Nós temos então estabelecido que conhecimento refletindo um fato individual, ainda que se um frequentemente recorrente, mas falhando em agarrar sua estrutura interna e os elos internamente necessários com outros fatos, é um conhecimento extremamente abstrato até mesmo se é percebido sensorialmente e diretamente. Isso é exatamente porque “a lei geral da mudança de forma do movimento é muito mais concreta que cada um de seus exemplos concretos” (Engels, 2000, p. 174)Referência 1, e até mesmo os exemplos mais gráficos não podem fazer um escasso pensamento pobre em definições em um concreto.
Exemplos gráficos ilustrando uma abstração escassa só pode camuflar sua abstraticidade, criando meramente uma aparência ou ilusão de consideração concreta. Lamentavelmente esse procedimento é recorrido frequentemente por pessoas que restringem considerações teóricas a exemplos acumulados. A interpretação da concreticidade como tangibilidade sensorial do conhecimento é naturalmente mais conveniente para eles do que a definição de Marx, pois o último necessita mais análises dos fatos.
Na verdade essa posição não possui qualquer coisa em comum com a de Marx. Para ser mais preciso, não existe algo “em comum”, naturalmente – as palavras “abstrato” e “concreto”. No entanto estas palavras idênticas abafam completamente conceitos opostos do abstrato e do concreto, uma oposição de uma compreensão imaginária e genuína do papel e lugar de ambos no pensamento, na contemplação de processamento e noção.
Em que consiste, de acordo com Marx, a consideração realmente abstrata do objeto? Abstraticidade enquanto tal é, em seu ponto de vista, unilateralidade do conhecimento, o tipo de conhecimento da coisa que reflete somente aquele seu aspecto que é similar ou idêntico em muitas outras coisas do mesmo tipo. Uma abstração expressando a natureza específica concreta da coisa é uma questão bastante diferente. Em sua caracterização lógica, tal abstração é algo diametralmente oposto à abstração simples, ao abstrato enquanto tal.
O que isso significa, fazer uma generalização genuína, criar uma abstração concreta objetiva de um fenômeno?
Significa considerar um fato recorrente bastante particular com respeito ao seu próprio conteúdo imanente, significa considera-lo “em si mesmo”, como a frase familiar possui, ignorando tudo que este fato deve à inteira totalidade das influências externas da esfera mais ampla da realidade na qual ele existe.
Este é o caminho que Marx segue em O Capital ao estudar os fenômenos da troca mercantil simples. Ele obtém as características objetivas reais do valor “considerado abstratamente, isto é, prescindindo das circunstâncias que não decorrem imediatamente das leis imanentes da circulação simples de mercadorias [...]” (Marx, 2013, p. 233)Referência 2.
De suprema importância aqui é o fato de que Marx desde o início tem em vistas a reprodução do concreto no pensamento como o objetivo global à luz da qual cada procedimento lógico separado, cada ato separado formando a abstração é medido. Cada fenômeno particular é considerado em O Capital diretamente em respeito ao seu lugar e papel no todo, no sistema concreto dentro do qual e através do qual ele adquire sua determinidade específica. Cada abstração concreta registra essa determinidade, que não é característica de cada fenômeno separado se ele existe fora do sistema concreto dado e é adquirido por ele tão logo forma parte do sistema. Na verdade Marx considera a interconexão universal do todo, isto é, da inteira totalidade dos fenômenos particulares interagindo, através de análises abstratas de um fenômeno particular, conscientemente ignorando tudo que o dado fenômeno deve a outros fenômenos interagindo com ele.
À primeira vista, isso parece ser paradoxal: a conectividade universal dos fenômenos é estabelecida através de seu oposto – uma abstração rigorosa de tudo que um fenômeno possui devido às suas interconexões universais com outros, de tudo que não flui das leis imanentes do fenômeno particular dado.
A questão é, entretanto, que o próprio direito de considerar o fenômeno particular dado abstratamente, pressupõe compreender seu papel e lugar específicos no todo, dentro da interconexão universal, dentro de um conjunto de fenômenos particulares mutuamente condicionantes; exatamente o fato da troca mercantil simples, mercadoria e forma da mercadoria são consideradas abstratamente é a expressão lógica do papel bastante específico desempenhadas pela mercadoria no todo dado e não em outro todo.
O fato de que a mercadoria é considerada abstratamente, independentemente de todos os outros fenômenos da produção capitalista, expressa logicamente (teoricamente) sua única forma historicamente concreta de dependência no sistema de relações de produção como um todo.
A questão é que a forma de conexão mercadoria prova ser a forma elementar, universal de interconexões entre homens somente dentro do sistema desenvolvido da produção capitalista e em nenhum outro sistema de relações de produção. Em nenhum outro sistema de relações de produção histórico concreto, que mercadoria e troca de mercadoria se desenvolveram, desempenharam ou podem desempenhar tal papel.
