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CEI ouve dirigente comunista
"Para que a negociação não seja uma conciliação, é preciso que as forças de oposição estejam mais unidas e organizadas", disse Giocondo Dias, membro do Coletivo Nacional de Dirigentes Comunistas, durante depoimento prestado à Comissão Especial de Inquérito (CEI) sobre o desemprego, na Assembleia Legislativa de São Paulo, semana passada (quinta-feira, dia 24). Na ocasião, Dias respondeu a perguntas do relator da CEI, deputado Benedito Cintra, do PMDB. No mesmo dia, o dirigente comunista visitou a líder do PTB, Ivete Vargas, que convalesce de grave enfermidade, no Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista.
Seguro-desemprego é um direito
Durante seu depoimento na CEI, Giocondo Dias frisou que, do ponto de vista do capitalismo, não existe a possibilidade do chamado pleno emprego, como é garantido na economia socialista. Destacou que o seguro-desemprego já fora implantado até na vizinha Argentina, ressaltando: "O que desejamos é que o seguro-desemprego não seja encarado como um ato paternalista, mas sim como um direito do cidadão”. O deputado Benedito Cintra indagou sobre as propostas dos comunistas brasileiros para sair da crise e qual o papel que o governo oposicionista de São Paulo poderia jogar neste processo. Dias esclareceu:
"Nós apoiamos as propostas do DIEESE. Mas não vemos como um Estado, mesmo que poderoso como São Paulo, possa resolver este problema da crise localmente, já que sua causa principal é a política econômica do governo federal. É indispensável um esforço nacional. Por outro lado, neste caso não distinguimos governos oposicionistas e governos do PDS. Às vezes, declarações de governadores do PDS são mais oposicionistas do que as de governadores do PMDB. Acreditamos que se as forças democráticas e os trabalhadores se organizarem, se unirem, poderão, dentro do capitalismo, alcançar vitórias importantes".
Quem faz a revolução são as massas
Ao observar que uma efetiva negociação requer a unidade e organização das forças oposicionistas, Dias esboçou algumas ponderações históricas. Disse: "Em épocas remotas, já fui o senhor da verdade. Fiquei em armas em 1935, era jovem, estava convencido de que o imperialismo seria vencido. Mas, na prática, foi uma precipitação. Quartel sozinho não decide coisa nenhuma, são as massas que fazem a revolução. Lênin já dizia que com revolução não se brinca. Temos a certeza de que se nos unirmos, nos organizarmos sobre um programa que tenha, a confiança das massas, conseguiremos avançar. O Presidente anunciou e depois disse que não tinha dito, o que afinal de contas dá no mesmo, que é favorável à realização de eleições diretas. Se os fatos corresponderem às palavras do Presidente, melhor para o povo e para ele também. Agora, mesmo para aprovar a realização de eleições, será necessário a negociação, porque a aprovação das diretas precisa de 2/3 dos votos do Congresso Nacional".
Com Ivete
Depois de seu depoimento na CEI, sobre o desemprego, na Assembleia Legislativa paulista, Giocondo Dias dirigiu-se ao hospital Sírio-Libanês, onde estava internada a presidente nacional do PTB, Ivete Vargas, e que momentos antes, fora visitada pelo Presidente Figueiredo. À saída, o dirigente comunista declarou que se tratou de uma visita de cortesia. "Apesar de nossas divergências, Ivete Vargas tem demonstrado uma grande coragem, uma enorme combatividade. apesar de seu estado de saúde. E tem lutado pela consolidação do processo democrático brasileiro", afirmou Dias.
Em seu pronunciamento na CEI da Assembleia Legislativa paulista que investiga o desemprego, Giocondo Dias expôs as propostas dos comunistas para ultrapassar a crise econômico-socíal em que o regime autoritário imergiu o país. Estas são as principais passagens da intervenção do dirigente comunista:
Os comunistas brasileiros têm desenvolvido reflexões e abordagens sobre a crise econômico-social em que o Brasil foi lançado. E estas reflexões são cada vez mais requeridas pela sociedade brasileira. Afinal, ainda que sem existência jurídico-legal, mercê da legislação de arbítrio que tem vigência contra a vontade expressa da nação, os comunistas são protagonistas ativos da cena brasileira.
