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Primeira edição: O texto integral foi publicado, pela primeira vez, em 1922, no livro: III Congresso Mundial da Internacional Comunista. Atas Taquigráficas, Petrogrado. V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 32, págs. 454/472
Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 586-601
Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz
HTML: Fernando Araújo.
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Camaradas:
Para dizer a verdade, não foi possível preparar-me como é devido para este informe. Tudo o que pude preparar de modo sistemático é a tradução de meu folheto sobre o imposto em espécie e as teses relativas à tática do Partido Comunista da Rússia. A este material desejo somente acrescentar alguns esclarecimentos e observações.
Para expor os fundamentos da tática de nosso Partido é preciso, a meu ver, começar por esclarecer a situação internacional. Analisamos já pormenorizadamente a situação econômica do capitalismo em escala internacional, e o Congresso adotou quanto à questão as resoluções pertinentes. Nas minhas teses trato desta questão de maneira sumária e exclusivamente do ponto-de-vista político. Não toco nos fundamentos econômicos, mas creio que, no exame da situação internacional de nossa república do ponto-de-vista político, deve tomar-se em consideração o fato de que agora, sem dúvida, estabeleceu-se um certo equilíbrio das forças que vinham travando entre si uma luta aberta, com armas na mão, pelo domínio de uma ou outra classe dirigente: um equilíbrio entre a sociedade burguesa, a burguesia internacional em seu conjunto, de um lado, e a Rússia soviética- de outro. Mas é claro que só em sentido restrito se pode falar em equilíbrio. Apenas em relação a esta luta militar é que afirmo que sobreveio um certo equilíbrio na situação internacional. Logicamente, é preciso frisar que não se trata senão de um equilíbrio relativo, de um equilíbrio muito instável. Nos Estados capitalistas acumulou-se muito material inflamável, bem como nos países que até hoje eram considerados como objetos e não como sujeitos da história, isto é, nas colônias e semicolônias; é perfeitamente possível, pois, que, cedo ou tarde, surjam nestes países, abruptamente, insurreições, grandes combates e revoluções. Nos últimos anos assistimos a uma luta aberta da burguesia internacional contra a primeira república proletária. Toda a situação política mundial tem girado em torno desta luta, e justamente aqui se produziu agora uma mudança. Como não foi atingido o objetivo da burguesia internacional de asfixiar nossa república, surgiu o equilíbrio, muito instável, é claro.
Naturalmente, compreendemos bem que a burguesia internacional é, atualmente, muito mais forte do que nossa república e que só um conjunto particular de circunstâncias a impede de prosseguir a guerra contra nós. Nas últimas semanas pudemos já observar no Extremo Oriente novas tentativas de repetir a invasão e, sem dúvida, tentativas desse gênero hão de repetir-se. Não abrigamos, em nosso Partido, dúvidas a esse respeito. Para nós é importante deixar claro que existe um equilíbrio instável e que devemos aproveitar esta trégua, levando em consideração os traços característicos da situação presente, ajustando nossa prática às peculiaridades desta situação e não esquecendo um instante sequer que pode voltar subitamente a necessidade de uma luta armada. A organização do Exército Vermelho e seu fortalecimento contínua sendo uma de nossas tarefas. Do mesmo modo, no que se refere ao problema do abastecimento devemos continuar pensando, em primeiro lugar, em nosso Exército Vermelho. Na presente situação internacional, quando ainda devemos esperar novas agressões e novas tentativas de invasão da burguesia mundial, não podemos seguir outro caminho. Quanto à nossa política prática, o fato de que na situação internacional sobreveio um certo equilíbrio reveste alguma significação, mas só no sentido de que devemos reconhecer que, a rigor, o movimento revolucionário fez progressos, mas o desenvolvimento da revolução internacional não seguiu este ano uma trajetória tão retilínea como esperávamos.
Quando iniciamos a revolução internacional não o fizemos persuadidos de que podíamos adiantar-nos a seu desenvolvimento, mas porque toda uma série de circunstâncias nos levou a começá-la. Nós pensávamos: ou a revolução internacional acode em nossa ajuda, e então nossa vitória estará plenamente garantida, ou levaremos a cabo nosso modesto trabalho revolucionário com a convicção de que, em caso de derrota, e apesar de tudo, serviremos à causa da revolução e nossa experiência será útil para outras revoluções. Estava claro para nós que a vitória da revolução proletária era impossível sem o apoio da revolução mundial. Já antes da revolução, e depois dela, pensávamos: ou escala a revolução imediatamente — ou, pelo menos, muito breve — nos outros países, mais desenvolvidos no sentido capitalista, ou, caso contrário, sucumbiremos. Apesar desta convicção, fizemos todo o possível para manter em todas as circunstâncias e a todo transe o sistema soviético, porque sabíamos que não só trabalhávamos para nós mesmos, mas também para a revolução internacional. Sabíamos isto, havíamos reiteradas vezes expressado esta convicção antes da Revolução de Outubro, bem como imediatamente depois dela e quando assinamos a paz de Brest-Litovsk. É, em termos gerais, isto era justo.
