ou distrito em que vive, etc. etc. Mas é fácil de ver, por tudo isto, que a teoria da estratificação social é, evidentemente, anticientífica. Ela falseia a estrutura de classe da sociedade burguesa actual e mascara a exploração da classe capitalista. A sua tendência aponta para eliminar a ideia de luta de classes na exacta medida em que, apesar da multiplicidade dos seus critérios de definição estratual, nem sequer considera a relação das pessoas com os meios de produção. Na realidade, só esta relação conduz a diferençar os dois únicos estratos (classistas) socialmente existentes: – a classe daqueles que são titulares dos meios de produção (os capitalistas) e a classe daqueles outros que, não tendo meios de produção próprios, vêm-se na necessidade de vender a sua força de trabalho, condição trágica para conseguirem sobreviver.

A sociologia autenticamente científica — o materialismo histórico — foi criada por Marx e Engels.

As suas investigações destacaram a base material determinante da sociedade (as relações de produção), descobriram as leis objectivas da História e da sociedade, apresentaram o desenvolvimento desta como um processo histórico-natural de sucessão de formações económico-sociais e apontaram cientificamente a inevitável substituição do capitalismo pelo socialismo.

Mas a sociologia burguesa da segunda metade do século XIX, e dos princípios do século XX, tem lutado desesperadamente contra o materialismo histórico. Eis então uma chuva opaca de argumentos psicológicos, racistas, tecnocráticos, biológicos, geográficos. Desfila a invocação de toda uma galeria de vários argumentos para se «demonstrar» (?!) que o capitalismo é um estádio social perpétuo e imutável, aliás tão perpétuo e tão imutável como o colonialismo, o qual, nas suas parasitárias e vampíricas relações de produção, constitui a base do imperialismo moderno.

Mas os pensadores burgueses criaram ainda muitas outras teorias sociológicas (idealistas todas, naturalmente) que nada têm a ver com uma verdadeira ciência do social. De modo genérico, as teorias sociológicas posteriores a Marx e a Engels viram a causa principal da actividade dos homens em motivos ideológicos, ou aceitaram a chamada orientação geográfica (variedade da sociologia burguesa segundo a qual o meio geográfico seria o factor determinante da formação e da evolução social), ou proclamaram ainda outra ideia não menos metafísica, anti-histórica e idealista: — a da «escola-funcional» norte-americana (Merton, Parsons, Sorokin) que concebeu a sociedade como um sistema social unificado, onde cada um dos respectivos elementos cumpre uma função e só aquela.

A verdade é que, aliás explicavelmente, a luta da sociologia burguesa hipertrofiou-se após o conflito de 39-45. Assim, uma outra teoria sociológica burguesa muito em voga, particularmente querida dos norte-americanos depois da Segunda Guerra Mundial, é a da geopolítica. Ao fim e ao cabo, como se demonstrará na análise do imperialismo actual, a geopolítica pretende somente também justificar, com referência a dados de geografia económica e política, diversas formas de expansão imperialista. Finalmente, temos ainda a chamada sociologia empírica, que representa uma outra corrente da moderna sociologia norte-americana. Fugindo ao reconhecimento das leis objectivas da realidade social descobertas por Marx e Engels, entrega-se esta a um casuísmo extremo. Mas, o estudo dos fenómenos singulares, concretos, a que a sociologia empírica se dedica só poderá desempenhar um papel positivo se acaso estiver integrado numa teoria científica que explique a sociedade como um todo. Mas isso, repetimos, unicamente se pode verificar com a sociologia científica do materialismo histórico.

Mudamos, entretanto, de campo — da Sociologia para o Direito, que este é também outra forma superestrutural da organização da sociedade. Mas o Direito, repito, não constitui a ciência do (facto) «jurídico» como facto diferenciado do «económico» e do «social». As relações de produção só são relações jurídicas enquanto vistas pelo direito. O facto jurídico é somente uma conceitualização normativa, superestrutural, do facto económico-social. Ou por outras palavras: — o direito (as leis, as instituições estaduais e as relações jurídicas) não são mais do que o reflexo das condições económicas da sociedade. O «jurídico» não é pois um elemento da base a que corresponde a forma superestrutural do direito. O «jurídico» é já, em si mesmo considerado, um sector da superestrutura. Donde, o ser preciso não confundir as leis estaduais (legislação, direito) com as leis económicas objectivas. Ao contrário das leis científicas da natureza e da sociedade, que existem independentemente da vontade dos homens, as promulgadas pelo Estado traduzem ou reflectem os interesses económicos de determinadas classes e são destinadas a defender essas mesmas classes.

O Estado é, como aliás já ficou dito, uma organização jurídica, superestrutura normativa. Ele representa, obviamente, a parte predominante da superestrutura. Impõe-se a todas as outras formas precisamente porque constitui a organização jurídica e política da classe dominante e tem por fim manter a ordem e a sujeição da classe dominada. E da mesma maneira que assinalámos para a generalidade das formas superestruturais a sua tendência para, uma vez criadas, permanecerem, também o Estado tende a conservar c a fortalecer o sistema económico que o criou. Daí este resultado: — porque numa sociedade dividida em classes a superestrutura assume carácter de classe, nós vemos que a organização da sociedade burguesa (como Estado capitalista) mobiliza esta sua forma específica na luta contra a revolução proletária, procurando impedir o progresso social.

Parece-me que ao final, e antes de entrarmos a autopsiar esta forma superestrutural designada por Estado, não é ilegítima nem injustificada a seguinte conclusão: — procurar-se averiguar se a política é uma ciência, se uma arte, isso constituirá uma questão talvez bizantina. A política, a ciência e a arte são, todas elas três, formas de consciência humana, formas superestruturais relacionadas com uma determinada base económica. Interpenetram-se, portanto. As diversas formas por que se estrutura a nossa consciência de homens não sào de modo nenhum divisões independentes. Não constituem compartimentos estanques. Além de que — como nos advertiu Marx na segunda das suas «Teses sobre Feuerbach»

— «a questão de saber se o pensamento humano pode atingir uma verdade objectiva não é uma questão teórica, mas uma questão prática. É na praxis (na actividade prática) que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade, a precisão, o poder do seu pensamento. A controvérsia sobre a realidade ou não realidade do pensamento, isolada da praxis, é uma questão puramente escolástica».

continua>>>


Inclusão 15/12/2014