A História das Internacionais Operárias

Pierre Lambert

15 de julho de 1998


Primeira publicação: Revista La Verité, n.º 22/23.

Primeira publicação em português: Revista A Verdade, n.º 22/23, dezembro de 1998.

Contexto: Exposição apresentada na reunião de formação de jovens militantes na Espanha.

Tradução: Comitê de tradutores da Revista A Verdade.

Transcrição: Corrente O Trabalho do Partido dos Trabalhadores, seção brasileira da 4ª Internacional.

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Vocês hão de convir comigo que é uma tarefa difícil a de resumir a história das Internacionais, que se confunde com a história das revoluções, da luta de classes, com a história do movimento operário no mundo todo e com as lutas heroicas do proletariado.

Em 1934, a insurreição dos trabalhadores das minas das Astúrias, esmagada pelo governo daquela época, abriu, no entanto, o caminho para a revolução espanhola, também esmagada em 1939. Por quê?

Porque não havia partido nem Internacional revolucionários implantados nas massas. Não lhes posso explicar tudo isso agora, seria longo demais, tanto mais que só disponho de vinte minutos para lhes falar.

POR QUÊ AS INTERNACIONAIS?

Naturalmente, desde que a humanidade existe, os oprimidos, os explorados sempre aspiraram à justiça. A luta de classes nada mais é do que a luta dos oprimidos e dos explorados contra a exploração e a opressão. Na Antiguidade, houve a luta dos escravos contra seus senhores; na Idade Média, a luta dos servos contra os senhores feudais e, na sociedade capitalista, há a luta do proletariado contra os capitalistas.

A diferença que existe entre o trabalho escravo, o trabalho servil e o trabalho assalariado permite compreender a razão pela qual, na luta de classes, o proletariado precisa de uma Internacional. A exploração capitalista se baseia na exploração da força de trabalho dos operários pelos capitalistas, que possuem os bens de produção.

A diferença existente entre o trabalho servil e o trabalho assalariado reside no fato de que o servo trabalha para o senhor, mas possui uma parcela de terra e ferramentas para trabalhar.

O trabalhador assalariado não está na mesma situação frente à exploração capitalista. Os trabalhadores assalariados só possuem a força de trabalho, que devem vender aos capitalistas para poder sobreviver. Em todos os tempos, as classes exploradas lutaram contra a exploração. A diferença entre o trabalho servil e o trabalho assalariado consiste no fato de que o camponês/servo liberto da servidão pode tornar-se proprietário de seus instrumentos de trabalho e bens de produção (terra). O operário, o trabalhador assalariado que adquire o estatuto de proprietário dos bens de produção deixa de ser assalariado. Torna-se capitalista. Essa situação é claramente traduzida pelo Manifesto do Partido Comunista : “Os proletários nada têm a perder, a não ser as correntes que os atam”.

Repitamos : quando há exploração de uma classe social por outra, há luta contra a exploração. Sozinho, isolado, o operário não é ninguém, não tem possibilidade alguma de lutar contra quem possui os bens de produção. O capitalista pode até deixá-lo morrer de fome. O operário só pode sobreviver enquanto trabalhador assalariado. Reunidos, os operários fazem a força, podem organizar-se. Quem organiza essa força ?

É o modo de produção capitalista, que exige fábricas, minas, relações entre as fábricas, entre as minas, em que os operários, os mineiros, os metalúrgicos se encontram nas mesmas condições de exploração, reunidos e explorados. A partir do instante em que o capitalismo se desenvolveu, em que houve concentração de operários, constituíram-se organizações para lutar contra a opressão. No século passado, Lenine dizia aos “mujiques” deslocados do campo que desembarcavam nas cidades : “Mujiques, vocês morrerão as mil mortes da exploração capitalista, e serão reagrupados, organizados nas prisões da indústria; mas, também aprenderão a se organizar para derrubar a organização dos capitalistas, construindo organizações operárias”.

A primeira organização, surgida na Inglaterra, foi o Movimento dos Cartistas, com o seguinte programa : 10 horas de trabalho sem perda de salário, proibição do trabalho infantil, aumento de salário.

