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Primeira Edição: Carta enviada por Emma Goldman da Queerís County Jail, estado de Nova York, em abril de 1916.
Fonte: Revista Verve, 29: 179-180, 2016
Transcrição: COLOCARNOME
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
O que estou fazendo? Constato a miséria humana. Não há miséria tão apavorante quanto a miséria do encarceramento. É uma situação de tanta impotência, de tanta humilhação.
Sim, eu penso que as prisioneiras me amam, ao menos aquelas que foram jogadas atrás das grades junto comigo. É tão fácil conquistar o amor delas. A mais ínfima demonstração de afeto as comove — elas são tão gratas. Mas o que podemos fazer por elas?
Lembram-se daquela passagem de Justice, de Galsworthy, em que alguém diz a Falder: “Ninguém deseja te prejudicar”?(1) É aí que reside o pathos. Ninguém deseja mal a essas vítimas sociais. O carcereiro e a carcereira são excepcionalmente gentis. Já os danos, os irreparáveis danos, estão feitos pelo simples fato de que seres humanos são trancados, têm suas identidades roubadas, assim como seu autorrespeito e sua individualidade.
Ah, não me sinto mal por ter sido sentenciada. Na realidade, sinto-me satisfeita. Precisava disso para chegar perto de párias que vivem esse horror. Seria bom se todo rebelde fosse enviado à prisão por um período; isso faria aflorar sua chama de ódio contra tudo o que faz com que as prisões sejam possíveis. Estou realmente realizada.
Somos despertadas às seis e destrancadas às sete da manhã. Tomamos café da manhã, que até o momento nada mais foi do que aveia com o que pretende parecer leite. O café ou o chá eu não consegui engolir. As sete e meia somos levadas para o pátio. Ando para cima e para baixo como uma possessa, para fazer exercícios. As oito e meia estamos de volta, e as mulheres se mantêm ocupadas rabiscando; mas minhas garotas não me deixam fazê-lo; preciso conversar com elas. (O carcereiro, de qualquer modo, está lendo meu livro Anarquismo, e a carcereira, O Significado Social do Teatro Moderno.) Na realidade, sinto-me mais dedicada aqui do que lá fora. As onze jantamos, e às quatro da tarde tomamos uma ceia — que descrevo a vocês quando sair. Então, somos trancadas até as sete da manhã — quinze horas, o mais difícil de aguentar. Lembram-se da frase de The Ballad of Reading Gaol: “cada dia um ano cujos dias envelhecem”?(2) Para mim é: “cada noite um ano cujas noites são mais longas.” Eu sempre amei a noite, mas noites aprisionadas são medonhas.
Notas de rodapé:
(1) John Galsworthy (1867-1933) é um novelista e dramaturgo britânico, escritor de Justice (1910), sobre os horrores de viver na prisão, e um fomentador do interesse público acerca da reforma prisional. A frase citada por Emma Goldman está no ato IV. (retornar ao texto)
(2) A citação literal é: “And that each day is like a year/A year whose days are long”, do livro The Ballad of Reading Gaol’ de Oscar Wilde, publicado em 1898. (retornar ao texto)