A Autogestão Iugoslava: Uma Teoria e Prática Capitalista


II. O sistema de “autogestão” na economia


A teoria e a prática da “Autogestão” iugoslava é uma negação direta dos ensinamentos do marxismo-leninismo e das leis universais da construção do socialismo.

A essência do “socialismo de autogestão” na economia é a ideia de que o suposto socialismo não pode ser construído concentrando os meios de produção nas mãos do Estado socialista, criando a propriedade estatal como a forma mais elevada de propriedade socialista, mas sim fragmentando a propriedade estatal socialista em propriedade de grupos individuais de trabalhadores, que supostamente a administram diretamente eles mesmos. Já em 1848, Marx e Engels enfatizaram: “o proletariado usará sua supremacia política para arrancar, gradualmente, todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, ou seja, do proletariado organizado como a classe dominante”(1).

Lênin enfatizou o mesmo quando combateu com firmeza a visão anarco-sindicalista do grupo hostil ao partido, a “Oposição Operária”, que exigia a entrega das fábricas aos trabalhadores e a gestão e organização da produção não pelo Estado socialista, mas por um chamado “Congresso de Produtores”, como representante de grupos de trabalhadores individuais. Lênin descreveu estas opiniões como representando “uma ruptura completa com o marxismo e o comunismo”(2).

Ele ressaltou que “qualquer defesa, direta ou indireta, da propriedade dos trabalhadores de uma determinada fábrica ou de uma determinada profissão para sua produção específica, ou qualquer justificativa de seu direito de diminuir ou dificultar as ordens do poder central do Estado, é uma distorção grosseira dos princípios fundamentais do poder soviético e uma completa renúncia ao socialismo”(3).

Em junho de 1950, quando Tito apresentou a lei da “Autogestão” à Assembleia Popular da República Socialista Federativa da Iugoslávia, enquanto desenvolvia sua visão revisionista sobre a propriedade sob o “socialismo”, ele disse, entre outras coisas: “De agora em diante a propriedade estatal dos meios de produção, fábricas, minas, ferrovias passarão gradualmente à forma mais alta de propriedade social. Entre os atos mais característicos de um país socialista está a transferência de fábricas e outras empresas econômicas das mãos do Estado para as mãos dos trabalhadores, para que eles administrem, pois desta forma a palavra de ordem da classe trabalhadora – ‘Fábricas para os Trabalhadores!’ – será concretizada”(4).

Estas afirmações de Tito e a visão anarco-sindicalista reacionária da “Oposição Operária”, que Lênin expôs em seu tempo, são tão parecidas como duas ervilhas em uma panela, mas também são semelhantes à visão de Proudhon, que escreveu em sua obra Teoria da Propriedade que “o produto espontâneo de uma unidade coletiva pode ser considerado como o triunfo da liberdade, assim como a maior força revolucionária que existe e que pode ser oposta ao Estado”. Ou vejamos o que um dos líderes da Segunda Internacional, Otto Bauer, disse em seu livro O Caminho para o Socialismo: “Quem, então, irá liderar a indústria socializada no futuro? O governo? Não! Se o governo administrasse todos os ramos da indústria sem exceção, ele se tornaria muito poderoso sobre o povo e o órgão representativo nacional. Tal aumento do poder do governo seria perigoso para a democracia”(5).

Em unidade com as opiniões de Tito, Edvard Kardelj também enfatiza em seu livro: “Nossa sociedade é obrigada a agir desta forma tão logo que tenha decidido pela autogestão e pela socialização autônoma da propriedade social, contra a perpetuação da forma estatal das relações socialistas de produção”(6). Isto significa que o sistema de propriedade privada foi estabelecido na Iugoslávia, e a propriedade estatal socialista, propriedade de todo o povo, não existe mais.

Muito pelo contrário acontece em nosso país, onde esta propriedade socialista comum é administrada pelo Estado da ditadura do proletariado com a participação da classe trabalhadora e das massas de trabalhadores em formas diretas e centralizadas que são planejadas a partir de baixo e orientadas a partir de cima.