Procurarei, em resumo, abordar a crise brasileira de um ponto de vista macroscópico, ainda que dirigindo as minhas atenções para os seus eixos econômicos.
São inúmeros os índices econômico-sociais que configuram o quadro da dramática crise brasileira, sem dúvida a mais profunda de toda a nossa história republicana.
O endividamento externo orça a casa fantástica dos cem bilhões de dólares. Relativamente, o endividamento interno, público e privado, é dos mais altos do mundo. As taxas de ociosidade industrial, especialmente no setor da produção de bens de capital, são progressivas: basta recordar que, desde 1981, as taxas reais de crescimento do PIB têm sido negativas — o que entre nós não ocorria desde o término da Segunda Guerra Mundial. Os alarmantes níveis de desemprego e subemprego — sobre os quais voltaremos adiante —, somados aos diagramas alcançados pela curva de falências e concordatas, oferecem a exata ideia de que já não estamos mais numa recessão. Todos os indícios disponíveis sugerem que o país se encontra no limiar de uma verdadeira depressão.
Ao cabo de três anos de uma orientação econômica sinuosa e cheia de ambiguidades, mas toda ela parametrada pela lógica da recessão induzida que atende aos interesses dos grandes banqueiros internacionais, o governo federal conseguiu articular uma verdadeira política de desastre nacional.
É evidente que a nossa crise não se explica, todavia, apenas pelas variáveis endógenas. Efetivamente, a crise brasileira está engrenada à onda longa recessiva em que o sistema capitalista mundial ingressou há uma década.
Não são segredo os dados que atestam o estado crítico do sistema imperialista. Recordo alguns:
— nos países da OCDE, contabilizam-se hoje mais de 30 milhões de desempregados;
— nestes mesmos 24 países, 12% da população tem receitas inferiores ao mínimo vital;
— no centro do sistema imperialista, os Estados Unidos, a política da Administração Reagan vê-se às voltas com o maior deficit público da história americana e procura liquidar as conquistas sociais consagradas dos trabalhadores americanos. Cortou-se os subsídios para a assistência aos pobres, idosos e inválidos, reduziu-se a ajuda alimentar para 875.000 famílias, suprimiu-se o auxílio-moradia que beneficiava a 2.400.000 famílias e o corte no orçamento educacional pôs no desemprego 55.000 professores.
Este panorama contrasta gritantemente com os níveis harmônicos de desenvolvimento atingidos pelos países da comunidade socialista.
A crise brasileira não pode ser compreendida se isolada do quadro crítico de todo o mundo capitalista. Cabe ressaltar, ainda, que não há qualquer indício seguro de que o sistema capitalista mundial se recupere em curto prazo de tempo. Isto significa que é ingenuidade ou mistificação pensar que um próximo "reaquecimento" da economia brasileira virá como consequência da retomada do desenvolvimento nos países capitalistas cêntricos. A hipótese mais plausível, aliás, é a de que a recuperação das economias capitalistas avançadas, a médio prazo, implicará mais custos adicionais para as economias dos países periféricos.
Mesmo fazendo alusão à crise do sistema capitalista (refletida na desorganização do comércio mundial, na deterioração do sistema monetário internacional, etc.), penso que devemos assinalar um fato capital: não são as variáveis exógenas, externas, que modulam a natureza essencial da crise que nos fere tão profundamente.
Na verdade, entendemos que o principal, no conjunto de causas da atual crise brasileira, resulta da particularidade do ordenamento sócio-político determinado pelo regime emergente em 1964, a que teremos oportunidade de nos referir mais à frente.
O que nos importa assinalar, com a máxima ênfase, é que a crise econômica que vivemos tem como corolário uma crise social cuja magnitude talvez seja inédita em toda a nossa história. Nos últimos três anos, quando a renda nacional per capita reduziu-se em cerca de 8%, a pauperização rápida das massas trabalhadoras desenhou curvas assombrosas, realizando uma inaudita violência contra o povo. Recordemos, entre outros dados significativos, apenas um cuja evidência é algo de vergonhoso; as próprias autoridades federais reconheceram, através de números divulgados por instituições da área da assistência social, que existem hoje, no Brasil, cerca de 20 milhões de menores abandonados. Ou seja, em termos absolutos: um sexto da população total. A estatística se torna mais dramática se nos lembramos da composição da pirâmide etária da população brasileira — então, fica claro que estes menores abandonados representam mais de um terço daqueles homens que, dentro de pouco, chegarão a constituir a nossa população economicamente ativa.
