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Primeira edição: Bednotá, nº 185, 10 de novembro de 1918. V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 28, págs. 152/158
Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 392-398
Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
A organização dos camponeses pobres, camaradas, coloca-se para nós como a questão mais importante da nossa edificação interna e, inclusive, como a questão principal de toda a nossa revolução.
A Revolução de Outubro colocou diante de nós a tarefa de arrancar as fábricas das mãos dos capitalistas para converter os instrumentos de produção em patrimônio de todo o povo e, entregando toda a terra aos camponeses, reestruturar a agricultura em bases socialistas.
A primeira parte da tarefa foi muito mais fácil de cumprir do que a segunda. Nas cidades, a revolução teve que tratar com a grande produção, na qual estão ocupados milhares e milhares de operários. As fábricas pertenciam a um pequeno número de capitalistas, com os quais os operários podiam ajustar contas com facilidade. Os operários tinham já uma vasta experiência, graças à luta anterior contra os capitalistas, que lhes haviam ensinado a atuar em conjunto, com decisão e organizadamente. Além disso, a fábrica não precisa ser dividida; o importante é que toda a produção seja organizada no interesse da classe operária e do campesinato, para que os frutos do trabalho não caiam em mãos dos capitalistas.
No que se refere à terra, a situação é completamente diferente. Neste caso, para a vitória do socialismo, foi necessária uma série de medidas transitórias. De numerosas pequenas explorações camponesas é impossível fazer, imediatamente, uma grande exploração. É impossível, naturalmente, conseguir de imediato, a curto prazo, que a agricultura, que era explorada individualmente, se torne social e adquira a forma de grande produção estatal, na qual os produtos do trabalho sejam desfrutados de maneira proporcional e equitativa por todo o povo trabalhador, e na qual exista o trabalho obrigatório geral e proporcional.
Enquanto os operários fabris das cidades já derrubaram definitivamente os capitalistas sacudiram o jugo da exploração, no campo a verdadeira luta contra ela apenas começa.
Depois da Revolução de Outubro acabamos com os latifundiários, tiramos-lhes as terras; mas a luta no campo não terminou com isso. A conquista da terra, como qualquer conquista dos trabalhadores, só é firme quando se baseia na iniciativa dos próprios trabalhadores, em sua própria organização, em sua disciplina e firmeza revolucionária.
Tinham essa organização os camponeses trabalhadores?
Infelizmente, não, e nisso está a raiz, a causa de todas as dificuldades da luta.
Os camponeses que não empregam trabalho alheio, que não lucram à custa de outros, apoiarão sempre, como é natural, a resolução de que todos recebam terra por igual, de que todos trabalhem, de que a posse da terra não se converta em exploração e de que, para isso, não se tente tomar posse de maior quantidade de parcelas. Mas outra coisa são os culaques e parasitas, que se enriqueceram com a guerra, aproveitaram a fome para vender trigo a preços fabulosos, ocultaram-no à espera de nova alta de preços e agora tratam de enriquecer por todos os meios à custa da desgraça do povo, da fome dos pobres do campo e dos operários da cidade.
Os culaques e os parasitas são inimigos não menos perigosos do que os capitalistas e os latifundiários. Se o cúlaque permanece incólume, se não vencemos os parasitas, inevitavelmente voltarão a existir o tsar e o capitalista.
A experiência de todas as revoluções que até hoje ocorreram na Europa confirma claramente que a revolução é irremediavelmente derrotada se os camponeses não vencem o domínio dos culaques.
Todas as revoluções europeias terminaram sem conseguir seus objetivos precisamente porque o campo não soube ajustar conta com seus inimigos. Os operários da cidade derrubaram os reis (na Inglaterra e na França os reis foram executados há vários séculos; só nós nos atrasamos com nosso tsar) e, apesar disso algum tempo depois voltou a reinar o velho regime. Isso se deve ao fato de que então não existia nem mesmo nas cidades a grande produção, que agrupasse nas fábricas milhões de operários e os unisse em um exército capaz de resistir, sem o apoio dos camponeses, ao ataque dos capitalistas e dos culaques.