O curso da descentralização dos meios de produção, de acordo com as ideias anarco-sindicalistas da “Autogestão” dos trabalhadores não é, em essência, nada mais do que uma forma inteligente de preservar e consolidar a propriedade privada capitalista sobre os meios de produção, embora de forma disfarçada de “propriedade administrada por grupos de trabalhadores”. De fato, todos os termos confusos e abstratos inventados pelo “teórico” Kardelj em seu livro, tais como as “organização fundamental do trabalho associado”, “os conselhos operários da organização fundamental composta, do trabalho associado”, “os conselhos operários da organização fundamental composta, do trabalho associado”, “as comunidades de autogestão dos interesses”, etc., que até mesmo foram inscritos na lei do Estado capitalista iugoslavo, não são nada além de uma fachada brilhante por trás da qual se esconde o esvaziamento da classe trabalhadora de seu direito de propriedade sobre os meios de produção, esses termos apenas legalizam a exploração selvagem da burguesia.

Este tipo de propriedade privada existe na Iugoslávia não apenas de forma disfarçada, mas também em sua forma aberta, tanto na cidade como no campo. Isto também é admitido por Edvard Kardelj em seu livro quando diz: “em nossa sociedade, direitos como o direito da propriedade pessoal ou, dentro de certos limites, também da propriedade privada têm especial importância”(7). Kardelj tenta, em vão, minimizar o efeito negativo que a aceitação aberta do direito à propriedade privada pode ter até mesmo na forma de produção em pequena escala, o que, como diz Lênin, dá origem ao capitalismo a cada dia e a cada hora. Os revisionistas iugoslavos emitiram leis especiais para incentivar a economia privada, leis que reconhecem o direito dos cidadãos de “fundar empresas” e de “contratar mão-de-obra”. A Constituição Iugoslava declara explicitamente: “Os proprietários privados têm a mesma posição socioeconômica, os mesmos direitos e obrigações que os trabalhadores nas organizações socioeconômicas”.

A pequena propriedade privada reina suprema na agricultura iugoslava e ocupa quase 90% da terra arável. Nove milhões de hectares de terra pertencem ao setor privado, enquanto mais de 10%, ou 1,15 milhões de hectares pertencem ao monopólio, o chamado “setor social”. Mais de 5 milhões de camponeses na Iugoslávia estão engajados no cultivo de terras privadas. O campo iugoslavo nunca enveredou pelo caminho das transformações socialistas genuínas. Kardelj não tem uma palavra a respeito desta situação em seu livro e evita lidar com o problema de como seu sistema de “Autogestão” é estendido à agricultura. Entretanto, se ele finge que o socialismo está sendo construído através deste sistema, então como é possível que ele tenha esquecido a “construção do socialismo” também na agricultura, que corresponde por quase metade da economia? A teoria marxista-leninista nos ensina que o socialismo é construído tanto na cidade quanto no campo, não com base na propriedade capitalista estatal, na propriedade supostamente administrada por grupos de trabalhadores, ou na propriedade privada em sua forma aberta, mas somente com base na propriedade socialista sobre os meios de produção.

Na Iugoslávia, a propriedade privada de 10 a 25 hectares é legalizada(8). Mas a lei iugoslava que permite a compra e venda, o aluguel e a hipoteca de terras, a compra e venda de máquinas agrícolas e mão-de-obra assalariada na agricultura também criou as possibilidades para a nova classe burguesa do campo, os kulaks, de acrescentar à área de suas terras, meios de trabalho e implementos, tratores(9) e caminhões às custas dos camponeses pobres e, consequentemente, de intensificar e intensificar sua exploração capitalista.

As relações capitalistas de produção estão tão profundamente enraizadas na economia iugoslava que até os capitalistas de empresas estrangeiras têm agora um campo de ação livre para fazer investimentos e, juntamente com a burguesia local, explorar a classe trabalhadora local e as outras massas de trabalhadores na Iugoslávia. O sistema iugoslavo de “Autogestão” pode ser corretamente descrito como um Estado de cooperação do capitalismo iugoslavo com o capitalismo americano e outros capitalistas. Eles são parceiros que compartilham os recursos da Iugoslávia em todos os aspectos – em fábricas, meios de comunicação, hotéis, habitação, até a alma das pessoas.

Se a economia iugoslava deu alguns passos adiante em seu desenvolvimento, isto não se deve de forma alguma ao sistema de “Autogestão”, como os revisionistas titoístas tentam reivindicar. Grandes quantidades de capital do mundo capitalista na forma de investimentos, créditos e “ajuda” foram jogadas na Iugoslávia e isto constitui uma parte considerável da base material do sistema capitalista-revisionista iugoslavo. Só as dívidas somam mais de USD$11 bilhões. Só dos Estados Unidos da América, a Iugoslávia já recebeu mais de USD$7 bilhões em créditos.