Antes de nos atermos aos aspectos econômicos e sociais da crise atual, cabem algumas observações que nos permitem identificar a sua causalidade sócio-política. Tais observações devem centrar-se, obrigatoriamente, sobre o ordenamento político que responde pelas incidências contemporâneas da crise. Trata-se de uma rápida menção ao Estado brasileiro de nossos dias.
Este Estado expressa o regime político que foi imposto ao país com o golpe de abril de 1964, em cuja raiz está um pacto reacionário entre o imperialismo, setores da burguesia brasileira e do latifúndio. Conformando-se entre 1964 e 1968, o Estado que expressa o regime de abril realizou a aliança orgânica do componente burguês que integrou o latifúndio com o imperialismo. O regime que nele se concretiza funciona como instância de articulação da dominação imperialista com o favorecimento de grupos monopolistas nativos. Daí a sua dupla característica; ele é antinacional e, para sê-lo, deve ser anti-democrático.
Premido pela ampla resistência democrática, que tomou mais densidade a partir de 1974 — precisamente quando emergem as primeiras evidências do caráter efêmero do chamado "milagre brasileiro" — o regime elaborou uma estratégia de sobrevivência. Esta estratégia deu seus primeiros passos no governo Geisel, sob o rótulo da "distensão lenta, segura e gradual", e sob o governo Figueiredo, com a designação de "abertura política", avançou sensivelmente. A tentativa de dar sobrevida ao regime, ainda em curso, pode ser resumida como operação para assimilar no plano político as requisições da frente democrática, conservando a ditadura do Executivo central para garantir o cerne, o núcleo do regime, a sua própria razão de ser: a sua política econômica, centralizadora e concentradora, favorecedora do monopólio e adequada aos desígnios imperialistas.
É justamente esta orientação econômica, que colide frontalmente com a real abertura política conquistada pelas forças democráticas, que conduziu o país, no ciclo da crise, ao atoleiro em que nos encontramos.
A partir de 1980/1981, esta orientação econômica adquire perfil nítido. A sua proposta, de cariz monetarista, é definida - administrar a crise, descarregando o seu ônus principal sobre os trabalhadores e os assalariados em geral. Dada, porém, a complexidade da estrutura social brasileira e o componente de favorecimento ao grande capital e ao Imperialismo, ela penaliza fortemente os pequenos e médios empresários e, inclusive, até grandes capitalistas. Na verdade, esta orientação só beneficia à oligarquia financeira e ao imperialismo.
Cabe declarar que esta orientação econômica não é totalmente coerente e orgânica. Pragmática e oportunista, ela se realiza com reviravoltas e ambiguidades. Mas possui um traço que a identifica plenamente: é uma política recessionista tutelada abertamente pelos grandes banqueiros internacionais, via FMI.
Toda a experiência prática dos países em que ela foi aplicada, em maior ou menor escala, segundo as especificidades nacionais, bem como as inferências teóricas, mostram qual será o seu resultado final — hoje já perceptível para chilenos, argentinos e, lamentavelmente, nós mesmos: ao fim do ciclo recessivo, ela "resolve" a crise pela pauperização das massas, pela ruína de setores antes proprietários, pela concentração e pela centralização do capital, da propriedade e da renda.
Na nossa conjuntura particular, o saldo desta orientação é irrecusável e já se evidencia com vigor: agravamento da dependência ao imperialismo, sucatização do parque industrial, acentuação da marginalização social pela generalização da miséria. É por tudo isto que, nós, comunistas, designamos esta orientação como política de desastre nacional.
Esta breve digressão, esboçada para enquadrar melhor a nossa temática específica, não pode nos afastar do objeto que me traz aqui; o de contribuir para uma reflexão acerca do fenômeno do desemprego. Gostaria de começar, agora, o enfrentamento do problema. E o faço recordando a tipologia que nos permite melhor tratar da questão.