Mas, na realidade, o movimento não seguiu um caminho tão reto quanto esperávamos. A revolução não estalou ainda em outros países, mais desenvolvidos no sentido capitalista. É bem verdade que a revolução se desenvolve — podemos constatá-lo com satisfação — em todo o mundo, e só por essa circunstância a burguesia internacional, embora no sentido econômico e militar seja cem vezes mais forte do que nós, não está em condições de nos derrubar. (Aplausos).
No § 2 das teses examino como se criou esta situação e que conclusões dela devemos tirar. Acrescentarei que a conclusão definitiva a que chego é a seguinte: o desenvolvimento da revolução internacional previsto por nós segue seu curso. Mas este movimento ascensional não é tão retilíneo quanto esperávamos. À primeira vista é claro que não se conseguiu desencadear a revolução em outros países capitalistas uma vez assinada a paz, por pior que esta tenha sido, embora, como sabemos, os sintomas revolucionários tenham sido muito consideráveis e numerosos, inclusive muito mais consideráveis e numerosos do que pensávamos. Agora começam a aparecer folhetos que nos fazem ver que nos últimos anos e meses estes sintomas revolucionários foram na Europa bem mais importantes do que suspeitávamos. Pois bem, o que devemos fazer atualmente? Agora é indispensável preparar a fundo a revolução e estudar profundamente seu desenvolvimento concreto nos países capitalistas mais adiantados. Este é o primeiro ensinamento que devemos extrair da situação internacional. Para nossa República da Rússia devemos aproveitar esta breve trégua a fim de adaptar nossa tática a este zigue-zague da história. Do ponto-de-vista político, este equilíbrio é muito importante, porque vemos com clareza que justamente em muitos países do oeste da Europa, onde estão organizadas as grandes massas da classe operária, e com toda a probabilidade a imensa maioria da população, o principal ponto de apoio da burguesia é constituído nada menos que pelas organizações da classe operária hostis a nós e que aderiram à II Internacional e à Internacional II e meio. Faço referência a isto no § 2 das teses e creio que aqui devo tocar somente em dois pontos que já foram esclarecidos em nossas discussões sobre a tática. Primeiro: a conquista da maioria do proletariado. Quanto mais organizado esteja o proletariado em um país capitalista, tanto mais exigirá a história de nós, no que se refere à preparação da revolução, e tanto mais a fundo devemos conquistar a maioria da classe operária. Segundo: o apoio principal do capitalismo nos países capitalistas de alto desenvolvimento industrial é constituído exatamente pela parte da classe operária organizada na II Internacional e na Internacional II e meio. Se a burguesia internacional não se apoiasse nestes setores operários, nestes elementos contrarrevolucionários do seio da classe operária, não poderia sustentar-se de modo algum.
Gostaria também de acentuar aqui o significado do movimento nas colônias. Neste sentido vemos em todos os velhos partidos, em todos os partidos operários burgueses e pequeno-burgueses da II Internacional e da Internacional II e meio, vestígios das antigas concepções sentimentais: segundo eles dizem, todas as suas simpatias estão do lado dos povos coloniais e semicoloniais oprimidos. Ainda se considera o movimento nos países coloniais como um movimento nacional insignificante e absolutamente pacífico. Mas não é isto que acontece. Desde o início do século XX produziram-se neste sentido grandes mudanças, quais sejam: milhões e centenas de milhões de pessoas — de fato, a imensa maioria da população do mundo — intervém hoje como fatores revolucionários ativos e independentes. É é mais do que evidente que, nas futuras batalhas decisivas da revolução mundial, o movimento da maioria da população do globo terrestre, se bem que encaminhado de início no sentido da libertação nacional, se voltará contra o capitalismo e o imperialismo e desempenhará talvez um papel revolucionário muito mais importante do que esperamos. Importa assinalar que, pela primeira vez em nossa Internacional, empreendemos a preparação desta luta. Naturalmente, neste imenso setor há muitos outros obstáculos, mas, em todo caso, o movimento avança, e as massas trabalhadoras, os camponeses das colônias, apesar de ainda serem atrasados, desempenharão um papel revolucionário muito grande nas fases sucessivas da revolução mundial. (Vivasdemonstrações de aprovação).
