A Doença Infantil do «Esquerdismo» no Comunismo

Vladimir Ilitch Lénine


IX. O comunismo «de esquerda» na Inglaterra


Na Inglaterra ainda não existe partido comunista, mas entre os operários há um movimento comunista jovem, amplo, poderoso, que cresce com rapidez e permite alimentar as mais radiosas esperanças; há alguns partidos e organizações políticas («Partido Socialista Britânico»(1), «Partido Socialista Operário», «Sociedade Socialista do Sul de Gales», «Federação Socialista Operária»(2)) que desejam fundar o partido comunista e mantêm já entre si negociações sobre isso. O jornal Worker’s Dreadnought(3) (tomo VI, nº 48, de 21.II.1920), órgão semanal da última das organizações indicadas, dirigido pela camarada Sylvia Pankhurst, inseriu um seu artigo «Rumo ao Partido Comunista». O artigo expõe a marcha das negociações entre as quatro organizações referidas sobre a formação de um partido comunista único com base na adesão à III Internacional, no reconhecimento, em vez do parlamentarismo, do sistema soviético e da ditadura do proletariado. Acontece que um dos principais obstáculos para criar imediatamente um partido comunista único é a discordância quanto à questão da participação no parlamento e da adesão do novo partido comunista ao velho «Partido Trabalhista», profissionalista, composto predominantemente por trade-unions, oportunista e social-chauvinista. A «Federação Socialista Operária» — tal como o «Partido Socialista Operário»(4) — pronunciam-se contra a participação nas eleições parlamentares e no parlamento, contra a adesão ao «Partido Trabalhista», discordando neste aspecto de todos ou da maioria dos membros do Partido Socialista Britânico, que é, aos seus olhos, «a ala direita dos partidos comunistas» na Inglaterra (p. 5, artigo citado de Sylvia Pankhurst).

Assim, a divisão fundamental é a mesma que na Alemanha, apesar das enormes diferenças quanto à forma por que se manifestam as divergências (na Alemanha esta forma é muito mais próxima da «russa» do que na Inglaterra) e quanto a uma série de outras circunstâncias. Mas examinemos os argumentos dos «esquerdas».

Quanto à questão da participação no parlamento, a camarada Sylvia Pankhurst refere-se a um artigo, publicado no mesmo número, do camarada W. Gallacher, que escreve em nome do Conselho Operário da Escócia, de Glasgow:

«Este Conselho — escreve ele — é nitidamente antiparlamentar e tem por ele a ala esquerda de diversas organizações políticas. Representamos o movimento revolucionário na Escócia, que aspira a criar uma organização revolucionária nas indústrias (nos diversos ramos da produção) e um partido comunista, baseado em comités sociais, em todo o país. Durante muito tempo discutimos com os parlamentares oficiais. Não considerámos necessário declarar-lhes uma guerra aberta e eles temem iniciar o ataque contra nós.

Mas semelhante estado de coisas não se pode prolongar por muito tempo. Nós triunfamos em toda a linha.

