Na natureza nunca vemos nada isolado, mas cada coisa está ligada a outra que existe à sua frente, ao lado, abaixo e acima dela.
GOETHE
De acordo com Marx e Engels, o sistema dialético nada mais é do que a reprodução consciente do curso (substância) dialética dos fatos externos do mundo.
Portanto:
A projeção do sistema dialético das coisas
no cérebro
na criação abstrata
no processo de pensamento
produz: métodos dialéticos de pensamento;
o materialismo dialético... A FILOSOFIA.
E também:
A projeção do mesmo sistema de coisas
enquanto se cria concretamente
enquanto se dá forma
produz: A ARTE.
O fundamento desta filosofia é um conceito dinâmico das coisas.
O Ser, como constante evolução da interação de dois opostos contraditórios.
A síntese, que nasce da oposição entre tese e antítese.
Igualmente fundamental é uma compreensão dinâmica das coisas para se entender corretamente a arte e todas as formas artísticas. No campo da arte, este princípio dialético de dinâmica se concretiza no
CONFLITO
como princípio fundamental da existência de toda obra de arte e de toda forma de arte.
Porque a arte é sempre um conflito:
1. por sua missão social,
2. por sua natureza,
3. por sua metodologia.
Por sua missão social, porque: é tarefa da arte tornar manifestas as contradições do Ser; formando visões objetivas ao suscitar contradições na mente do espectador, forjando conceitos intelectuais precisos a partir do choque dinâmico de paixões opostas.
Por sua natureza, porque: a sua natureza é um conflito entre a existência natural e a tendência criativa; entre a inércia orgânica e a iniciativa com uma finalidade. O excesso de iniciativa com uma finalidade – os princípios da lógica racional – calcifica a arte em tecnicismo matemático (uma paisagem pintada se torna um mapa topográfico, a figura de um São Sebastião se torna uma pura tabela anatômica). O excesso de naturalidade orgânica - de lógica orgânica - dilui a arte, tornando-a sem forma (um Malevich se torna um Kaulbach, um Archipenko se torna um show de bonecos de cera). Porque o limite da forma orgânica (o princípio passivo do ser) é a Natureza. O limite da forma racional (o princípio ativo da produção) é a indústria. No ponto de encontro entre a natureza e a indústria está a Arte.
A lógica da forma orgânica contra a lógica da forma racional produz, em seu confronto, a dialética da forma artística. A ação recíproca das duas lógicas produz e determina o Dinamismo (não apenas no sentido de uma continuidade espacial e temporal, mas também no campo do pensamento absoluto). Considero igualmente dinâmico o início de novos conceitos e pontos de vista no conflito entre o conceito habitual e a representação particular: como dinamização da inércia da percepção; como dinamização da "visão tradicional" em uma visão nova).
A quantidade do intervalo determina a medida da tensão (veja-se, por exemplo, o conceito de intervalo na música. Em certos casos, a distância pode ser tão grande que leva a uma ruptura, a um colapso do conceito homogêneo de arte: por exemplo, a "inaudibilidade" de certos intervalos).
A forma espacial deste dinamismo é a expressão. As fases de sua tensão formam o ritmo. Isso se aplica a todas as formas de arte, na verdade, a todos os gêneros de expressão. Do mesmo modo, a expressão humana é um conflito entre reflexos condicionados e incondicionados (nesse ponto, não posso concordar com Klages, que a) não considera a expressão humana dinamicamente como um processo, mas estaticamente como um resultado, e que b) atribui tudo o que está em movimento ao campo da "alma", e apenas o elemento que cria obstáculo ao "espírito". [O "espírito" e a "alma" da concepção idealista correspondem remotamente aqui às ideias de reflexos condicionados e incondicionados]).