Quanto à situação política interna de nossa república, devo começar por um exame rigoroso das relações de classe. Nos últimos meses surgiram mudanças, pois que observamos a formação de novas organizações da classe exploradora dirigidas contra nós. A missão do socialismo consiste em suprimir as classes. Nas primeiras fileiras da classe dos exploradores figuram os grandes latifundiários o os capitalistas industriais. No que se refere a eles, o trabalho de destruição é bastante fácil, e pode ser levado a termo em alguns meses e às vezes até em algumas semanas ou dias. Na Rússia expropriamos nossos exploradores, os grandes latifundiários e capitalistas. Durante a guerra, estes não possuíam sua própria organização e só atuavam como lacaios das forças armadas da burguesia internacional. Agora, depois que repelimos a ofensiva da contrarrevolução internacional, constituiu-se no estrangeiro a organização da burguesia russa e de todos os partidos contrarrevolucionários russos. Pode calcular-se em um milhão e meio ou dois milhões o número de emigrados russos disseminados por todos os países estrangeiros. Em quase todos os países publicam diários, e todos os partidos, os dos latifundiários e os pequeno-burgueses, sem excluir os socialistas revolucionários, nem os mencheviques, dispõem de numerosos vínculos com os elementos burgueses estrangeiros, isto é, recebem dinheiro suficiente para ter imprensa própria; podemos observar no estrangeiro o trabalho mancomunado de todos os nossos antigos partidos políticos, sem exceção, e vemos como a imprensa russa «livre», do estrangeiro, a começar pela dos socialistas revolucionários e mencheviques e terminando pela dos monarquistas ultrarreacionários, defende a grande propriedade agrária. Isto alivia até certo ponto nossa tarefa, porque podemos vigiar melhor as forças do inimigo, comprovar seu grau de organização e as correntes políticas existentes em seu campo. Por outro lado, isto, como é natural, entrava nosso trabalho, porque os emigrados contrarrevolucionários russos recorrem a todos os meios para preparar a luta contra nós. Esta luta demonstra uma vez mais que, em geral, o instinto de classe e a consciência de classe das classes dominantes são ainda superiores à consciência das classes oprimidas, apesar de que neste sentido a revolução russa fez mais do que todas as revoluções anteriores. Na Rússia não existe uma só aldeia em que a população, a massa dos oprimidos não tenha sido abalada. Apesar disto, se calculamos friamente o grau de organização e a clareza política dos pontos-de-vista da emigração contrarrevolucionária russa residente no estrangeiro, persuadir-nos-emos de que a consciência de classe da burguesia ainda é superior à dos explorados e oprimidos. Esta gente faz todas as tentativas imagináveis e utiliza com habilidade toda oportunidade de atacar de uma ou outra forma a Rússia soviética e desmembrá-la. Seria muito instrutivo – e creio que os camaradas estrangeiros o farão — estudar de modo sistemático as pretensões mais salientes, os métodos táticos mais importantes e as principais tendências da contrarrevolução russa. Esta trabalha principalmente no estrangeiro, e aos camaradas estrangeiros não será muito difícil seguir de perto seu movimento. Em alguns aspectos devemos aprender com este inimigo. Os emigrados contrarrevolucionários estão muito bem informados, têm uma excelente organização, são bons estrategistas, e acredito que o confronto sistemático, o estudo sistemático de como se organizam o como utilizam esta ou aquela oportunidade, pode exercer forte influência sobre a classe operária do ponto-de-vista da propaganda. Isto não é teoria geral, isto é política prática, e aqui se vê o que o inimigo aprendeu. Nos últimos anos a burguesia russa sofreu uma tremenda derrota. Há um velho provérbio que diz que os exércitos aprendem com as derrotas. O açoitado exército reacionário aprendeu muito e bem. Estuda com o maior afã, e realmente conseguiu grandes êxitos. Quando tomamos de um só golpe o poder, a burguesia russa não estava organizada e não era desenvolvida no sentido político. Agora, a meu ver, está à altura do atual desenvolvimento europeu ocidental. Devemos levá-lo em conta, devemos melhorar nossas próprias organizações e nossos próprios métodos, e nos esforçaremos com toda a energia por fazê-lo. Para nós foi relativamente fácil, e creio que também será fácil às demais revoluções, acabar com estas duas classes exploradoras.
Mas, além desta classe dos exploradores, existe em quase todos os países capitalistas — exceto, talvez, na Inglaterra – a classe dos pequenos produtores e dos pequenos camponeses. O principal problema da revolução consiste, hoje, na luta contra estas classes. Para nos livrarmos delas é necessário aplicar métodos diferentes dos empregados na luta contra os grandes latifundiários e capitalistas. Estas duas últimas classes puderam ser simplesmente expropriadas; pudemos desfazer-nos delas, como de fato o fizemos. Mas não podemos proceder do mesmo modo com as últimas classes do regime capitalista a desaparecerem, com os pequenos produtores e com os pequenos burgueses que existem em todos os países. Na maioria dos países capitalistas estas classes representam uma minoria bastante substancial, aproximadamente de 30 a 45% da população. Se a elas acrescentamos o elemento pequeno-burguês da classe operária, resultará até mesmo mais de 50%. Não se pode expropriá-las, nem é possível desfazer-se delas: a luta deve ser travada de outra forma. A significação do período que ora se inicia na Rússia, do ponto-de-vista internacional — se consideramos a revolução internacional como um processo único — está essencialmente em que devemos resolver de maneira prática o problema das relações do proletariado com a última classe capitalista na Rússia. Teoricamente todos os marxistas resolveram bem e com facilidade esta questão; mas a teoria e a prática são duas coisas diferentes, e está longe de ser a mesma coisa resolver esta questão no terreno teórico e no terreno prático. Sabemos com toda a certeza que cometemos grandes erros. Do ponto-de-vista internacional, constitui um enorme progresso o fato de nos esforçarmos para determinar as relações do proletariado, dono do poder estatal, com a última classe capitalista, com a base mais profunda do capitalismo, com a pequena propriedade, com o pequeno produtor. Esta questão coloca-se hoje praticamente diante de nós. Penso que poderemos enfrentar esta tarefa. Em todo caso, a experiência que estamos vivendo será útil para as futuras revoluções proletárias, e estas saberão preparar-se melhor do ponto-de-vista técnico para dar solução ao problema.
