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Primeira publicação: Il Grido del Popolo, 11/03/1916, assinado.
Fonte: Antonio Gramsci: escritos escolhidos (1915-1920), editora Lutas Anticapital, 2022.
Tradução: Anita Helena Schlesener e Ana Paula Schlesener.
Transcrição: Bruno Jadson Jardelino Gomes.
HTML: Lucas Schweppenstette.
Acontece sempre assim: para que um fato nos desperte o interesse, nos comova, torne-se uma parte da nossa vida interior, é necessário que aconteça próximo a nós, próximo a pessoas das quais ouvimos falar frequentemente e que estão, por isso, no contexto da nossa humanidade. No Pere Goriot, Balsac faz perguntar a Rastignac “Se tu soubesses que cada vez que comes uma laranja deve morrer um chinês, pararias de comer laranjas?” e Rastignac responde mais ou menos: “As laranjas e eu estamos perto e eu as conheço; os chineses estão longe e nem sei se de fato existem.”
A resposta cínica de Rastignac nós não daríamos jamais, é verdade; entretanto, quando ouvimos que os turcos tinham massacrado centenas de milhares de armênios, sentimos aquele rasgo lancinante das carnes que sentíamos cada vez que os nossos olhos caem sobre a pobre carne martirizada e que sentimos em espasmos logo depois que os alemães invadiram a Bélgica? É uma grande injustiça não ser conhecido. Quer dizer permanecer isolados, fechados na própria dor, sem possibilidade de ajuda, de conforto. Para um povo, para uma raça, significa a lenta dissolução, o destruir-se progressivo de cada vínculo internacional, o abandono a si mesmos, inermes e miseráveis diante de quem não tem outra razão que a espada e a consciência de obedecer a uma obrigação religiosa destruindo os infiéis.
Assim a Armênia nunca teve, nos seus priores momentos, maus que alguma afirmação platônica de piedade por si ou de desdenhos pelos seus carnífices; os “massacres armênios” tornaram-se proverbiais, mas eram palavras que somente soavam, que não conseguiam criar fantasmas, imagens vivas de homens de carne e osso. Teria sido possível obrigar a Turquia, ligada por tantos interesses a todas as nações europeias, a não dilacerar de tal modo quem, no fundo, não desejava outra coisa que ser deixado em paz. Nada nunca foi feito, ou ao menos nada que desse resultados concretos. Da Armênia falava algumas vezes Vico Mantegazza nas suas prolixas divagações sobre política oriental.
A guerra europeia colocou novamente na ordem do dia a questão armênia. Mas sem muita convicção. À queda de Erzerum na mão dos russos, à provável retirada dos turcos de todo país armênio, não foi dado nos jornais nem menos o mesmo espaço que a aterrissagem de um “Zeppelin” na França.
Os armênios que estão disseminados na Europa deveriam fazer conhecer sua pátria, a sua história, a sua literatura. Aconteceu em menor escala para a Armênia o que aconteceu em grande escala para a Pérsia. Quem sabe que os maiores árabes (Avicenna, Averrois, etc.) não são talvez... persas? Quem sabe que quase toda aquela que se convencionou chamar civilização árabe, em vez disso é persa? E assim, quantos sabem que todas as últimas tentativas para renovar a Turquia se devem aos armênios e aos hebreus? Os armênios deveriam fazer conhecer a Armênia, torná-la viva na consciência de quem ignora, não sabe, não sente.
Em Turim alguma coisa se fez. Há alguns meses sai uma revista intitulada justamente “Armênia” que, com seriedade de intenções, com variedade de colaborações diz o que é, o que quer e o que deveria tornar-se o povo armênio. Da revista deve partira iniciativa de uma coleção de livros que, com persuasão e demonstração mais eficaz, desse para a Itália um quadro do que é a língua, a história, a cultura, a poesia do povo armênio.