Che em Sierra Maestra
Depoimento inédito de uma guerrilheira

Merceditas Sánchez Dotres


História e revolução


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Para compreender em toda sua magnitude a situação em que se encontrava a nação cubana quando o Doutor Ernesto Guevara de la Serna se incorporou à expedição revolucionária que Fidel Castro estava organizando no México, no meado de 1956, importa analisar algumas questões históricas.

A Revolução iniciada por Fidel Castro com o ataque ao Quartel Moncada em 1953 não objetivava apenas enfrentar a feroz tirania instaurada pelo general Fulgencio Batista com o golpe de Estado de 10 de março de 1952, mas também libertar-nos do domínio absoluto que os Estados Unidos exerciam sobre a economia, a política e a vida espiritual do povo cubano. Essa dominação era praticada por intermédio das cúpulas político-militares que governavam o país.

Para compilar este breve apanhado histórico, utilizei os textos dos eruditos Emílio Roig de Luchsenring e Julio Le Riverend e dos historiadores José A. Tabares del Real e Jorge Ibarra; as investigações realizadas na Bolívia pelos intelectuais Addys Cupull e Froilén González; e os estudos sobre os esquemas de dominação e agressão dos Estados Unidos contra Cuba no século XX do escritor Enrique Cirules.

A partir da segunda metade do século XIX, os cubanos empenharam-se numa luta armada tenaz (que durou mais de trinta anos) pela sua independência, luta essa cujo resultado natural deveria ser a expulsão do colonialismo espanhol do arquipélago cubano no final do século. Contudo a velha ambição anexionista dos Estados Unidos não permitiu o desfecho lógico dessa luta. E assim, em 1898, quando os cubanos estavam a pique de concluir vitoriosamente a terceira etapa da guerra anticolonial, liderada por José Martí, os Estados Unidos declararam guerra à Espanha. Em decorrência disso, Cuba, Porto Rico e as Filipinas ficaram sob intervenção militar norte-americana.

O resultado dessa primeira guerra imperialista foi que os Estados Unidos se apossaram de Porto Rico e das Filipinas, enquanto Cuba ficou dominada militarmente pelos ianques.

Em 1º de janeiro de 1899, o exército e as autoridades espanholas retiraram-se definitivamente, e o general Brooke foi encarregado de governar o país inteiro.

No decurso do governo do general Brooke, os cubanos manifestaram claramente seu sentimento contrário à solução anexionista. A primeira providência tomada pelo governo militar dos Estados Unidos foi o desarmamento geral da população de Cuba. Diante dessa realidade, os patriotas cubanos tentaram todos os acordos possíveis para que as tropas de ocupação estadunidenses saíssem do arquipélago cubano, e para tanto tiveram de transigir, baixando as tarifas aduaneiras sobre as importações de produtos norte-americanos. Porém não houve reciprocidade: os Estados Unidos não reduziram as taxações sobre os produtos que Cuba exportava para os Estados Unidos. Por conseguinte isso era uma medida unilateral e abusiva.

Para atingirem seus objetivos, os Estados Unidos empregaram, como mecanismo basilar contra a nação cubana, a imposição da Emenda Platt à Constituição de Cuba. Essa emenda, proposta pelo senador Platt e elaborada por Elihu Root, foi aprovada pelo Congresso americano em 2 de março de 1901. Seu terceiro parágrafo estatuía que o governo dos Estados Unidos podia intervir nos assuntos internos de Cuba. Estipulava igualmente que, enquanto os cubanos não aceitassem as exigências econômicas e políticas, a ilha continuaria ocupada pelas tropas americanas.

A melhor apreciação desse processo e do que a Emenda Platt significou para os interesses de Cuba foi expressa pelo general Wood, comandante das forças de ocupação ianques:

“É claro que a Emenda Platt deixou pouca ou nenhuma independência a Cuba..., e agora a única coisa a fazer é proceder à anexação.”