Tentei analisar em minhas teses a questão das relações entre o proletariado e os camponeses. Pela primeira vez na história existe um Estado no qual só existem estas duas classes, o proletariado e os camponeses. Estes últimos constituem a imensa maioria da população. Como é natural, estão muito atrasados. De que modo se manifestam praticamente no desenvolvimento da revolução as relações do proletariado, dono do poder, com os camponeses? Primeira forma: aliança, uma aliança estreita. Esta é uma tarefa muito difícil, mas, em todo caso, possível no sentido econômico e no sentido político.
Como abordamos na prática este problema? Selamos uma aliança com os camponeses. Esta aliança é entendida por nós do seguinte modo: o proletariado emancipa os camponeses da exploração burguesa, arranca-os da direção e influência desta e os atrai para seu lado para, juntos, vencerem os exploradores.
Os mencheviques raciocinam assim: o campesinato forma a maioria, e como nós somos democratas puros, consideramos que é a maioria que deve decidir. Mas, como o campesinato não pode agir por si só, isto não significa, praticamente, senão a restauração do capitalismo. A palavra-de-ordem é a mesma: aliança com os camponeses. Ao falar assim, entendemos com isso o reforçamento e a consolidação do proletariado. Tentamos realizar esta aliança entre o proletariado e os camponeses, e a primeira etapa foi a aliança militar. Os três anos de guerra civil criaram enormes dificuldades, mas, em certo sentido, a guerra facilitou nossa tarefa. É possível que pareça estranho, mas é fato. A guerra não foi algo novo para os camponeses; eles compreendiam perfeitamente a guerra contra os exploradores, contra os grandes latifundiários. As grandes massas camponesas estavam do nosso lado. Apesar das imensas distâncias e de a maioria de nossos camponeses não saber ler nem escrever, nossa propaganda era recebida por eles de muito bom grado. Isto é uma demonstração de que as amplas massas — do mesmo modo que nos países mais adiantados — aprendem muito melhor através de sua própria experiência prática do que nos livros. É em nosso país a experiência prática para o campesinato foi facilitada, além disso, por ser a Rússia tão extraordinariamente extensa e porque suas diferentes regiões podiam simultaneamente atravessar diferentes fases de desenvolvimento.
Na Sibéria e na Ucrânia a contrarrevolução pôde triunfar temporariamente, porque ali a burguesia tinha a seu lado o campesinato, porque os camponeses estavam contra nós. Os camponeses diziam amiúde: «Somos bolcheviques, mas não comunistas. Estamos a favor dos bolcheviques, porque derrubaram os latifundiários, mas não a favor dos comunistas, porque estão contra a exploração individual da terra.» É durante certo tempo a contrarrevolução pôde triunfar na Sibéria e na Ucrânia, porque a burguesia teve êxito na luta por ganhar influência entre os camponeses: mas bastou um período muito curto para abrir os olhos dos camponeses. Em pouco tempo acumularam experiência prática e logo se disseram: «Sim, os bolcheviques são gente bastante desagradável; não sentimos carinho por eles, mas são melhores do que os guardas brancos e a Assembleia Constituinte.» Para eles, a Constituinte soava como um insulto. Não só entre os comunistas desenvolvidos, mas também entre os camponeses. Estes sabem por sua vida prática que a Assembleia Constituinte e a guarda branca são uma e a mesma coisa, que a segunda vem sempre atrás da primeira. Os mencheviques também utilizam a aliança militar com o campesinato, mas não percebem que esta aliança não é suficiente. Não pode haver aliança militar sem uma aliança econômica, pois não se vive de ar; nossa aliança com os camponeses não poderia de modo algum sustentar-se durante muito tempo sem um fundamento econômico, que foi a base da nossa vitória na guerra contra nossa burguesia: não se deve perder de vista que nossa burguesia estava unida com toda a burguesia internacional.
A base desta aliança econômica entre nós e o campesinato era, naturalmente, muito simples, até mesmo tosca. O campesinato obteve de nós toda a terra e apoio contra os grandes latifundiários. Nós devíamos receber, em troca disto, víveres. Esta aliança era algo completamente novo e não se baseava nas relações habituais entre os produtores de mercadorias e os consumidores. Nossos camponeses compreendiam isto muito melhor do que os líderes da II Internacional e da Internacional II e meio. Eles se diziam: «Estes bolcheviques são uns chefes severos, mas, apesar de tudo, são gente nossa». Seja como for, estabelecemos as bases de uma nova aliança econômica. Os camponeses forneciam ao Exército Vermelho seus produtos e recebiam o apoio deste para defender suas terras. Isto é sempre esquecido pelos heróis da II Internacional que, como Otto Bauer, absolutamente não compreendem a situação atual. Reconhecemos que a forma inicial da aliança era muito primitiva e que cometemos muitos erros. Mas devíamos agir com a maior rapidez possível, devíamos organizar a todo custo o abastecimento do exército. Durante a guerra civil estivemos isolados de todas as zonas cerealistas da Rússia. Nossa situação era pavorosa, e é quase um milagre que o povo russo e a classe operária pudessem suportar tantos sofrimentos, miséria e privações, sem possuir outra coisa que não uma indomável vontade de vencer. (Vivas manifestações de aprovação e aplausos).