José Serra, hoje secretário do governo de São Paulo, há alguns anos estabeleceu a seguinte tipologia para categorizar as manifestações do fenômeno do desemprego no Brasil;
a) desemprego cíclico — aquele que é função dos próprios ciclos de expansão e retração da acumulação de capital;
b) desemprego estrutural — aquele que resulta das próprias e inelimináveis condições da dinâmica do modo de produção capitalista;
c) desemprego friccional — aquele que é provocado pela ausência de informações quando há oferta e demanda de trabalho no mercado;
d) desemprego sazonal — o que resulta da temporalidade de determinadas atividades (colheitas, turismo, etc.).
A crise atual agravou todos estes tipos de desemprego. O mais crônico deles, o estrutural, apresenta hoje uma cifra muito mais que preocupante: segundo a OIT, o desemprego estrutural já cobre 20% da força de trabalho no Brasil.
Outros autores - e não é o caso de citá-los aqui -, apresentam para o desemprego uma tipologia distinta. Mencionam que a superpopulação relativa (a categoria, originalmente, é marxista) pode manifestar-se enquanto flutuante (força de trabalho que é constantemente atraída e repelida no mercado), estagnada (força de trabalho com ocupação irregular) e latente (parte do exército passivo do trabalho).
Quaisquer que sejam as tipologias, todas as suas categorias tiveram suas correspondências reais brutalmente agravadas pela orientação recessionista da economia brasileira.
Sabemos que, hoje, o nível de emprego no país regrediu àquele de uma década atrás. Segundo os dados do Sistema Nacional de Emprego (SINE). entre maio de 1982 e maio de 1983, a oferta de emprego caiu em 9 das principais metrópoles do país: Curitiba, Belo Horizonte, São Paulo, Recife, Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
É importante observar que os setores que menos oferta apresentaram foram os da construção civil e da indústria de transformação, exatamente aqueles de maior capacidade de absorção de força de trabalho em nosso país.
Em São Paulo, o centro dinâmico da economia brasileira, as cifras são assustadoras. Em dois anos e meio, somente a indústria desempregou 400 mil trabalhadores que não foram absorvidos por outros setores. E, em um só ano, a construção civil pôs na rua 500 mil trabalhadores. O quadro paulista é o seguinte: se se compara a situação atual com a de fevereiro de 1977, constata-se que hoje a construção civil só emprega 50% do que então empregava, e a indústria só 78%.
No geral, o panorama é ilustrado por números da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): nas seis principais regiões metropolitanas brasileiras, existem hoje mais de um milhão de pessoas sem qualquer remuneração.
Devemos, por outro lado, atentar para as dificuldades que cercam as estatísticas referentes ao desemprego. Além da complexidade do fenômeno, que complica as tabulações, cabe declarar que as estatísticas operam sempre com aqueles que, já empregados, perderam o seu posto de trabalho. Ou seja: elas não incorporam realmente aqueles que nunca estiveram empregados.
Por isto mesmo, é preciso trabalhar com cautela com os números existentes. Tais números apontam que, hoje, no Brasil, temos cerca de 3,3 milhões de desempregados. Mas aí não estão contabilizados os jovens que chegam ao mercado de trabalho e não encontram nenhuma oportunidade.
Se consideramos que, dada a massa demográfica e sua taxa de expansão, desde 1980 teríamos que criar anualmente um milhão e meio de novos empregos; e se consideramos que a política recessiva imperou nestes três últimos anos, então fica claro que devemos acrescentar aos números existentes outros 4,5 milhões de jovens que sequer conseguiram encontrar um primeiro emprego. Em suma; o total de desempregados reais deve orçar hoje pela casa dos 7 milhões.
Os jovens, aliás, são as maiores vítimas do desemprego. De acordo com a Fundação IBGE, a força de trabalho entre 15 e 24 anos constitui 60%, ou mais do contingente desempregado no Rio de Janeiro. São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre.