A burguesia internacional não apoiou o sistema iugoslavo de “Autogestão Socialista” com tal base material e financeira sem uma boa razão. As muletas fornecidas pelo capital ocidental mantiveram este sistema em seus pés como um modelo de preservação da ordem capitalista sob rótulos pseudo-socialistas.

Com seus investimentos, os capitalistas estrangeiros construíram inúmeros projetos industriais na Iugoslávia que geram produtos desde a mais alta até a mais baixa qualidade. A maioria dos melhores produtos são, naturalmente, vendidos no exterior e apenas uma fração deles é comercializada dentro do país. Embora haja uma grande superprodução capitalista no exterior e todos os mercados lá sejam monopolizados pelos mesmos capitalistas que investiram na Iugoslávia, eles ainda assim vendem os melhores produtos iugoslavos precisamente nestes mercados de lucros fabulosos, pois a força de trabalho na Iugoslávia é barata, os produtos são produzidos a um custo menor em comparação com os países capitalistas onde os sindicatos, mais ou menos, fazem exigências ao capital em nome dos trabalhadores. Os melhores produtos que as fábricas da Iugoslávia produzem também vão para as empresas multinacionais que operam na Iugoslávia. Entretanto, além dos lucros que extraem desta forma, os investidores capitalistas estrangeiros também espremem outros lucros — pelos juros sobre o capital que investiram na Iugoslávia. Estes lucros são frequentemente obtidos sob a forma de recursos ou matéria-prima.

Em seu livro, o demagogo Kardelj tem muito a dizer sobre o sistema de “Autogestão”, mas mantém silêncio total sobre a presença e o papel importante do capital estrangeiro em manter o sistema de “autogestão” de pé.

Nos países burgueses, diz Kardelj, o verdadeiro poder se baseia e “se manifesta, antes de tudo, nas relações do poder executivo estatal com os cartéis políticos fora do parlamento paralelo ao crescimento do poder da força interna extraparlamentar”, continua Kardelj, “há um novo fenômeno, característico das relações sociais contemporâneas nos países capitalistas altamente desenvolvidos – a criação da força extraparlamentar internacional ou mundial”(10). Desta forma, Kardelj procura provar que a “Autogestão” iugoslava escapou de tal situação. Porém, como explicamos no texto anterior, a realidade apresenta um quadro bem diferente: a “Autogestão” iugoslava é uma administração conjunta de capitalistas iugoslavos e estrangeiros. Os capitalistas estrangeiros, ou seja, as empresas, companhias e aqueles que fizeram investimentos na Iugoslávia determinam a política e o desenvolvimento geral da Iugoslávia tanto quanto o próprio poder estatal iugoslavo.

As chamadas “empresas auto gestionárias”, grandes ou pequenas, são de fato obrigadas a levar em conta o investidor estrangeiro. Este investidor tem suas próprias leis, que ele impôs ao Estado Iugoslavo, tem seus próprios representantes diretos nestas empresas conjuntas e tem seus próprios representantes ou sua influência na Federação. De fato, direta ou indiretamente, o investidor impõe sua vontade à Federação, aos empreendimentos conjuntos ou às empresas. Isto é precisamente o que a “Autogestão” está procurando ocultar. Kardelj precisa desta camuflagem, deste tour de passe-passe(11), como dizem os franceses, a fim de “provar” o absurdo de que a “Autogestão” iugoslava é um verdadeiro socialismo.

Entretanto, o que ele tenta negar em seu livro é confirmado todos os dias por muitos fatos revelados pela imprensa ocidental, inclusive pela própria agência de notícias iugoslava, a TANJUG, que no dia 16 de agosto daquele ano noticiou sobre uma nova edição reguladora do “Veche Executivo Federal” referente aos investimentos estrangeiros na Iugoslávia. Sob esses regulamentos, os direitos dos investidores capitalistas estrangeiros na Iugoslávia são ampliados ainda mais. “Sob esta lei — relata a TANJUG — os parceiros estrangeiros, com base nos acordos celebrados entre eles e as organizações de trabalho socializado deste país, podem fazer investimentos em moeda, equipamentos, produtos semiacabados e acabados e tecnologia. Os investidores estrangeiros, assim, têm os mesmos direitos que as organizações locais de mão-de-obra socializada que investem seus meios em alguma outra organização de mão-de-obra unificada”.