No início do capitalismo, quando os operários trabalhavam 14, 15 horas por dia, crianças de até 6 ou 8 anos de idade se agrupavam nas fábricas, em casas que se chamavam work-houses, verdadeiras prisões.

Abro parênteses aqui para dizer que, hoje em dia, no mundo todo, quer seja na França, Espanha ou Estados Unidos, o capitalismo tenta fazer com que os trabalhadores voltem a trabalhar nessas mesmas condições.

Foi a partir de 1830 que começaram a se constituir organizações operárias, mais ou menos secretas. Na França, uma série de tendências e organizações buscavam, então, ainda que de maneira confusa, expressar os interesses da classe operária já constituída. Na Alemanha, a situação da classe operária ainda em formação se caracterizava por relações sociais em que predominavam formas semifeudais. Foi pela crítica a essas formas semifeudais e centrada nos exilados que se constituiu, na França, a Liga dos Justos, reunindo exilados alemães, ingleses, belgas e franceses. Na Inglaterra, o Movimento Cartista já tinha todas as características de um movimento operário. Todas essas organizações mantinham estreitas relações entre elas.

Houve discussões políticas, cisões, reagrupamentos até o momento em que se esclareceu a posição do proletariado, que afirmou sua luta de classe e seus objetivos graças à Liga dos Comunistas. Foi essa Liga dos Comunistas que adotou o Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, o qual traçou todo o desenvolvimento histórico do proletariado desde 1848. Pode-se dizer que, em termos de princípios, o Manifesto permanece tão vivo em 1998 quanto o era em 1848. O proletariado é internacional no conteúdo e nacional na forma. Hoje em dia, muito mais do que em 1848, termos como globalização, privatizações, desregulamentação, flexibilidade, mobilidade… são termos que encobrem a defesa dos interesses dos proprietários privados dos bens de produção contra os interesses dos explorados e oprimidos. Esses termos são utilizados de modo idêntico em todos os continentes e países.

É claro que o Manifesto do Partido Comunista foi redigido a partir da situação do proletariado da época. Mas, a base de princípio do Manifesto é a Internacional, que foi não uma invenção de Marx, mas sim a tradução de uma realidade econômica e histórica, cujos princípios são válidos até hoje. Desse ponto de vista, podemos dizer que a Liga dos Comunistas, que se formou em 1847, é a pré-história das Internacionais.

A Revolução de 1848 e seu fracasso levaram a uma situação de desorganização da classe operária, que sofreu profundos golpes, desferidos pela burguesia e pelos governos. Assistiu-se, então, a um recuo do movimento operário.

A PRIMEIRA INTERNACIONAL

Mas, o desenvolvimento do capitalismo continuou e a classe operária foi levada a tentar se constituir como classe; logo, a se organizar para resistir à exploração.

Em 1864, em Londres, teve lugar um comício contra a repressão dos exércitos czaristas à revolução polonesa e a favor da Irlanda. Desse comício participaram todos os representantes do movimento operário, todas as tendências, inclusive representantes da democracia…

Ainda em Londres, e ao mesmo tempo, teve lugar a Exposição Universal. Desse modo, delegações de operários de uma série de países expositores participaram desse comício. Aí decidiram unir-se, estabelecer elos internacionais, essencialmente europeus. Daí nasceu a Primeira Internacional.

A Primeira Internacional reuniu todas as tendências do movimento operário, as tendências reformistas e as tendências revolucionárias, marxistas, bakuninistas, inclusive Garibaldi, que se situa nos limites do movimento operário. Marx foi encarregado de escrever o Carta, que se tornou o programa da Primeira Internacional, reunindo todas as organizações do movimento operário existentes na época. A libertação da humanidade só terá lugar através da luta da classe operária pela libertação da exploração do homem pelo homem e da abolição da propriedade privada dos bens de produção – esse é o fundamento de princípio da Primeira Internacional.

Assim, a condição para se construírem organizações em todos os países, quaisquer que sejam as tendências da classe operária, e para se construir uma organização operária, é a necessidade da luta pela abolição da exploração do homem pelo homem.

A Primeira Internacional elegeu um conselho geral, que se reuniu em Londres, em congressos onde foi definida uma série de questões políticas ainda hoje atuais. Darei alguns exemplos delas.