Uma vez finda a guerra civil, nossa tarefa, sem dúvida, passou a ser diferente. Se o país não tivesse estado arruinado como estava depois de sete anos de guerra incessante, talvez tivesse sido possível uma transição mais fácil para uma nova forma de aliança entre o proletariado e os camponeses. Mas as já duras condições reinantes no país agravaram-se ainda mais pela má colheita, pela escassez de forragem, etc. Em consequência disso, as privações dos camponeses eram insuportáveis. Devíamos fazer ver imediatamente às grandes massas camponesas que, sem nos desviarmos de modo algum da senda revolucionaria, estávamos dispostos a modificar nossa política de modo que os camponeses pudessem concluir: os bolcheviques querem melhorar agora mesmo e a todo custo nossa insuportável situação.
Assim, pois, realizou-se a mudança de nossa política econômica: em lugar das requisições surgiu o imposto em espécie. Isto não foi concebido de uma só vez. Na imprensa bolchevique todos puderam ver durante meses diversas propostas, mas não se chegou a traçar um projeto que realmente prometesse êxito. Mas não é isto o importante. O importante é que modificamos nossa política econômica ajustando-nos exclusivamente às circunstâncias práticas e a uma necessidade ditada pela situação. A má colheita, a escassez de forragem e a falta de combustíveis têm, é claro, tuna influência decisiva em toda a economia, inclusive a camponesa. Se o campesinato declara greve, não obtemos lenha. É se não dispomos de lenha, as fábricas têm de parar. Por isso, na primavera de 1921, a crise econômica resultante da péssima colheita e da escassez de forragem alcançou proporções gigantescas. Tudo isto foi consequência dos três anos de guerra civil. Era preciso mostrar aos camponeses que podíamos e queríamos modificar com rapidez nossa política para aliviar imediatamente sua penúria. Nós dissemos constantemente — inclusive no II Congresso — que a revolução exige sacrifícios. Há camaradas que, em sua propaganda, argumentam do seguinte modo: estamos dispostos a fazer a revolução, mas ela não deve ser demasiado dura. Se não me engano, esta afirmação foi feita pelo camarada Smeral em seu discurso no Congresso do Partido tchecoslovaco. Li-o em uma referência do Vorwaerts de Reichenberg. Ali existe, pelo visto, um ligeiro desvio esquerdista. Por isso, a fonte não pode ser considerada inteiramente imparcial. Em todo caso, devo dizer que se Smeral disse isto, não tem razão. Alguns oradores que fizeram uso da palavra no citado Congresso depois de Smeral, disseram: «Sim, seguiremos Smeral, porque assim nos livraremos da guerra civil». Se tudo isto é verdade, devo dizer que tal agitação não é comunista nem revolucionaria. É natural que cada revolução dê origem a enormes sacrifícios para a classe que a realiza. A revolução distingue-se da luta corrente porque o número de pessoas que tomam parte no movimento é dez, cem vezes maior, e neste sentido cada revolução implica sacrifícios não só para alguns, mas para toda a classe. A ditadura do proletariado na Rússia acarretou à classe dominante, ao proletariado, sacrifícios, miséria e privações como nunca se conheceram na história, e é muito provável que em qualquer outro país as coisas seguirão o mesmo rumo.
Surge a pergunta: como repartiremos as privações? Somos poder estatal. Até certo ponto estamos em condições de repartir as privações, de distribuí-las entre várias classes e, portanto, de mitigar relativamente a situação de algumas camadas da população. Segundo que princípio devemos atuar? Segundo o princípio de justiça ou da maioria? Não. Devemos proceder segundo um critério prático. Devemos realizar a distribuição de tal modo que se mantenha o poder do proletariado. Este é nosso único princípio. No início da revolução, a classe operária viu-se forçada a padecer penúrias sem conta. Faço constar agora que nossa política de abastecimento obtém cada ano maiores êxitos. É, sem dúvida, a situação melhorou de modo geral. Mas, certamente, na Rússia, os camponeses saíram ganhando com a revolução, mais do que a classe operária. Disto não pode haver a menor dúvida. Do ponto-de-vista teórico, isto indica, é claro, que nossa revolução era, em certo sentido, burguesa. Quando Kautsky esgrimiu contra nós este argumento, pusemo-nos a rir. É natural que sem expropriar a grande propriedade agrária, sem derrubar os grandes latifundiários e sem repartir a terra, a revolução é somente burguesa, e não socialista. Não obstante, fomos o único partido que soube levar a revolução burguesa até o fim, e facilitar a luta pela revolução socialista. Poder Soviético e o sistema soviético são instituições do Estado socialista. Já tornamos realidade estas instituições, mas não resolvemos ainda a tarefa de fixar as relações econômicas entre os camponeses e o proletariado. Resta muito por fazer e o resultado desta luta dependerá de se podemos ou não resolver esta tarefa. Assim, pois, a distribuição das privações representa praticamente uma das tarefas mais difíceis. Em geral sobreveio uma melhoria na situação dos camponeses e sobre a classe operária recaíram duros sofrimentos, precisamente porque ela está exercendo sua ditadura.