Posteriormente a Emenda Platt seria convertida no Tratado Permanente entre Cuba e os Estados Unidos, firmado em 22 de maio de 1903. Em 23 de fevereiro do mesmo ano já havia sido assinado o Tratado de Arrendamento de Bases Navais e Militares, que era um dos objetivos perseguidos pelos governos de Washington no quadro da sua política de subjugação de Cuba.

Diante da resistência dos cubanos e frustrados na sua pretensão antiga de anexar Cuba, os Estados Unidos, no âmbito do seu plano de expansão em direção ao sul, imediatamente passaram a estabelecer em Cuba um esquema de dominação conhecido como protetorado, utilizando como testas-de-ferro na ilha as cúpulas político-militares de dois partidos criados, o Liberal e o Conservador, ambos dominados por generais e doutores.

Além disso, a intervenção ianque permitiu ao governo de Washington implantar um programa de dominação econômica, política e social sobre a nação cubana. Esse programa caracterizou-se por uma série de intervenções militares e ameaças de intervenção, sancionadas pela Emenda Platt, pelas intromissões constantes dos embaixadores dos EUA em Cuba e pelas atividades especiais dos chamados “procônsules”, nomeados por Washington sempre que surgia algum problema suscetível de afetar os interesses estadunidenses. Essa situação prolongou-se de 1902 a 1933 e significou a dominação de toda a economia cubana, inclusive da cobiçada indústria açucareira.

Contudo o esquema do protetorado entrou em crise no final da década de 20, em consequência da rebeldia crescente do povo cubano. Naquela época nós, cubanos, estivemos a ponto de imprimir uma viravolta radical no porvir histórico da nação. Porém o solerte imperialismo norte-americano demonstrou uma grande capacidade de manobra e prontamente pôs em prática um novo esquema, desta vez com características mais sutis e ainda mais corrupto. No quadro desse novo esquema, uma trilogia de poder passou a reforçar o controle dos Estados Unidos sobre Cuba. Primeiramente novos grupos financeiros começaram a substituir os interesses dos grupos econômicos tradicionais da Casa Morgan e suas congêneres, que haviam iniciado o neocolonialismo em Cuba. Também penetrou na ilha a recém-organizada máfia norte-americana, que passou a ocupar grandes espaços nos negócios. Além disso, passou-se a empreender diariamente ações sorrateiras contra o movimento revolucionário, organizadas e dirigidas pelos serviços de espionagem estadunidenses, visando a limitar cada vez mais a independência da nossa pátria.

A partir desse momento, não ocorreria mais nenhuma intervenção na ilha. O esquema utilizar-se-ia de um partido eleitoreiro e fisiológico, que exerceria um poder fictício, e de outros que procuravam conquistar esse poder, iniciando-se um processo de negociatas vorazes, das quais participava o centro financeiro sediado na capital cubana.

Em poucos anos esses grupos dominantes transformaram Havana num dos mais importantes centros mundiais do tráfico de drogas: a heroína ia para os Estados Unidos, e a cocaína ficava em Cuba, isso 40 anos antes da popularização deste alcaloide nas principais cidades norte-americanas. Cresceram as atividades do tráfico de ouro e da lapidação de pedras preciosas e as operações de “lavagem” de enormes fortunas não legalizadas nos Estados Unidos.

Para os norte-americanos, o poder real; para os cubanos, o poder aparente. No poder real estavam os grupos financeiros americanos, a máfia e os serviços secretos dos Estados Unidos; e no poder aparente, as cúpulas político-militares dos diversos partidos fisiológicos cubanos.

Batista constituiu a figura de proa do poder aparente desde 1934. Ele foi o artífice do processo de consolidação em Cuba de um Estado de características delituosas. Com o golpe de 10 de março de 1952, as operações fraudulentas em Cuba foram fortalecidas e legalizadas ainda mais.

Todo esse esquema, à frente do qual estava Batista, foi derrotado em janeiro de 1959 pela Revolução Cubana dirigida por Fidel Castro.


Inclusão: 30/10/2023