Contribuição para o Estudo da Questão Agrária

Álvaro Cunhal

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6 - A Pequena e a Grande Propriedade


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A desproporção entre as pequenas e as grandes propriedades, entre a extensão da terra possuída pelos grandes e pelos pequenos proprietários, indica uma nítida desigualdade de condições. À diferença entre a extensão da terra correspondem necessariamente outras diferenças: nos recursos de capital, na forma e técnica de cultivo, na produtividade do trabalho. Mas em vantagem de quem são tais diferenças? Da grande? Da pequena produção?

Poucos problemas da economia capitalista terão provocado tão ampla, apaixonada e demorada controvérsia como o problema da grande e da pequena exploração agrícola, das vantagens e eficiência de uma e outra, da sua viabilidade e do seu futuro.

Há já um século, Marx escrevia que

«pela sua natureza, a pequena propriedade exclui o desenvolvimento da produtividade social do trabalho, as formas sociais do trabalho, a concentração social dos capitais, a pecuária em grande escala, a utilização progressiva da ciência».(1)

A evolução do capitalismo não fez senão comprovar a ideia de Marx. Com tanta clareza o fez que, hoje em dia, qualquer pessoa simples, procurando a verdade, é tocada por alguns factos salientes: a pequena produção vive sufocada pela estreiteza de terra, que paga mais cara, embora sendo muitas vezes de menor fertilidade; não pode utilizar máquinas, nem uma técnica progressiva e dispõe de menos e pior gado, quando não acontece não dispor de nenhum; tropeça com inúmeras dificuldades para colocar os seus produtos no mercado, sujeitando-se às desvantajosas condições impostas pelos intermediários de que depende; não tem dinheiro e, por isso, foge a despesas essenciais para as culturas, vende na pior altura e aos piores preços e entrega-se de mãos atadas aos usurários. Estas são verdades elementares sofridas dia a dia pelos pequenos agricultores e do conhecimento das pessoas simples e honradas que alguma vez olharam a situação nos campos com interesse e isenção.

Entretanto, economistas e técnicos burgueses transformam todas estas patentes desvantagens em «vantagens» preciosas, alardeando os “altos rendimentos” das menores courelas, a eficiência da técnica da pequena produção e até os seus maiores recursos de capital, de crédito, de gado. Quando não chega a «ciência» fazem literatura.

A idealização da exploração familiar

Na defesa das excelências da pequena exploração familiar, técnicos e economistas burgueses não se limitam a argumentos técnicos, económicos, ou mesmo políticos. Eles não buscam a realidade, antes idealizam, fantasiam, romanceiam e inventam as condições da «exploração familiar». Convertem-se, então, em literatos da economia e literatos desatualizados cerca de cem anos. Pois não é verdade que a imagem cor-de-rosa que nos dão dos campos portugueses de hoje corresponde àquela que um século atrás nos dava Júlio Dinis? A mesma idealização, a mesma falsidade.

Em As Pupilas do Sr. Reitor, a causa da miséria nos campos reside nos vícios e, em especial, na «beberronia» dos camponeses. O bom reitor bem o explica ao responder aos viciosos: «Que importa lá a miséria que vai por casa, se não falta dinheiro para o vinho e para o jogo?» Tal qual, o «Inquérito à Freguesia de Santo Tirso» atribui tal miséria «apenas» (sic) ao facto de que «a grande diversão dos dias de descanso e recreio se tornou incomparavelmente mais cara — a borracheira»(2).

Em Os Fidalgos da Casa Mourisca, o desafogo do pequeno agricultor e a sua ascensão à riqueza dependem unicamente das suas qualidades de trabalho. Tomé é um símbolo:

«Fora pobre, servira como criado na casa dos fidalgos, passara depois a rendeiro de um pequeno casal, mais tarde arrendara uma fazenda maior; chegando, enfim, a ser proprietário, tornara-se em pouco tempo possuidor de extensos bens e era já [...] talvez o primeiro agricultor daquele círculo.»