Os membros de base do Partido Trabalhista Independente na Escócia sentem uma repugnância cada vez maior pela ideia do parlamento, e quase todos os grupos locais são pelos Sovietes (emprega-se o termo russo em transcrição inglesa) ou Conselhos operários. Evidentemente, isto tem uma importância muito séria para os senhores que consideram a política como um meio de vida (como uma profissão), e eles põem em acção todos os meios para persuadir os seus membros a voltarem atrás, ao seio do parlamentarismo. Os camaradas revolucionários não devem (o sublinhado é sempre do autor) apoiar esse bando. A nossa luta será aqui muito difícil. Um dos seus piores traços será a traição daqueles para quem os interesses pessoais são um motivo mais forte do que o seu interesse pela revolução. Qualquer apoio ao parlamentarismo é simplesmente uma ajuda a que o poder caia nas mãos dos nossos Scheidemann e Noske britânicos. Henderson, Clynes e Cª são irremediavelmente reaccionários. O Partido Trabalhista Independente oficial cai cada vez mais sob o poder dos liberais burgueses, que encontraram refúgio espiritual no campo dos senhores MacDonald, Snowden e Cª. O Partido Trabalhista Independente oficial é violentamente hostil à III Internacional, mas a massa é por ela. Apoiar por qualquer forma os parlamentos oportunistas significa simplesmente fazer o jogo dos referidos senhores. O Partido Socialista Britânico não tem aqui qualquer significado... Aqui o que é necessário é uma saudável organização revolucionária industrial e um partido comunista que actue sobre bases claras, bem definidas, científicas. Se os nossos camaradas nos podem ajudar a criar uma e outra coisa, aceitaremos com muito gosto a sua ajuda; se não podem, que se não intrometam, por amor de Deus, se não querem atraiçoar a Revolução apoiando os reaccionários que, com tanto zelo, procuram adquirir o ‘honroso’ (?) (a interrogação é do autor) título de parlamentar e que ardem no desejo de demonstrar que podem governar com tanto êxito como os próprios políticos de classe dos ‘patrões’.»

Esta carta à redacção exprime de maneira admirável, em meu entender, o estado de espírito e o ponto de vista dos comunistas jovens ou dos operários da massa que apenas começaram a chegar ao comunismo. Este estado de espírito é altamente consolador e valioso; é preciso saber apreciá-lo e apoiá-lo, porque sem ele ter-se-ia que desesperar da vitória da revolução do proletariado na Inglaterra e em qualquer outro país. Há que conservar e dar com solicitude toda a ajuda aos homens que sabem exprimir esse estado de espírito das massas, que sabem suscitá-lo nas massas (que frequentemente permanece oculto, inconsciente, sem despertar). Mas, ao mesmo tempo, é preciso dizer-lhes directa e abertamente que esse estado de espírito por si só é insuficiente para dirigir as massas na grande luta revolucionária, e que tais ou tais erros que podem cometer ou cometem os homens mais fiéis à causa da revolução são erros capazes de causar dano à causa da revolução. A carta à redacção do camarada Gallacher mostra de forma indubitável o germe de todos os erros que cometem os comunistas «de esquerda» alemães e que cometeram os bolcheviques «de esquerda» russos em 1908 e 1918.

O autor da carta está imbuído do mais nobre ódio proletário pelos «políticos de classe» burgueses (ódio compreensível e partilhado, contudo, não só pelos proletários, mas por todos os trabalhadores, por todo o «povo miúdo», para usar a expressão alemã). Este ódio de um representante das massas oprimidas e exploradas é, na verdade, o «princípio de toda a sabedoria», a base de todo o movimento socialista e comunista e dos seus êxitos. Mas o autor não tem em conta, pelos vistos, que a política é uma ciência e uma arte que não cai do céu, que se não obtém gratuitamente, e que se o proletariado quer vencer a burguesia deve formar os seus «políticos de classe», proletários, e que não sejam piores que os políticos burgueses.

O autor da carta compreendeu perfeitamente que não é o parlamento, mas apenas os Sovietes operários, que podem constituir o instrumento do proletariado para conseguir os seus objectivos, e, naturalmente, quem até agora não compreendeu isto é o pior dos reaccionários, ainda que seja o homem mais educado, o político mais experiente, o socialista mais sincero, o marxista mais erudito, o cidadão e pai de família mais honrado. Mas o autor da carta nem sequer levanta a questão, nem pensa que seja necessário levantar a questão de saber se se pode conduzir os Sovietes à vitória sobre o parlamento sem fazer entrar os políticos «soviéticos» dentro do parlamento, sem decompor o parlamentarismo a partir de dentro, sem preparar de dentro do parlamento o êxito dos Sovietes na tarefa que tem pela frente de dissolver o parlamento. E entretanto, o autor da carta exprime a ideia absolutamente justa de que o partido comunista da Inglaterra deve actuar sobre bases científicas. A ciência exige, em primeiro lugar, que se tenha em conta a experiência dos outros países, particularmente se os outros países, também capitalistas, passam ou passaram há pouco por uma experiência muito parecida; em segundo lugar, que se tenham em conta todas as forças, grupos, partidos, classes, massas que actuam no interior do país considerado, e que de modo nenhum se defina a política baseando-se unicamente nos desejos e opiniões, no grau de consciência e de preparação para a luta de um único grupo ou partido.

