MIA> Biblioteca> Vladimir Ilitch Lênin > Novidades
Observação: V. I. Lênin, Obras, 4ª ed. em russo, t. 3, págs. 9/12
Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 24 a 27
Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Este trabalho foi escrito às vésperas da Revolução Russa, durante certa calma que reinou depois da explosão das grandes greves de 1895/1896. O movimento operário parecia, então, haver-se concentrado em si mesmo, difundindo-se em amplitude e profundidade e preparando o início da onda de manifestações de 1901.
A análise do regime social e econômico, e, por conseguinte, da estrutura de classes da Rússia, que fazemos na presente obra, análise baseada numa investigação econômica e num exame crítico dos materiais estatísticos, é hoje confirmada pela intervenção política aberta de todas as classes no curso da revolução. Salientou-se plenamente o papel dirigente do proletariado, assim como o fato de que sua força no movimento histórico é incomensuravelmente maior do que sua quantidade numérica em proporção à massa total da população. A base econômica de um e de outro fenômeno é demonstrada neste trabalho.
Além disso, a revolução está revelando com clareza cada vez maior o duplo caráter da situação e do papel do campesinato. Por um lado, os enormes vestígios da economia baseada na corveia e todo tipo de sobrevivências da servidão, com a inaudita depauperação e ruína dos camponeses pobres, explicam plenamente as profundas origens do movimento revolucionário dos camponeses, as profundas raízes do espírito revolucionário das massas camponesas. Por outro lado, tanto no curso da revolução, como no caráter dos diversos partidos políticos e em numerosas correntes ideológicas e políticas, manifesta-se a estrutura de classe, internamente contraditória, destas massas camponesas, seu caráter pequeno-burguês, o antagonismo entre as tendências de proprietário e de proletário existentes no seio delas. As vacilações do pequeno patrão empobrecido, entre a burguesia contrarrevolucionária e o proletariado revolucionário, são tão inevitáveis quanto um fenômeno observado em toda sociedade capitalista: uma minoria insignificante de pequenos produtores se enriquece, «faz carreira» e se converte em burgueses, enquanto que a maioria esmagadora cai na completa ruína e se converte em operários assalariados ou em depauperados, que sempre esbarra na situação de proletários. A base econômica de ambas as tendências no seio do campesinato é demonstrada neste trabalho.
Partindo desta base econômica, compreende-se que a revolução na Rússia seja, inevitavelmente, uma revolução burguesa. Esta tese marxista é absolutamente irrefutável. Jamais se deve esquecê-la. Sempre se deve aplicá-la à análise de todas as questões econômicas e políticas da Revolução Russa.
Mas é necessário saber aplicá-la. A análise concreta da situação dos interesses das diversas classes deve servir para determinar o significado exato desta tese ao ser aplicada a tal ou qual questão. O método inverso de raciocínio, que observamos não poucas vezes entre os social-democratas da ala direita, encabeçados por Plekhanov, isto é, o afã de encontrar resposta às questões concretas no simples desenvolvimento lógico da tese geral sobre o caráter fundamental de nossa revolução, equivale a aviltar o marxismo e burlar do modo mais completo o materialismo dialético. A estas pessoas que, partindo da tese geral relativa ao caráter desta revolução, deduzem, por exemplo, o papel dirigente «da burguesia» na revolução ou a necessidade de que os socialistas apoiem os liberais, Marx lhes aplicaria provavelmente as palavras de Heine já citadas por ele em outra ocasião: «semeei dragões e colhi pulgas».