Semelhantemente, no «Inquérito à habitação rural», é-nos descrita assim a família de um Tomé contemporâneo:

«Toda a família respira um ambiente saudável de bem-estar. A terra os criou, a terra os mantém confiantes e trabalhadores, vivendo suavemente, entre milheirais, ramadas e pinheiros, a vida sossegada e fecunda que a Natureza concede a quem sabe prestar-lhe culto de inquebrantável fidelidade.»(3).

Nos romances de Júlio Dinis, o pequeno agricultor trabalha bastante, mas com alegria, no meio de cantos, despiques, felicidade. O mesmo nos dizem acerca da exploração familiar certos economistas:

«Não há patrão que vigie nas lavradas, nas desfolhadas e nas vindimas; quem vigia é o pai, e raros são os pais que não gostam de ouvir cantar os filhos.»(4)

Por vezes, estes técnicos e economistas, querendo apresentar a exploração familiar como tipo e ideal de felicidade, são tão exaltados que chegam a ser grotescos.

«A forma da terra em pequena propriedade — escrevia um professor universitário fazendo uma «síntese» que, segundo a sua modesta opinião, «seria impossível sem o vasto material acumulado de ciência» de que se serviu — é a forma mais adequada de ligação do homem com a natureza. Dentro dela a terra explorada diretamente e abarcável a uma simples vista (?) é bem prolongamento da personalidade (?), é como ser vivo (!?). A água, que borbota, é sangue (?) saltando (!), as árvores falam saudades dos que se foram; os frutos são mimos em troca de sacrifícios. Até a ideia da morte parece de vida (?) na terra que se sulca.» «Mas a pequena propriedade individualizada (?) não é só a que mais prende o homem num círculo de bem-estar próprio (?); é também a que mais o liga com os outros, valorizando a todos para um mesmo destino progressivo (?). E deste modo a ordem social torna-se mais estável. Um país vale pelo número dos seus pequenos proprietários rurais.»(5)

Depois deste trecho primoroso, ninguém terá mais por exagerado colocar-se o valor da defesa da pequena produção feita por economistas e técnicos distintos ao par e ao nível da visão cor-de-rosa de Júlio Dinis (salvaguardadas, claro está, as diferenças da época e... do estilo). Júlio Dinis falava das esperanças da burguesia ainda ascendente, e os técnicos de hoje de uma economia moribunda. O crime do primeiro, cantando a beleza da vida dos pequenos produtores num momento em que o feudalismo nos campos recebia sérios golpes e antes do triunfo da grande exploração capitalista, é incomparavelmente menor que o dos últimos, mostrando a pequena produção como viável e florescente, quando se está em pleno processo da sua desintegração pelo capitalismo.

No entender destes técnicos e economistas, a pequena produção não constitui na economia capitalista uma forma de exploração do solo anterior a essa economia e contrariando o seu desenvolvimento, mas, pelo contrário, vive e desenvolve-se em meio propício e a sua prosperidade é impulsionada pelo próprio capitalismo.

«A exploração agrícola familiar — ousa escrever-se em meados do século XX — é a mais perfeita organização, a mais natural, a mais lógica, de entre todas as formas de aplicação do trabalho humano.»(6)

As grandes explorações agrícolas não suportam o confronto com as pequenas. Quando muito, em alguns casos, a grande exploração, não mercê das suas vantagens como grande exploração, mas dos méritos raros daqueles que as dirigem, conseguiria resultados aproximáveis do comum das «empresas familiares». No domínio da técnica, dos rendimentos, da eficiência, do bem-estar dos trabalhadores, da felicidade social, a pequena produção apareceria vitoriosa.

Esta defesa das excelências da pequena produção é tão insistente, tão vibrante, tão aparentemente fundamentada, que consegue criar raízes mesmo no espírito de pessoas completamente alheias a intenções apologéticas. Assiste-se, então, a um debate singular que, embora acalorado pelas intenções divergentes, coloca os contraditores numa atitude bastante aproximada. Os defensores do capitalismo gritam contra os críticos do capitalismo, acusam-nos de pretender ferir a pequena produção e opõem-lhes — teoricamente, claro está — a defesa e o estímulo desta e a condenação da grande empresa e da sua eficiência. Certos inimigos do capitalismo gritam contra os defensores do capitalismo, e opõem-lhes também a defesa e o estímulo da pequena produção, a condenação da grande empresa e da sua eficiência. Discute-se, afinal, não o «ideal» (que para uns e outros é a «exploração familiar»), mas os serviços a ele prestados e a forma de o atingir. E aqui está como alguns espíritos pouco precavidos, julgando ser a condenação da eficiência da grande exploração agrícola e a defesa da viabilidade da pequena produção um estandarte ameaçador para o capitalismo, enfileiram, contra os próprios propósitos, entre os ideólogos burgueses seus contraditores.