Para se defender contra a exploração, a classe operária deve estar unida. São os capitalistas que, introduzindo a concorrência entre os trabalhadores, fazem com que haja divisões entre eles.

Como combater a exploração?

A Primeira Internacional recomenda: nunca aceitar estar sujeito a um partido ou governo burgueses porque, em sua essência, esses governos são de exploradores. A partir daí, qualquer que seja sua posição política, filosófica ou religiosa, os trabalhadores podem reunir-se em sindicatos independentes.

Os trabalhadores estão confrontados com diversas correntes políticas: marxistas, bakuninistas, reformistas… A liberdade de pensamento deverá ser totalmente respeitada; tem-se o direito de se pertencer à organização política que se escolher. Assim, a classe operária estará reunida em organizações políticas. A democracia operária, garantida pela independência de classe, garante a liberdade de expressão.

Naturalmente, as relações não são as mesmas em todos os países, pois as tradições nacionais são diferentes. Há diferenças entre as organizações sindicais espanholas e francesas. Não quero dizer com isso que a forma de organização seja melhor na França do que na Espanha. Ela corresponde à situação histórica de cada país e ao desenvolvimento próprio da luta de classe do proletariado em cada um deles.

Há outras formas de organização: as mútuas, em parte as cooperativas operárias, enfim, uma série de conquistas que fizeram da classe uma classe, que a classe capitalista visa destruir ao destruir suas organizações.

A SEGUNDA INTERNACIONAL

O malogro da Comuna de Paris determina a derrocada da Primeira Internacional. A reconstrução do movimento internacional tem como resultado a Segunda Internacional. Desta só participavam partidos operários independentes. A Segunda Internacional nada tinha a ver com a Internacional Socialista de hoje, onde se encontram partidos burgueses e partidos reacionários junto a partidos ditos socialistas, e até mesmo a antigos partidos comunistas. Não poderia aderir à Segunda Internacional um partido que não fosse operário (por exemplo, na Venezuela, o Partido de Ação Democrática, que é um partido burguês, mas também membro da Internacional Socialista).

Hoje em dia, González e Pierre Mauroy travam negociações para que o Partido Democrata norte-americano possa cooperar com a Internacional Socialista e associar-se a ela, sob qualquer forma que seja. É a “terceira via” proposta por Clinton, Blair, Jospin e outros…

Durante os anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Internacional reagrupou os partidos operários que se formaram em muitos países, com um programa baseado na independência de classe, defesa das conquistas sociais, luta por verdadeiras reformas, que pudessem realmente trazer melhorias ao destino dos explorados, e luta pela unidade internacional dos proletários.

“Os proletários não têm pátria”, dizia o Manifesto do Partido Comunista. Isso não significa que não tenham que defender certas nações em certas condições; por exemplo, nações oprimidas. Mas, em 1914, quando da Primeira Guerra Mundial, os deputados socialistas franceses votaram orçamentos de guerra e proclamaram: “O inimigo é a Alemanha”. Na Alemanha, disseram: “O inimigo é a França”. Cada um desses partidos, submetendo-se a um governo imperialista, lutando pela defesa da “pátria”, acorrentou militantes e trabalhadores a seu imperialismo nacional. Houve, então, uma quebra. Já não era uma Internacional. Cada um dos dirigentes desses partidos – não os membros, não os trabalhadores que os seguiram – traiu a causa da classe operária ao trair a Internacional. Por quê ?

Uma vez mais, é necessário utilizar o método do marxismo. Quais são as bases materiais que permitem compreender essa situação ?

As bases materiais da degenerescência dos partidos da Segunda Internacional se encontram no imperialismo, no capital financeiro que, através da conquista das colônias, da super-exploração dos trabalhadores e dos povos colonizados, constituiu, na classe operária, uma camada que Lenine chamou de “aristocracia operária” – aqueles que, de fato, pensavam poder resolver “sua” questão social submetendo-se à burguesia.