Sobre a base econômica concreta da Revolução Russa, são objetivamente possíveis dois caminhos fundamentais de seu desenvolvimento e desenlace:
Ou bem a antiga economia latifundiária, ligada por milhares de laços ao regime da servidão, se conserva, transformando-se lentamente numa exploração puramente capitalista, de tipo junker; neste caso, a base da passagem definitiva do sistema de remuneração em trabalho ao capitalismo é a transformação interna da exploração agrícola latifundiária baseada na servidão, e todo o regime agrário do Estado se converte em capitalista, conservando ainda por muito tempo os traços da servidão. Ou então a revolução rompe a antiga exploração latifundiária, destruindo todos os restos da servidão e, antes de tudo, a propriedade latifundiária; neste caso, a base da passagem definitiva do sistema de remuneração em trabalho ao capitalismo é o livre desenvolvimento da pequena exploração camponesa, que recebe um enorme impulso graças à expropriação das terras dos latifundiários em favor dos camponeses, e todo o regime agrário se transforma em capitalista, uma vez que a decomposição do campesinato se realiza tão mais rapidamente quanto mais radicalmente são eliminados os restos da servidão. Em outras palavras: ou bem a conservação da massa principal da propriedade dos latifundiários e dos principais pilares da velha «superestrutura»; daí o papel preponderante do burguês e do latifundiário monárquicos liberais, a rápida passagem para o seu lado dos camponeses acomodados, a degradação da massa de camponeses, que não só é expropriada em grande escala, mas que, além disso, é escravizada pelos diversos sistemas de tributos propostos pelos democratas constitucionalistas(1) e oprimida e embrutecida pelo domínio da reação; os tutores de semelhante revolução seriam os políticos de tipo outubrista.(2) Ou então a destruição da propriedade dos latifundiários e de todos os pilares principais da velha «superestrutura» correspondente; o papel predominante do proletariado e da massa de camponeses, com a neutralização da burguesia vacilante ou contrarrevolucionária; o desenvolvimento mais rápido e livre possível das forças produtivas sobre a base capitalista, com a melhor situação de quantas podem ter as massas operárias e camponesas em geral nas condições da produção mercantil. Daí a criação das mais favoráveis condições para que a classe operária possa cumprir ulteriormente sua verdadeira missão fundamental: levar a cabo a transformação socialista. Naturalmente, são possíveis as mais variadas combinações dos elementos integrantes de um ou outro tipo de evolução capitalista, e só alguns pedantes incorrigíveis pretenderiam resolver as questões peculiares e complicadas que surgem em tais casos com a citação de tal ou qual opinião de Marx que se refira a uma época histórica diferente.
O trabalho que oferecemos à atenção do leitor está dedicado à análise da economia pré-revolucionária da Rússia. Numa época revolucionária, o país vive uma vida tão impetuosa e agitada que é impossível determinar, em plena luta política, os grandes resultados da evolução econômica. Por um lado, os Stolipin(3) e, por outro, os liberais (e não somente os democratas constitucionalistas do tipo Struve, mas também todos os democratas constitucionalistas em geral), trabalham sistemática, tenaz e consequentemente para que a revolução chegue a seu término seguindo o primeiro dos caminhos traçados. O golpe de Estado de 3 de junho de 1907,(4) pelo qual acabamos de passar, significa uma vitória da contrarrevolução, que procura assegurar a completa preponderância dos latifundiários na chamada representação popular da Rússia. Mas, saber quanto é sólida esta «vitória» é outra questão, já que a luta pelo segundo desenlace da revolução continua. Com maior ou menor decisão, mais ou menos consequentemente e mais ou menos conscientemente, lutam por tal desenlace não só o proletariado, como, também, as amplas massas camponesas. A luta direta das massas, por mais que a contrarrevolução se empenhe em estrangulá-la por meio da violência aberta, por mais que se empenhem os democratas constitucionalistas em afogá-la por meio de suas mesquinhas ideias contrarrevolucionárias, miseráveis e hipócritas, já abre seu caminho, apesar de tudo, numa ou noutra parte, impondo sua marca à política dos partidos «do trabalho», dos partidos populistas, ainda que os líderes políticos pequeno-burgueses estejam indubitavelmente contaminados (sobretudo os «socialistas populares»(5) e os «trudoviques»(6)) pelo espírito democrata-constitucionalista de traição, de moltchalinismo(7) e de suficiência de filisteus ou burocratas moderados e meticulosos.
Agora ainda não é possível prever como vai terminar esta luta nem qual será o resultado definitivo desta primeira ofensiva da Revolução Russa. Por isso mesmo, ainda não chegou a hora de reescrever inteiramente esta obra(8) (além disso, meu trabalho imediato de partido, como militante do movimento operário, não me deixa tempo livre). A segunda edição não pode ir além de uma caracterização da economia pré-revolucionária da Rússia. O autor viu-se obrigado a limitar-se à revisão e correção do texto e a completá-lo com os novos materiais estatísticos mais indispensáveis, como, por exemplo, os dados dos últimos censos de cavalos, a estatística das colheitas, os resultados do censo da população da Rússia, feito em 1897, os novos dados estatísticos sobre as fábricas, etc.