Tão grave, porém, quanto os números do desemprego, são aqueles referidos às categorias da população economicamente ativa que se situam seguramente no limite do desemprego. Refiro-me especialmente aos empregos temporários na agricultura, aos empregados domésticos remunerados e aos chamados autônomos (em particular os autônomos no comércio e nos pequenos serviços, principalmente aqueles na faixa de até um salário mínimo). Para que se tenha uma ideia da importância destes contingentes, utilizando números de antes do aprofundamento da crise atual, recordemos que:
— em 1978, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contava, sob a rubrica "trabalhadores por conta própria", mais de 10 milhões de pessoas, a metade das quais enquadravam-se na faixa de até um salário mínimo;
— em 1976, o economista Paul Singer calculava que o contingente remunerado de empregados domésticos (cuja remuneração é sabidamente baixa) era de cerca de 2,2 milhões de pessoas;
— e a Fundação IBGE, no mesmo ano, calculava que o contingente de trabalhadores temporários na agricultura era de 2,43 milhões.
É desnecessário, diria mesmo supérfluo, acrescentar que a situação atual agudizou extremamente este quadro.
É inútil pensarem pleno emprego numa economia capitalista. Sabemos há muito, quer pela análise teórica marxista, quer pela experiência concreta das sociedades capitalistas, que o sistema econômico do capitalismo convive necessariamente com o que chamamos "exército industrial de reserva". Enquanto não se liquidar com a ordenação capitalista da produção, o desemprego será uma realidade inescamoteável.
No entanto, em todos os países civilizados, mercê das conquistas sociais que só a democracia permite implementar, os trabalhadores contam com mecanismos de defesa em face do fantasma do desemprego. E até na destruída Argentina do sr. Martínez de Hoz, fiel executor das diretrizes do FMI, já existe o seguro-desemprego.
No Brasil, faz pouco, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), apresentou uma proposta viável e exeqüível para a instauração do seguro-desemprego. Ele constaria de um fundo administrado pelo Estado, financiado da seguinte maneira: 20% da contribuição sindical, multas por demissões, cotas sobre loterias, parcelas do FINSOCIAL e um percentual sobre o faturamento das empresas.
Não é preciso dizer que as autoridades chamadas competentes fizeram ouvidos moucos a esta proposta.
Não seria outro comportamento de quem ignora as mais generalizadas aspirações à justiça social. Aliás, um fato ilustra bem a posição do governo brasileiro em face da defesa do direito ao trabalho.
Em Junho de 1982, a OIT (que, como todos sabem, é o organismo específico da Organização das Nações Unidas para as questões laborais) discutiu a questão da estabilidade no emprego e a condições de dispensa por justa causa. Em assembleia geral, a OIT promoveu uma convenção internacional instituindo a estabilidade e restringindo as dispensas. O resultado da votação foi o seguinte: 356 votos a favor, 54 abstenções e 9 — somente 9 — votos contra. O representante do nosso país votou contra. Foi um dos nove solitários cavalheiros do atraso.
Não creio que seja necessário dizer que a orientação recessionista, responsável pelo desemprego, pela miséria, pela pauperização e pela marginalização não fere apenas os trabalhadores. Ela se concretiza e se realiza contra a totalidade da sociedade brasileira — somente uns poucos oligarcas do capital se beneficiam dela, juntamente com o imperialismo que nos espolia.
É necessário repetir aqui que o prosseguimento desta política não resolverá um só dos nossos problemas. O acordo que vem de ser firmado com o FMI apenas "rolará" — como gosta de expressar-se o gestor da política de desastre nacional— a nossa crise.
Não é casual que importantes segmentos empresariais se posicionem ceticamente ou contra esta orientação. Ainda no último domingo, o sr. Olavo Setúbal se referia aos "limites da plasticidade do tecido social". Tem razão o ilustre banqueiro: o já visível esgarçamento do tecido social brasileiro não pode resistir infinitamente.
As perspectivas são sombrias. Ressalto que nós, comunistas, não participamos de nenhum catastrofismo. Consideramos que o Brasil é um país viável, com recursos humanos e materiais invejáveis, com um potencial que poucas nações dispõem no mundo de hoje. Mas estamos igualmente convencidos de que este potencial está sendo progressivamente comprometido pela política de desastre nacional. E é preciso advertir, claramente, que se a reversão desta política não for realizada o mais rapidamente, os seus custos vão constituir um pesado lastro, que hipotecará a nossa viabilidade como nação soberana e como sociedade civilizada.
