MIA> Biblioteca > Lenine > Novidades
Escrito: em 28 de Dezembro de 1919
Publicado: a 4 de Janeiro de 1920, no Pravda nº 3
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Edições "Avante!", 1977, t3, pp 245-249.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.40, pp. 41-47.
Transcrição e HTML: Manuel Gouveia
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo.
Camaradas! Há quatro meses, em fins de Agosto de 1919, tive ocasião de dirigir uma carta aos operários e camponeses a propósito da vitória sobre Koltchak(1*).
Agora reproduzo integralmente essa carta para os operários e camponeses da Ucrânia, a propósito das vitórias sobre Deníkine.
As tropas vermelhas tomaram Kíev, Poltava, Khárkov e avançam vitoriosamente para Rostov. A insurreição contra Deníkine fervilha na Ucrânia. É necessário reunir todas as forças para derrotar ate ao fim as tropas de Deníkine, que tentaram restabelecer o poder dos latifundiários e dos capitalistas. É necessário aniquilar Deníkine para nos prevenirmos contra a mínima possibilidade duma nova invasão.
Os operários e camponeses da Ucrânia devem conhecer as lições que todos os camponeses e operários russos tiraram da experiência da conquista da Sibéria por Koltchak e da libertação da Sibéria pelas tropas vermelhas depois de longos meses de jugo latifundiário e capitalista.
A dominação de Deníkine na Ucrânia foi uma provação tão dura como a dominação de Koltchak na Sibéria. Não há dúvida de que as lições desta dura provação levarão os operários e os camponeses ucranianoa, como aconteceu com os da Sibéria e dos Urales, a compreender mais claramente as tarefas do Poder Soviético e a defendê-lo com mais firmeza.
Na Grã-Rússia a propriedade latifundiária da terra foi inteiramente aniquilada. É necessário fazer o mesmo na Ucrânia, e o Poder Soviético dos operários e dos camponeses ucranianos deve consolidar o aniquilamento completo da grande propriedade latifundiária da terra, a libertação completa dos operários e dos camponeses ucranianos de todo o jugo dos latifundiários e dos próprios latifundiários.
Mas, além dessa tarefa e de uma série de outras tarefas que se colocavam e se colocam às massas trabalhadoras da Grã-Rússia e da Ucrânia, existem tarefas especiais do Poder Soviético na Ucrânia. Uma dessas tarefas especiais merece neste momento uma extraordinária atenção. É a questão nacional, ou a questão de se a Ucrânia será a República Socialista Soviética da Ucrânia independente e separada, ligada à República Socialista Federativa Soviética da Rússia por uma aliança (federação), ou se a Ucrânia deve fundir-se com a Rússia numa República Soviética única. Todos os bolcheviques, todos os operários e camponeses conscientes, devem meditar atentamente nesta questão.
A independência da Ucrânia foi já reconhecida tanto pelo CECR (Comité Executivo Central de Toda a Rússia) da RSFSR (República Socialista Federativa Soviética da Rússia) como pelo Partido Comunista da Rússia (bolchevique). Por isso é evidente e geralmente admitido que só os operários e camponeses da Ucrânia, no seu Congresso dos Sovietes de Toda a Ucrânia, podem decidir e decidirão a questão de fundir a Ucrânia com a Rússia ou se a Ucrânia permanecerá uma república independente e autónoma, e, neste último caso, precisamente que ligação federativa se deve estabelecer entre esta república e a Rússia.
Como se deve resolver esta questão do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores? do ponto do êxito da sua luta para libertar completamente o trabalho do jugo do capital?
Em primeiro lugar, os interesses do trabalho exigem a mais completa confiança e a mais estreita união entre os trabalhadores dos diferentes países, das diferentes nações. Os partidários dos latifundiários e dos capitalistas, da burguesia, esforçam-se por dividir os operários, por intensificar a discórdia e a hostilidade nacional para enfraquecer os operários e fortalecer o poder do capital.
O capital é uma força internacional. Para o vencer, é necessária a união internacional dos operários, a sua fraternidade internacional.