A questão a resolver

Em nenhum sector da economia portuguesa é mais complexa a contradição de interesses do que na agricultura. Intervém aqui uma classe específica deste sector (o proprietário de terras), cujos interesses se opõem, a um tempo, aos dos assalariados, aos dos rendeiros em geral, aos dos capitalistas. Aqui intervém, com peso há muito desalojado da indústria, a pequena produção, cujos interesses se opõem aos do grande proprietário, aos do capitalista, aos do comerciante e, em certa medida, aos do assalariado. Estas múltiplas contradições estão na base da «questão agrária», e quem as não compreenda não poderá jamais compreender os grandes problemas económico-sociais na agricultura capitalista.

Entretanto, é precisamente na agricultura que economistas e políticos se esforçam por encontrar uma ausência de contradições de interesses, como se grandes e pequenos proprietários, assalariados e capitalistas, comerciantes e industriais, os que vivem da atividade agrícola ou ligados a ela, constituíssem uma grande e unida família rural que afirmam aquecer-se em familiar intimidade na «lareira comum da freguesia».

«As pessoas diretamente interessadas na exploração do solo agrícola - dizem - (proprietários rurais, rendeiros e parceiros, criados permanentes e pessoal temporário, comerciantes e industriais de produtos agrícolas ou à agricultura destinados) constituem um grupo social com afinidades próprias, interesses comuns e atuações interdependentes.»(7)

Sendo comuns os interesses de todas estas classes sociais, a agricultura ofereceria, num mundo agitado, um oásis de fraternidade e de paz. A própria concorrência, lei do capitalismo, cederia lugar à colaboração e ao entendimento. A questão da pequena e da grande produção agrícola não seria uma questão de competição e de luta, mas uma questão de interesse comum de grandes e pequenos produtores e resolúvel por acordo comum e esforço comum.

Sendo assim, a situação relativa da pequena e grande produção e as suas relações constituiriam uma afirmação da estabilidade do capitalismo e da possibilidade da solução fácil e harmoniosa das suas contradições (afinal mais aparentes que reais...). Desmentiriam de forma definitiva todos quantos proclamam ser a concentração tendência de toda a economia capitalista realizada através de uma luta constante e implacável e haver entre muitos e variados antagonismos de interesses aqueles que opõem pequenos produtores e assalariados por um lado e grandes proprietários e capitalistas por outro. E aí está uma das razões por que os publicistas burgueses, em vez de procurarem através dos factos o esclarecimento do problema, se encerram deliberadamente nas trincheiras das conveniências, não recuando ante as deturpações, as fantasias e as literatices do género das atrás expostas.

Pelas ilações teóricas e práticas de quaisquer conclusões a que se chegue, o debate sai do campo restrito da economia e da técnica, e estende-se ao da moral, da história, da política. No da história, afirma-se que a pequena produção não só conserva intacta na agricultura toda a sua importância como ganha posições e tem diante de si «apreciáveis possibilidades de futura expansão»(8). No da moral seria, além de outras coisas, uma «escola de trabalho» alimentando um «superior sentido espiritual»(9). No da política, os grandes lavradores colocam-se entre os melhores cantores da pequena produção e vêm na pequena produção um anteparo à insatisfação e revolta proletária...

