Che em Sierra Maestra
Depoimento inédito de uma guerrilheira

Merceditas Sánchez Dotres


Prefácio


capa

Che Guevara tem uma dimensão que se agiganta cada vez mais. Para os de minha geração, pelo seu idealismo e destemor, ele foi — e é modelo e parâmetro. E emblema e mito. Para muitos, de todas as idades, ele tem o titulo e a aura que se conservam e que ficarão para sempre: Che, guerreiro de Cuba, herói da América Latina, cidadão de um mundo justo e livre. O mundo pelo qual continuamos a lutar, o mundo com o qual continuamos a sonhar.

Tudo que já se produziu sobre a sua vida tem sido sempre bem-vindo. Os tempos que atravessamos privaram-nos de informações sobre ele. Agora, porém, temos a oportunidade de conhecê-lo profundamente. A oferta de dados e fatos sobre sua trajetória é rica e detalhada.

Portanto, a primeira impressão que tive ao pegar os originais deste livro foi justamente a indagação sobre a necessidade de mais um livro falando em Che Guevara : que mais havia a dizer?

Ainda impressionado com a publicação da biografia produzida pelo jornalista Jon Lee Anderson, de quase 900 páginas, em que ele disseca o homem e o mito, revive a vida e as lutas de Che e trilha os seus caminhos, concluí que o tema fora esgotado. Acrescente-se a isso a enorme repercussão que as comemorações dos trinta anos de sua morte tiveram na mídia, o encontro do seu túmulo na Bolívia e sua volta à terra e ao chão que ele escolheu como sua pátria — o retorno definitivo a Cuba. Em suma, as dúvidas que existiam, a luz que faltava, transformou-se em esclarecimentos detalhados e em muita notícia.

Portanto, comecei a ler este livro de Mercedes Sánchez a partir dessa precogitação. Porém, à medida que fui avançando na leitura — espero que aconteça o mesmo com os seus demais leitores —, descobri que o livro Che em Sierra Maestra, Depoimento inédito de uma guerrilheira tem um valor adicional. Ele é confessional, um testemunho vivo de quem foi membro do Exército Rebelde e do Movimento Clandestino. Não foi escrito por quem pesquisou exaustivamente a vida e a saga de Che Guevara em arquivos e conversou com familiares e outros tantos que o conheceram de perto. Não foi feito por quem soube dele por terceiros.

Este livro foi forjado nas recordações de quem, vivendo na clandestinidade, lutando na Sierra Maestra, acampando “onde as nuvens passavam muito perto de nossas mãos, e os vales se encontravam a nossos pés”, conheceu o Che pessoalmente. Por quem destaca um importante fato: o papel das mulheres no movimento revolucionário cubano, das inúmeras guerrilheiras, como “uma das mulheres mais excepcionais que encontrei em toda minha vida, o ser extraordinário e maravilhoso que foi Lidia Doce”, morta por tortura sem entregar nenhum segredo nem denunciar um só companheiro e que dizia, mansamente, que tinha dois grandes amores ideais e de igual valor: Che e Cuba. É a mesma Lidia que é citada por Guevara no seu livro Passagens da Guerra Revolucionária.

Foi urdido por quem o conheceu de perto, por quem teve uma verdadeira revelação ao vê-lo, pela primeira vez em sua vida ao adentrar o refúgio revolucionário ao murmúrio extasiado e crescente de todos: – Aí vem Che!

Foi escrito por quem ajudou a lhe preparar refeições, por quem com ele formou dueto para declamar versos em momentos de folga das guerrilhas, por com quem ele falou de poesia, da literatura em geral e de familiares. Por quem sabe que ele era admirador do artista Cantinflas. Onde mais encontrar a informação de que ele se orgulhava de parecer fisicamente com o grande cômico do cinema mexicano?

Foi feito como um tributo da guerrilheira Carmencita ao seu comandante, Ernesto Che Guevara . O mesmo a quem ela cedeu sua rede e cobertor, “porque ele não havia trazido sua mochila”, e com quem tirou fotografias. Uma homenagem àquele que destacava a importância da formação profissional da guerrilheira, professora para redenção de Cuba. Como uma lembrança daquele cujas crises de asma entristeciam todo o acampamento e cuja presença dava a todos um novo alento e lhes renovava a esperança de vitória.

Em cada momento de seu livro, a autora nos passa a certeza de que, de perto, no convívio, Che Guevara tinha a dimensão moral e ética que nós lhe atribuímos a distância. Ela diz que ele foi o homem da austeridade, o homem da justiça, que sempre viveu tal como ele queria, tais como eram seus desejos e ideias. Tudo que ocorria a seu redor era para ele muito importante.

Sejamos gratos, então, a Maria Mercedes Sánchez Dotres por nos reafirmar essas verdades e outras mais, que formam este comovente e precioso Che em Sierra Maestra, Depoimento inédito de uma guerrilheira..

Jorge Gomes,
Médico e Vice-Governador do Estado de Pernambuco
Recife, outubro de 1997


Inclusão: 30/10/2023