Isto vale para qualquer campo que se possa considerar arte. O pensamento lógico, por exemplo, entendido como arte, revela o mesmo mecanismo dinâmico:
… a vida intelectual de Platão, Dante, Espinoza ou Newton foi amplamente guiada e sustentada por sua paixão pela beleza pura da relação rítmica entre a lei e o exemplo, a espécie e o indivíduo, a Causa e o efeito. O mesmo acontece, por exemplo, na linguagem, onde toda a seiva, a vitalidade e o dinamismo surgem da irregularidade do particular em relação às leis do sistema em seu conjunto. Podemos notar, ao contrário, a esterilidade da expressão em idiomas artificiais e completamente construídos por regras, como o esperanto.
É precisamente desse princípio que deriva o encanto da poesia. Seu ritmo nasce como um conflito entre a medida métrica empregada e a distribuição dos acentos que vão para além dessa medida.
A visão de um fenômeno formalmente estático como uma função dinâmica é expressa dialeticamente nas sábias palavras de Goethe:
Die Baukunst ist eine ertarrte Musik
(A arquitetura é uma música congelada).
Assim como no caso de uma ideologia homogênea (um ponto de vista monista), tanto o todo quanto os mínimos pormenores devem ser permeados por um único princípio. Assim, colocada ao lado do conflito do condicionamento social e do conflito da natureza existente, a metodologia de uma arte revela esse mesmo princípio de conflito: como o princípio fundamental do ritmo a ser criado e o início da forma artística.
A arte é sempre conflituosa por causa de sua metodologia. Consideraremos aqui o problema geral da arte no exemplo específico de sua forma mais elevada: o cinema. Os elementos fundamentais do cinema são o enquadramento e a montagem.
A montagem foi consagrada pelos filmes soviéticos como o centro nervoso do cinema. Definir a natureza da montagem equivale a resolver o problema específico do cinema. Os primeiros cineastas conscientes e nossos primeiros teóricos do cinema consideravam a montagem como um instrumento descritivo, colocando os enquadramentos individuais um após o outro como blocos de construção. O movimento no interior desses planos, entendido como blocos de construção, e o consequente comprimento das partes componentes, foram então considerados ritmo. Conceito completamente falso!
Seria como definir um objeto apenas em relação à natureza de sua imagem. O processo mecânico de fragmentação seria erigido a um princípio. Não podemos definir o ritmo como uma semelhante relação de comprimentos. Daí nasce antes a métrica do que as relações rítmicas, opostas umas às outras, tal como o sistema métrico-mecânico de Mensendieck opõe-se à escola rítmico-orgânica de Bode no campo dos exercícios físicos.
Segundo esta definição, aceita em teoria mesmo por Pudovkin, a montagem é um meio de desenvolver uma ideia por meio de enquadramentos únicos: o princípio "épico".
Na minha opinião, pelo contrário, a montagem é uma ideia que surge do choque de enquadramentos independentes ou até mesmo opostos um ao outro: o princípio "dramático".
Um sofisma? Certamente não. Estamos em busca de uma definição de toda a natureza, o estilo e o espírito principal do cinema nascido de sua base técnica (óptica). Sabemos que o fenômeno do movimento no cinema consiste no fato de que duas imagens imóveis de um corpo em movimento, sucedendo-se uma à outra, se fundem em uma ilusão de movimento quando vistas sucessivamente na velocidade necessária. Essa definição vulgarizada de como a fusão acontece é parcialmente responsável pela incompreensão geral da natureza da montagem que mencionamos anteriormente.
Examinemos agora com mais precisão o curso do fenômeno que estamos discutindo, estudar como ele realmente acontece e tentar tirar a nossa própria conclusão. Colocadas uma ao lado da outra, duas imagens estáticas fotografadas dão uma ilusão de movimento. Está correto? Visual e fraseologicamente, sim.
Mas, mecanicamente, não. Porque, na realidade, cada elemento de uma sucessão não é visto ao lado do outro, mas sobre o outro. Porque a ideia (ou a sensação) de movimento nasce do processo de sobreposição, na impressão preservada da primeira posição do objeto, de uma nova posição visível subsequente do próprio objeto. Essa é, além disso, a razão do fenômeno da profundidade espacial que se obtém pela sobreposição óptica de dois planos na estereoscopia. Porque a superposição de dois elementos da mesma dimensão produz sempre uma nova, mais elevada dimensão. No caso da estereoscopia, a sobreposição de duas bidimensionalidades não idênticas produz a tridimensionalidade estereoscópica.