Os camponeses pobres não estavam organizados, lutavam mal contra os culaques, e em consequência disso a revolução era derrotada também nas cidades.
Hoje a situação é diferente. Nos últimos 200 anos, a grande produção desenvolveu-se com tanta força e cobriu todos os países com uma rede tão extensa de gigantescas fábricas, com milhares e milhares de operários, que se criou agora, por toda parte, nas cidades, um grande contingente de operários organizados, de proletários, que representam uma força suficiente para a vitória definitiva sobre a burguesia, sobre os capitalistas.
Nas revoluções anteriores, os camponeses pobres não tinham em quem apoiar-se em sua dura luta contra os culaques.
O proletariado organizado — mais forte e com maior experiência do que o campesinato (esta experiência resulta da luta anterior) — está hoje no poder, na Rússia, é dono de todos os instrumentos de produção, de todas as fábricas, estradas de ferro, navios, etc.
Agora, os camponeses pobres têm um aliado seguro e forte na luta contra os culaques. Os camponeses pobres sabem que a cidade está ao seu lado, que o proletariado os ajudará o quanto puder e já os está ajudando de fato, como demonstraram os acontecimentos recentes.
Todos recordam, camaradas, a perigosa situação em que se encontrava a revolução em julho deste ano. A sublevação tchecoslovaca criava corpo, a fome se intensificava nas cidades e os culaques tornavam-se, no campo, cada vez mais insolentes, atacavam com fúria crescente a cidade, o Poder Soviético, os camponeses pobres.
Exortamos os camponeses pobres a que se organizassem e iniciamos a constituição de comitês de camponeses pobres e a organização de destacamentos operários de abastecimento. Os esserristas de esquerda lançaram-se à insurreição. Diziam que os comitês de camponeses pobres estavam integrados por vagabundos e que os operários roubavam o trigo dos camponeses trabalhadores.
Nós lhes respondemos que eles defendiam os culaques, os quais haviam compreendido que na luta contra o Poder Soviético podiam ser empregadas não somente armas, mas também a fome. Eles diziam: «vagabundos». É nós lhes perguntávamos por que tal ou qual se tomara «vagabundo», por que se entregara, por que se arruinava, por que passava a beber? Acaso não era por culpa dos culaques? Os culaques e os esserristas de esquerda gritavam contra os «vagabundos», enquanto eles próprios se apoderavam do trigo, ocultavam-no e especulavam com ele, desejando enriquecer à custa da fome e dos sofrimentos dos operários.
Os culaques espremiam toda a seiva dos camponeses, aproveitavam-se do trabalho alheio e, ao mesmo tempo, gritavam: «Vagabundos»!
Os culaques esperavam impacientemente os tchecoslovacos e de bom grado teriam posto um novo tsar no trono para continuar explorando impunemente, para continuar montados no assalariado agrícola, para continuar acumulando lucros.
Toda a salvação consistiu em que o campo se uniu à cidade, em que os elementos proletários e semiproletários do campo — os que não empregam trabalho alheio — realizaram junto com os operários da cidade a campanha contra os culaques e os parasitas.
Em benefício desta união foi necessário fazer muito no terreno do abastecimento. A população operária das cidades passava uma fome inédita, enquanto os culaques diziam: «Prenderei um pouco mais meu trigo, pois pode ser que depois me paguem mais caro por ele».
Os culaques, naturalmente, não têm pressa: dispõem de bastante dinheiro; eles mesmos contam que acumularam quilos de bilhetes de banco emitidos pelo governo de Kerenski.
Mas, os que são capazes de ocultar e acumular trigo em época de fome são criminosos ferozes. É preciso lutar contra eles como contra os piores inimigos do povo.
É esta luta no campo foi iniciada por nós.