É a partir dessa base material que se pode compreender o que aconteceu. Isso não quer dizer que os dirigentes que passaram para o outro lado fossem todos traidores, vendidos, corruptos, etc. Havia traidores, vendidos, corruptos, como sempre os houve em movimentos libertadores. Mas os grandes revolucionários na França, Rússia e Alemanha não eram corruptos. Quando se acharam em condições de dizer “não” à burguesia, aos governos burgueses, alguns disseram “sim”, outros nem “sim” nem “não”, outros “não”… Em todas as organizações, houve militantes que não cederam. Na França, houve militantes do Partido Socialista, sindicalistas que não cederam e disseram “não”: “O inimigo do proletário não é o proletário que mora em frente, mas sim o capitalista”. O mesmo aconteceu na Alemanha, Itália, Rússia…

Estes se reagruparam. Organizaram um simpósio em Zimmerwald, na Suíça. Eram 35: alemães, franceses, italianos, russos… A Internacional era isso: cabiam todos em oito táxis apenas!

Disseram “não” à guerra imperialista, “sim” à revolução proletária!

“Sim” à fidelidade à Internacional!

A TERCEIRA INTERNACIONAL E A DEGENERESCÊNCIA ESTALINISTA

A Revolução Russa integrou esses homens. Juntos, constituíram a Terceira Internacional. Todos os representantes dessas tendências se reencontraram em Moscou, no seio da Internacional Comunista. Havia os marxistas, os sindicalistas revolucionários da França, que não eram marxistas. Em 1920, a CNT espanhola, anarco-sindicalista, decidiu aderir à Terceira Internacional.

Se me permitirem, contarei aqui um caso que me foi contado há uns quinze anos por um velho revolucionário, hoje falecido. Era um sindicalista revolucionário: não era bolchevique nem marxista. Chamava-se Alfred Rosmer. Tinha sido eleito para o Executivo da Internacional Comunista em Moscou. Quando o terceiro Congresso Mundial estava sendo preparado, a CNT, que tinha votado a favor da adesão à Internacional Comunista, enviou um delegado para participar do Congresso Mundial da Internacional Comunista. Lenine estava um pouco intrigado com isso. Pediu a Rosmer que viesse a seu escritório e fez-lhe perguntas sobre a CNT. Rosmer explicou-lhe que a CNT era uma organização revolucionária de massa. Lenine disse-lhe, então (não posso garantir a exatidão dos termos): “São anarquistas, não são bolcheviques. Estamos a favor do centralismo democrático, eles não são partidários disso. Não temos o direito de impor-lhes o centralismo democrático, que vai contra a ideologia deles”.

Lenine, então, procurou uma solução e encontrou-a:

“Vamos formar a Internacional Sindical Vermelha. Todos os sindicatos que permanecerem fiéis à luta de classes poderão se juntar à Internacional Sindical Vermelha. Como o sindicato reúne os trabalhadores quaisquer que sejam suas opiniões políticas, filosóficas ou religiosas, poderão ser membros do Executivo da Internacional Sindical Vermelha. Esta poderá enviar observadores à Internacional Comunista. Embora possam manter opiniões próprias, será possível elaborar política e ações em comum”.

Aparentemente, estava tudo bem, muito bem mesmo. Mas foi um grande erro. Por exemplo, em 1920, na França, quando da cisão da CGT, imposta pelos reformistas, a ala esquerda formou a CGTU (Confederação Geral do Trabalho Unitário). O qualificativo “unitário” traduzia claramente aquela que era a posição de princípio da época. Considerava-se a cisão momentânea. Foi assim que a posição de Lenine levou à consolidação da cisão do movimento sindical. Por outro lado, a Internacional Sindical Vermelha tornou-se um instrumento de Stálin para subordinar os partidos comunistas do mundo inteiro à casta burocrática.

Isso mostra que até os maiores, os mais lúcidos revolucionários também podem se enganar.

Mas, como explicar a degenerescência da Terceira Internacional?