Mais adiante, a TANJUG enfatiza: “Sob este conjunto de regulamentos, prevê-se um maior interesse (por parte dos estrangeiros), pois ele garante a segurança da atividade econômica conjunta a longo prazo. Além disso, não há agora praticamente nenhum campo no qual os estrangeiros não possam investir seus meios, com exceção do seguro social, comércio interno e atividades sociais”.

O país não poderia ser vendido ao capital estrangeiro mais completamente do que isto. E diante desta realidade puramente capitalista, o “comunista” Kardelj ainda tem a cara de pau de afirmar que “nossa sociedade ganhou muita força em seu conteúdo e estrutura socioeconômica pelas relações de produção socialistas e auto gestionárias que — escreve ele — tornam possível e garantem que nossa sociedade se desenvolva cada vez mais em uma manne livre, independente e autogovernada!“(12).

No livro de Kardelj, o indivíduo é considerado principalmente como um elemento principal da sociedade – o elemento que produz, o elemento que tem o direito de organizar e distribuir a produção. Segundo ele, este elemento socializa o trabalho em uma empresa e exerce sua liderança pelo chamado conselho de trabalhadores que são “eleitos” pelos trabalhadores e que supostamente regulamenta – junto com os funcionários administrativos instituídos – todo o destino da empresa, o trabalho, a renda, etc., dentro do sistema de “Autogestão”.

Esta é a forma típica das empresas capitalistas, onde de fato é o capitalista que governa, cercado por um grande número de funcionários e técnicos que conhecem a situação sobre a produção e organizam sua distribuição. Naturalmente, a maior parte dos lucros vai para o capitalista que possui a propriedade da empresa, ou seja, ele se apropria da mais-valia. Sob a “Autogestão” iugoslava, uma grande parte da mais-valia é apropriada pelos funcionários, pelos diretores das empresas e pelo pessoal técnico de engenharia. A “parte do leão” vai para a Federação ou para a república, a fim de pagar os salários gordos da horda de funcionários do aparelho central da Federação ou da república. São necessários fundos também para manter a ditadura titoísta – o Exército, o Ministério do Interior e o Serviço de Segurança do Estado, o Ministério das Relações Exteriores etc., que estão nas mãos da Federação e que são constantemente inflados e ampliados. Neste Estado federal, desenvolveu-se uma enorme burocracia de funcionários e líderes não-produtivos, que recebem altos salários através do suor e sangue dos trabalhadores e camponeses. Além disto, uma parte considerável da renda é destinada ao capitalista estrangeiro que fez investimentos nestas empresas e tem seu próprio representante no “conselho administrativo” ou no “conselho de trabalhadores”, ou seja, ele participa da liderança da empresa. Neste sistema rotulado de “socialismo auto gestionário”, os trabalhadores se encontram continuamente sob total exploração.

A maquinaria dos “conselhos de trabalhadores” e dos “comitês de Autogestão” com suas comissões foi concebida pelos revisionistas de Belgrado simplesmente para criar a ilusão entre os trabalhadores de que, ao serem “eleitos”, participam e falam nestes órgãos, supostamente são eles que decidem os assuntos da empresa, dos “seus” bens. Segundo Kardelj, “Os operários, na organização básica do trabalho associado, administram o trabalho e a atividade da organização de trabalho associado e os meios de reprodução sociais, decidem todas as formas de associação e de nexo entre seu trabalho e os meios de produção e sobre toda a receita que obtêm com seu trabalho associado dividem a receita para o consumo pessoal, comum e geral em concordância com os critérios definidos sobre as bases da autogestão.“(13)

Tudo isso é um absurdo, porque sob as condições que a democracia burguesa está governando na Iugoslávia, não existe ali uma verdadeira liberdade de pensamento e de ação para os trabalhadores. A liberdade de ação nas empresas “auto gestionárias” é falsa. Na Iugoslávia, o trabalhador não dirige as coisas, nem goza daqueles direitos que o “ideólogo” Kardelj proclama tão pomposamente. A fim de mostrar que ele é realista e se opõe às injustiças de seu regime, o próprio Tito admitiu recentemente no discurso que proferiu na reunião dos principais ativistas da Eslovênia que a “Autogestão” não impede que aqueles que trabalham mal aumentem sua renda às custas daqueles que trabalham bem, enquanto os diretores das fábricas que são culpados pelas perdas sofridas podem fugir de sua responsabilidade assumindo posições de responsabilidade em outras fábricas sem se preocupar que alguém possa repreendê-los pelos erros que cometeram.