Os mencheviques e os esserristas assustavam-nos com a cisão que levávamos ao campo ao organizar os comitês de camponeses pobres. Mas, o que significa não dividir o campo? Significa deixá-lo em poder do cúlaque. Mas nós não queremos isso e, portanto, decidimos cindir o campo. Nós dizíamos: é certo que perdemos os culaques, não ocultamos esta desgraça (risos), mas ganharemos milhares e milhares de camponeses pobres, que se colocarão ao lado dos operários. (Aplausos).
Assim está ocorrendo. A divisão do campo não fez mais que mostrar com maior clareza onde estão os camponeses pobres, onde estão os camponeses médios, que não empregam trabalho alheio, e onde estão os parasitas e os culaques.
Os operários prestaram e prestam sua ajuda aos camponeses pobres na. luta contra os culaques. Na guerra civil que surgiu no campo, os operários estão ao lado dos camponeses pobres, do mesmo modo corno estiveram quando aprovaram a lei de socialização da terra apresentada pelos esserristas.
Nós, os bolcheviques, eramos inimigos dessa lei. Mas, apesar disso, a sancionamos, porque não queríamos marchar contra a vontade da maioria do campesinato. A vontade da maioria é sempre obrigatória para nós, e marchar contra essa vontade significa trair a revolução.
Não queríamos impor ao campesinato a ideia, que lhe era estranha, da inutilidade da repartição igualitária da terra. Considerávamos que seria melhor que os próprios camponeses
trabalhadores experimentassem sobre suas próprias costas, em sua própria pele, o absurdo da repartição igualitária. Só então poderíamos sair da ruína e da hegemonia dos culaques, a que deram origem a repartição da terra.
A repartição era boa unicamente para começar. Devia mostrar que a terra deixava de pertencer aos latifundiários e passava para os camponeses. Mas isto não é suficiente. A saída está somente no trabalho coletivo da terra.
Os camaradas camponeses não tinham consciência disso, mas a própria vida os levou a essa convicção. As comunas, o trabalho coletivo, as sociedades de camponeses: eis o remédio para escapar às desvantagens da pequena exploração agrícola, eis o meio de desenvolver e melhorar esta exploração, economizar energias e lutar contra os culaques, o parasitismo e a espoliação.
Sabíamos perfeitamente que os camponeses vivem como se estivessem enraizados na terra: os camponeses temem novidades, aferram-se tenazmente ao antigo. Sabíamos que os camponeses só acreditam nas vantagens desta ou daquela medida quando compreendem com sua própria inteligência essas vantagens. Por isso ajudamos a repartição da terra, embora compreendêssemos que essa não era a solução.
Mas agora os próprios camponeses pobres começam a nos dar razão. A vida lhes ensina que ali onde são necessários, por exemplo, 10 arados, porque a terra está dividida em 100 parcelas, com a comuna seria preciso menos arados, porque a terra não estaria tão dividida. A comuna permite a todo um artel, a toda uma sociedade introduzir melhorias inacessíveis aos pequenos proprietários isolados, etc.
É claro que não se conseguirá imediatamente, em toda parte, passar ao usufruto coletivo da terra. Os culaques resistirão a isso por todos os meios; inclusive os próprios camponeses frequentemente se oporão à implantação da comuna na agricultura. Mas quanto mais o campesinato se convença, pelos exemplos, pela experiência própria, das vantagens da comuna, maior será o êxito deste trabalho.
Nesta tarefa desempenham um papel importante os comitês de camponeses pobres. É necessário que estes comitês existam em toda a Rússia. Há muito tempo que se desenvolvem em ritmo acelerado. Em Petrogrado realizou-se há alguns dias o Congresso de comitês de camponeses pobres da região norte. Em lugar dos 7 000 representantes que se esperavam, chegaram 20 000, e o local destinado ao congresso não pôde comportar todos os congressistas. O bom tempo livrou-nos da dificuldade, pois permitiu que o congresso fosse realizado na praça em que se encontra o Palácio de Inverno.
Este congresso demonstrou que a guerra civil no campo é compreendida justamente: os camponeses pobres agrupam- -se e lutam em fileiras unidas contra os culaques, os ricaços e os parasitas.