Nós somos inimigos da hostilidade nacional, da discórdia nacional, do isolamento nacional. Somos internacionalistas. Aspiramos à união estreita e à completa fusão dos operários e dos camponeses de todas as nações do mundo numa única República Soviética mundial.
Em segundo lugar, os trabalhadores não devem esquecer que o capitalismo dividiu as nações num pequeno número de nações opressoras, com aspirações de grande potência (imperialistas), soberanas e privilegiadas, e numa enorme maioria de nações oprimidas, dependentes e semidependentes, que não têm igualdade de direitos. A ultra-criminosa e reaccionaríssima guerra de 1914-1918 acentuou esta divisão, agravou o rancor e o ódio neste terreno. Ao longo dos séculos a indignação e a desconfiança das nacões sem plenos direitos e dependentes acumularam-se contra as nações com aspirações de grande potência e opressoras, das nações como a Ucrânia contra nações como a Grã-Rússia.
Nós queremos uma união voluntária das nações, uma união que não admita nenhuma violência de uma nação sobre outra, uma união baseada numa confiança absoluta, numa clara consciência da unidade fraternal, num acordo completamente livre. Não é possível realizar uma tal união de repente; até ela é necessário trabalhar com a maior tolerância e prudência para não estragar tudo, para não provocar a desconfiança, para fazer desaparecer a desconfiança deixada por séculos de opressão dos latifundiários e dos capitalistas, de propriedade privada e de hostilidade causadas pelas suas sucessivas partilhas.
Por isso, aspirando constantemente à unidade das nações, perseguindo implacavelmente tudo o que as desune, devemos ser muito prudentes, tolerantes, transigentes, em relação às sobrevivências da desconfiança nacional. Devemos ser intransigentes, inconciliáveis em relação a tudo o que diz respeito aos interesses do trabalho em geral na luta pela sua libertação do jugo do capital. E a questão de como determinar as fronteiras estatais agora, de forma provisória - pois nós aspiramos à supressão completa das fronteiras estatais - é uma questão não fundamental, não principal, de segunda ordem. Esta questão pode esperar e deve esperar, porque a desconfiança nacional mantém-se frequentemente de forma muito firme entre as massas de camponeses e de pequenos patrões, e a precipitação pode reforçá-la, isto é, prejudicar a causa da unidade total e definitiva.
A experiência da revolução operária e camponesa na Rússia, da revolução de Outubro-Novembro de 1917, a experiência dos seus dois anos de luta vitoriosa contra a invasão dos capitalistas internacionais e russos, mostrou com a maior clareza que os capitalistas conseguiram provisoriamente jogar com a desconfiança nacional dos camponeses e pequenos patrões polacos, letões estonianos e finlandeses em relação aos grão-russos, conseguiram provisoriamente semear a discórdia entre eles e nós no terreno desta desconfiança. A experiência mostrou que essa desconfiança só desaparece e passa muito lentamente e que quanto mais os grão-russos, que foram durante muito tempo uma nação opressora, derem provas de prudência e tolerância, mais seguramente essa desconfiança passará. Foi precisamente porque reconhecemos a independência dos Estados polaco, letão, lituano, estoniano e finlandês, que conquistámos, lenta mas constantemente, a confiança das massas trabalhadoras dos pequenos Estados vizinhos, as mais arrasadas, mais enganadas e embrutecidas pelos capitalistas. E é precisamente por este caminho mais seguro que as arrancaremos à influência dos «seus» capitalistas nacionais, que mais seguramente os traremos a uma confiança completa, à futura República Soviética internacional única.
