Che em Sierra Maestra
Depoimento inédito de uma guerrilheira

Merceditas Sánchez Dotres


O esquema da violência


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Derrotada a tirania batistiana, e tão logo se pôs em prática em Cuba um programa de justiça social, os Estados Unidos assumiram a postura de repressores implacáveis desse processo.

Desde meados de 1959, depois do triunfo da Revolução, os serviços secretos norte-americanos começaram a executar um novo esquema contra a nação cubana, porém não mais de dominação, mas sim de agressão. Esse novo esquema organizado pelos Estados Unidos contra Cuba (que alguns autores já começam a chamar esquema da violência) caracterizou-se pelo controle direto, pela Central Intelligence Agency (a CIA), de todos os grupos que estavam sendo substituídos pela revolução triunfante.

Primeiramente os serviços de inteligência dos Estados Unidos acolheram em território norte-americano os elementos mais destacados da ditadura de Batista. Em seguida esse mesmo processo estendeu-se às cúpulas político-militares dos diversos grupos políticos fisiológicos, bem como às famílias da máfia radicadas em Havana. Depois ampararam os arrependidos (por razões econômicas) de terem ajudado a Revolução e os grupos econômicos e setores dependentes dos interesses norte-americanos, relacionados ou subordinados a eles, historicamente vinculados às negociatas de cunho fraudulento favorecidas pelo Estado. Todos esses grupos passaram a ser controlados e dirigidos, monoliticamente, pelos serviços secretos norte-americanos, com o propósito de destruir a Revolução Cubana.

Valendo-se desse novo esquema de agressão, os Estados Unidos realizaram milhares de ações contra Cuba. Executaram invasões armadas e organizaram bandos de facínoras para promover o banditismo nas zonas montanhosas de Cuba. Fomentaram uma emigração acelerada com o fito de opô-la aos destinos da Pátria cubana. Promoveram ações terroristas, sabotagens e a infiltração de agentes. Arquitetaram planos para assassinar os dirigentes da Revolução. Moveram uma guerra radiofônica, psicológica e bacteriológica (!). Praticaram a espionagem e a subversão. Violaram seguidamente os direitos humanos da população residente na ilha. Empreenderam campanhas sistemáticas de calúnias e mentiras, desinformações, falácias e manipulações da realidade cubana, de assédio em escala mundial, com perseguições políticas e diplomáticas; e um feroz e desumano bloqueio econômico, científico e cultural, além de muitos outros excessos.

Todas essas agressões contra Cuba começaram logo no início da década de 60. Em meio a todas essas incessantes e crescentes hostilidades contra Cuba, foi espantoso o que o Che, em apenas sete anos (de 1959 a 1966), conseguiu realizar. Ele reorganizou o Banco Nacional de Cuba. Foi Ministro da Indústria. Escreveu centenas de páginas muito elucidativas sobre a guerra, a política, a economia e a vida social. Se durante a guerra revolucionária o Che conseguiu transformar-se num comandante aguerrido da Revolução Cubana, o conjunto de tarefas que Ele teve de desempenhar posteriormente permitiu-o atingir rapidamente um amadurecimento profundo, não só no tocante a questões práticas, mas também no campo das ideias. E Ele sustentou suas ideias brilhantemente.

Naquela época, o Che, além de chefe militar e personalidade política, fez-se presente nas relações exteriores. Visitou diversos países e projetou-se em foros internacionais, onde demonstrou toda sua inteligência, energia e tenacidade. Na realidade o Che converteu-se no verdadeiro embaixador da Revolução.

Entretanto, o Che não enfrentou o esquema da violência apenas em Cuba, como esquema de agressão; desafiou esse mesmo esquema na Bolívia, mas dessa vez como esquema de dominação.

O esquema da violência, como esquema de dominação, foi implantado na Bolívia com o golpe de Estado engendrado pelos Estados Unidos naquele país em 1964. Tratava-se de uma operação de longo alcance, destinada a anular as conquistas obtidas na Revolução de 9 de abril de 1952: reforma agrária, nacionalização das minas, reorganização do exército, implantação das milícias operárias, etc.

A partir de 1964, os cidadãos bolivianos recrutados pelos serviços secretos norte-americanos foram guindados aos mais altos postos executivos das estruturas de poder fictício do Estado boliviano. Os agentes secretos ianques consolidaram posições nas forças armadas do país. Nessa época, a estrutura governamental do Estado boliviano começou a prestar obediência, em seus atos, à Agência Central de Inteligência (CIA). Até então nenhum outro país da América Latina se tornara tão submisso à espionagem estadunidense quanto a Bolívia.

É por esse motivo que a história da guerrilha do Che na Bolívia não é a história de uma luta internacionalista contra o exército boliviano, mas sim a história de um movimento revolucionário — de uma guerrilha internacionalista — contra um esquema implantado pelos serviços secretos norte-americanos. Basta dizer que, tão logo os Estados Unidos tomaram conhecimento da presença do Che nas montanhas da Bolívia, passaram a ocupar todos os escalões de poder do Estado. O controle dos serviços secretos ianques na Bolívia estendeu-se às alfândegas, às travessias de fronteiras, aos aeroportos e aos meios de comunicação, incluindo os correios e a rede telefônica. Nenhum setor essencial daquela nação ficou fora do controle da espionagem norte-americana.

Os Estados Unidos enviaram à Bolívia centenas de assessores militares, especialistas em tortura e outras técnicas sofisticadas, que abrangiam a desinformação e a guerra psicológica. Durante os meses em que o Che esteve na Bolívia, vieram dos Estados Unidos dezenas e dezenas de agentes secretos, uma grande quantidade de material bélico e muitos outros recursos de todo tipo. Nunca se vira uma operação daquele porte na América do Sul.

A CIA enviou também agentes terroristas mafiosos da contrarrevolução baseada em Miami. Chegaram até a profanar o cadáver do Che. Pisotearam-no depois de morto. O Che fora capturado vivo, desarmado e ferido. Era um prisioneiro de guerra. E tal foi o tratamento que lhe dispensaram, a Ele, que sempre fora tão respeitoso, tão sensível e tão humano, não só com seus guerrilheiros feridos, mas igualmente com os prisioneiros inimigos. Foi nessas circunstâncias que a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos ordenou o assassínio do Che.

Seja como for, agora e sempre, com as ideias do Che, com seus ideais e suas esperanças, pode-se repetir o que o Comandante da Revolução Juan Almeida Bosque escreveu num de seus livros, a propósito da tarde em que mataram outro querido companheiro nosso nos combates da Sierra Maestra, em 1958:

(...) O céu se nubla, ameaça chover,
troveja, relampeia, escurece, chovisca,
chove, volta a bonança,
e o sol ressurge.(1)


Notas de rodapé:

(1) La Sierra Maestra y más allá, de Juan Almeida Bosque, 1995, p 155. (Nota do revisor: Em 1994 esse livro foi editado no Brasil pela Editora Mandacaru sob o título Sierra Maestra.) (retornar ao texto)

Inclusão: 30/10/2023