Neste grande esforço ideológico descobrem-se, multiplicam-se e classificam-se vantagens e desvantagens. Fazem-se investigações, inquéritos, cálculos, experiências. Na busca ardorosa de argumentos para ideias de há muito petrificadas, salta-se por cima dos factos mais evidentes, usa-se de retórica contra a realidade, deforma-se, sofisma-se, diz-se num lado e desdiz-se no outro. Com mais ou menos consciência, tomam-se como instrumentos de trabalho, como verdades indiscutíveis e inapeláveis, os mais estafados conceitos e processos da «ciência» económica burguesa e, porque os resultados obtidos com tais instrumentos condizem necessariamente com os propósitos, apregoa-se o resultado favorável da «investigação imparcial»! E, no entusiasmo do debate, no enredo das mistificadoras técnicas de estudo, foge-se a ver com verdade, apenas com verdade, os problemas fundamentais: qual das duas é mais eficiente, a grande ou a pequena produção agrícola? Em qual das duas se investem mais capitais? Em qual das duas há mais gado, mais máquinas, melhor técnica? Em qual mais facilidades de crédito? Qual tem melhores condições para colocar os seus produtos no mercado e qual os coloca de facto mais favoravelmente? Em qual das duas — e é esta uma questão capital, sistematicamente esquecida pelos economistas e técnicos burgueses — a produtividade do trabalho é maior e qual pode em consequência vender a sua produção a mais baixo preço? Ou, tudo resumido: na concorrência que se trava, qual das duas tem melhores condições para triunfar, a grande ou a pequena exploração agrícola?

É evidente que, no mercado, a grande exploração concorre também com a grande e a pequena com a pequena. Mas, como as maiores diferenças de condições e em especial a diferença de produtividade do trabalho arrumam de um lado as pequenas e do outro as grandes explorações — a competição trava-se fundamentalmente entre a grande produção de um lado e a pequena do outro.

A questão a resolver não é, porém, apenas a questão das vantagens e desvantagens, das melhores ou piores condições para triunfar, mas a questão da decisão histórica desta luta. Qual das duas triunfa, a grande ou a pequena produção agrícola? Em que sentido se resolve esta luta?

Trata-se de um problema central da questão agrária. A resposta que a ele se dê não responde apenas à pergunta um tanto abstrata «qual é a melhor?», mas a essas outras mais diretamente voltadas para a vida: o que se passa realmente nos campos? Em que sentido evolui a economia rural? Que solução futura nos deixa antever o sentido dessa evolução? O problema da pequena e da grande produção agrícola é assim o eixo em roda do qual gira necessariamente o estudo do desenvolvimento do capitalismo na agricultura.

A fome de terra

A todo o passo, os cantores das «vantagens» da pequena exploração agrícola referem entre estas a exiguidade do solo, chegando (conforme já foi visto) a proclamar como «lei» que o rendimento cresce na medida em que a área decresce. Interessa, pois, ver, com mais detalhe, a questão da extensão da terra ao dispor do pequeno agricultor.

Os estudos da JCI para a instalação nos baldios de algumas centenas de «casais agrícolas» determinam com bastante precisão e minúcia o mínimo necessário para assegurar a manutenção de uma família.

Na Serra do Soajo (distrito de Viana do Castelo), no núcleo de baldios de Mezio, «de boas chãs e brandas graníticas, abrigadas e regadas»(10), a JCI julgou necessário para cada casal 2 ha de terra de regadio num total médio de 5,6 ha. Na serra da Boalhosa (distrito de Viana do Castelo), no entender da Junta, «uma família necessita, para se manter, de 3 ha de cultura agrícola, dos quais 2 produzindo milho de regadio e 1 cultivado em parte de lameiro e em parte de renovos e centeio» (11), além de 3 ha de área florestal. No núcleo de Montalegre e Boticas (distrito de Vila Real), a Junta atribuía a cada «casal» 1 ha de terra de «cultura intensiva de sequeiro», com base na batata e em forragens, mais 1 ha de terra de «cultura intensiva de regadio» destinado a prados permanentes enlameirados, mais 4 a 7 ha de terra de cultura extensiva para centeio(12). No núcleo do Alvão (distrito de Vila Real) «concluiu-se que cada casal deverá ser constituído por 3 ha de cultura agrícola mais 3 ha para mato e matas»(13). No núcleo da serra da Ordem (distrito de Vila Real), seria atribuído a cada casal 1,5 ha de regadio e 4 de sequeiro(14). No núcleo das Lombardas (distrito de Bragança), 4,7 ha em semeadura anual, correspondendo em três folhas a 14,1 ha, área que se arredonda para 15, «considerava-se, com meio hectare de lameiro, bastante para o sustento de uma família»(15). No baldio da Várzea da Serra (distrito de Viseu) considerava-se «suficiente» 1,5 ha de terra de regadio e 12 ha de sequeiro(16).