Em outro campo: uma palavra concreta (uma definição) colocada ao lado de uma palavra concreta produz um conceito abstrato: como é o caso nos idiomas chinês e japonês, em que um ideograma material pode indicar um resultado (conceitual) que o transcende.
A incongruência no desenho da primeira imagem – já registrada na mente – com a segunda imagem percebida posteriormente cria, por meio do conflito, a sensação de movimento. O grau de incongruência determina a intensidade da impressão e determina também aquela tensão que se torna o elemento real de um ritmo autêntico.
Temos aqui, temporalmente, o que vemos surgir espacialmente em uma superfície plana desenhada ou pintada. De onde nasce o efeito dinâmico de uma pintura? O olho segue a direção de um elemento na pintura. Conserva disto uma impressão visual que depois entra em conflito com a impressão que se tem ao seguir a direção de um segundo elemento. O conflito entre essas direções produz o efeito dinâmico na percepção do todo.
I. Pode ser puramente linear: Fernand Léger, ou o Suprematismo.
II. Pode ser "anedótico". O segredo da maravilhosa mobilidade das figuras de Daumier e de Lautrec reside no fato de que as várias partes anatômicas de um corpo vêm representadas em circunstâncias espaciais (posições) temporalmente diferentes e disjuntivas. Por exemplo, na litografia em que Toulouse-Lautrec mostra a Srta. Cissy Loftus, se você desenvolver logicamente a posição A do pé, você constrói um corpo em uma posição A correspondente. Mas, o corpo vem representado do joelho para cima já na posição A + a. É afirmado aqui o efeito cinemático das imagens fixas unidas! Desde as ancas para trás, podemos ver A + a + a. A figura emerge viva e saltitante!
III. Entre o I e o II encontra-se o primeiro Futurismo italiano – o de Balla em "Homem com seis pernas em seis posições" – porque o II consegue os seus efeitos preservando a unidade natural e a exatidão anatômica, enquanto o I, pelo contrário, o faz com traços puramente elementares. O III, embora tenha destruído a fidelidade à natureza, ainda não foi ao ponto da abstração.
IV. O conflito da direção pode ser ainda de gênero ideográfico. Obtivemos, assim, por exemplo, as caracterizações marcantes de um Sharaku. O segredo de sua força de expressão extremamente aperfeiçoada está na desproporcionalidade espacial e anatômica das partes; que em comparação, a nossa pode ser definida como desproporcionalidade temporal.
Geralmente definida como "irregularidade", essa desproporção espacial tem exercido uma atração constante sobre os artistas que dela se serviram. Ao escrever sobre os desenhos de Rodin, Camille Mauclair sugeriu uma explicação:
Todos os maiores artistas, Michelangelo, Rembrandt, Delacroix, em um determinado momento da explosão de seu gênio, literalmente jogaram fora o lastro de exatidão concebido por nossa razão simplificadora e por nossos olhos convencionais, a fim de alcançar a pontualização de ideias, a síntese, a escrita visual de seus sonhos.(1)
Dois artistas experimentais do século XIX – um pintor e um poeta – tentaram enunciar formulações estéticas desta "irregularidade". Eis a tese de Renoir:
Assim como na natureza, em toda obra de arte, e também na arquitetura, o princípio da irregularidade deve entrar em jogo. Por ter esquecido esse princípio, a arte moderna está morrendo, sufocada pela "regularidade, aridez, a mania de falsa perfeição".(2)
E Baudelaire escreveu em seu diário:
Aquilo que não é ligeiramente disforme tem um ar insensível; segue-se que a irregularidade, ou seja, o inesperado, a surpresa, o espanto, são o elemento essencial e a característica da beleza.(3)
Se examinarmos mais de perto a beleza peculiar da irregularidade usada na pintura de Grünewald ou de Renoir, veremos que ela consiste em uma desproporção na relação de um particular em uma dimensão com um outro particular em uma dimensão diferente. O desenvolvimento espacial da dimensão relativa de um particular em correspondência a outro, e o consequente choque entre as proporções estabelecidas pelo artista para esse fim, resultam em uma caracterização: em uma definição do material representado.