A Revolução Russa foi isolada e a Guerra Civil foi horrivelmente atroz. Quando da grande fome de 1920, houve milhares de casos de canibalismo. Claro que o socialismo não é uma sociedade em que se devora o próximo… Isolada, por quê ? Porque os dirigentes da Segunda Internacional permaneceram ligados à burguesia. No final da guerra, houve movimentos revolucionários em todos os países, principalmente, na Alemanha, Bulgária, Hungria e Itália. Os bolcheviques diziam :

“Se a revolução alemã explodir, finalmente poderemos respirar um pouco. O proletariado de um país tão avançado quanto a Alemanha nos enviará máquinas, operários qualificados e nós lhe enviaremos trigo. Assim, formaremos um bloco indestrutível que atrairá os operários franceses, os operários espanhóis, etc.”

A Revolução Russa degenerou. Stalin substituiu pela pseudo-teoria do “socialismo num só país” a concepção marxista materialista, que estabelece a necessidade do socialismo a partir do fato de que as “forças produtivas implantadas nas relações sociais de produção capitalista estão sufocadas nas barreiras dos Estados nacionais (1) e do mercado mundial”.

Foi baseando-se nesta análise marxista, fundamentada num estudo objetivo da economia mundial, que Lenine estabeleceu os fundamentos objetivos da revolução proletária em meio ao Imperialismo, estágio supremo do capitalismo. Dessa análise se deduz: a necessidade objetiva da revolução mundial, para garantir o desenvolvimento das forças produtivas e a necessidade de se substituir o sistema da propriedade privada dos bens de produção pela propriedade social.

A análise de Lenin não se confirmou ? Convido-os a consultarem os numerosos documentos adotados pela Quarta Internacional, os quais afirmam que o atraso da revolução mundial (cuja causa única foi a traição das velhas direções da Segunda e Terceira Internacionais) levou a uma situação mundial (formulada no Programa de transição) em que, sufocadas no âmbito do mercado internacional, as forças produtivas “pararam de crescer” e entraram atualmente numa fase de apodrecimento a nível mundial, em virtude do apodrecimento do sistema de propriedade privada dos bens de produção.

A era da revolução, a era do desenvolvimento das forças produtivas libertas dos obstáculos da propriedade privada dos bens de produção, é mundial. A Revolução Russa de 1917, para o partido bolchevique de Lenine e Trotsky, era o primeiro passo da revolução mundial. A Rússia soviética foi totalmente isolada e teve que suportar o árduo assalto do imperialismo mundial, que organizou um boicote econômico quase que total.

É esse o âmbito da degenerescência do estado operário, que levaria ao desmantelamento da URSS. A casta burocrática sequestrava, para benefício próprio, a gestão da propriedade coletiva, camuflando seus privilégios em nome da pseudo-teoria do “socialismo num só país”, da “convivência pacífica de dois sistemas”.

A Revolução Russa degenerou. Da extrema-direita à esquerda oficial, usa-se como pretexto a falência da burocracia para dar crédito à falência do socialismo internacional. O que é o socialismo? O que é o comunismo?

Não posso (vocês devem entender) senão esboçar alguns elementos para a resposta a essas perguntas. O comunismo, do qual o socialismo é a primeira fase, é a construção de um sistema social internacional que garantirá a satisfação das necessidades sociais da humanidade. O fundamento do socialismo é o desenvolvimento das forças produtivas, libertadas dos grilhões da propriedade privada, o que deverá permitir que todos tenham a possibilidade material de satisfazer as próprias necessidades. É óbvio que isso só pode ser concretizado através do desenvolvimento da técnica, a qual garante o avanço da economia.

Nas sociedades antigas (Antiguidade, sociedade feudal), o acionamento das forças produtivas era insuficiente para atingir tal objetivo. Hoje em dia, quem poderá negar que a causa da destruição das forças produtivas é esse sistema apodrecido da propriedade privada dos meios de produção ?

León Trotsky escreveu que “a indústria é o motor da civilização humana”. Hoje, todos podem constatar que, em todos os países, no mundo inteiro, em todos os governos, qualquer que seja sua tendência política e, em primeiro lugar, nos governos dirigidos pelos partidos da Internacional Socialista, assistimos à destruição organizada das bases industriais da civilização para satisfazer as necessidades vorazes da economia especulativa, que conta com o apoio do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, da Organização Mundial do Comércio, da União Europeia de Maastricht-Amsterdã-Cardiff, do Nafta, da OTAN…