É verdade que os Henderson, os Clynes, os MacDonald e os Snowden são irremediavelmente reaccionários. E não é menos verdade que querem tomar o poder (preferindo, aliás, a coligação com a burguesia), que querem «governar» de acordo com as velhas normas burguesas e que se conduzirão inevitavelmente, quando estiverem no poder, como os Scheidemann e os Noske. Tudo isso é assim. Mas daí não decorre de modo nenhum que apoiá-los signifique trair a revolução, mas sim que, no interesse da revolução, os revolucionários da classe operária devem conceder a estes senhores um certo apoio parlamentar. Para esclarecer esta ideia tomarei dois documentos políticos ingleses actuais: 1) o discurso do primeiro-ministro Lloyd George em 18.III.1920 (segundo o relato do The Manchester Guardian(5), de 19.III.1920) e 2) os argumentos de uma comunista «de esquerda», a camarada Sylvia Pankhurst, no seu artigo acima citado.

No seu discurso Lloyd George polemizou com Asquith (que tinha sido convidado especialmente para a reunião, mas que se recusou a assistir) e com os liberais que querem não uma coligação com os conservadores mas uma aproximação com o Partido Trabalhista. (Na carta à redacção do camarada Gallacher vimos também uma alusão ao facto da passagem de liberais para o Partido Trabalhista Independente). Lloyd George demonstrou que é necessária uma coligação dos liberais com os conservadores, e uma coligação estreita, pois de outro modo pode vencer o Partido Trabalhista, a que Lloyd George «prefere chamar» socialista e que aspira «à propriedade colectiva» dos meios de produção. «Em França isto chamava-se comunismo» — explicava numa linguagem popular o chefe da burguesia inglesa aos seus ouvintes, membros do partido liberal parlamentar, que, seguramente, o ignoravam até então —; «na Alemanha chamava-se socialismo; na Rússia chamava-se bolchevismo». Para os liberais isto é inadmissível por princípio, explicou Lloyd George, pois os liberais são por princípio defensores da propriedade privada. «A civilização está em perigo» — declarou o por isso os liberais e os conservadores devem unir-se ...

«... Se fordes aos distritos agrícolas — disse Lloyd George —, reconheço que vereis ai as velhas divisões partidárias, conservadas como antigamente. Aí o perigo esta longe. Aí não há perigo. Mas quando se tratar dos distritos agrícolas, o perigo será ali tão grande quanto é hoje grande em alguns distritos industriais. Quatro quintos do nosso país dedicam-se à indústria e ao comércio; só uma escassa quinta parte à agricultura. Eis uma das circunstâncias que tenho sempre presente quando penso nos perigos com que o futuro nos ameaça. Em França, a população é agrícola e constitui por isso uma base sólida de determinadas opiniões, que não se move muito rapidamente e que não é fácil de excitar pelo movimento revolucionário. No nosso país a coisa é diferente. O nosso país é mais fácil de virar que qualquer outro país no mundo, e se começa a vacilar a catástrofe será aqui, em virtude das razões indicadas, mais forte do que nos outros países.»

O leitor vê por aqui que o senhor Lloyd George não só é um homem muito inteligente, como, além disso, aprendeu muito com os marxistas. Também nós não faríamos mal em aprender com Lloyd George.

É também interessante assinalar o seguinte episódio da discussão que teve lugar depois do discurso de Lloyd George:

«Sr. Wallace: Queria perguntar como encara o primeiro-ministro os resultados da sua política nos distritos industriais em relação aos operários industriais, muitos dos quais são hoje liberais e dos quais recebemos tanto apoio. Não se pode prever um resultado que provoque um aumento enorme da força do Partido Trabalhista por parte dos operários que hoje nos apoiam sinceramente?

