"Várias e matizadas são as feições que Kant revela neste escrito de 1798. a) Uma, decerto, inesperada e curiosa: a de conselheiro de auto-ajuda e promotor do apreço de si, a partir da sua experiência pessoal: aos filósofos combalidos recomenda ele (tacitamente) a dietética, um são estoicismo do sustine et abstina (“aguenta e abstém-te!”), que se integra na filosofia prática e que também não é alheio à medicina. [...] b) Mudemos, porém, de registo e vejamos a segunda feição: a de teórico da Universidade. No desempenho deste papel, Kant deixa, por um lado, entrever como em parte se concebia, estruturava e classificava o saber no seu tempo, muito distante da esquizofrenia das nossas "duas culturas"; reflecte, por outro, as tensões que sempre existiram ou vagueiam nos intramuros do studium generale, em virtude do objectivo último para que aponta o cultivo das múltiplas disciplinas e especialidades que se vão acoitando no recinto universitário.[...] c) A terceira feição é a de filósofo político. Como noutros escritos, Kant desdobra aqui, a priori, o seu projecto de “futurologia” histórica, ‘augural’, ‘divinatória’, de um caminhar da humanidade para o melhor, numa perspectiva ética. Entre os extremos do terrorismo moral (a decadência irremediável e sempre mais acentuada da humanidade) e do abderitismo (a perpétua oscilação, no ritmo ora de avanço ora de recuo, típico da humana tolice), situa o eudemonismo (a esperança ‘quiliástica’ numa progressão real, apesar da inconstância que caracteriza o ser dos homens).[...] d) A quarta feição, mais insistente e obsessiva, é a de filósofo da religião. Kant retoma aqui, em breves lampejos, o que já dissera em A religião nos limites da simples razão (1793). Mas é significativa a premência - e até a extensão - com que, nestas páginas, a sua atenção ou inspecção recai sobre a Faculdade teológica. " (da Apresentação) |