Já disse que a escassez de forragem e a má colheita deram origem, na primeira de 1921, a uma tremenda indigência do campesinato, que em nosso país constitui a maioria. Sem boas relações com as massas camponesas não podemos subsistir. Daí nossa tarefa ser acudir imediatamente em sua ajuda. A situação da classe operária é extremamente angustiante. Seus sofrimentos são terríveis. Não obstante, os elementos mais desenvolvidos politicamente compreendem que, no interesse da ditadura da classe operária, devemos realizar os maiores esforços para ajudar a todo custo os camponeses. A vanguarda da classe operária compreendeu-o, mas em seu seio, dentro desta vanguarda, há os que não podem entendê-lo, os que estão demasiadamente cansados para entendê-lo. Viram nisso um erro e falaram de oportunismo. Disseram que os bolcheviques ajudam os camponeses. Os camponeses, que nos exploram, recebem tudo o que querem, enquanto os operários passam fome. Chegava-se a dizer isto. Mas acaso isto é oportunismo? Ajudamos os camponeses porque sem uma aliança com eles é impossível o poder político do proletariado e é inconcebível que este poder se mantenha. Esta razão prática é que foi para nós decisiva e não o princípio da distribuição justa. Ajudamos os camponeses porque isto é absolutamente necessário para que conservemos o poder político. O princípio supremo da ditadura é manter a aliança entre o proletariado e os camponeses para que o proletariado possa conservar o papel dirigente e o poder estatal.
O único meio que encontramos para isso é a passagem para o imposto em espécie, consequência inevitável da luta. No ano que vem, implantaremos pela primeira vez este imposto. Praticamente, este princípio ainda não foi experimentado. Da aliança militar devemos passar à aliança econômica e, teoricamente, a única base possível para esta última é o estabelecimento do imposto em espécie. Nisto reside a única possibilidade teórica de chegar a estabelecer uma base econômica realmente sólida para a sociedade socialista. A fábrica socializada fornece aos camponeses seus produtos e os camponeses dão, em troca, trigo. Esta é a única forma possível de existência da sociedade socialista, a única forma de edificação socialista em um país em que os pequenos camponeses constituem a maioria ou, pelo menos, uma minoria muito considerável. Os camponeses darão uma parte a título de imposto, e outra em troca dos produtos da fábrica socialista, ou através do intercâmbio de mercadorias.
Neste ponto abordamos a questão mais difícil. O imposto em espécie implica, como é lógico, a liberdade de comércio. O camponês, depois de fazer entrega do imposto em espécie, tem direito de trocar livremente o trigo que lhe sobra. Esta liberdade de troca implica liberdade para o capitalismo. Dizemo-lo abertamente e o frisamos. Não o ocultamos, de modo algum. Nossas coisas iriam mal se nos ocorresse ocultá-lo. A liberdade de comércio implica liberdade para o capitalismo, mas, ao mesmo tempo, uma nova forma do mesmo. Isto significa que, até certo ponto, criamos de novo o capitalismo. É o fazemos sem qualquer disfarce. Trata-se do capitalismo de Estado. Pois bem, o capitalismo de Estado em lima sociedade na qual o poder pertence ao capital e o capitalismo de Estado em um Estado proletário são dois conceitos diferentes. Em um Estado capitalista o capitalismo de Estado significa que ele é reconhecido e controlado pelo Estado em benefício da burguesia e contra o proletariado. No Estado proletário isto é feito em benefício da classe operária, a fim de nos mantermos frente à burguesia, ainda forte, e lutar contra ela. É evidente por si mesmo que devemos fazer concessões à burguesia estrangeira, ao capital estrangeiro. Sem a menor desnacionalização entregamos em arrendamento minas, bosques e jazidas petrolíferas a capitalistas estrangeiros para receber deles artigos industriais, máquinas, etc., e, portanto, restaurar nossa própria indústria.
Como é natural, na questão do capitalismo de Estado nem todos temos concordado quanto ao mesmo critério, desde o primeiro momento. Mas, a esse respeito, pudemos comprovar com grande alegria que nossos camponeses se desenvolvem, que compreenderam plenamente o significado histórico da luta que estamos travando neste momento. Camponeses muito simples dos lugares mais remotos chegaram a nós e nos disseram: «Como? Derrubamos nossos capitalistas, que falam russo, para que agora venham capitalistas estrangeiros?» Acaso isto não indica o desenvolvimento que alcançaram nossos camponeses? A um operário esclarecido no sentido econômico não é preciso explicar porque isto é necessário. Estamos tão arruinados pelos sete anos de guerra, que o restabelecimento de nossa indústria requer muitos anos. Temos que pagar pelo nosso atraso, por nossa debilidade, pelo que agora estamos aprendendo, pelo que devemos aprender. Quem deseja estudar deve pagar pelo ensino. Devemos explicar isto a todos e a cada um, e se o fazemos de uma maneira prática, as grandes massas de camponeses e operários estarão de acordo conosco, pois seguindo esse caminho melhorará de imediato sua situação, já que isto permitirá restaurar nossa indústria. O que nos leva a fazer isto? Não estamos sós em nosso planeta. Existimos em meio a um sistema de Estados capitalistas... De um lado, estão os países coloniais, mas estes ainda não nos podem ajudar, e de outro, os países capitalistas, que são inimigos nossos. Daí resulta um certo equilíbrio, evidentemente muito precário. Não obstante, devemos levar em conta este fato. Não devemos fechar os olhos a este fato se quisermos subsistir. Ou vitória imediata sobre toda a burguesia, ou pagamento de um tributo.