Adiante será considerado o objetivo e a viabilidade desta e de outras projetadas «empresas familiares». Por enquanto, interessa-nos ver, não tanto a terra de que algumas famílias de pequenos cultivadores podem vir a dispor, num futuro mais ou menos distante, como aquela de que efetivamente dispõem e se esta é ou não suficiente. As indicações da JCI são a este respeito preciosas. Ao afirmar-se necessários para o sustento de uma família, 5, 6, mesmo 15 ha de terra, dos quais em vários casos 1 e 2 de regadio, afirma-se implicitamente que as «empresas familiares» não têm na atualidade terra bastante para o seu sustento.

Alguns dos cálculos da JCI são altamente esclarecedores. Tal, por exemplo, o caso do núcleo das Lombadas. Como foram calculados os 15 ha considerados necessários para sustento de uma família? Foram calculados na base de um inquérito às populações segundo o qual uma família «consegue manter-se colhendo o correspondente a 200 alqueires de centeio»(17). Mas, estudando os resultados desse inquérito, nós verificamos que, num total de 462 famílias (fogos) apenas 137 têm uma produção computada em mais de 200 alqueires de centeio, e que das 325 famílias que têm menos de 200 alqueires, 75 têm menos de 10! Daqui se conclui, sem sombra de dúvida, que a maioria dos pequenos agricultores das Lombadas não possui terra bastante para o seu sustento ao nível considerado «suficiente» pela JCI, ou seja, de forma a «conseguir manter-se».

Outro exemplo, ainda mais ilustrativo, é o da Serra do Soajo. Como foram calculados os 2 ha de terra de regadio considerados necessários para o sustento de tuna família? Foram calculados tendo em conta que, obtendo subsidiariamente receitas com rebanhos e «com salários do trabalho na floresta», uma família pode manter-se com o rendimento bruto de 3400 litros de milho, de 1800 quilos de batata, para a produção dos quais se julgam bastantes os 2 ha de regadio(18). Computando nós este rendimento bruto em alqueires de milho, vemos que, no entender da Junta, são necessários para o sustento de uma família mais de 200 alqueires. Mas, estudando os resultados do inquérito à região do Soajo, verificamos que, num total de 5033 famílias abrangidas, apenas 334 (menos 7 em cada 100) tinham uma produção computada em mais de 200 alqueires de milho (o que, aliás, não bastaria para o sustento sem os rebanhos e salários citados). 3594 famílias tinham menos de 100 alqueires e, dentre estas, 1455, de 11 a 50 alqueires, e 685 menos de 11 alqueires! Daqui se conclui, sem sombra de dúvidas, que o pequeno agricultor do Soajo (pelo menos 93 em cada 100) não possui nada que se pareça com a terra bastante para «poder manter-se».

Tem sido estudada em variadas regiões do País a extensão necessária para sustento de uma família de agricultores. Essa extensão varia segundo a região, o solo, a cultura, etc.. Para cada «casal agrícola» a estabelecer em Idanha-a-Nova previa-se 20 a 25 ha, dos quais 5 de regadio; em Coruche, 10 ha, dos quais 2 de regadio e 8 de terra de semeadura e montado de sobro; na península de Setúbal, de 11 a 12 ha com vários «tipos» de cultura; na Amareleja (Moura), de 5 a 14 ha, sem regadio, mas com olival(19). Em todos os casos, as extensões atribuídas nestes projetos excedem largamente as médias de que dispõem as «explorações familiares» existentes. E isto é mais uma confirmação da insuficiência da terra dos pequenos cultivadores.

«Nas regiões alentejanas — afirma-se — desde que falte a vinha e o regadio e a técnica de cultivo seja a usual, a empresa familiar só é possível (e de resto sempre afastada do tipo ideal) em superfície de pelo menos 30 hectares»(20). Perguntamos então: dispõem os pequenos cultivadores alentejanos de 30 ha de terra? Apesar de que a própria pergunta parece uma ironia, podemos tentar determinar, com a aproximação que os elementos publicados permitam, a extensão de que dispõem os pequenos cultivadores proprietários.