O Comitê Central de nosso Partido formulou um plano de transformação dos comitês de camponeses pobres, que será submetido ao VI Congresso dos Sovietes. Decidimos que os comitês de camponeses pobres e os sovietes rurais não devem existir separadamente, pois em caso contrário existirão a discórdia e o palavrório. Fundiremos os comitês de camponeses pobres com os sovietes, faremos com que os primeiros se convertam nos segundos.
Sabemos que os culaques também se infiltram, às vezes. nos comitês de camponeses pobres. Se isto continua, os camponeses pobres terão em relação a estes comitês a mesma atitude que em relação aos sovietes de culaques de Kerenski e Avxentiev. A mudança de nome não engana a quem quer que seja. Em vista disso, pensa-se em realizar novas eleições de comitês de camponeses pobres. Só têm direito de voto os componentes dos referidos comitês que não explorem o trabalho alheio, que não roubem, aproveitando-se da fome do povo, que não especulem com os excedentes de trigo, nem o ocultem. Nos comitês de camponeses pobres, de caráter proletário, não pode haver lugar para os culaques e parasitas.
O Poder Soviético decidiu destinar um bilhão de rublos para um fundo especial para o fomento da agricultura.(1) Será dada ajuda financeira e técnica a todas as comunas existentes e às que forem fundadas.
Se fazem falta técnicos, enviá-los-emos. Ainda que estes sejam, em sua maioria, contrarrevolucionários, os camponeses pobres saberão controlá-los, e eles trabalharão para o povo de maneira não pior do que o faziam para os exploradores. Em geral, nossos técnicos puderam convencer-se de que, com a sabotagem e deitando a perder premeditadamente o trabalho, não poderão derrubar o poder operário.
Tampouco tememos o imperialismo estrangeiro. A Alemanha já queimou os dedos na Ucrânia. Em lugar dos 60 milhões de puds de trigo que esperava tirar dali, tirou somente 9 milhões e, de quebra, o bolchevismo russo, pelo qual não sente «especial simpatia. (Estrondosos aplausos). Não esta excluído, antes, pelo contrário, que aconteça o mesmo com os ingleses, aos quais podemos dizer: tenham cuidado, senhores, para que não se engasguem! (Risos e aplausos).
Contudo, o perigo existirá para nós enquanto nossos irmãos do estrangeiro não se tenham levantado em toda parte. Por isso devemos continuar organizando e fortalecendo nosso Exército Vermelho. Este trabalho deve ser particularmente profundo entre os camponeses pobres, que somente sob a proteção de nosso exército podem dedicar-se ao seu próprio trabalho.
Camaradas: A passagem para a nova economia transcorrerá, provavelmente, com lentidão, mas é necessário levar à prática sem vacilações o princípio da exploração agrícola comunal.
É preciso lutar energicamente contra os culaques, não aceitar acordo algum com eles. Com os camponeses médios podemos trabalhar juntos, e juntos lutar contra os culaques. Nada temos contra os camponeses médios. É possível que não sejam socialistas nem cheguem a sê-lo, mas a experiência lhes demonstrará os benefícios do cultivo coletivo da terra, e a maioria não oporá resistência.
No que se refere aos culaques, dizemos-lhes: tampouco temos qualquer coisa contra os senhores, mas entreguem suas sobras de trigo, não especulem e não explorem o trabalho alheio. Enquanto não fizerem isso, travaremos contra os senhores uma luta implacável.
Nada tiraremos dos trabalhadores; mas dos que empregam trabalho assalariado, que lucram à custa de outros, tudo expropriaremos. (Estrondosos aplausos)
Notas de fim de tomo:
(1) O fundo de um bilhão de rublos foi criado por decreto do Conselho de Comissários do Povo de 2 de novembro de 1918 “a fim de melhorar e fomentar a agricultura e de reestruturá-la sobre bases socialistas com o máximo de rapidez”. Deste fundo, concediam-se subsídios e empréstimos às comunas agrícolas, às cooperativas de trabalho e às sociedades ou grupos agrícolas, com a condição de que estes passassem ao cultivo coletivo da terra. (retornar ao texto)