A Revolução Russa degenerou. Stalin substituiu os princípios marxistas pela pseudo-teoria do “socialismo num só país”. Talvez seja possível esclarecer esse mecanismo de degenerescência através de uma comparação. Imaginemos uma família composta por uma mãe, um pai e duas crianças pequenas. Para brincar, o irmãozinho esconde o pedaço de pão da irmãzinha. Para a alimentação tanto de um quanto do outro – a necessidade de consumo de pão – isso não coloca problema algum. Em tempo de guerra, quando a fome se alastrava, por exemplo, durante a Segunda Guerra Mundial, uma brincadeira dessas não podia ser tolerada. Num caso desses, o pai de família seria obrigado a “castigar”, isto é, a “reprimir”, a “proibir” o irmão de pegar o pedaço de pão de sua irmã: seria uma questão de sobrevivência. É claro que a comparação pára por aí. Os pais só pensam em poupar os filhos. Quanto ao burocrata que chegou ao poder, sua única preocupação, ao subir na escala social, é pegar para si mesmo a parte do leão, na função repressiva da partilha, às custas da maioria mais pobre.

No final da guerra civil, a Rússia soviética, isolada, com as fronteiras bloqueadas, sofrendo de uma fome atroz, não era capaz de satisfazer as necessidades mais elementares da população, de repartir os produtos de primeira necessidade em número suficiente. O aparelho de Estado começou a se servir sozinho, às custas de todos. A burocracia, casta parasita que se apropria do poder de gerir ela própria a propriedade coletiva, usou esta última em proveito próprio, levando a URSS à falência.

Pouco a pouco, Trotsky começa a analisar, a partir de 1923-1924, a degenerescência estalinista do estado operário. E mostra, no próprio processo das revoluções e crises revolucionárias que abalam a humanidade, como a pseudo-teoria do “socialismo num só país”, inventada por Stálin em 1924, levou à degenerescência gradativa dos partidos da Terceira Internacional. De instrumentos de auxílio à emancipação dos trabalhadores, os aparelhos dos PCs, subordinados a Moscou, se tornaram, junto com os aparelhos social-democratas, os organizadores do fracasso.

Foi uma época sombria essa que levaria à proclamação da Quarta Internacional, em 1938. Uma época em que, para defender seus privilégios de casta, a burocracia exterminou os combatentes de Outubro de 1917, levou ao fracasso o “Junho de 1936” e a Revolução Espanhola, após ter desarmado o proletariado alemão frente a Hitler.

A QUARTA INTERNACIONAL

Incito-os a estudarem A Revolução Traída, escrita por Leon Trotsky, em 1936. Vão ver a que ponto esse livro é uma premonição. Nele, Trotsky explica como a burocracia, se não for derrubada pela revolução política, impulso para a revolução mundial, se tornará o instrumento da restauração da propriedade privada dos bens de produção e destruirá as conquistas de Outubro.

O desmoronamento da URSS confirma a análise de Leon Trotsky. Coloca-se aqui a alternativa histórica do “socialismo ou barbárie”. É fato consumado que a barbárie se impõe cada vez mais no mundo todo: oficialmente, um bilhão e meio de seres humanos vivem abaixo do patamar de pobreza. Oficialmente também, 55 milhões de pessoas, nos Estados Unidos, vivem na mais completa miséria; centenas de milhões de pessoas têm que aceitar trabalho precário, sem garantias nem direitos, enquanto que as forças produtivas poderiam satisfazer as necessidades de todos os seres humanos do planeta.

A obstinação do imperialismo em defender o sistema da propriedade privada dos bens de produção, em pleno apodrecimento, leva a economia especulativa, que substitui a economia produtiva, a destruir as forças produtivas e a força de trabalho que as movimentam por todos os meios possíveis: desemprego, desregulamentação, liquidação da proteção social, fechamento de hospitais, destruição do ensino… Por todos os meios possíveis, inclusive com guerras pretensamente étnicas que hoje assolam 75 países, guerras fomentadas pelo FMI, Banco Mundial e instituições internacionais do capital financeiro, com participação direta da ONU e das ONGs.