Embora Edvard Kardelj tenha, em teoria, liquidado a burocracia e a tecnocracia, eliminado o papel de uma classe tecnocrata, na realidade, na prática esta classe foi rapidamente criada e descobriu um amplo campo de atividade neste sistema supostamente democrático no qual o papel do homem trabalhador é supostamente “decisivo”. De fato, o papel desse estrato de funcionários e da nova burguesia que domina o empreendimento de “autogestão” é decisivo. São eles que elaboram o plano, que fixam o número de investimentos e a renda de todos, a dos trabalhadores e a sua própria e, é claro, que cuidam bem de si mesmos primeiro. Foram estabelecidas leis e regras a fim de manter os lucros da liderança tão altos quanto possível e os salários dos trabalhadores baixos.

Na Iugoslávia, essa camada estreita de pessoas, engordadas através do suor e na labuta dos trabalhadores, que tomam decisões de acordo com os seus próprios interesses, transformou-se em uma classe capitalista. Assim foi criado o monopólio político na tomada de decisões e na divisão da renda pela elite nas empresas de “Autogestão” socialista, enquanto Kardelj continua tocando a mesma velha canção: que este sistema político, inventado pelos titoístas, contribui para a criação de condições para a verdadeira realização da “Autogestão” dos trabalhadores e dos direitos “democráticos” que o sistema reconhece em princípio.

A formação da nova classe capitalista foi estimulada precisamente pelo sistema de “Autogestão”. O próprio Tito admitiu este amargo fato, pois alegadamente fez uma “crítica severa” aos exploradores dos trabalhadores, todos aqueles que dirigem este sistema de “Autogestão Socialista” para seu próprio lucro. Em muitos discursos, por mais que ele tentasse esconder os males de seu sistema pseudo-socialista, ele teve que admitir a existência da grande crise deste sistema e a polarização da sociedade iugoslava entre ricos e pobres. “Eu não considero enriquecimento, diz ele, o que o homem ganha por seu trabalho, inclusive se, com seus ganhos, tenha construído um chalé. Mas quando se trata de centenas de milhões e inclusive de bilhões, estamos frente a um roubo [...] Estes não são salários obtidos com a força de trabalho [...] Esta riqueza se cria por meio de diversas especulações dentro e fora do país [...] Agora, devemos ver o que ocorreu com aqueles que constroem casas, uma em Zagreb, outra em Belgrado, uma terceira em algum lugar da costa ou em algum outro lugar. Não se trata de simples casas de repouso, mas de chalés que frequentemente são alugados. Além disso alguns não têm um, porém dois ou três carros por família”(14). Em outra ocasião, para mostrar que ele é contra a estratificação da sociedade entre ricos e pobres, Tito também mencionou que alguns ricos em particular depositaram cerca de USD$4,5 bilhões somente nos bancos iugoslavos sem calcular as somas depositadas nos bancos estrangeiros e aquelas que têm em mãos.

Ao escrever sobre o sistema fabricado pelos revisionistas titoístas, Kardelj é obrigado a mencionar brevemente a necessidade da luta “contra as várias formas de distorções e tentativas de usurpar os direitos de autogoverno dos trabalhadores e cidadãos”(15). Novamente, ele busca a saída desses “usos indevidos” dentro do sistema de “Autogestão”, “ampliando o correspondente mecanismo de controle social democrático”(16).

Aqui surge a pergunta: a que classe Kardelj faz alusão, quando fala da “usurpação dos direitos dos trabalhadores à autogestão”? Naturalmente não o diz, porém se trata da velha e da nova classe burguesa que usurpou o poder da classe operária, que a mantém sob a férula e a explora até a medula.

Kardelj, em vão, se esforça para apresentar os “conselhos operários”, as “organizações fundamentais do trabalho associado” etc. como a expressão mais autêntica da “democracia e da liberdade” do homem em todas as esferas sociais. “Os conselhos operários” não passam de órgãos totalmente formais, defensores e implementadores não dos interesses dos trabalhadores, mas da vontade dos diretores das empresas porque, sendo materialmente, política e ideologicamente corrompidos, estes conselhos se tornaram parte da “aristocracia operária” e da “burocracia operária”, em agências que têm como missão enganar a classe operária com falsas ilusões.

A realidade iugoslava é clara: não existe uma democracia genuína para as massas. E não pode ser de outra forma. Lênin enfatizou que a “a democracia na produção é um termo que se presta a interpretações errôneas. Pode ser lido como um repúdio à ditadura e à autoridade individual. Pode ser lido como uma suspensão da democracia comum ou como um meio de evadi-la”(17).