Primeiro-ministro: Tenho uma opinião completamente diferente. O facto de os liberais lutarem entre si empurra, sem dúvida, um número considerável de liberais, levados pelo desespero, para o Partido Trabalhista, onde há já um número considerável de liberais, homens muito capazes que se ocupam actualmente em desacreditar o governo. O resultado, indubitavelmente, é um reforço significativo do sentimento público a favor do Partido Trabalhista. A opinião pública inclina-se não para os liberais que estão fora do Partido Trabalhista, mas para o Partido Trabalhista, mostram-no as eleições parciais.»

Digamos de passagem que este raciocínio mostra particularmente até que ponto se embrulham e não podem deixar de cometer disparates irreparáveis os homens mais inteligentes da burguesia. É isto o que fará perecer a burguesia. A nossa gente pode mesmo fazer disparates (é certo que com a condição de que estes disparates não sejam muito grandes e sejam reparados a tempo) mas acabará em todo o caso por triunfar.

O outro documento político são as seguintes considerações da comunista «de esquerda» camarada Sylvia Pankhurst:

«... O camarada Inkpin (secretário do Partido Socialista Britânico) chama ao Partido Trabalhista ‘a organização principal do movimento da classe operária’. Outro camarada do Partido Socialista Britânico exprimiu ainda com maior relevo o ponto de vista do Partido Socialista Britânico na conferência da III Internacional. Ele disse: ‘Consideramos o Partido Trabalhista como a classe operária organizada.’

Não partilhamos esta opinião sobre o Partido Trabalhista. O Partido Trabalhista é muito grande numericamente, se bem que os seus membros sejam, em parte muito considerável, inactivos e apáticos; trata-se de operários e operárias que entraram nas trade-unions porque os seus companheiros de oficina são trade-unionistas e porque desejam receber subsídios.

Mas reconhecemos que a importância numérica do Partido Trabalhista é devida também ao facto de que ele é obra de uma escola de pensamento cujos limites a maioria da classe operária britânica ainda não ultrapassou, se bem que se preparem grandes mudanças na mentalidade do povo, que em breve modificará esta situação ...»

«... O Partido Trabalhista Britânico, como as organizações sociais-patrióticas dos outros países, chegará inevitavelmente ao poder no curso do desenvolvimento natural da sociedade. O dever dos comunistas é construir as forças que derrubarão os sociais-patriotas, e no nosso país não devemos atrasar essa acção, nem vacilar.

Não devemos dissipar a nossa energia aumentando a força do Partido Trabalhista; a sua ascensão ao poder é inevitável. Devemos concentrar as nossas forças na criação de um movimento comunista que o vença. Dentro de pouco tempo, o Partido Trabalhista constituirá governo; a oposição revolucionária deve estar pronta para o atacar...»

Assim, a burguesia liberal renuncia ao sistema dos «dois partidos» (dos exploradores), consagrado ao longo da história por uma experiência secular e extraordinariamente proveitosa para os exploradores, considerando necessária a união das suas forças a fim de lutar contra o Partido Trabalhista. Uma parte dos liberais, como ratos de um navio que se afunda, passam para o Partido Trabalhista. Os comunistas de esquerda consideram inevitável a passagem do poder para o Partido Trabalhista e reconhecem que a maioria dos operários está hoje a favor dele. Daí extraem a estranha conclusão que a camarada Sylvia Pankhurst formula do seguinte modo:

«O partido comunista não deve concluir compromissos... Deve conservar pura a sua doutrina e imaculada a sua independência frente ao reformismo; a sua missão é ir à frente, sem se deter nem se desviar da sua via, ir pelo caminho directo para a revolução comunista.»