Em 1936, o grande escritor Victor Serge, um dos raros revolucionários que conseguiram escapar dos campos de Stalin, escreveu um romance que tem como título É Meia Noite no Século e que, sob a forma literária, resume o dilema do período histórico “socialismo ou barbárie”.

Vocês podem entender que no âmbito desta conferência é impossível apresentar a análise marxista que fundamenta a resposta positiva para a alternativa com a qual a humanidade se confronta atualmente. Entretanto, quero dizer algumas palavras a esse respeito.

Em escala mundial e em todos os países, a luta pela sobrevivência da humanidade se confunde com a luta pela sobrevivência do proletariado e das massas exploradas e oprimidas. O processo do sistema capitalista de produção, já entrado em fase de decadência especulativa, ainda não atingiu sua fase final.

A economia especulativa destrói as forças produtivas, instaura a destruição das bases da economia produtiva, mas a especulação é alimentada pela extorsão da mais-valia, o que implica na existência de um proletariado, que continua a ser a força motriz da luta de classes.

Por um lado, a queda do muro de Berlim, devida à insurreição das massas, as greves e mobilizações contra as privatizações e, por outro lado, o desmoronamento da URSS, devido à combinação dos golpes da casta pró-restauração e do imperialismo, a destruição especulativa da economia produtiva marcam os contornos de um processo em andamento, inacabado, configurando a alternativa “socialismo ou barbárie”. Vou parar por aqui, remetendo-os aos documentos da Quarta Internacional, que explicitam nossa confiança no destino da revolução que, apesar das inúmeras dificuldades e tragédias, acabará por salvar a humanidade da barbárie mundial.

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A Quarta Internacional foi proclamada em 1938. Conta com toda a experiência das que a precederam, experiência essa resumida numa exigência única: em toda a parte e em todas as circunstâncias, independência na luta de classes, independência de classe das organizações.

Os princípios do programa apresentado pela Quarta Internacional podem ser constatados em todos os acontecimentos históricos. Não é contra as outras tendências e organizações independentes que a Quarta Internacional levanta esse programa… A significação que a Quarta Internacional dá a si mesma é a de acreditar que os princípios marxistas ainda são verdadeiros. Este é o nosso posicionamento, o de integrar a experiência positiva do combate organizado pela Primeira, Segunda e Terceira Internacionais.

Disso tudo deduzimos o seguinte: em meio a esta assustadora crise do movimento operário internacional, tendências, grupos, militantes buscam o caminho da independência. Não são trotskistas, não adotam o programa da Quarta Internacional, mas, repito, buscam o caminho da independência. Queremos dizer a eles: a condição para se auxiliar a luta de classes é a independência. Estamos dispostos a nos organizar conjuntamente no Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos, mediante o respeito mútuo de opiniões e programas.

Resumamos com precisão os resultados no nível da história do movimento operário. A Primeira Internacional ensinou ao proletariado a necessidade de criar organizações independentes. A Segunda Internacional reuniu organizações de classe independentes que, durante a fase de ascensão do capitalismo, ajudaram a luta de classe do proletariado a obter reformas e vantagens sociais. Na fase de apogeu do capitalismo – que se tornou imperialismo, seu estágio supremo, iniciando a era de apodrecimento do modo de produção fundamentado na propriedade privada dos meios de produção – a Terceira Internacional salientou a necessidade da República dos Conselhos Operários como fase de transição para a sociedade sem classes e sem Estado. O Partido Bolchevique de Lenin e Trotsky ajuda e organiza a vitória da Revolução de Outubro, constituindo a República dos Conselhos, os sovietes, os conselhos operários de delegados eleitos e revogáveis, sendo que a Revolução Russa consistiu a forma desenvolvida da Comuna de Paris.

Com a constituição da Terceira Internacional, os partidos comunistas centralizaram as lições tiradas do combate operário elaborando o método da frente única: desde a constituição da Primeira Internacional, entende-se que, para a luta pela emancipação, era necessário construir organizações operárias independentes, sendo que os partidos da Segunda Internacional reuniram organizações operárias independentes na luta pelas reformas e conquistas sociais. A Terceira Internacional degenerou e sucumbiu em virtude dos golpes desferidos pelo estalinismo.