Não pode haver uma democracia socialista para a classe trabalhadora sem seu Estado de ditadura do proletariado. O marxismo-leninismo nos ensina que a negação do Estado de ditadura do proletariado é uma negação da democracia para as massas de trabalhadores.

A negação dos revisionistas iugoslavos do Estado de ditadura do proletariado, da propriedade social socialista sobre a qual se apoia, levou-os a uma direção descentralizada da economia e sem um plano único de Estado. O desenvolvimento da economia nacional sobre a base do plano único de Estado e sua direção pelo Estado socialista sobre a base do princípio do centralismo democrático são uma das leis gerais e dos princípios fundamentais da construção do socialismo em cada país. Do contrário, ocorre como na Iugoslávia, onde se constrói o capitalismo.

Kardelj pretende que é reconhecido aos operários, em suas organizações de “autogestão”, o direito a “dirigir a atividade da organização do trabalho associado”(18), ou seja, das empresas, portanto, também podem supostamente planejar a produção. Mas qual é a verdade? Nessas organizações o trabalhador não dirige nem constrói o chamado plano básico. A nova burguesia faz estas coisas, a liderança da empresa, enquanto os trabalhadores têm a impressão de que os “conselhos operários” supostamente fazem a lei nesta organização de “autogestão”. Isto acontece também nos países capitalistas, onde o poder da empresa privada está nas mãos do capitalista que tem sua própria tecnocracia, seus tecnocratas que dirigem a empresa, enquanto em alguns países há também os representantes dos trabalhadores com uma função negligenciável, apenas o suficiente para criar a ilusão entre os trabalhadores de que eles, também, supostamente tomam parte na gestão dos assuntos das empresas, mas isto é uma falácia.

A chamada planificação feita nas empresas iugoslavas sob a “autogestão” não somente não se pode qualificar de socialista senão que, ao realizá-la conforme o exemplo de todas as empresas capitalistas, ela conduz às mesmas consequências observadas em toda economia capitalista, como a anarquia na produção, a espontaneidade e a uma série de outras contradições que se manifestam da maneira mais aberta e aguda na economia e nos mercados iugoslavos.

Kardelj escreve que “o livre intercâmbio do trabalho entre a produção de mercadorias e o livre-mercado que se autoadministra (ênfase nossa) no nível atual do desenvolvimento socioeconômico é uma condição para a autoadministração. Este mercado é livre no sentido de que as organizações sob a autogestão do trabalho associado se integram livremente e com o mínimo de intervenção administrativa nas relações de livre intercâmbio de trabalho. A supressão desta liberdade conduz inevitavelmente à renovação do monopólio estatal sobre o aparelho de Estado”(19).

Não poderia haver negação mais flagrante do que esta dos ensinamentos de Lênin, que escreveu: “Devemos fomentar o comércio ‘adequado’, que é aquele que não foge do controle do Estado, porque o livre-mercado é o desenvolvimento do capitalismo(20). (ênfase nossa).

Da economia política marxista-leninista, sabe-se que, sob o socialismo, o comércio, como todos os outros processos de reprodução social, é um processo planejado e dirigido de forma centralizada, que se baseia na propriedade socialista dos meios de produção e é parte constituinte das relações socialistas de produção. Entretanto, estes ensinamentos são totalmente alheios ao revisionista Kardelj, e isto resulta em sua negação do papel econômico do Estado socialista e da propriedade socialista. O mercado doméstico iugoslavo é um típico mercado capitalista descentralizado onde os meios de produção são livremente vendidos e comprados por qualquer pessoa, o que é contrário às leis do socialismo. Por estas razões, a TANJUG é forçada a admitir que empresários, intermediários e especuladores dominam todo o comércio iugoslavo. Caos, espontaneidade, flutuações catastróficas de preços, etc., prevalecem no mercado. De acordo com dados do Instituto Federal de Estatísticas da Iugoslávia, os preços dos 45 principais produtos e serviços sociais aumentaram 149,7% no período de 1972 a 1977 na Iugoslávia.