Enquanto a Ucrânia não tiver sido inteiramente libertada de Deníkine, o seu governo, até ao Congresso dos Sovietes de toda a Ucrânia, é o Comité Revolucionário de toda a Ucrânia(N128). Neste Comité Revolucionário, ao lado dos comunistas bolcheviques ucranianos, trabalham como membros do governo comunistas borotbistas ucranianos(N129). Os borotbistas distinguem-se dos bolcheviques, entre outras coisas, porque defendem a independência absoluta da Ucrânia. Os bolcheviques não fazem disto objecto de divergência e de desunião, não vêem nisto um obstáculo a um trabalho proletário unido. Deve haver unidade na luta contra o jugo do capital, pela ditadura do proletariado, não deve haver divergências entre os comunistas por causa da questão das fronteiras nacionais e de uma ligação federativa ou outra entre os Estados. Entre os bolcheviques há partidários da independência completa da Ucrânia, há partidários duma ligação federativa mais ou menos estreita, há partidários da fusão completa da Ucrânia com a Rússia.
São inadmissíveis as divergências por estas questões. Estas questões serão resolvidas no congresso dos Sovietes de toda a Ucrânia.
Se um comunista grão-russo insiste na fusão da Ucrânia com a Rússia, os ucranianos suspeitarão facilmente de que ele defende essa política não por considerações de unidade dos proletários na luta contra o capital, mas por preconceitos do velho nacionalismo, do imperialismo grão-russo. Essa desconfiança é natural e, até certo ponto, inevitável e legítima, porque os grão-russos, sob o jugo dos latifundiários e dos capitalistas, assimilaram ao longo dos séculos os preconceitos vergonhosos e sórdidos do chauvinismo grão-russo.
Se um comunista ucraniano insiste na absoluta independência estatal da Ucrânia, poder-se-á suspeitar de que defende essa política não do ponto de vista dos interesses momentâneos dos operários e dos camponeses ucranianos na sua luta contra o jugo do capital, mas sob o peso de preconceitos nacionais pequeno-burgueses, de pequeno patrão. Pois a experiência mostrou-nos centenas de vezes como os «socialistas» pequeno-burgueses de diversos países - todos os pseudo-socialistas polacos, letões, lituanos, os mencheviques georgianos, os socialistas-revolucionários, etc. - se camuflam de partidários do proletariado com o único objectivo de impingir pelo engano a política de conciliação com a «sua» burguesia nacional contra os operários revolucionários. Vimo-lo na Rússia de Fevereiro a Outubro de 1917 com o exemplo de Kérenski, vimo-lo e ainda o vemos em todos e quaisquer países.
Portanto, a desconfiança recíproca entre comunistas grão-russos e ucranianos surge muito facilmente. Como combater esta desconfiança? Como superá-la e conquistar a confiança recíproca?
O melhor meio para isto é o trabalho conjunto para defender a ditadura do proletariado e o Poder Soviético, na luta contra os latifundiários e capitalistas de todos os países, contra as suas tentativas de restabelecer a sua omnipotência. Esta luta conjunta mostrará claramente na prática que, seja qual for a solução da questão da independência estatal ou das fronteiras estatais, os operários ucranianos e grão-russos têm necessidade absoluta duma estreita aliança militar e económica, pois de contrário os capitalistas da «Entente», isto é, da aliança dos países capitalistas mais ricos, Inglaterra, França, América, Japão e Itália, esmagar-nos-ão e estrangular-nos-ão um a um. O exemplo da nossa luta contra Koltchak e Deníkine, a quem os abutres capitalistas forneceram dinheiro e armas, mostrou claramente este perigo.
Quem viola a unidade e a aliança mais estreita entre os operários e os camponeses grão-russos e ucranianos, ajuda os Koltchak, os Deníkíne, os abutres capitalistas de todos os países.
É por isso que nós, comunistas grão-russos, devemos perseguir da maneira mais rigorosa nas nossas fileiras as mínimas manifestações de nacionalismo grão-russo, pois essas manifestações, sendo em geral uma traição ao comunismo, provocam o maior prejuízo, desunindo-nos dos nossos camaradas ucranianos e fazendo com isso o jogo de Deníkine e do seu regime.