E, por fim, a cor. Qualquer tonalidade de cor dá à nossa visão um certo ritmo de vibração. Não digo isso de forma figurada, mas puramente fisiológica, que as cores se distinguem umas das outras pelo número de vibrações luminosas.
A tonalidade ou o tom de cor adjacente consiste em uma outra medida de vibração. O contraponto (conflito) das duas medidas – a medida de vibração conservada contra novamente percebida – produz o dinamismo de nossa compreensão do jogo recíproco de cores. Passando das vibrações visuais para as acústicas, nos encontramos no campo da música; passamos do domínio da imagem espacial ao domínio da imagem temporal, onde a mesma lei se aplica. Que o contraponto não é para a música apenas uma forma de composição, mas o fator fundamental para que se possa perceber o tom e a sua diferenciação. Quase se poderia dizer que, em todos os casos citados, vimos em ação o mesmo Princípio da comparação, que torna possível a percepção e a definição em todos os campos.
Na imagem em movimento (o cinema), temos, por assim dizer, uma síntese dos dois contrapontos: o contraponto espacial da arte gráfica e o contraponto temporal da música. No cinema, e como característica do mesmo, ocorre o que pode ser definido como contraponto visual. Aplicando este conceito ao cinema, abrimos diversos caminhos ao problema da gramática fílmica. Assim como a sintaxe das manifestações fílmicas, em que o contraponto visual pode determinar todo um novo sistema de formas de manifestação (experimentos nesse sentido são ilustrados nas páginas precedentes por imagens de meus filmes). Por tudo isso, a premissa fundamental é:
O enquadramento não é um elemento da montagem. O enquadramento é uma célula (ou molécula) da montagem.
Nesta formulação, a divisão dualista de
Legenda e enquadramento
e Enquadramento e montagem
passa bruscamente na análise à consideração dialética de três fases diferentes de uma tarefa expressiva homogênea, cujas características homogêneas determinam a homogeneidade de suas leis estruturais.
Relação recíproca das três fases:
O conflito no interior de uma tese (ideia abstrata) se formula na dialética da legenda, se forma espacialmente no conflito no interior do enquadramento e explode com intensidade crescente no conflito da montagem entre os enquadramentos individuais. Isso acontece em perfeita analogia com a expressão humana, psicológica.
Trata-se de um conflito de motivos, que também pode ser resumido em três fases:
1. Pura expressão verbal. Sem entonação expressiva na linguagem.
2. Gesticulação (entonação mímica). Projeção do conflito em todo o sistema corpóreo expressivo do homem. Gesto que é movimento corpóreo e gesto é entonação.
3. Projeção do conflito no espaço. Com uma intensificação dos motivos, o ziguezague da expressão mímica é empurrado para o espaço circundante seguindo a mesma fórmula de distorção. Um ziguezague de expressão que nasce da divisão espacial criada pelo homem que se move no espaço. Direção.
Lançamos assim as bases para uma concepção totalmente nova do problema da forma cinematográfica. Como exemplos de tipos de conflitos na forma – características do conflito no interior do enquadramento e ao mesmo tempo do conflito entre os enquadramentos que se confrontam, a montagem – podemos elencar os seguintes:
1. Conflito gráfico (cf. fig. 1).
2. Conflito de planos (cf. fig. 2).
3. Conflitos de volumes (cf. fig. 3).
4. Conflito espacial (cf. fig. 4).
5. Conflito de luzes.
6. Conflito de ritmo, e assim por diante.
Observação: Esta é uma lista de traços principais, de dominantes. Naturalmente, se apresentam na maioria dos casos como complexos. Para passar para a montagem, basta dividir cada exemplo em duas partes fundamentais independentes, como no caso do conflito gráfico, embora possam ser divididos de modo análogo em todos os outros casos:
Alguns outros exemplos:
7. Conflito entre conteúdo e ponto de vista (obtido com uma deformação espacial através da angulação) (cf. fig. 5).
8. Conflito entre o conteúdo e a sua natureza espacial (obtido com a deformação ótica por meio da objetiva).
9. Conflito entre um fato e sua natureza temporal (obtido com câmera lenta e animação)
e, finalmente
10. Conflito entre o inteiro complexo ótico e uma esfera completamente diferente.
O conflito entre a experiência óptica e acústica produz, portanto:
o cinema sonoro,
que pode ser realizado como
um contraponto audiovisual.