Em relação às vendas de mercadorias dentro do país, o poder de compra é muito fraco na Iugoslávia por causa dos baixos salários dos trabalhadores, e também porque, no balanço final das empresas, não há muito a ser distribuído entre os operários. A empresa quer vender seus produtos onde puder e de forma independente, porque os principais líderes, ou seja, os patrões, a nova burguesia, querem criar lucros. Porém, como gerar estes lucros, se os compradores são pobres? Então se tem recorrido a outras formas, sendo uma delas a venda a crédito. A venda a crédito dos produtos fabricados por estas empresas de “autogestão” com pagamento a prazo é outro grilhão ao redor do pescoço dos trabalhadores iugoslavos, assim como os trabalhadores dos países capitalistas são acorrentados pelo mesmo sistema capitalista que, na Iugoslávia, é chamado de “Autogestão Socialista”.

Características similares também caracterizam o comércio exterior iugoslavo, no qual não existe monopólio estatal. Dependendo dos desejos de seus proprietários, toda empresa pode celebrar contratos e acordos com qualquer empresa, multinacional ou Estado estrangeiro para comprar ou vender matérias-primas e maquinaria, produtos acabados, meios tecnológicos, etc. Esta prática antimarxista tem feito também com que a Iugoslávia se transforme em um país vassalo do capital mundial, que se agregue à profunda crise econômica e financeira que tem acossado todo o mundo capitalista e revisionista, crise que se manifesta também em outros setores.

Como revisionista, Edvard Kardelj também nega o papel do Estado socialista em outros campos, tais como as relações financeiras e outras atividades de caráter diverso. Ele escreve que “As relações nos setores em que assentam as comunidades de autogestão dos interesses, por regra geral, sem a intervenção do Estado, ou seja, sem a mediação do orçamento e de outras medidas administrativo-fiscais”(21).

Na Iugoslávia, assim como em outros países capitalistas, propagou-se em vasta escala o sistema de concessão de créditos por parte dos bancos em vez do financiamento orçamentário dos investimentos com objetivo de desenvolver as forças produtivas e outras atividades. Os bancos converteram-se em centros do capital financeiro e são precisamente estes os que dirigem um importantíssimo papel na economia iugoslava, ou seja, o interesse da nova burguesia revisionista.

Assim, um sistema anarco-sindicalista foi estabelecido na Iugoslávia e este foi denominado “Autogestão Socialista”. O que essa “Autogestão Socialista” trouxe para a Iugoslávia? Todo tipo de maldade. Anarquia em produção, em primeiro lugar. Nada é estável lá. Cada empresa lança seus produtos no mercado e a competição capitalista se dá porque não há coordenação, já que não é a economia socialista que orienta a produção. Cada empresa vai sozinha, competindo contra a outra, a fim de garantir matérias-primas, mercados e tudo mais. Muitas empresas estão fechando devido à falta de matérias-primas, aos enormes déficits criados por este caótico desenvolvimento capitalista, à acumulação de estoques de bens não vendidos devido à falta de poder aquisitivo e à saturação do mercado com bens ultrapassados. Os serviços de artesanato da Iugoslávia também estão em um Estado muito sério. Referindo-se a este problema na reunião dos principais ativistas da Eslovênia, Tito não conseguiu esconder o fato de que “Atualmente, com frequência, cansamo-nos um bocado para encontrar, por exemplo, um carpinteiro ou algum outro artesão para uma reparação qualquer, e quando o encontramos, exploramo-lo até o ponto em que seus cabelos ficam em pé”.

Independentemente do fato anteriormente mencionado de que algumas das combinações modernas se tornam produtos de boa qualidade, cria-se uma situação difícil para a Iugoslávia porque ela tem que encontrar um mercado para a venda dessas mercadorias. Devido a essas dificuldades, o equilíbrio do comércio exterior da Iugoslávia é passivo. Apenas nos primeiros 5 meses deste ano, o déficit foi de USD$2 bilhões. No 11º Congresso da Liga dos “Comunistas” da Iugoslávia, Tito declarou que “o déficit referente ao mercado ocidental se tornou quase intolerável”. Quase três meses depois deste congresso, ele declarou novamente na Eslovênia: “Temos dificuldades especialmente grandes no intercâmbio comercial com os países membros do Mercado Comum Europeu. Aí, o desequilíbrio é constantemente muito sério. Muitos deles nos prometem que estas coisas serão colocadas em ordem, que as importações da Iugoslávia aumentarão, mas até agora temos tido muito poucos benefícios de tudo isso. Cada um está colocando a culpa no outro”. E o déficit no comércio exterior, que Tito não menciona neste seu discurso, ultrapassou USD$4 bilhões em 1977. Esta é uma catástrofe para a Iugoslávia. O país inteiro está sob uma crise sem fim, e as amplas massas trabalhadoras vivem na pobreza.

