Ordem e Tranquilidade

Maurício Grabois

27 de dezembro de 1945


Fonte: Tribuna Popular (RJ), 27 de dezembro de 1945.

Transcrição: Leonardo Faria Lima

HTML: Fernando Araújo.


O Partido Comunista do Brasil, dentro de sua orientação política, tem sido um defensor da ordem e tranquilidade internas. Desde que o Brasil declarou criar um ambiente de confusão e desordens, guerra às Nações do Eixo e, posteriormente, quando foram conquistadas pelo povo as liberdades, o Partido Comunista do Brasil se mantém, até hoje, como esteio máximo da ordem.

O Partido Comunista do Brasil, como Partido do proletariado e do povo, defendendo a ordem e a tranquilidade, com o maior vigor, não se deixou levar a reboque dos políticos aventureiros a serviço dos piores inimigos do nosso povo, que tudo faziam para criar um ambiente de confusão e desordens, propício a golpes que impedissem a marcha do Brasil para a democracia.

Tendo como objetivo político a defesa da ordem e da tranquilidade, o Partido Comunista do Brasil mostrou que compreende as novas condições surgidas, para o Brasil e para o mundo, com a derrota dos exércitos nazi-fascistas, de um novo período de desenvolvimento pacífico, onde a desordem só favorece aos fascistas.

Ao defender a ordem e a tranquilidade, realiza o PCB uma política independente, sem quaisquer influências de ideologias estranhas ao proletariado e, portanto, uma política ativa, que visa unicamente a defesa dos interesses do proletariado e do povo. Essa política, no entanto, de maneira alguma significa ficar de braços cruzados ante a ação perturbadora dos nossos inimigos. Ao contrário, exige o maior espírito ofensivo na luta pela conquista dos direitos populares.

Assim, porém, não tem compreendido muitos membros do Partido Comunista, confundindo muitas vezes a defesa da ordem e da tranquilidade com uma atitude de passividade quando se trata da defesa dos interesses dos trabalhadores. Esta é uma posição oportunista, que conduz ao desligamento das massas operárias e, por conseguinte, ao debilitamento do Partido, mesmo porque lutar pela ordem e tranquilidade não é fazer concessões em problemas de vital importância para o proletariado. Uma política desse tipo não concorre, de forma alguma, para garantir a manutenção da ordem e da tranquilidade: estimula aos reacionários de todos os matizes a conspirarem contra o povo, com a preparação de golpes armados e ataques aos legítimos interesses das massas.

Ultimamente, vem-se observando que elementos da reação que se encontram em postos de administração de empresas têm tomado medidas profundamente lesivas aos interesses dos trabalhadores, sem que haja da parte de muitos comunistas nenhuma atitude, dentro dos quadros legais , de protesto e de luta contra tais arbitrariedades. Esta posição defensiva tem determinado novos e sucessivos golpes contra os trabalhadores. Para melhor esclarecimento, citemos fatos concretos.

No Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, de há muito vem havendo demissões em massa de operários, sem motivos justificados. Ainda há pouco, pelo simples fato de levantarem uma pequena reinvindicação, dentro da ordem e da lei, por melhores condições de trabalho, foram despedidos 25 trabalhadores, todos membros do Partido Comunista . Em muitos casos, camaradas nossos, apoiados numa falsa compreensão da defesa da ordem e da tranquilidade nada fazem diante de medidas injustas como essa.

No entanto, os operários demitidos e os seus camaradas da empresa devem lutar por seus direitos, apelando para a solidariedade da massa trabalhadora, recorrendo às próprias leis trabalhistas, à intervenção do Ministério do Trabalho, ao dissídio coletivo, levando este até o fim, sem temor de que assim agindo estejam perturbando a ordem e a tranquilidade. Os camaradas demitidos podem recorrer à imprensa democrática, expondo o caso em questão, desmascarando os inimigos da classe operária que demitem trabalhadores por motivos políticos, por pertencerem ao Partido Comunista, por lutarem pacificamente por suas reinvindicações de classe.

Outro exemplo que serve para ilustrar a incompreensão de muitos camaradas da linha política do Partido em face da ordem é o fato que se passou com os trabalhadores da Light, na sua justa luta pelo aumento de salário, que foram traídos por elementos vendidos à empresa. Os camaradas da empresa, ao invés de tomarem uma atitude ofensiva, desmascarando publicamente os traidores, convocando a massa para a luta e colocando-se à frente dela, assumiram uma atitude de conformismo, limitando-se a constatar a traição e mostrar, passivamente, que a derrota não era motivo de abandono da luta.

É indispensável a todo comunista se capacitar cada vez mais de nossa linha política, particularmente no que se deve entender por garantia da ordem e da tranquilidade, pela qual temos nos batido com tanto destemor. Essa compreensão não deve deixar lugar a dúvidas, principalmente agora, quando nos debatemos numa grave crise econômica, que tende a agravar-se cada vez mais, trazendo às massas trabalhadoras as piores perspectivas de desemprego, fome e miséria. A carestia da vida assume proporções alarmantes, atingindo duramente as massas trabalhadoras, determinando a necessidade imediata de aumento dos salários, pelo qual nos batemos. Desde maio do corrente ano vem o Partido se batendo pela aplicação de medidas contra a carestia e a inflação e entre essas medidas inclui-se o aumento dos salários em cem por cento, o que demonstra que lutando pela ordem e tranquilidade o Partido jamais deixou de levantar as reinvindicações do povo.

Devemos enfrentar a situação em que se encontram os trabalhadores decididamente, não escondendo os fatos ou tomando atitude gandhista de passividade. Ao invés disso, devemos assumir uma atitude ofensiva, debatendo esses problemas, apresentando para eles as justas soluções, dentro de nossa linha política, a fim de evitar que os inimigos procurem utilizar esses problemas em prejuízo do povo, e principalmente da classe operária, para melhor assestar golpes contra a democracia em nosso país.

O Partido Comunista do Brasil, na defesa da ordem tão necessária para garantir, ampliar e consolidar a democracia, tem apelado para os trabalhadores para que tudo façam, mesmo sacrificando alguns dos seus interesses imediatos, a fim de impedir qualquer motivo de agitações. Mas, desde que a não satisfação das reinvindicações vitais das amplas massas é motivo e causa para agitações contrárias aos interesses do povo e dos trabalhadores, é indispensável que os comunistas se coloquem audazmente à frente do proletariado, a fim de orientá-lo no justo caminho da solução dos seus problemas.

O exemplo do camarada Prestes, que, em defesa da ordem, não vacilou em desmascarar publicamente os agentes da desordem, em numerosas oportunidades, e de forma incisiva no comício de encerramento da campanha eleitoral, a 29 de novembro último, quando advertiu contra claras provocações golpistas, serve para todos os comunistas na luta pela defesa das reinvindicações do povo. A atitude do Partido denunciando a existência na máquina governamental de elementos fascistas e quinta-colunas, é um exemplo de como se pode e deve lutar pela ordem e a tranquilidade, numa atitude ofensiva. Agora mesmo, combatendo a rearticulação integralista, o Partido mostra seu espírito ofensivo na defesa da ordem. É esse espírito que deve prevalecer na luta pelas reinvindicações econômicas e contra as arbitrariedades dos patrões reacionários, utilizando todos os métodos legais, lutando-se ao mesmo tempo pela ordem e tranquilidade e pelas reivindicações vitais dos trabalhadores e do povo.


Inclusão: 11/08/2020