O papel e importância específica da simples forma mercadoria dentro do capitalismo desenvolvido é também expresso teoricamente na circunstância em que a consideração puramente abstrata da mercadoria e suas leis imanentes revelam ao mesmo tempo a definição teórica universal do sistema como um todo, uma expressão de sua regularidade universal concreta. Se qualquer sistema de relações de produção social que não o capitalismo (socialismo ou feudalismo, o sistema comunal primitivo ou a formação de possuidores de escravos) for estudado teoricamente como assunto, nada poderia ser mais errado, na lógica marxiana, do que considerar a forma mercadoria abstratamente, como é considerada na teoria econômica do capitalismo.
Consideração abstrata da forma mercadoria poderia ser inútil para um entendimento teórico da conexão universal de um sistema se esse sistema se desenvolveu em outras bases. Neste caso, em considerando mercadoria em abstrato, pensamento não dará um passo sequer em direção à consideração concreta do sistema econômica em estudo, não abstrairá uma única definição teórica concreta do objeto.
Enquanto o teórico não possui meramente um direito, mas até mesmo uma obrigação de considerar a forma mercadoria em abstração dentro do sistema capitalista, ele não possui qualquer direito lógico de considerar tão abstratamente qualquer outra forma de conexão econômica no mesmo organismo capitalista, por exemplo, lucro ou renda.
Tal tentativa não resultará em resolver um entendimento teórico concreto do papel e lugar do lucro dentro da interconexão global. Isso é em geral impossível de fazer a não ser que mais-valor, dinheiro e mercadoria tenham sido analisados primeiro. Se nós destacamos o fenômeno do lucro no início, sem previamente analisar mercadoria, dinheiro, mais-valor etc., e começamos a considerar ele em abstrato, isto é, deixando de lado todas as circunstâncias que não fluem de suas leis imanentes, nós não entenderemos qualquer coisa de seu movimento. Na melhor das hipóteses nós obteremos uma descrição dos fenômenos do movimento do lucro, uma noção abstrata deles, ao invés de um conceito teórico concreto.
Assim, o direito de considerar abstratamente um fenômeno é determinado pelo papel concreto deste fenômeno no todo em estudo, em um sistema concreto de fenômenos interagindo. Se o ponto de início do desenvolvimento de uma teoria é tomado corretamente, sua consideração abstrata acontece de coincidir diretamente com uma consideração concreta do sistema como um todo. Se análises abstratas lidam com algum outro fenômeno que não aquele que constitui objetivamente a forma elementar, mais simples, universal do ser do objeto como um todo, sua “célula” real, então a consideração abstrata permanece abstrata no sentido ruim da palavra e não coincide com o caminho do conhecimento concreto.
Tomando os fenômenos do lucro, pode-se formar uma noção generalizada abstrata deles. Mas não se pode obter um conceito concreto do lucro por este caminho, pois uma concepção concreta do lugar e papel do lucro no movimento do sistema de relações capitalistas assume um entendimento de sua substância imediata real, mais-valor, isto é, de um fenômeno econômico diferente, e o último por sua vez pressupõe conhecimento das leis imanentes do movimento da esfera dinheiro-mercadoria, um entendimento do valor enquanto tal, independente do lucro ou mais-valor. Em outras palavras, consideração abstrata do lucro é ela mesma possível somente quando fenômenos independentes dela são previamente analisados. Lucro pode ser entendido somente através do mais-valor, através de “algo diferente”, enquanto que mais-valor pode e deve ser entendido “por si mesmo”, e em analisando isso deve-se estritamente deixar de lado todas as circunstâncias que não seguem estritamente de suas leis imanentes; primeiro de tudo, é preciso abandonar o lucro. Não se consegue fazer qualquer coisa do tipo em analisando o lucro, contudo, se não consegue abandonar circunstâncias seguindo das leis imanentes de um fenômeno diferente, não consegue considerar o lucro abstratamente.
Uma consideração abstrata do assunto, deixando de lado todas as circunstâncias que não seguem diretamente das leis imanentes do fenômeno dado, concentra nas leis imanentes, na análise do fenômeno “em e por ele mesmo”, para usar uma frase Hegeliana. Análises das leis do movimento da esfera dinheiro-mercadoria em O Capital de Marx é um modelo de tal estudo. O fenômeno é aqui considerado “por ele mesmo”, em estrita abstração de todas as influências dos outros fenômenos conectados, mais complicados e desenvolvidos, primeiro de tudo, com a produção de mais-valor. Isso também significa que o fenômeno é considerado abstratamente.
Essa concepção e aplicação da consideração abstrata não é metafisicamente oposta à consideração concreta, mas sim uma coincidência real do abstrato e do concreto, sua unidade dialética. Consideração concreta aparece como sendo onde as circunstâncias que não seguem diretamente das leis imanentes do fenômeno dado são levadas em conta, ao invés de deixados de lado. Entendimento concreto dos fenômenos da esfera dinheiro-mercadoria coincide com levar em conta todas as influências exercidas sobre ela por todas as formas desenvolvidas e cada vez mais complicadas das relações econômicas dentro do capitalismo.
Em outras palavras, uma concepção concreta da mercadoria que foi originalmente considerada somente no abstrato, coincide com o entendimento teórico da inteira totalidade das formas interagindo da vida econômica, da inteira estrutura econômica do capitalismo. Essa concepção é obtida somente em um sistema global da ciência, na teoria como um todo.