A gravidade e o caráter sombrio das perspectivas podem ser avaliados pela seguinte projeção, fundada em recente estudo da economista Annez Troyano, do DIEESE: se crescêssemos industrialmente a 8% ao ano (como em 1980), somente em 1991 recuperaríamos o nível de emprego que tínhamos em 1975.
Por outro lado, como mostrou o professor Paulo Paiva, da Universidade Federal de Minas Gerais, historicamente, para cada 1% de crescimento do PIB, o mercado de trabalho se expande cm 0,4%. Isto significa que, com um crescimento de 5% ao ano — pretensão que o governo apresentava em 1980 e que se revelou totalmente inconsistente — os empregos aumentariam anualmente em 2%, abaixo, portanto, da taxa de crescimento demográfico.
E preciso reverter a política de desastre nacional. Nas forças democráticas brasileiras já é consensual o reconhecimento desta necessidade premente, assim como já é consensual o programa econômico mínimo alternativo, com o qual os comunistas estão inteiramente comprometidos, posto que somos parte integrante e inseparável da frente democrática. Esquematicamente este é o programa:
— equacionamento da dívida externa segundo os interesses nacionais, com todas as implicações daí decorrentes (rompimento com a tutela imperialista — direta ou mediatizada pelo FMI —, moratória, renegociação dos juros, etc.)
— penalização dos monopólios imperialistas;
— política de investimentos geradora de emprego massivo; — favorecimento da pequena e média empresas, revitalização do mercado interno;
— política salarial condizente com as demandas postas pela revitalização do mercado interno;
— reformas financeira, tributária e agrária.
É evidente que esta reversão da política de desastre nacional supõe soluções globais e uma vontade política nova. Ela demanda como sua contrapartida político-institucional, uma reorganização democrática da sociedade brasileira.
Na verdade, todo o processo político brasileiro está comandado pela profundidade da crise econômico-social. Mas a alternativa que pode encaminhar uma solução progressista, nacional e popular para a crise é uma solução política: o avanço para a democracia.
Entendemos que a democracia não é uma panaceia. Mas defendemos que é no seu interior que se podem implementar as medidas e alterações necessárias para ultrapassar a situação atual no rumo da retomada do desenvolvimento, de uma vida melhor e das liberdades cívicas.
Contra o golpismo continuísta e contra as soluções de consenso pelo alto, o tradicional acordo das elites, os comunistas propõem uma alternativa democrática para a crise brasileira. Uma alternativa que se configura numa solução negociada para os impasses vigentes. Solução negociada e implementada por todos os interlocutores e parceiros da vida política e social brasileira. Solução que deve contemplar um novo ordenamento jurídico-político para o país, à base de uma Assembleia Nacional Constituinte, capaz de extirpar os vestígios de um passado recente que a nação quer superar — a exclusão das massas, o autoritarismo, a repressão, a discriminação dos comunistas, as eleições indiretas
Os comunistas brasileiros, firmes adversários da ordem social iníqua e injusta do capitalismo, não defendemos a reorganização democrática da sociedade brasileira por motivos puramente políticos.
Defendemo-la ontem, defendemo-la hoje e vamos defendê-la amanhã, não só na perspectiva da superação da atual crise econômica, mas, sobretudo, porque entendemos que o progresso social percorre sempre os largos caminhos da democracia e do desenvolvimento econômico. O socialismo, para nós, não é algo abstrato, uma questão de doutrina.
Não: o socialismo é o processo real mediante o qual o homem se liberta e constrói a sua própria socialidade, dominando a natureza e desenvolvendo as forças produtivas.
A defesa das liberdades é, para nós, elemento indissociável da defesa de uma nação soberana e desenvolvida.
Por isto mesmo, nós, que nos inserimos na histórica tradição do PCB, há já sessenta e um anos, afirmamos a nossa defesa do pluralismo político na própria lula pela reorganização democrática da sociedade brasileira, convencidos firmemente que este é o caminho para a retomada do desenvolvimento, para uma vida melhor e, igualmente, para viabilizar as condições de luta mais favoráveis para a nova sociedade que queremos construir.