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Primeira Edição: L’Unità
Tradução: Elita de Medeiros - da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/gramsci/1925/09/sterile-negative.htm
HTML: Fernando Araújo.
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No longo artigo (de Bordiga), uma coisa é realmente notável: o elegante ceticismo com que evita tomar uma posição clara sobre pontos que, no entanto, afirma discordar; há a oscilação contínua entre tese e antítese, sem por isso indicar uma tese original de sua autoria.
O camarada Bordiga limita-se a manter uma posição cautelosa sobre todas as questões levantadas pela esquerda. Ele não diz: a Internacional coloca e resolve tal e tal questão desta forma, mas a Esquerda irá, em vez disso, colocá-la e resolvê-la desta outra forma. Ao invés disso, ele diz: a forma como a Internacional coloca e resolve os problemas não me convence; tenho medo de que caia no oportunismo, não há garantias suficientes contra isso, etc. Sua posição, então, é de permanente suspeita e dúvida. Desta forma, a posição da esquerda é puramente negativa; eles expressam reservas sem especificar de forma concreta e, sobretudo, sem indicar de forma concreta seu ponto de vista, suas soluções. Acabam espalhando dúvidas e desconfianças, sem construir nada.
O artigo começa com uma hipótese metafísica característica. O camarada Bordiga pergunta: é possível excluir 100% a possibilidade de a Internacional Comunista cair no oportunismo? Mas também podemos perguntar se podemos excluir a possibilidade de que o camarada Bordiga se torne oportunista, que o Papa se torne ateu, que o industrial Ford se torne comunista, etc. No reino da possibilidade metafísica, você pode imaginar o que quiser, mas um marxista deve colocar a questão dessa maneira: existe a possibilidade de que a Internacional Comunista não seja mais a vanguarda do proletariado, mas esteja a caminho de se tornar a expressão da aristocracia operária, corrompida pela burguesia? É assim que a questão é colocada marxisticamente, e então é fácil para cada camarada resolvê-la.
O artigo é um tecido de erros teóricos e práticos que os camaradas certamente apontarão. Vamos nos limitar a listar os pontos mais característicos. O camarada Bordiga diz, a propósito das células, que o tipo de organização partidária não pode, por si só, assegurar seu caráter político e garanti-lo contra a degeneração oportunista. Mas afirmamos que a organização em forma de células garante o caráter proletário do Partido Comunista melhor do que qualquer outro, e melhor do que qualquer outro, também garante o partido contra o oportunismo.
E depois de ter repetido a curiosa afirmação de que o sistema de células é apropriado para a Rússia, embora mais antes do que depois da conquista do poder, e que isso não se aplica aos países de regime democrático burguês, o camarada Bordiga conclui: “Não somos contra as células, pelo menos como grupos de membros em fábricas, com funções determinadas”. Assim, a esquerda é contra ou a favor das células? E quais são essas funções determinadas, que o camarada Bordiga evita especificar? A esquerda e o camarada Bordiga não se declaram explicitamente contra a bolchevização, apenas desconfiam dela porque se baseia na organização em células que seriam supervisionadas por uma teia de funcionários escolhidos com base no critério de obediência cega ao leninismo.
Que a direção local do partido seja composta por elementos ideologicamente escolhidos não há dúvida, porque sem isso o Partido Comunista não seria o que é. Quanto à obsequiosidade cega, trata-se de um tipo de método polêmico não pouco vulgar e sobre o qual é inútil demorar-se.
Também é curioso o que o camarada Bordiga escreve sobre o leninismo. Ele escreve que se o leninismo nada mais é do que marxismo, então é inútil usar tal termo; mas imediatamente depois disso ele acrescenta que a esquerda usará ambos os termos indiferentemente. Não apenas ele se contradiz aqui, mas há uma contradição também na afirmação sobre o uso dos dois termos indiferentemente e o reconhecimento contemporâneo de que Lênin é o “completador, em grande parte, do marxismo; e sua interpretação do imperialismo, as formulações sobre as questões agrárias e nacionais são contribuições fundamentais no desenvolvimento do marxismo”.
No que diz respeito ao seu desacordo com Lenin, o camarada Bordiga mantém-se habilmente no geral, embora não seja específico. As frases “Discutimos e criticamos Lênin e não estamos inteiramente convencidos de suas contradeduções” e “As repreensões de Lênin não me converteram” podem ter um efeito sobre o pequeno-burguês, mas os comunistas e os trabalhadores revolucionários só encolhem os ombros.
O camarada Bordiga, sem especificar em nenhum lugar a extensão de seu desacordo com Lênin, continua afirmando que não mantém o sistema tático de Lênin porque não contém garantias contra aplicações oportunistas. Mas o camarada Bordiga seria mais sincero se declarasse que rejeita qualquer manobra tática na medida em que toda manobra tática apresenta o perigo de desvios oportunistas.
A garantia contra os desvios não consiste na tática em si, mas em nós, em nossa consciência comunista, na vigilância e autocrítica de todo o partido, na firmeza de princípios, no esforço para nunca perder de vista o objetivo revolucionário. Não pretendemos esgotar na nota atual as objeções ao artigo do camarada Bordiga. É realmente uma mina de erros e inconsistências de todo tipo.
Queremos apenas assinalar os que dizem respeito ao antiparlamentarismo e à táctica do partido para com as massas operárias aventinas. A tática adotada pelo partido - diz o camarada Bordiga - não foi prevista em nenhum congresso. Mas, além do fato que nenhum congresso antecipou nem o crime de Matteoti nem a reação das massas, com sua contemporânea inclinação para as ilusões aventinas, qual é a tática que, segundo o camarada Bordiga, deveria ter sido adotada? Ele se abstém de explicar de qualquer forma, e limita-se a dizer “pouco é feito quando muito poderia ser feito”.
O artigo inteiro é um documento de verdadeira decadência intelectual. O camarada Bordiga não falha só em extrair as consequências lógicas de suas negações, sobretudo ele não consegue contrapropor novas diretivas àquelas criticadas de forma clara e completa. Limitar-se, como ele, a críticas negativas, espalhar dúvidas, ceticismo e desconfiança, sem indicar nada positivamente construtivo, constitui não apenas falta de caráter: também revela pouco respeito ou apego ao partido e à Internacional.