Formular e investigar o fenômeno cinematográfico na forma de conflitos oferece a primeira oportunidade de pensar em um sistema homogêneo de dramaturgia visual para todos os casos gerais e particulares do problema cinematográfico. Pensar em uma dramaturgia da forma cinematográfica visual igualmente regular e precisa quanto a já existente dramaturgia do conteúdo cinematográfico. Desse ponto de vista, podemos resumir as seguintes formas e possibilidades de estilo como sintaxe cinematográfica: ou talvez seja mais exato descrever o que segue como:
tentativa de sintaxe cinematográfica.
Observaremos aqui uma série de possibilidades de desenvolvimento dialético que podem ser extraídas desta afirmação. O conceito de imagem em movimento (que consome tempo) surge da sobreposição – ou contraponto – de duas imagens estáticas diferentes.
I. Qualquer fragmento montado que contenha um movimento. Cada peça fotografada. Definição técnica do fenômeno do movimento. Ainda não há composição (um homem que corre. Um fuzil que atira. Um esguichar de água),
II. Um conceito figurativo de movimento artificialmente produzido. O elemento óptico fundamental é usado para composições deliberadas:
A. Composição lógica.
exemplo I (de Outubro): se representa com a montagem uma metralhadora que dispara, alternando os pormenores do disparo.
Combinação A. Uma metralhadora vivamente iluminada. Um outro enquadramento com luz atenuada. Explosão dupla: explosão gráfica mais explosão de luz, close-up da metralhadora.
Combinação B (cf. fig. 6): efeito de quase dupla exposição obtido com um efeito de montagem repetida. Duração das peças de montagem: dois enquadramentos cada.
exemplo 2 (de Potemkin): ilustração de ação imediata. Mulher com pince-nez. Imediatamente seguida – sem transição – da mesma mulher com o pince-nez quebrado e o olho coberto de sangue: a impressão de um golpe que feriu o olho (cf. fig. 7).
B. Composição ilógica.
Exemplo 3 (de Potemkin): o mesmo expediente usado pelo simbolismo pictórico. Ao rugir dos canhões do Potemkin, um leão de mármore se empina, em sinal de protesto contra o massacre nas escadarias de Odessa (cf. fig. 8). Contém três enquadramentos de três leões de mármore imóveis do Palácio de Alupka, na Crimeia: um leão adormecido, um leão acordado e um leão que se levanta. O efeito se obtém calculando exatamente a duração do segundo enquadramento. Sobrepondo-se à primeira está a primeira ação. Portanto, há o tempo para imprimir na mente a segunda posição. Sobrepondo a terceira sobre a segunda se dá a segunda ação: o leão finalmente se levanta.
Exemplo 4 (de Outubro): vimos no exemplo 1 como o disparo foi simbolicamente construído com elementos externos ao próprio processo de disparo. Ilustrando o putsch monarquista tentado pelo General Kornilov, Veio-me a mente que sua tendência militarista poderia ser representada em uma montagem que utilizasse material de detalhes religiosos. De fato, Kornilov havia revelado sua intenção de realizar uma bizarra "Cruzada" de muçulmanos (!) – a sua "Divisão Selvagem" de caucasianos –, juntamente com alguns cristãos, contra os bolcheviques. Alternamos, então, entre o enquadramento de um Cristo barroco (que parecia explodir nos raios luminosos de sua auréola) e o enquadramento da máscara em forma de ovo de Uzume, deusa da alegria, completamente absorta em si mesma. O conflito temporal entre a forma de ovo recolhido e a forma de estrela aberta produziu o efeito de uma explosão imediata, de uma bomba ou estilhaço.(4) (A figura eu, que revela a possibilidade expressiva tendenciosa – ou ideológica – desse material, será discutida mais adiante).