Reconhecemos com toda franqueza e não escondemos que, no sistema do capitalismo de Estado, as concessões implicam um tributo ao capitalismo. Mas ganharemos tempo e ganhar tempo significa ganhar tudo, sobretudo em uma época de equilíbrio, quando nossos camaradas do estrangeiro preparam a fundo sua revolução. Quanto mais a fundo a prepararem, mais segura será a vitória. Mas, enquanto isso, teremos que pagar um tributo.
Algumas palavras sobre nossa política de abastecimento. Sem dúvida, foi primitiva e má. Mas também podemos dizer que teve êxitos. Em relação a isto devo acentuar uma vez mais que a única base econômica possível do socialismo é a grande indústria mecânica. Quem esquecer isto não é comunista. Devemos formular de modo concreto esta questão. Não podemos colocar as questões como o fazem os teóricos do velho socialismo. Devemos colocá-las praticamente. O que significa a grande indústria moderna? Significa a eletrificação de toda a Rússia. A Suécia, a Alemanha e a América do Norte já estão concluindo sua eletrificação, embora sejam países ainda burgueses. Uma camarada da Suécia dizia-me que ali está eletrificada uma grande parte da indústria, bem como 30% da agricultura. Na Alemanha e na América do Norte, países ainda mais desenvolvidos no sentido capitalista, isto alcança proporções ainda mais amplas. A grande indústria mecanizada não significa outra coisa senão a eletrificação de todo o país. Instituímos já uma comissão especial formada pelos melhores técnicos e economistas. É verdade que quase todos eles estão contra o Poder Soviético. Todos estes especialistas chegarão ao comunismo, mas não como nós, não através de vinte anos de trabalho clandestino, durante o que estudamos, repetimos e remastigamos sem cessar o á-bê-cê do comunismo.
Quase todos os órgãos do Poder Soviético estiveram de acordo em que devíamos recorrer aos especialistas. Os engenheiros especialistas por-se-ão a nosso serviço quando lhes demonstrarmos praticamente que seguindo esse caminho se desenvolvem as forças produtivas de nosso país. Não basta demonstrar-lhes isto teoricamente. Devemos demonstrá-lo na prática. É atrairemos estes homens para o nosso lado se colocamos a questão de outro modo, não baseados na propaganda teórica do comunismo. Dizemos: a grande industria é o único meio de pôr o camponês a salvo da miséria e da fome. Com isto todos estão de acordo. Mas como fazê-lo? Para restabelecer a indústria sobre a velha base é preciso muito trabalho e tempo. Devemos dar à indústria formas mais modernas, isto é, passar à eletrificação. Esta requer muito menos tempo. Já traçamos os planos de eletrificação. Mais do 200 especialistas — quase todos eles adversários do Poder Soviético — trabalharam com interesse nesta obra, embora não sendo comunistas. Mas, do ponto-de-vista da ciência técnica, tiveram que reconhecer que é o único caminho correto. Naturalmente, entre o plano e sua realização há muita distância. Os especialistas mais cuidadosos afirmam que para a primeira fase das obras serão necessários dez anos, no mínimo. O professor Ballod calculou que para a eletrificação da Alemanha bastam dois ou três anos. Mas para nós um decênio é muito pouco. Nas minhas teses cito cifras para que vejam quão pouco pudemos até agora fazer quanto a essa questão. As cifras que apresentei são tão modestas que imediatamente se percebe seu caráter mais propagandístico do que científico. Não obstante, devemos começar pela propaganda. O camponês russo que tomou parte na guerra mundial e viveu alguns anos na Alemanha viu ali quanto é necessário organizar a exploração agrícola segundo os métodos modernos para acabar com a fome. Devemos realizar uma vasta propaganda neste sentido. Estes planos, por si sós, têm até o presente momento pouco significado prático, mas sua importância é muito grande do ponto-de-vista da agitação.
O camponês compreende que se deve criar algo novo, e que é todo o Estado em seu conjunto que deve ocupar-se disto, e não cada um por si. Quando prisioneiro na Alemanha o camponês viu e aprendeu qual é a base real da vida, de uma vida culta. 12 000 quilowatts são um começo modesto. É possível que isto faça rir a um estrangeiro que conheça a eletrificação norte-americana, alemã ou sueca. Mas, ri melhor quem ri por último. Sim, é um início modesto. Mas os camponeses começam a compreender que é preciso realizar em enormes proporções novos trabalhos, e estes já se iniciam. Há enormes dificuldades a superar. Tentaremos estabelecer relações com os países capitalistas. Não se deve lamentar que forneçamos aos capitalistas vários milhões de toneladas de petróleo com a condição de que nos ajudem a eletrificar nosso país.