Julho de 1907. O Autor
Notas de rodapé:
(8) É possível que a tarefa exija continuar este trabalho; então teria que limitar o primeiro tomo à análise da economia pré-revolucionária da Rússia, dedicando o segundo tomo ao estudo do balanço e dos resultados da revolução. (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
(1) Ver, também, sobre esta questão "O problema da terra e a luta pela libertação" às páginas 271/274 do presente volume.
O Partido Democrata Constitucionalista (donde procede sua denominação abreviada de k.d., kadetes) foi fundado em outubro de 1905. Era o principal partido burguês da Rússia, o partido da burguesia liberal-monárquica. Cobrindo-se com um falso caráter democrático e denominando-se de partido da “liberdade popular”, os democratas constitucionalistas lutavam por ganhar para seu lado os camponeses e manter o tzarismo como monarquia constitucional.
Depois da vitória da Revolução Socialista de Outubro, os democratas constitucionalistas organizaram conspirações contrarrevolucionárias e sublevações contra a República soviética. (retornar ao texto)
(2) Outubristas ou União do 17 de Outubro: partido contrarrevolucionário da grande burguesia industrial e dos grandes latifundiários que exploravam suas terras de modo capitalista. Fundado em novembro de 1905, este partido reconhecia em palavras o manifesto de 17 de outubro, no qual o tsar, assustado pela revolução, havia prometido ao povo “liberdades cívicas” e uma Constituição. Mas, na prática, os outubristas apoiavam incondicionalmente a política interna e externa do governo tzarista. Seus líderes eram A. Gutchkov, grande industrial, e M. Rodzianko, dono de grandes latifúndios. (retornar ao texto)
(3) Stolipin: ultrarreacionário, presidente do Conselho de Ministros, de 1906 a 1911. Estão unidos a seu nome o esmagamento da primeira revolução russa (1905/1907) e o período de cruel reação política que se seguiu. (retornar ao texto)
(4) O golpe de Estado de 3 (16) de junho de 1907 teve caráter reacionário. Suas formas foram a dissolução da II Duma de Estado pelo governo e a modificação da lei que regulamentava as eleições para a Duma. A nova lei eleitoral aumentou consideravelmente a representação dos latifundiários e da burguesia comercial e industrial na Duma e reduziu em grande proporção o número de representantes dos operários e camponeses, já exíguo. A lei privou de direitos eleitorais a maioria da população da Rússia asiática e reduziu à metade a representação dos habitantes da Polônia e do Cáucaso. A III Duma, eleita com base nesta lei e reunida em novembro de 1907, era de composição ultrarreacionária e democrata constitucionalista. O golpe de Estado de 3 de junho iniciou o período da reação stolipiniana, conhecido pela denominação de “regime do 3 de junho”. (retornar ao texto)
(5) “Socialistas populares” partido pequeno-burguês, formado em 1906 por elementos dissidentes da ala direita dos esserristas. Defendia reivindicações democráticas moderadas, que não passavam dos limites da monarquia constitucional. Os “socialistas populares” renunciaram à prescrição programática dos esserristas sobre a socialização da terra, reconhecendo a desapropriação das propriedades dos latifundiários com base em um resgate. V. I. Lênin denominava estes elementos “oportunistas pequeno-burgueses”, “social-kadetes” e “mencheviques esserristas”. Os líderes dos “socialistas populares” foram A. Poshekhonov, V. Miakotin, N. Annenski e outros. (retornar ao texto)
(6) Trudoviques (“Grupo do Trabalho”): grupo de democratas pequeno-burgueses constituído em abril de 1906 pelos deputados camponeses à I Duma de Estado.
Os trudoviques reivindicavam a abolição de todas as restrições de casta e nacionais, a democratização da administração dos zemstvos e das cidades e o sufrágio universal para as eleições à Duma de Estado. O programa agrário dos trudoviques baseava-se nos princípios populistas de usufruto igualitário do solo: organização de um fundo de todo o povo com as terras do fisco, da Coroa, do tsar e dos mosteiros, bem como dos proprietários privados, se suas propriedades ultrapassavam as normas estabelecidas. Previa-se uma indenização pelas terras de propriedade privada expropriadas. A realização da reforma agrária era considerada encargo dos comitês camponeses locais. (retornar ao texto)
(7) Moltchalinismo: sinônimo de servilismo e bajulação. Originou- -se do nome de Moltchalin, personagem da obra de A. Griboiedov A Desgraça de ser Muito Esperto. (retornar ao texto)