Por isso nós, comunistas grão-russos, devemos transigir nas nossas divergências com os comunistas bolcheviques ucranianos e os borotbistas quando essas divergências se referem à independência estatal da Ucrânia, às formas da sua aliança com a Rússia e, de modo geral, à questão nacional. Mas todos nós, comunistas grão-russos, ucranianos ou de qualquer outra nação, devemos mostrar-nos intransigentes, inconciliáveis, quanto às questões essenciais, fundamentais, idênticas para todas as nações, como a luta proletária, as questões da ditadura do proletariado, da inadmissibilidade da conciliação com a burguesia, da inadmissibilidade da divisão das forças que nos defendem contra Deníkine.
Vencer Deníkine, aniquilá-lo, tornar impossível a repetição duma invasão semelhante, tal é o interesse fundamental dos operários e camponeses grão-russos e ucranianos. A luta é longa e difícil, porque os capitalistas de todo o mundo ajudam Deníkine e ajudarão os Deníkine de toda a espécie.
Nesta luta longa e difícil, nós, operários grão-russos e ucranianos, devemos permanecer estreitamente unidos, pois separados nada conseguiremos fazer. Sejam quais forem as fronteiras da Ucrânia e da Rússia, sejam quais forem as formas das suas inter-relações estatais, não é isso o importante, nisso pode-se e deve-se fazer concessões, nisso pode-se experimentar uma coisa e outra e outra; a causa dos operários e dos camponeses, a causa da vitória sobre o capitalismo, não será perdida por isso.
Mas se não soubermos conservar a união mais estreita entre nós, união contra Deníkine, união contra os capitalistas e os kulaques dos nossos países e de todos os países, então a causa do trabalho estará certamente perdida por longos anos, no sentido de que os capitalistas poderão esmagar e estrangular tanto a Ucrânia Soviética como a Rússia Soviética.
Tanto a burguesia de todos os países como todos os partidos pequeno-burgueses, os partidos «conciliadores», que admitem a aliança com a burguesia contra os operários, se esforçaram sobretudo por dividir os operários das diferentes nacionalidades, atiçar a desconfiança, destruir a estreita união internacional e a fraternidade internacional dos operários. Quando a burguesia o consegue, a causa dos operários está perdida. Que os comunistas da Rússia e da Ucrânia consigam, com um trabalho conjunto, paciente, obstinado e tenaz, vencer as intrigas nacionalistas de todas as burguesias, os preconceitos nacionalistas de toda a espécie, e mostrar aos trabalhadores de todo o mundo o exemplo duma união verdadeiramente sólida dos operários e camponeses de diferentes nações na luta pelo Poder Soviético, pela liquidação do jugo dos latifundiários e dos capitalistas, por uma República Federativa Soviética mundial.
Notas de rodapé:
(1*) Ver Obras Escolhidas de V.I. Lénine em 3 tomos, t.3, pp. 190-195. (N. Ed.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
(N128) Comité Militar-Revolucionário de Toda a Ucrânia: órgão provisório do poder revolucionário na Ucrânia, criado em Dezembro de 1919. Foram transferidas para o Comité Revolucionário as funções do Comité Executivo Central e do Conselho de Comissários do Povo da Ucrânia. (retornar ao texto)
(N129) Borotbistas: membros de um partido nacionalista pequeno-burguês, que surgiu em Maio de 1918, depois da cisão do Partido Socialista-Revolucionário Ucraniano. A denominação do partido provinha do título do órgão central, o jornal Borotba (A Luta). Em Março de 1919 passaram a denominar-se Partido Socialista-Revolucionário Ucraniano dos Comunistas Borotbistas, e em Agosto Partido Comunista Ucraniano dos Borotbistas. Devido ao aumento da influência dos bolcheviques entre as massas camponesas e os êxitos do Poder Soviético na Ucrânia, os borotbistas foram obrigados a decidir a autodissolução. A IV Conferência do Partido Comunista (bolchevique) da Ucrânia, realizada em Março de l920, pronunciou-se pela admissão dos borotbistas nas suas fileiras. No entanto, mais tarde, muitos borotbistas continuaram a realizar actividades anti-soviéticas, encabeçavam a luta dos elementos contra-revolucionários, nacionalistas-burgueses, na Ucrânia. (retornar ao texto)