Os exemplos até agora trataram de casos de fisiologia elementar, usando exclusivamente a sobreposição de movimentos ópticos.
III. Combinações emocionais, não apenas com os elementos visíveis dos enquadramentos, mas, sobretudo, com séries de associações psicológicas, Montagem por associação. Como um meio de definir emocionalmente uma situação.
No exemplo I, tivemos dois enquadramentos sucessivos A e B, de idênticos. Não era, porém, idêntica a posição do tema no enquadramento:
O resultado foi uma dinamização do espaço, uma impressão de dinâmica espacial:
O grau de diferença entre as posições A e B determina a tensão do movimento.
Vejamos outro caso; suponhamos que os temas dos enquadramentos A e B não sejam idênticos. Embora sejam idênticas as associações dos dois enquadramentos, isto é, elas são idênticas por associação.
Esta dinamização do tema, não no espaço, mas na psicologia, ou seja, na emoção, produz: a dinamização emocional.
Exemplo I (em A Greve): a montagem do assassinato dos trabalhadores é, na verdade, uma montagem cruzada desse massacre com a matança de um touro em um matadouro. Embora os temas sejam diferentes, o vínculo associativo é dado pelo "matadouro". Obtém-se assim uma potente intensificação emotiva da cena. Na realidade, a homogeneidade das posições tem aqui um papel importante na produção do efeito: seja pelo movimento da posição dinâmica no enquadramento, seja pela posição estática que divide graficamente a mesma.
Este é um princípio usado mais tarde por Pudovkin em O fim de São Petersburgo (Konec Sankt-Peterburga), na vigorosa sequência em que se alternam os enquadramentos da Bolsa e do campo de batalha. Também em seu filme anterior, A Mãe (Uat'), havia uma sequência análoga: o degelo no rio paralelo à manifestação dos trabalhadores.
Um expediente similar pode decair, tornar-se patológico, quando se perde de vista o ponto essencial: a dinamização emocional do tema. Assim que o diretor se esquece de sua essência, o meio se calcifica em simbolismo literário e maneirismo estilístico sem vida. Vejamos dois exemplos do uso indevido deste meio: Exemplo 2 (em Outubro): às cantilenas de compromisso dos mencheviques durante o Segundo Congresso dos Sovietes – enquanto ocorre o ataque ao Palácio de Inverno – são alternados com mãos tocando harpa. Trata-se de um paralelismo puramente literário que não serve de modo algum a dinamizar o argumento. Da mesma forma, em Cadáver vivo (Zivoj trup), de Ocep, as torres das catedrais (imitando aquelas de Outubro) e as paisagens líricas se alternam com os discursos no tribunal do autor e dos defensores. Aqui temos o mesmo erro observado na sequência da "harpa".
Por outro lado, a maioria dos efeitos puramente dinâmicos pode produzir resultados positivos: Exemplo 3 (de Outubro): o momento dramático da entrada do batalhão de motociclistas no congresso dos Sovietes foi dinamizado com enquadramentos de rodas de bicicleta girando em modo abstrato, associadas à entrada dos novos delegados. Assim, o conteúdo emocional de longo alcance do evento foi transformado em uma verdadeira dinâmica.
Este mesmo princípio – dar vida a conceitos, a emoções, colocando lado a lado dois fatos diferentes – conduz à:
IV. Liberação de toda a ação da definição de tempo e de espaço. Foi em Outubro que fiz as minhas primeiras tentativas neste sentido.
exemplo 1: vê-se uma trincheira apinhada de soldados sendo esmagados por uma enorme plataforma de canhão que desce inexoravelmente. Como um símbolo antimilitarista, considerado apenas do ponto de vista do tema, o efeito é obtido pela união manifesta de uma trincheira que tem uma existência independente e um produto militar avassalador, igualmente independente fisicamente.
exemplo 2: na cena do putsch de Kornilov, que sinaliza o fim dos sonhos bonapartistas de Kerensky. Aqui, um dos tanques de Kornilov sobe na escrivaninha de Kerensky no Palácio de Inverno, esmagando um Napoleão de gesso: uma abordagem de significado puramente simbólico.
