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Primeira Edição: Trecho de uma entrevista com uma delegação, incluindo empresários americanos seniores, organizada pela Time Inc.
Tradução: Anônimo - da versão disponível em The Selected Works of Deng Xiaoping - https://dengxiaopingworks.wordpress.com/2013/03/18/there-is-no-fundamental-contradiction-between-socialism-and-a-market-economy/
HTML: Fernando Araújo.
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Henry Grunwald (editor chefe do Time): O Partido Comunista da China sempre disse às pessoas para serem altruístas e servirem ao povo. Na reforma econômica atual você diz para as pessoas prosperarem, porém alguns casos de corrupção e abuso de poder vieram à tona. Quais medidas você planeja tomar para resolver esses problemas?
Deng Xiaoping: Nós os resolveremos de 2 maneiras, educação e lei. Estes problemas não podem ser solucionados da noite para o dia, nem podem ser resolvidos efetivamente com algumas palavras de algumas pessoas. Mas nós temos confiança de que nosso partido e nosso país são capazes de gradualmente reduzir esses fenômenos negativos e eventualmente eliminá-los.
Grunwald: Seriam esses fenômenos indicativos de uma contradição de difícil resolução? A contradição entre uma economia de mercado e um sistema socialista?
Deng: Não existe contradição fundamental entre socialismo e uma economia de mercado, o problema é como desenvolver as forças produtivas mais efetivamente. Nós tínhamos uma economia planificada,(1) mas a nossa experiência com o decorrer dos anos mostrou que uma economia planificada dificulta o desenvolvimento das forças produtivas(2) até um certo ponto. Se combinarmos uma economia planificada com uma economia de mercado, estaremos em uma posição melhor para libertar as forças produtivas e acelerar o crescimento econômico.
Desde a Terceira Sessão Plenária do décimo primeiro Comitê Central do nosso partido, temos consistentemente reforçado a importância de defender os Quatro Princípios Cardeais, especialmente o princípio de manter um sistema socialista. Se quisermos manter o sistema socialista, é essencial que desenvolvamos as forças produtivas, por muito tempo não conseguimos resolver esta questão satisfatoriamente. Em última análise, a superioridade do socialismo deve ser demonstrada com um maior desenvolvimento das forças produtivas, por isso devemos continuar fazendo uso de alguns métodos capitalistas úteis. Está claro agora que o caminho certo é se abrir para o mundo, combinar uma economia planificada com uma economia de mercado e introduzir reformas estruturais. Isso vai de encontro com os princípios do socialismo? Não, porque no curso da reforma iremos nos assegurar de duas coisas: a primeira é que o setor público da economia seja sempre predominante, a outra é de que desenvolvendo a economia procuramos a prosperidade comum, sempre tentando evitar polarização. As políticas de usar fundos estrangeiros e permitir a expansão do setor privado não enfraquecerão a posição predominante do setor público, que é um aspecto básico da própria economia. Muito pelo contrário, estas políticas têm o objetivo de, em última análise, desenvolver as forças produtivas mais vigorosamente e reforçar o setor público. Enquanto o setor público tiver um forte papel na economia da China, a polarização pode ser evitada. É claro que algumas regiões e algumas pessoas irão prosperar antes de outras, então estes podem ajudar a outras regiões e pessoas, para que gradualmente consigam o mesmo. Estou convencido de que os fenômenos negativos que agora se encontram na sociedade irão desaparecer com o crescimento da economia, com o aumento do nosso nível científico, cultural e educacional e com o reforço da democracia e do sistema legal.
Resumindo, a maior tarefa na China hoje é a de nos jogar de coração e alma para impulsionar a modernização. Enquanto botamos em jogo as vantagens inerentes ao socialismo, também estamos empregando alguns métodos capitalistas, mas somente como forma de acelerar o desenvolvimento das forças produtivas. É verdade que algumas coisas negativas apareceram no processo, mas o mais importante é o progresso gratificante que conseguimos alcançar quando iniciamos as reformas e seguimos este caminho. A China não tem alternativa além de seguir este caminho, é o único caminho para prosperidade.