Segundo já se expôs neste trabalho, ao falar-se do regime da propriedade, 1095 proprietários do distrito de Évora possuem 631 208 ha correspondentes a prédios de mais de 60 ha, e 809 proprietários do distrito de Portalegre possuem 429 844 ha, também correspondentes a prédios de mais de 60 ha. Os prédios de menos de 60 ha ocupam 107 046 ha no distrito de Évora, de 175 736 ha no de Portalegre, não se conhecendo o número dos seus proprietários. Aceitando, porém, o número de coletas como sendo o número de proprietários, temos (em números redondos) 16 000 proprietários no distrito de Évora e 21 000 no de Portalegre. Deduzindo do número de coletas o número de proprietários possuindo os prédios de mais de 60 ha, podemos estabelecer provisoriamente que os 107 046 ha do distrito de Évora e os 175 736 do de Portalegre, ocupados por prédios com menos de 60 ha, pertenciam, respetivamente, a 15 000 e 20 000 proprietários, o que coincide, singularmente, com o número de coletas a respeito dos rendimentos coletáveis inferiores a 500 escudos. A área média por cada um destes proprietários seria assim de 7 ha no distrito de Évora e de 9 no de Portalegre. Mesmo que isto fosse verdadeiro, estaríamos muitíssimo longe dos 30 ha que tornam «possível» a «empresa familiar». Mas não é. A situação dos pequenos proprietários cultivadores é incomparavelmente mais grave do que estes números deixam supor: em primeiro lugar, porque muitos dos prédios de menos de 60 ha (certamente não menos de metade...) pertencem a proprietários que também possuem prédios de mais de 60 ha; em segundo lugar, porque muitos proprietários (médios e até grandes) que não possuem prédios de mais de 60 ha, possuem, certamente, mais do que os 7 ou 9 ha apurados, como média, quanto mais não seja porque haverá prédios com áreas compreendidas entre os 7 ou 9 e os 60... Em conclusão: nos distritos de Évora e Portalegre, enquanto menos de 2 milhares de grandes proprietários possuem em média mais de 557 ha, a grande massa de pequenos proprietários está muito longe de possuir em média 7 a 9 ha. Se tivermos como certa a opinião atrás referida, segundo a qual 30 ha seriam o mínimo necessário para a manutenção de uma família, não podemos deixar de concluir pela escassez de terra dos pequenos proprietários alentejanos. O mesmo é confirmado pelo inquérito sobre a freguesia de Cuba, onde se considera como mínimo para uma vida ao nível das privações de um camponês 10 ha de terra, mas onde 734 proprietários no total de 788, ou seja, 93%, não chegam a ter 10 ha e, desses 734, 204 têm menos de 0,5 ha, 185, de 0,5 a 1 ha e 175, de 1 a 2 ha.

Se, em vez de considerarmos os proprietários, considerarmos todos os lavradores, sejam eles proprietários ou não da terra que cultivam, dispomos de elementos ainda precisos. Segundo outro inquérito(21), no total de 43 587 explorações agrícolas existentes nos distritos de Beja, Évora e Portalegre, 22 089, isto é, mais de metade, possui menos de 5 ha de cultura arvense e 8973 menos de 1 ha. A apontada escassez apresenta-se ainda com maior gravidade.

Estes exemplos bastam para mostrar como o pequeno cultivador não possui terra suficiente. O que se passa nas Lombadas, no Soajo, no Alentejo, é, a este respeito, o mesmo que se passa no Oeste, nas Beiras, no Algarve. O que se passa com os pequenos proprietários passa-se com maior gravidade com os rendeiros, os «caseiros», os «seareiros» e tantos outros pequenos produtores não proprietários. Quando meio hectare chega a ser toda a terra de que dispõem três e mais rendeiros(22), por muitas privações a que se submetam, não conseguem sequer manter a sua «independência»: a venda da força de trabalho torna-se indispensável para conseguir subsistir. Repare-se que, no total de 801 162 explorações agrícolas com cultura arvense recenseadas no continente(23), 400 469 (ou seja, metade) possuem menos de 1 ha de cultura arvense e 242 592 menos de meio hectare, e conclui-se pela angustiosa sufocação à míngua de terra dos pequenos produtores agrícolas.