A Quarta Internacional, proclamada em 1938, durante um período de crise, tirou lições das derrotas e fracassos da revolução proletária, cuja responsabilidade incumbia aos aparelhos dirigentes da Segunda Internacional, utilizando a força organizada do proletariado para sujeitar a luta de classe às burguesias exploradoras. E a Quarta Internacional tirou lições da degenerescência da URSS e, ao mesmo tempo, da dos PCs que, dominados por aparelhos submissos ao estalinismo, “passando definitivamente para o lado dos burgueses” (1933), determinaram as maiores derrotas do proletariado mundial. Os aparelhos dos PCs, concebidos para auxiliar o proletariado em sua luta de classe revolucionária, tornaram-se instrumentos da casta burocrática parasita, associando-se até o fim ao Kremlin para levar a URSS à restauração capitalista.

A Quarta Internacional integrou à sua luta pela organização, para auxiliar a luta de classe pela emancipação, as lições das Internacionais anteriores. Assim, em seu combate, a Quarta Internacional integrou:

Queremos dizer a todos aqueles que, no movimento operário, se opõem às privatizações, à desregulamentação, ao desemprego, à destruição das nações, que querem defender as reformas e não as destruir, a todos aqueles que querem defender todas as conquistas do movimento: nós nos propomos a trabalhar juntos, respeitando nossos respectivos posicionamentos, para juntos buscarmos saídas, a fim de salvarmos a humanidade da decadência.

Para isso, travemos debates, no âmbito da democracia operária, da qual o centralismo democrático é uma das manifestações. Queremos dizer: para nós, assim como para Lenine e Trotsky, o centralismo democrático é sinônimo de liberdade de pensamento, não aceita hierarquia nas discussões livres e tem a unidade na ação como consequência.

Durante a atual e assustadora crise do movimento operário internacional, a única condição para o estabelecimento de um Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos é a afirmação da independência das organizações.

Com Trotsky, foi fundada a Quarta Internacional, num momento histórico em que toda a história da humanidade está em jogo – “socialismo ou barbárie” – , barbárie que ganha cada vez mais espaço no mundo todo, com um bilhão de seres humanos vivendo abaixo do patamar de pobreza, na maior miséria. Há guerras pretensamente étnicas em 70 países. Por exemplo, no Kosovo, onde centenas de milhões de pessoas vivem de trabalho precário, sem direitos nem garantias, enquanto nós vivemos num mundo em que as forças produtivas poderiam satisfazer as necessidades de todos os seres humanos. Ao invés disso, fábricas e minas estão sendo destruídas.

Hoje, a Quarta Internacional deve tirar lições de todas as Internacionais anteriores. E a Quarta Internacional, tem seu programa, mas esse programa, que é considerado justo, cujos princípios são comprovados pela história, não se levanta contra as outras tendências.

Hoje, o que significa tirar lições de toda a experiência das Internacionais anteriores?

Significa algo muito preciso: construir o Acordo Internacional. Em meio a essa crise assustadora do movimento operário mundial, tendências, grupos, militantes se destacam. Não são trotskistas, mas buscam o caminho da independência. Por isso, afirmamos: a única condição é a independência de classe. Se houver independência de classe, estamos dispostos a nos organizarmos no que será o Acordo Internacional.

O período de edificação da Segunda Internacional foi de reformas, vitórias e conquistas sociais. Queremos dizer a todos aqueles que, participando do movimento operário, são reformistas, querem defender as reformas e não liqüidá-las, defender a proteção social e não destruí-la, defender o regime de aposentadoria e não matar de fome os trabalhadores mais velhos, a todos aqueles que quiserem defender nossas conquistas: estamos dispostos a lutar juntos no Acordo Internacional, não lhes impomos como condição aderirem à Quarta Internacional para combatermos juntos.

Queremos dizer àqueles que, como nós, acreditam que a Revolução Russa foi a alvorada da Revolução universal; a todos aqueles que quiserem combater pela República dos Conselhos; a todos aqueles que quiserem defender as reformas arduamente conquistadas pela luta de classe; a todos aqueles que afirmam ser necessário que todos se unam: unamo-nos. No que nos toca, aceitamos discutir livremente sobre nosso programa, o programa da Quarta Internacional.