Pelo contrário, do facto de a maioria dos operários da Inglaterra seguir ainda os Kérenski e os Scheidemann ingleses, de não haver conhecido ainda a experiência de um governo formado por esses homens — experiência que foi necessária tanto na Rússia como na Alemanha para que os operários passassem em massa para o comunismo —, disto decorre de maneira indubitável que os comunistas ingleses devem participar no parlamentarismo, devem ajudar de dentro do parlamento a massa operária a ver na prática os resultados do governo dos Henderson e dos Snowden, devem ajudar os Henderson e os Snowden a vencer os Lloyd George e Churchill unidos. Proceder doutro modo significa dificultar a obra da revolução, pois sem uma mudança nas opiniões da maioria da classe operária a revolução é impossível, e essa mudança consegue-se através da experiência política das massas, nunca apenas com a propaganda. A palavra de ordem «Avante sem compromissos, sem se afastar do caminho» é claramente errada, se quem a diz é uma minoria evidentemente impotente de operários que sabe (ou, pelo menos, deve saber) que dentro de pouco tempo, no caso de Henderson e Snowden triunfarem sobre Lloyd George e Churchill, a maioria ficará desapontada com seus chefes e passará a apoiar o comunismo (ou, em todo o caso, à neutralidade, e, na sua maioria, à neutralidade benevolente para com os comunistas). É como se 10 mil soldados se lançassem ao ataque contra 50 mil inimigos no momento que é necessário «deter-se», «desviar-se do caminho» e até concluir um «compromisso» para esperar a chegada de um reforço de 100 mil homens que vão chegar, que não podem entrar imediatamente em acção. É uma puerilidade própria de intelectuais e não uma táctica séria da classe revolucionária.

A lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções e, em particular, por todas as três revoluções russas do século XX, consiste no seguinte; para a revolução não basta que as massas exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de viver como dantes e exijam mudanças; para a revolução é necessário que os exploradores não possam viver e governar como dantes. Só quando os «de baixo» não querem o que é velho e os «de cima» não podem como dantes, só então a revolução pode vencer. Esta verdade exprime-se de outro modo, com as palavras: a revolução é impossível sem uma crise nacional (tanto dos explorados como dos exploradores). Por conseguinte, para a revolução é necessário, em primeiro lugar, que a maioria dos operários (ou pelo menos a maioria dos operários conscientes, pensantes, politicamente activos) compreenda plenamente a necessidade da revolução e esteja disposta a dar a vida por ela; em segundo lugar, é preciso que as classes dirigentes atravessem uma crise governamental que arraste para a política mesmo as massas mais atrasadas (o sintoma de toda a revolução autêntica é a rápida decuplicação ou centuplicação da quantidade de representantes dos trabalhadores e da massa oprimida, antes apática, aptos para a luta política), que enfraqueça o governo e torne possível aos revolucionários o seu rápido derrubamento.

Na Inglaterra, como se vê, aliás, precisamente do discurso de Lloyd George, crescem claramente ambas as condições de uma revolução proletária vitoriosa. E os erros dos comunistas de esquerda são agora excepcionalmente perigosos, precisamente porque observamos em alguns revolucionários uma atitude insuficientemente reflectida, insuficientemente atenta, insuficientemente consciente, insuficientemente ponderada em relação a cada uma destas condições. Se não somos um grupo revolucionário mas o partido da classe revolucionária, se queremos arrastar as massas (sem o que corremos o risco de não passar de simples charlatães) devemos, em primeiro lugar, ajudar Henderson ou Snowden a vencer Lloyd George e Churchill (mais exactamente: obrigar os primeiros a vencer os segundos, pois os primeiros têm medo da sua própria vitória!); segundo, ajudar a maioria da classe operária a convencer-se por experiência própria da nossa razão, isto é, do facto de que os Henderson e os Snowden não prestam para nada, da sua natureza pequeno-burguesa e traidora, da inevitabilidade da sua falência; terceiro, aproximar o momento em que, na base do facto de que a maioria dos operários se desiludiu dos Henderson, se possa, com sérias probabilidades de êxito, derrubar de golpe o governo dos Henderson, que perderá tanto mais a cabeça quanto mesmo o inteligentíssimo e sólido Lloyd George, não pequeno burguês, mas grande burguês, revela uma completa confusão e se enfraquece cada vez mais (e a toda a burguesia), ontem pelas suas «fricções» com Churchill, hoje pelas suas «fricções» com Asquith.

