Do Artigo: Saudações aos Comunistas Italianos, Franceses e Alemães

V. I. Lenine

10 de Outubro de 1919


Primeira Edição: Escrito a 10 de Outubro de 1919. Publicado no mesmo mês. Encontra-se in Obras, t. XXX, pp. 39-44.

Fonte: Os Comunistas e as Eleições, Edições Maria da Fonte, 1975. Colecção «LUTA OPERÁRIA» Dirigida por: Manuel Quirós. Editor: Maria Isabel Pinto Ventura Tradutor: José Olivares Capa: Maria José Sacadura.

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.


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O partido kautskista (ou «independente»)(1) caminha para o perecimento e não tardará a sucumbir irremissivelmente, ficando reduzida a pó a causa das divergências entre a massa de filiados, revolucionários na sua maioria, e os «líderes» contra-revolucionários.

O Partido Comunista fortalecer-se-á e temperar-se-á enfrentando as mesmas divergências (as mesmas na essência) que conheceu o bolchevismo.

As discrepâncias entre os comunistas alemães reduzem-se, pelo que posso julgar, ao problema relativo à «utilização das possibilidades legais» (como diziam os bolcheviques em 1910-1913), à utilização dos parlamentos burgueses, dos sindicatos reaccionários e da «lei sobre os conselhos» (Betriebsratgesetz), desfigurados pelos Scheidemann e os Kautski, e à participação em semelhantes organismos ou ao boicote dos mesmos organismos.

Nós, os bolcheviques russos, enfrentámos essas mesmas divergências em 1906 e em 1910-1912. E vemos claramente que em muitos dos novos comunistas alemães se deixa sentir simplesmente uma falta de experiência revolucionária. Se tivessem conhecido um par de revoluções burguesas (a de 1905 e a de 1917) não preconizariam tão incondicionalmente o boicote e não incorreriam às vezes nos erros do sindicalismo.

Esta é uma enfermidade de crescimento. Desaparecerá à medida que se desenvolva o movimento, que cresça quantitativa e qualitativamente. Contra estes erros evidentes é preciso lutar de maneira aberta, procurando não exagerar as divergências, pois deve estar claro para todos que num futuro não distante a luta pela ditadura do proletariado e pelo poder soviético romperá com a maioria destas discrepâncias.

Do ponto de vista da teoria marxista e do ponto de vista da experiência de três revoluções (1905, Fevereiro de 1917 e Outubro de 1917), considero absolutamente errónea a negativa em participar nos parlamentos burgueses, nos sindicatos reaccionários (dos Legien, dos Gompers, etc.), nos «conselhos» operários arqui-reaccionários, deformados pelos Scheidemann, etc.

Às vezes, em casos isolados, em certos países, o boicote é justo, como o foi, por exemplo, o boicote dos bolcheviques à Duma czarista em 1905(2). Esses mesmos bolcheviques, porém, participaram da Duma de 1907, muito mais reaccionária e abertamente contra-revolucionária. Os bolcheviques participaram nas eleições à Assembleia Constituinte burguesa em 1917, mas em 1918 dissolvemo-la, perante o espanto dos democratas filisteus, dos Kautski e demais renegados do socialismo. Participámos nos sindicatos arqui-reaccionários (por seu carácter contra-revolucionário), os ignominiosos e ultra-reaccionários sindicatos alemães manobrados por Legien. Mesmo agora, dois anos após a conquista do poder do Estado, não terminámos ainda a luta contra os restos dos sindicatos mencheviques (isto é, sindicatos do tipo dos formados por Scheidemann,

Kautski, Gompers, etc.): como é prolongado este processo! Como está arreigada em alguns lugares ou em alguns sindicatos a influência das ideias pequeno-burguesas!

Antes éramos uma minoria nos sovietes, uma minoria nos sindicatos e nas cooperativas. Graças a um trabalho e a uma luta persistentes — antes de conquistar o poder político e depois de conquistá-lo — conseguimos a maioria em todas as organizações operárias, depois nas não operárias e mais tarde nas dos pequeno camponeses.

Só os velhacos e patetas podem acreditar que o proletariado deve primeiro conquistar a maioria nas votações realizadas sob o jugo da burguesia, sob o jugo da escravidão assalariada, e que só depois deve conquistar o poder. Isto é o cúmulo da imbecilidade ou da hipocrisia, isto é substituir a luta de classes e a revolução por votações sob o velho regime, sob o velho poder.

O proletariado desencadeia a sua luta de classe sem esperar por uma votação para começar uma greve, embora para o êxito completo da greve seja necessário contar com as simpatias da maioria dos trabalhadores (e, por conseguinte, da maioria da população). O proletariado desencadeia a sua luta de classe, derrubando a burguesia, sem esperar para isso por uma votação prévia (organizada pela burguesia e sob o seu jugo opressor), pois o proletariado sabe muito bem que para o êxito da sua revolução, para o derrubamento com êxito da burguesia é absolutamente necessário contar com as simpatias da maioria dos trabalhadores (e, por conseguinte, da maioria da população).

