O Que é o Marxismo?

Chris Harman


O Partido Revolucionário Socialista


O princípio básico do marxismo é que o próprio desenvolvimento do capitalismo leva os trabalhadores a se revoltarem contra o sistema.

Quando tais revoltas explodem — seja uma manifestação de massas, uma insurreição armada ou mesmo uma grande greve — a transformação da consciência da classe trabalhadora é surpreendente. Toda a energia mental que os trabalhadores antes consumiam em mil e uma cousas — como nas carreiras de cavalos ou olhando a televisão —, se concentra de repente em como mudar a sociedade. Milhões de pessoas trabalhando num problema como este, produz soluções de incrível engenhosidade, que frequentemente deixa revolucionários experientes tão confusos como a classe dominante frente às rápidas viradas dos acontecimentos.

Assim, por exemplo, durante a primeira revolução russa de 1905, uma nova forma de organização dos trabalhadores, o soviete — conselho operário — surgiu a partir de um comitê de greve durante uma greve de trabalhadores gráficos. Inicialmente, o Partido Bolchevique — o mais militante entre os revolucionários socialistas — viu os sovietes com desconfiança: não acreditavam que fosse possível para uma massa de trabalhadores, havia pouco tempo politizada, criar um instrumento revolucionário eficaz.

Tais experiências são encontradas em muitas greves: os militantes já atuantes são tomados completamente de surpresa quando trabalhadores que por tanto tempo ignoraram as suas orientações, de repente começam a organizar ações militantes eles sós. Esta espontaneidade é fundamental. Mas é errado tirar daí a conclusão — como fazem os anarquistas ou pessoas próximas a eles — que não haveria necessidade de um partido revolucionário.

Numa situação revolucionária, milhões de trabalhadores mudam de ideias muito rapidamente. Mas não mudam completamente e de uma vez. Em cada greve, em cada manifestação, em cada insurreição armada ocorrem debates freqüentes. Alguns trabalhadores vêem nessas ações um prelúdio para a tomada do poder polos trabalhadores. Outros se posicionarão contra qualquer ação desse tipo, porque isso iria perturbar a “ordem natural das cousas”. E no meio estará a maioria dos trabalhadores, atraídos por uns e polos outros.

Num lado da balança, a classe dominante irá colocar todo o peso da sua imprensa e da sua propaganda, denunciando as ações dos trabalhadores. Também lançará os seus fura-greves, seja a polícia, o exército, ou organizações de extrema direita.

Do lado dos trabalhadores, deve haver uma organização de socialistas capaz de tirar lições das luitas do passado, e que possa colocar na balança os argumentos socialistas. Tem de ser uma organização que possa sistematizar a crescente compreensão dos trabalhadores em luita, de modo que possam agir juntos para mudar a sociedade.

E este partido revolucionário deve existir antes de começar a luita, pois a organização não pode surgir espontaneamente. O partido é construído através do contínuo cruzamento entre as ideias socialistas e a experiência da luita de classes — apenas entender a sociedade não é suficiente: é só aplicando aquelas ideias na luita de classes quotidiana, em greves, manifestações, campanhas, os trabalhadores se tornam conscientes do seu poder para mudar as cousas, e ganhar a confiança para fazê-lo.

Muitas vezes, a intervenção de um partido socialista pode ser decisivo, pode pesar na balança para a mudança, no sentido da transferência revolucionária do poder para os trabalhadores, no sentido de uma sociedade socialista.

Que tipo de partido?

O partido revolucionário socialista precisa ser democrático. Para cumprir o seu papel, o partido deve estar em permanente contato com a luita de classes, e isto significa estar em contato com os seus próprios membros e simpatizantes nos locais de trabalho onde a luita acontece. Precisa ser democrático porque sua liderança deve sempre refletir a experiência coletiva da luita. Dito isto, a democracia não é um sistema de eleição, mas um debate contínuo dentro do partido — uma interação contínua entre as ideias socialistas nas quais o partido assenta e a experiência da classe operária.

Mas o partido socialista revolucionário também precisa ser centralizado pois é um partido voltado para a ação e não um círculo de discussões. Ele deve ser capaz de intervir coletivamente na luita de classes, e deve responder rapidamente, por isso tem que ter uma liderança capaz de tomar decisões no dia-a-dia em nome do partido.

Se o governo decide atacar os piquetes de greve, por exemplo, o partido tem que reagir imediatamente, sem precisar convocar conferências para tomar decisões democráticas primeiro. Desse modo a decisão é tomada de forma centralizada. A democracia entra em cena em seguida, quando o partido avalia se a decisão tomada foi correta ou não, e talvez possa mudar a direção partidária se ela perder contato com as necessidades da luita.

O partido revolucionário socialista deve manter um delicado equilíbrio entre democracia e centralismo. A chave é que o partido não existe para si mesmo, mas como uma ferramenta para chegar à mudança revolucionária para o socialismo, e isto só pode acontecer através da luita de classes.

Assim, o partido deve se adaptar continuamente à luita. Quando o nível de luita é baixo, poucos trabalhadores acreditam ser possível uma mudança revolucionária em seguida, então o partido será pequeno e deve se contentar porque será impossível aumentar significativamente as suas fileiras. Mas quando o nível da luita aumenta um grande número de trabalhadores podem mudar de opinião muito rapidamente, realizando através da luita o seu poder de mudar as cousas e, então, o partido deve ser capaz de abrir as suas portas, senão será deixado a um lado. O partido não deve substituir a classe trabalhadora. Deve ser parte da luita, tentando continuamente unir os trabalhadores mais conscientes para fazer deles lideranças para a luita. No entanto, o partido também não deve impor a sua visão a classe. Não pode simplesmente autoproclamar-se como liderança, mas deve conquistar esta posição provando a correção das idéias socialistas na prática,o que significa todo o tempo, da menor greve à própria revolução.

Algumas pessoas vêem o partido revolucionário como um precursor do socialismo. Isto está completamente errado. O socialismo somente pode se realizar quando a própria classe trabalhadora assumir o controle dos meios de produção e usá-los para transformar a sociedade. Não se pode construir uma ilha de socialismo num mar de capitalismo. As tentativas de pequenos grupos de socialistas no sentido de se isolarem e levarem uma vida de acordo com as ideias socialistas fracassaram fragorosamente a longo prazo, em primeiro lugar as pressões econômicas estão sempre presentes. Além disso, ao afastarem-se do capitalismo, acabam por se afastar da única força que pode conquistar o socialismo: a classe obreira.

Naturalmente, os socialistas luitam contra os efeitos degradantes do capitalismo todos os dias — contra o racismo, contra o machismo, a exploração, a violência. Mas devemos fazê-lo tomando baseando-nos na força da classe trabalhadora.


Inclusão 13/10/2010