Muitos trabalhadores iugoslavos estão desempregados, estão sendo jogados na rua ou emigrando para o exterior. Tito não só reconheceu essa emigração econômica, este fenômeno capitalista, mas até mesmo recomendou que se encoraje. O desemprego não pode existir em um país socialista, o melhor exemplo para isto é a Albânia. Enquanto isso, nos países capitalistas, entre os quais a Iugoslávia está naturalmente incluída, o desemprego existe e está se desenvolvendo em todos os lugares. Quando a Iugoslávia tem mais de um milhão de desempregados, e mais de 1,3 milhões de emigrantes econômicos estão vendendo sua força de trabalho na Alemanha Ocidental, Bélgica, França, etc., quando continua aumentando rapidamente a riqueza privada dos indivíduos que exercem altas funções, quer seja no poder, quer seja nas empresas e instituições; quando os preços dos artigos de primeira necessidade aumentam dia a dia e as empresas e suas filiais que falem se contam aos milhares, o sistema de “autogestão” iugoslava está provado como uma grande fraude. E, no entanto, Kardelj, como um grande trambiqueiro, tem a ousadia de escrever: “Em nossas condições, a Autogestão Socialista é a forma mais direta e a maior expressão da luta pela emancipação do trabalhador, por sua liberdade de trabalhar e de criar, para que sua influência econômica e política seja determinante na sociedade”(22).

Indo mais além com sua conhecida fraseologia, com sua demagogia burguesa, Kardelj mente até o extremo ao dizer: “Havendo-se sancionado mediante a Constituição e as leis, os direitos dos operários, sobre a base de seu trabalho socializado, nossa sociedade amplia ainda mais as dimensões da verdadeira liberdade dos operários e dos trabalhadores nas relações materiais da sociedade”(23). E o que este apologista da burguesia tem em mente quando fala da extensão das “dimensões da verdadeira liberdade para os trabalhadores”? É a “liberdade” de estar desempregado, a “liberdade” de deixar suas famílias e sua pátria para vender o poder dos próprios músculos e mentes aos capitalistas do mundo ocidental ou é a “liberdade” de pagar impostos, de ser discriminado e selvagemente explorado pela velha e nova burguesia iugoslava, bem como pela burguesia estrangeira?


Notas de rodapé:

(1) Karl Marx e Friedrich Engels: Obras Escolhidas, Volume 1, página 42 – Edição Albanesa. (retornar ao texto)

(2) Vladimir Lênin: Obras Completas, Volume 32, página 283 – Edição Albanesa. (retornar ao texto)

(3) Vladimir Lênin: Sobre Democratização e o Caráter Socialista do Poder Soviético. (retornar ao texto)

(4) Josip Broz Tito: Fábricas para os Trabalhadores, Prishtina 1951, páginas 1, 19 e 37. (retornar ao texto)

(5) Otto Bauer: O caminho para o Socialismo; 1919, página 18 – Edição Francesa. (retornar ao texto)

(6) Todas as citações do livro de Edvard Kardelj são extraídas da tradução albanesa pelo Conselho Editorial da Prishtina em 1977 – Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 66 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(7) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 177; Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(8) V. Vasic: The Economic Policy of Yugoslavia, Prishtina University Press, 1970. (retornar ao texto)

(9) Em 1980, os kulaks possuíam 93,5% do total de número de tratores. (retornar ao texto)

(10) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 54 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(11) Truque de mágica. (retornar ao texto)

(12) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, páginas 7 e 8 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(13) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 160 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(14) Entrevista de Tito com um editor do jornal Vjesnik, outubro de 1972. (retornar ao texto)

(15) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 174 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(16) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 178 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(17) Vladimir Lênin: Obras Completas – Volume 32, página 80 – Edição Albanesa. (retornar ao texto)

(18) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 160 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(19) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 95 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(20) Vladimir Lênin: Obras Completas – Volume 32, páginas 213 e 426 – Edição Albanesa. (retornar ao texto)

(21) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 167 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(22) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 158 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

(23) Edvard Kardelj: Pravci Razvoja Političkog Sistema Socijalističkog Samoupravljanja, página 162 – Casa de Publicações “8 Nëntori”, Tirana. (retornar ao texto)

 

Jornal A Verdade
Inclusão: 15/02/2023