Os estúpidos parlamentares e os Luís Blanc dos nossos dias «exigem» obrigatoriamente votações, organizadas sem falta pela burguesia, para comprovar de que lado estão as simpatias da maioria dos trabalhadores. Mas este é um ponto de vista próprio de fantoches, de cadáveres insepultos ou de hábeis trapaceiros.

A vida real, a história das revoluções efectivas, mostra que as «simpatias da maioria dos trabalhadores» não podem ser demonstradas muitas vezes por nenhuma votação (sem falar das votações organizadas pelos exploradores, à base da «igualdade» entre exploradores e explorados!). Frequentemente, as «simpatias da maioria dos trabalhadores» demonstram-se não por votações, mas pelo crescimento de um dos partidos, ou pelo aumento do número dos seus membros nos sovietes, ou pelo êxito de uma greve que, devido a uma ou outra razão, adquire enorme importância, ou pelo êxito na guerra civil, etc., etc.

A história da nossa revolução demonstrou, por exemplo, que as simpatias para com a ditadura do proletariado, por parte da maioria dos trabalhadores nas imensas extensões dos Urais e da Sibéria, se revelaram, não por meio de votações, mas através da experiência de um ano de poder do general czarista Koltchak nos Urais e na Sibéria. Por certo, o poder de Koltchak começou também como poder de uma «coligação» dos Scheidemann e Kautski (em russo: dos «mencheviques» e «socialistas-revolucionários», partidários de uma Assembleia Constituinte), do mesmo modo que actualmente na Alemanha os senhores Haase e Scheidemann, com a sua «coligação», aplainam o caminho de von Hoelz ou de Ludendorf para o poder e encobrem, embelezam este poder. Diga-se entre parêntesis: a coligação de Haase e Scheidemann no governo terminou, mas continua a coligação política destes traidores do socialismo. Prova: os livros de Kautski, os artigos de Stampfer em Vorwaerts, os artigos dos kautskistas e scheidemanovistas sobre a sua «unificação», etc.

A revolução proletária é impossível sem a simpatia e o apoio da imensa maioria dos trabalhadores à sua vanguarda: o proletariado. Mas esta simpatia e este apoio não se obtêm subitamente, não se decidem em votações, mas conquistam-se numa demorada, difícil e dura luta de classes. A luta de classe do proletariado para ganhar a simpatia e o apoio da maioria dos trabalhadores não termina com a conquista do poder político pelo proletariado. Depois da conquista do poder, esta luta continua, mas sob outras formas. Na revolução russa ocorreram circunstâncias extraordinariamente favoráveis ao proletariado (na luta pela sua ditadura), pois a revolução proletária realizou-se quando todo o povo estava armado e quando todo o campesinato desejava a queda do poder dos latifundiários, quando todo o campesinato estava indignado com a política «kautskista» dos sociais-traidores, mencheviques e socialistas-revolucionários.

Mas também na Rússia, onde no momento da revolução proletária a situação foi excepcionalmente favorável e onde imediatamente se conseguiu uma excelente unidade de todo o proletariado, de todo o exército e de todo o campesinato, também na Rússia a luta do proletariado, para conquistar as simpatias e o apoio da maioria dos trabalhadores, exigiu meses e anos inteiros. Ao fim de dois anos, esta luta quase terminou, mas ainda não terminou de todo em favor do proletariado. Só ao fim de dois anos conquistámos definitivamente as simpatias e o apoio da maioria esmagadora dos operários e dos camponeses trabalhadores da Rússia, inclusive dos Urais e da Sibéria, mas não terminámos ainda com a conquista das simpatias e do apoio da maioria dos camponeses trabalhadores (diferentemente dos camponeses exploradores) da Ucrânia. Pode esmagar-nos (mas, apesar de tudo, não nos esmagará) a potência militar da Entente, mas dentro da Rússia contamos agora com as simpatias tão firmes de uma maioria tão esmagadora dos trabalhadores, que o mundo não tinha conhecido Estado mais democrático.