Esse método foi usado por Dovzenko em Arsenal para criar sequências inteiras, bem como por Esther Sub em sua utilização de material de repertório em Rússia de Nicolau II e Lev Tolstoi (Rossija Nikolaja II i Lev Tolstoy).
Oferecerei aqui outro exemplo deste método, destinado a subverter as formas tradicionais de lidar com o enredo, mesmo que ainda não tenha sido colocado em prática.
Em 1924-25, meditei sobre a ideia de um retrato cinematográfico do homem real. Prevalecia então a tendência de mostrar o homem real no cinema apenas em longas cenas dramáticas sem cortes. Acreditava-se que o corte (a montagem) destruiria a ideia do homem real. Abram Room alcançou uma espécie de primazia neste campo quando, em A Baía da morte (Buchta smertì), se serviu de enquadramentos dramáticos sem cortes de 40 metros de comprimento.
Julguei (e ainda julgo) esse conceito como absolutamente não-cinematográfico.
Mas como se pode descrever termos de linguagem um homem?
Seu cabelo é negro como a asa do corvo...
As ondas do seu cabelo...
Seus olhos dispararam relâmpagos azuis...
Os seus músculos de aço...
Mesmo em uma descrição menos exagerada, descrever verbalmente uma pessoa resulta em uma variedade de cachoeiras, para-raios, paisagens, pássaros, etc.
Mas por que o cinema deveria seguir as formas do teatro e da pintura em vez da metodologia da linguagem que admite o surgimento de conceitos ideais completamente novos a partir da combinação de duas designações concretas de objetos concretos? A linguagem é muito mais próxima do cinema do que da pintura. Na pintura, por exemplo, a forma nasce de elementos abstratos de linha e cores, enquanto no filme a concretude material da imagem no enquadramento é – como elemento – extremamente difícil de manipular. Por que não tender então para o sistema de linguagem, forçado a usar o mesmo mecanismo na invenção de palavras e complexos de palavras?
Por outro lado, por que a edição não pode se prescindir da montagem nos filmes ortodoxos?
A diferenciação das peças de montagem consiste em sua inexistência como unidades singulares. Cada peça só pode evocar uma certa associação. O acumular-se de tais associações pode produzir o mesmo efeito no espectador que é obtido por meios puramente fisiológicos no enredo de uma peça encenada em modo realístico. O crime no palco, por exemplo, tem um efeito puramente fisiológico. Fotografado em uma única peça de montagem, pode funcionar simplesmente como informação, como uma legenda. O efeito emotivo só começa com a reconstrução do fato em fragmentos de montagem, cada um dos quais despertará uma determinada associação, e que, juntos, darão um complexo de emoções que permeia o todo. Este é o procedimento tradicional:
1. Uma mão levanta uma navalha.
2. Os olhos da vítima se arregalaram subitamente.
3. Suas mãos se aferram à mesa.
4. A navalha é brandida.
5. Os olhos piscam de modo automático.
6. O sangue jorra.
7. Uma boca grita.
8. Algo goteja em um sapato…
e clichês cinematográficos semelhantes. Todavia, em relação à ação como um todo, cada fragmento é quase abstrato. Quanto mais diferenciados são, mais abstratos se tornam, limitando-se a provocar uma certa associação.
Logicamente, chegamos a pensar: não seria possível obter a mesma coisa de forma mais produtiva se não seguíssemos o enredo de forma tão servil, mas materializássemos a ideia, a impressão do crime, por meio de um acúmulo livre de material associativo? A tarefa mais importante ainda é apresentar a ideia de assassinato, o sentimento de assassinato como tal. O enredo é apenas um artifício sem o qual ainda não somos capazes de dizer alguma coisa ao espectador! Um esforço nessa direção ainda produziria a mais interessante variedade de formas.