Donald McHenry (Professor do Instituto de Diplomacia da Universidade de Georgetown e ex-representante dos EUA nas Nações Unidas): Está satisfeito com as mudanças nos membros dirigentes atuais e líderes? Você acredita que continuarão a política de reforma?
Deng: Gostaria de chamar sua atenção para nossa última conferência do partido. Duas medidas importantes foram tomadas naquela conferência; primeiramente, depois de uma revisão das experiências dos últimos sete anos, estabelecemos uma taxa de crescimento apropriada para a economia e adotamos o sétimo plano quinquenal (1986-1990), que foi projetado para criar as condições necessárias para um crescimento estável e prolongado neste e no próximo século. Segundo, fizemos mudanças organizacionais para garantir a continuidade desta política, ou seja: a média de idade dos quadros líderes começou a ser reduzida, começando com o Comitê Central e os órgãos governamentais centrais.
A continuidade de nossa política depende principalmente de dois fatores: primeiramente se a própria política está certa, esse é o fator mais importante! Por que continuaríamos se não está certa? Se está certa e pode promover o desenvolvimento das forças produtivas em uma sociedade socialista e gradualmente elevar a qualidade de vida das pessoas, a própria política garante sua continuidade. Segundo depende daqueles que executam a política, tanto no governo central como nos governos locais devem existir pessoas energéticas que ousam forjar novos caminhos. Depois da Terceira Sessão Plenária do décimo primeiro Comitê Central começamos a reduzir a média de idade dos quadros e claro estamos tentando nos assegurar de que são mais revolucionários, mais educados e mais profissionalmente competentes. Foi o décimo segundo Congresso Nacional do Partido, em 1982, que decidiu a convocação da recente Conferência do Partido. Como a idade média dos membros dos órgãos dirigentes do partido era muito alta, foi decidido que antes do próximo congresso (em 1987) seria realizada uma conferência do Partido em que essa idade poderia ser reduzida.
Karsten Prager (Editor da edição internacional do Time): Gostaria de fazer uma pergunta pessoal, em sua longa carreira revolucionária você mudou o destino e a orientação do povo chinês de novo e de novo, como você gostaria que eles se lembrassem de você quando você se for?
Deng: Espero que eles nunca me deem muita notoriedade, o que eu fiz representa as aspirações do povo e dos comunistas Chineses, isso é tudo. E as políticas do partido foram planejadas pelo coletivo. Antes da “Revolução Cultural” eu também era um dos principais líderes do partido, então também devo ser responsabilizado por alguns dos erros cometidos naquele tempo. Afinal, nenhum homem na face da terra está livre de falhas.
Notas de rodapé:
(1) Economia planificada ou economia planejada, é um tipo de sistema econômico em que o investimento, a produção e a alocação de bens de capital ocorrem de acordo com os planos econômicos para toda a economia. Uma economia planificada pode utilizar formas de planejamento econômico centralizadas, descentralizadas, participativas ou do tipo soviético. (fonte: Wikipedia) (retornar ao texto)
(2) “As forças produtivas são as edificações e os meios utilizados no processo de produção: meios de produção, de um lado, e força de trabalho, de outro. Os meios de produção são recursos produtivos físicos: ferramentas, maquinaria, matéria-prima, espaço físico etc. A força de trabalho inclui não apenas a força física dos produtores, mas também suas habilidades e seu conhecimento técnico (que eles necessariamente não dominam), aplicados quando trabalham. Marx diz - e estou de acordo com ele - que esta dimensão subjetiva das forças produtivas é mais importante do que a dimensão objetiva ou dos meios de produção; e, no interior da dimensão mais importante, a parte mais apta ao desenvolvimento é o conhecimento. Logo, em seus estágios posteriores, o desenvolvimento das forças produtivas é, em grande medida, uma função do desenvolvimento produtivamente útil da ciência.” (fonte: “Forças Produtivas e Relações de Produção”; Gerald Cohen; 1983) (retornar ao texto)