Falarei de modo mais concreto. Os comunistas ingleses devem, em minha opinião, unificar todos os seus quatro partidos e grupos (todos muito fracos e alguns extraordinariamente fracos) num partido comunista único, com base nos princípios da III Internacional e da participação obrigatória no parlamento. O partido comunista propõe aos Henderson e aos Snowden um «compromisso», um acordo eleitoral: caminhemos juntos contra a aliança de Lloyd George e dos conservadores, dividamos os lugares no parlamento segundo o número de votos dados pelos operários ao Partido Trabalhista ou aos comunistas (não nas eleições, mas numa votação especial), conservemos a liberdade mais completa de agitação, de propaganda, de acção política. Sem esta última condição é impossível, naturalmente, fazer o bloco, pois seria uma traição: os comunistas ingleses devem defender e assegurar a liberdade mais completa para desmascarar os Henderson e os Snowden de uma maneira tão absoluta como defenderam (durante quinze anos, 1903-1917) e asseguraram os bolcheviques russos relativamente aos Henderson e aos Snowden russos, isto é, os mencheviques.

Se os Henderson e os Snowden aceitam o bloco nestas condições, teremos ganho, pois o importante para nós não é, de modo nenhum, o número de lugares no parlamento, não é isso que procuramos, neste ponto seremos transigentes (enquanto os Henderson e, sobretudo, os seus novos amigos — ou os seus novos senhores —, os liberais que passaram para o Partido Trabalhista Independente, os procuram acima de tudo). Teremos ganho porque levaremos a nossa agitação às massas num momento em que o próprio Lloyd George as terá «incitado», e ajudaremos não só o Partido Trabalhista a formar mais depressa o seu governo, mas também as massas a compreender mais depressa toda a nossa propaganda comunista, que realizaremos contra os Henderson sem qualquer limitação, sem silenciar seja o que for.

Se os Henderson e os Snowden repudiam o bloco connosco nestas condições, teremos ganho ainda mais. Pois teremos mostrado desde logo às massas (notai que mesmo dentro do Partido Trabalhista Independente, puramente menchevique, completamente oportunista, a massa é pelos Sovietes) que os Henderson preferem a sua proximidade com os capitalistas à união de todos os operários. Teremos ganho desde logo perante a massa, a qual, sobretudo depois das explicações brilhantíssimas, extremamente acertadas e úteis (para o comunismo) de Lloyd George, simpatizará com a união de todos os operários contra a aliança de Lloyd George com os conservadores. Teremos ganho desde logo pois teremos demonstrado às massas que os Henderson e os Snowden receiam vencer Lloyd George, receiam tomar o poder sozinhos e aspiram alcançar em segredo o apoio de Lloyd George, o qual estende abertamente a mão aos conservadores contra o Partido Trabalhista. Há que notar que na Rússia, depois da revolução de 27.II.1917 (velho estilo), a propaganda dos bolcheviques contra os mencheviques e os socialistas-revolucionários (isto é, os Henderson e os Snowden russos) ganhou precisamente em virtude de tal circunstância. Nós dizíamos aos mencheviques e aos socialistas-revolucionários: tomai todo o poder sem a burguesia, pois tendes a maioria nos Sovietes (no I Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, os bolcheviques tinham em Junho de 1917 um total de 13% dos votos). Mas os Henderson e os Snowden russos tinham medo de tomar o poder sem a burguesia, e quando a burguesia adiava as eleições para a Assembleia Constituinte porque sabia perfeitamente que esta daria a maioria aos socialistas-revolucionários e aos mencheviques(6) (uns e outros faziam parte de um bloco político muito estreito, representavam de facto uma só democracia pequeno-burguesa), os socialistas-revolucionários e os mencheviques foram impotentes para lutar com energia e até ao fim contra esses adiamentos.