Alguém deveria tentar ao menos! Desde que pensei nisso, não tive tempo de fazer o experimento. E hoje estou envolvido em problemas bem diferentes. Mas, voltando à linha principal de nossa sintaxe, há algo nela que pode nos ajudar nessas tarefas.
Enquanto em I, II e III a tensão foi calculada para produzir um efeito puramente fisiológico – do meramente óptico ao emocional –, também devemos mencionar aqui o caso da mesma tensão-conflito que serve para criar novos conceitos, novas atitudes, isto é, para fins puramente intelectuais.
exemplo 1 (em Outubro): a ascensão de Kerensky ao poder e à ditadura após o levante de julho de 1917. Obtém-se um efeito cômico com legendas indicando postos cada vez mais elevados ("Ditador" - "Generalíssimo" - "Ministro da Marinha - e do Exército" - etc.) colocadas cada vez mais alto, alternando com cinco ou seis enquadramentos de Kerensky subindo as escadas do Palácio de Inverno, sempre com o mesmo passo. Aqui, um conflito entre a inconsistência dos cargos em ascensão e a subida do "herói" pela mesma e invariada escada produz um resultado intelectual: mostra-se, de modo satírico, a inconsistência fundamental de Kerensky. Temos o contraponto de uma ideia, convencional, expressa literalmente com a ação visível de um indivíduo particular inadequado aos seus deveres em rápida ascensão. A incongruência desses dois fatores é resolvida na decisão puramente intelectual do espectador em detrimento desse indivíduo em particular. Dinamização intelectual.
Exemplo 2 (em Outubro): A marcha de Kornilov em Petrogrado ocorre sob a bandeira "Em nome de Deus e da Pátria". Tentamos aqui revelar o significado religioso desse episódio de um modo racionalista. Montamos alternando um certo número de imagens religiosas, desde um magnífico Cristo barroco até um ídolo esquimó. O conflito era, nesse caso, entre o conceito e o símbolo de Deus. Embora a ideia e a imagem pareçam estar em total acordo na primeira estátua mostrada, os dois elementos se afastam cada vez mais um do outro a cada imagem subsequente (cf. fig. 10). Ao manter o nome de "Deus", essas imagens distanciam-se cada vez mais do nosso conceito de Deus, levando inevitavelmente a conclusões individuais acerca da verdadeira natureza de todas as divindades. Também neste caso, uma série de imagens procurou chegar a uma solução puramente intelectual, resultante de um conflito entre um preconceito e seu gradual descrédito em fases preestabelecidas.
Passo a passo, comparando cada nova imagem com a indicação comum, se vem acumulando força por trás de um processo que podemos identificar formalmente com o da dedução lógica. A decisão de colocar essas ideias em circulação, bem como o método usado, foram já concebidos intelectualmente. A forma descritiva convencional do cinema leva à possibilidade formal de um tipo de raciocínio fílmico. Enquanto o cinema convencional direciona as emoções, o cinema intelectual, ao mesmo tempo, oferece a possibilidade de encorajar e direcionar todo o processo de pensamento.
Essas duas sequências experimentais específicas sofreram forte oposição de quase todos os críticos, e ser quer ver apenas o significado político. Eu não negaria de que essa forma é a mais adequada para expressar teses ideologicamente definidas: é, no entanto, uma pena que os críticos tenham negligenciado completamente suas possibilidades puramente cinematográficas.
Com esses dois experimentos, demos o primeiro passo, embrionário, rumo a uma forma completamente nova de expressão cinematográfica: rumo a um cinema puramente intelectual, liberto das limitações tradicionais, capaz de expressar de forma direta ideias, sistemas e conceitos, sem a necessidade de transições e paráfrases. Ainda assim, podemos ter uma
síntese de arte e ciência.
Essa seria a definição adequada para nossa nova era no campo da arte. Essa seria a justificativa definitiva das palavras de Lênin de que "o cinema é a mais importante de todas as artes".