É agora, para terminar, algumas palavras sobre a «democracia pura». Reproduzo o que escrevia Engels, a 11 de dezembro de 1884, em uma carta a Bebel:
«A democracia pura, em momentos de revolução, adquirirá por um breve prazo um valor temporal característico do partido burguês mais extremista, como já ocorreu em Frankfurt, na qualidade de última tábua de salvação de toda a economia burguesa e mesmo feudal. Do mesmo modo, em 1884 toda a massa burocrático-feudal, apoiou de março a setembro os liberais para manter submetidas as massas revolucionárias... Em todo caso, durante a crise e logo depois dela, nosso único adversário será toda a massa reacionaria, agrupada ao redor da democracia pura, e creio que isto não pode, em caso algum, deixar de ser levado em conta.»
Não podemos colocar nossas questões como o fazem os teóricos. Toda a reação em seu conjunto, não só a burguesa, mas também a feudal, reúne-se em torno da «democracia pura». Os camaradas alemães conhecem melhor do que ninguém o que significa a «democracia pura», pois Kautsky e os demais líderes da II Internacional e da Internacional II e meio defendem esta «democracia pura» contra os malvados bolcheviques. Se julgamos os socialistas revolucionários e os mencheviques russos por seus atos e não por suas palavras, vemos que não são outra coisa senão representantes da «democracia pura» pequeno-burguesa. Em nossa revolução mostraram com perfeição clássica, e o mesmo ocorreu durante a última crise, nos dias da sublevação de Kronstadt, o que significa a democracia pura. A efervescência era muito grande entre os camponeses; também reinava mal-estar entre os operários. Estavam extenuados e esgotados. As forças humanas têm seus limites. Haviam passado fome três anos, mas não se pode passar fome quatro ou cinco anos. Naturalmente, a fome exerce enorme influência sobre a atividade política. Como procederam os socialistas revolucionários e os mencheviques? Vacilaram durante todo o tempo, reforçando assim a burguesia. A organização de todos os partidos russos no estrangeiro mostrou qual a situação naquele momento. Os chefes mais inteligentes da grande burguesia russa disseram a si mesmos: «Não podemos vencer na Rússia imediatamente. Por isso, nossa palavra-de-ordem deve ser: «Os Sovietes sem bolcheviques». O líder dos democratas constitucionalistas, Miliukov, defendeu o Poder Soviético contra os socialistas revolucionários. Por mais estranho que isto pareça, tal é a dialética prática, que estudamos em nossa revolução seguindo um caminho original: na prática de nossa luta e da luta de nossos adversários. Os democratas constitucionalistas defendem os «Sovietes sem bolcheviques» porque compreendem bem a situação e esperam que uma parte da população engula este anzol. Assim falam os democratas constitucionalistas inteligentes. Naturalmente, nem todos os democratas constitucionalistas são inteligentes, mas parte deles é e aprendeu algo com a experiência da revolução francesa. Hoje o lema é: lutar contra os bolcheviques a todo custo, a todo transe. Toda a burguesia ajuda agora os mencheviques e os socialistas revolucionários. Os esserristas e mencheviques são neste momento a vanguarda de toda a reação. Na primavera passada tivemos ocasião de conhecer os frutos desta aliança contrarrevolucionária.
Por isso devemos continuar a luta implacável contra estes elementos. A ditadura é um estado de guerra exacerbada. Encontramo-nos plenamente nesse estado. Atualmente não existe invasão militar. Não obstante, estamos isolados. Mas, por outro lado, não estamos inteiramente isolados, pois a burguesia internacional não se acha hoje em condições de nos fazer guerra abertamente, uma vez que a classe operária — embora em sua maioria ainda não seja comunista — é, entretanto, tão consciente que não tolera a intervenção. A burguesia tem de levar em consideração esse estado de espírito das massas, ainda que estas não se tenham desenvolvido ainda a ponto de adotar as posições do comunismo. Daí que a burguesia não possa passar agora à ofensiva contra nós, se bem que isto tampouco esteja excluído. Enquanto não haja um resultado geral definitivo, prosseguirá o estado de guerra feroz. É nós dizemos: «Na guerra atuaremos como na guerra: não prometemos liberdade alguma, democracia alguma». Declaramos aos camponeses com toda franqueza que devem escolher: ou o poder dos bolcheviques — e nesse caso faremos todas as concessões possíveis até onde nos permita a necessidade de manter o poder, e depois os conduziremos ao socialismo — ou então o poder burguês. Todo o resto é mistificação, pura demagogia. A esta mentira, a esta demagogia se deve declarar a guerra mais encarniçada. Nosso ponto-de-vista é o seguinte: por ora, grandes concessões e a maior cautela, exatamente porque atravessamos um estado de certo equilíbrio, precisamente porque somos mais fracos do que nossos inimigos coligados, porque nossa base econômica é muito fraca e precisamos de fundamentos econômicos mais fortes.
Isto é o que eu queria dizer aos camaradas sobre a nossa tática, sobre a tática do Partido Comunista da Rússia. (Prolongados aplausos).