Se se medita sobre esta história da luta do proletariado pelo poder, complicada, árdua, prolongada, rica pela extraordinária variedade de formas e pela inusitada abundância de bruscas mudanças, reviravoltas e transições de uma forma de luta à outra, aparecerá claro o erro dos que desejam «proibir» a participação nos parlamentos burgueses, nos sindicatos reaccionários, nos comités czaristas ou scheidemanovistas de delegados operários ou nos conselhos de fábrica, etc., etc. Este erro deve-se à inexperiência revolucionária de sinceríssimos, convencidíssimos e heroicos militantes da classe operária. Por isso tinham mil vezes razão Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo quando, em Janeiro de 1919, viram e assinalaram este erro(3), mas preferiram continuar unidos com os revolucionários proletários que se equivocaram numa questão não muito importante, e não com os traidores do socialismo, com os adeptos de Scheidemann e Kautski, que não se equivocaram no problema da participação no parlamento burguês, mas deixaram de ser socialistas para se converterem em democratas filisteus, auxiliares da burguesia.

Mas, não obstante, o erro continua a ser erro e é preciso criticá-lo, é preciso lutar para corrigi-lo.

A luta contra os traidores do socialismo, contra os adeptos de Scheidemann e Kautski, deve ser implacável, mas não se deve desenvolver em torno do problema de participar ou não nos parlamentos burgueses, nos sindicatos reaccionários, etc. Isto seria um erro indiscutível, e ainda seria um erro mais grave o desviar-se das ideias do marxismo e da sua linha prática (um partido político forte e centralizado) para cair nas ideias e na prática do sindicalismo. Deve-se aspirar a que o Partido actue nos parlamentos burgueses, nos sindicatos reaccionários, nos «conselhos de fábrica», mutilados e castrados pelos Scheidemann, a que actue em todos os lugares onde haja operários, onde se possa falar com os operários e influir sobre as massas operárias. É preciso combinar resolutamente o trabalho clandestino com o legal, fazendo com que o Partido clandestino e as suas organizações operárias controlem de maneira sistemática e com o maior vigor a actividade legal. Isto não é fácil, mas na revolução proletária não há nem pode haver tarefas «fáceis», meios «fáceis» de luta.

É preciso cumprir a todo o custo esta tarefa nada fácil. Distinguimo-nos dos seguidores de Scheidemann e Kautski não só (nem principalmente) porque eles não admitem a insurreição armada, enquanto que nós a admitimos. A diferença principal e radical consiste em que eles, em todos os campos de actividade (nos parlamentos burgueses, nos sindicatos, nas cooperativas, no jornalismo, etc.), aplicam uma política inconsequente, oportunista e também descaradamente traidora e desleal.

Contra os social-traidores contra o reformismo e o oportunismo pode-se e deve-se seguir esta orientação política em todos os terrenos da luta, sem excepção. Neste caso conquistaremos as massas operárias. E com as massas operárias, a vanguarda do proletariado —o partido político marxista centralizado— conduzirá o povo pelo bom caminho até à candidatura triunfante do proletariado, até à democracia proletária em lugar da burguesa, até à República Soviética, até ao regime socialista.

A III Internacional conseguiu uma série de brilhantes e inusitadas vitórias em poucos meses. A rapidez do seu crescimento é assombrosa. Os erros parciais e as enfermidades próprias do crescimento não são temíveis. Criticando-as directa e abertamente, conseguiremos que as massas operárias de todos os países civilizados, educadas num espírito marxista, expulsem rapidamente do seu seio os seguidores de Scheidemann e Kautski de todas as nações, traidores do socialismo (estes tipos existem em todos os países).

O triunfo do comunismo é inevitável. A vitória será nossa.


Notas de rodapé:

(1) Em Abril de 1917, o democrata-constitucionalista Shingariov, ministro do governo provisório burguês, assinou um telegrama-circular, proibindo os camponeses de «resolverem por sua conta a questão agrária» e propondo solucionar o problema da terra mediante um «acordo voluntário» entre os latifundiários e os camponeses. O objectivo da política de Shingariov era proteger os interesses dos latifundiários e não permitir que a terra destes passasse às mãos do povo. (retornar ao texto)

(2) Trata-se do boicote da chamada Duma bulyguineana pelos bolcheviques. Em Agosto de 1905, o czar anunciou a convocação de uma Duma Consultiva de Estado (sem direito a promulgar leis), de acordo com o projecto elaborado por uma comissão presidida por Bulyguine, ministro do Interior. Os bolcheviques impugnaram o projecto da Duma bulyguineana com um boicote activo, chamando os operários a não participar nas eleições e a lutar pelo derrubamento da autocracia. A Duma bulyguineana não chegou a reunir-se: foi varrida pelo movimento revolucionário dos operários e camponeses. (retornar ao texto)

(3) No I Congresso do Partido Comunista da Alemanha, a 30 de Dezembro de 1918, discutiu-se o ponto referente à participação nas eleições à Assembleia Nacional. Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo defenderam a participação nas eleições e demonstraram que era necessário utilizar a tribuna parlamentar para popularizar as palavras de ordem revolucionárias entre as massas. Mas a maioria do Congresso manifestou-se contra e aprovou a resolução correspondente. (retornar ao texto)

Inclusão 04/10/2018