Caso os Henderson e os Snowden se recusassem a um bloco com os comunistas, os comunistas teriam ganho desde logo na conquista da simpatia das massas e no descrédito dos Henderson e dos Snowden, e se com isto perdêssemos alguns lugares no parlamento, isso para nós não é de maneira nenhuma importante. Apresentaríamos os nossos candidatos apenas num número ínfimo de circunscrições absolutamente seguras, isto é, onde a apresentação dos nossos candidatos não faça passar um liberal contra um trabalhista. Realizaríamos agitação eleitoral, distribuindo panfletos em favor do comunismo e propondo em todas as circunscrições onde não há candidato nosso o voto no trabalhista contra o burguês. Enganam-se os camaradas Sylvia Pankhurst e Gallacher se vêem nisto uma traição ao comunismo ou uma recusa à luta contra os sociais-traidores. Pelo contrário, é indubitável que a causa da revolução comunista ganharia com isso.

Agora é muitas vezes difícil aos comunistas ingleses mesmo chegarem à massa, mesmo fazerem-se ouvir. Mas se eu me apresento como comunista e declaro que convido a votar por Henderson contra Lloyd George, certamente que me escutarão. E poderei explicar de modo popular não só por que razão os Sovietes são melhores do que o parlamento e a ditadura do proletariado melhor do que a ditadura de Churchill (encoberta com rótulo de «democracia» burguesa), mas também que quereria sustentar Henderson com o meu voto precisamente como a corda sustenta o enforcado; que a aproximação com os Henderson para um governo formado por eles provará igualmente que tenho razão, atrairá igualmente as massas para o meu lado e acelerará igualmente a morte política dos Henderson e dos Snowden, tal como sucedeu com os seus correligionários na Rússia e na Alemanha.

E se me objectarem: isto é uma táctica demasiado «astuta» ou complicada, as massas não a compreenderão, ela dispersará e desagregará as nossas forças, impedirá a sua concentração na revolução soviética, etc., responderei aos meus objectores «de esquerda»: não atribuais às massas o vosso próprio doutrinarismo! Provavelmente na Rússia as massas não são mais cultas, mas menos cultas, do que na Inglaterra. E, não obstante, as massas compreenderam os bolcheviques; e os bolcheviques não foram prejudicados, mas ajudados, pela circunstância de que, em vésperas da revolução soviética, em Setembro de 1917, formaram listas de candidatos seus ao parlamento burguês (à Assembleia Constituinte) e no dia seguinte à revolução soviética, em Novembro de 1917, tomaram parte nas eleições para essa mesma Assembleia Constituinte, dissolvida por eles em 5.I.1918.

Não posso deter-me aqui na segunda divergência entre os comunistas ingleses, que consiste em saber se devem ou não aderir ao Partido Trabalhista. Possuo muito poucos materiais sobre esta questão extremamente complexa, dada a extraordinária originalidade do «Partido Trabalhista» britânico, muito diferente pela sua própria estrutura dos partidos políticos habituais do continente europeu. Mas é indubitável, primeiro, que comete também inevitavelmente um erro quem nesta questão imagina que deduz a táctica do proletariado revolucionário de princípios como este: «o partido comunista deve conservar pura a sua doutrina e imaculada a sua independência frente ao reformismo; a sua vocação é ir à frente, sem se deter nem se desviar do seu caminho, ir pela via directa para a revolução comunista». Pois semelhantes princípios não fazem mais do que repetir o erro dos communards blanquistas franceses, que em 1874 proclamavam a «negação» de todos os compromissos e de todas as estações intermédias. Segundo, é indubitável que também aqui a tarefa consiste, como sempre, em saber aplicar os princípios gerais e fundamentais do comunismo àquela peculiaridade das relações entre as classes e os partidos, àquela peculiaridade do desenvolvimento objectivo para o comunismo que é própria de cada país e que é necessário saber estudar, descobrir e adivinhar.

Mas há que falar disto não apenas em relação ao comunismo inglês, mas às conclusões gerais que se referem ao desenvolvimento do comunismo em todos os países capitalistas. Passamos agora a este tema.