Mas não só a terra é insuficiente. A pulverização das pequenas explorações em retalhos dispersos, muitas vezes distantes, agrava extraordinariamente a situação do pequeno agricultor. A abundância de retalhos minúsculos revela-se nas próprias áreas médias dos prédios rústicos em algumas regiões. Em 6 distritos do continente não chega a meio hectare em relação à área total, nos de Viseu e Coimbra não chega a 4000 metros quadrados, nos de Aveiro e Viana do Castelo não chega a 3000 metros quadrados, conforme se mostrou, em 100 concelhos não chega a meio hectare e em 40 não chega a 3000 metros quadrados. A abundância de retalhos minúsculos revela-se também na elevada percentagem de prédios rústicos com rendimentos coletáveis inferiores a 15 escudos. São no continente mais de 40% do total de prédios rústicos. Passam de 50% nos distritos de Viseu, Coimbra, Bragança e Castelo Branco. Alcançam 45% no distrito de Leiria. Rodam pelos 40% nos distritos de Aveiro, Viana do Castelo e Vila Real e pelos 30% nos distritos do Porto, Guarda, Faro e Santarém. Estes números frios retratam aspetos importantes da vida da pequena lavoura e retratam até a própria paisagem. Por toda a parte os muros, as sebes, os caminhos e as mais variadas formas de marcar as extremas roubam e acusam o antieconómico retalhamento das terras.

No total de 853 568 explorações, 276 245, ou seja, 32%, são constituídas por mais de 5 parcelas e 116 497, ou seja, 14%, por mais de 10. Dentre estas, 22 807 são constituídas por 21-35 parcelas, 7566 por 36-55 parcelas e 3362 por mais de 55 parcelas(24). Neste aspeto, proprietários e rendeiros encontram-se em situação semelhante. No total continental, 20% das explorações de conta própria e 17% das restantes são constituídas por 6-10 parcelas; 16% das primeiras e 9% das últimas por mais de 10 parcelas. Este extraordinário parcelamento verifica-se sobretudo nos distritos de pequena propriedade: no de Bragança, 39% das explorações são constituídas por mais de 10 parcelas; no de Vila Real 25%; no de Viana do Castelo 19%; nos de Aveiro e Viseu 18%; nos de Coimbra e Leiria 17%. Não se pense que, nas regiões de pequenas propriedades, o elevado número de parcelas por exploração seja exclusivo das maiores explorações. Muito longe disso. Basta dizer que, nos seis últimos distritos citados, existem apenas 14 465 explorações com mais de 5 ha de cultura arvense e nada menos de 71 541 com mais de 10 parcelas. Além disso, se os elementos estatísticos de conjunto não permitem a verificação da gravidade do parcelamento nas pequenas explorações, permitem-no numerosos estudos e monografias.

Em relação a uma região nortenha, o estudo da JCI, atrás citado, diz num lado que as numerosas parcelas de uma pequena exploração, «algumas com área inferior a 500 metros quadrados e raras atingindo 3000», são «muito dispersas»(25), e em outras passagens descreve a situação nos seguintes termos:

«Não são raras as parcelas com menos de 1000 metros quadrados e pode afirmar-se que nenhuma chega ao meio hectare. É assim geral cada exploração agrícola ser constituída por 10, 15, 20 e mais pequenos retalhos, com manifestos prejuízos do bom aproveitamento do trabalho do homem e do gado e da produtividade da terra e até da área agricultável, perdida em serventias.»(26)

«O inquérito sobre a situação económica dos utentes dos baldios estudados obrigou a percorrer muitas explorações agrícolas, designadamente nas regiões do Norte. Em quase todos se verificou extrema pulverização, com os consequentes prejuízos resultantes da dificuldade em realizar melhoramentos fundiários de conjunto, da impossibilidade de intensificação cultural nas glebas afastadas do local de residência, da inutilização de terrenos em serventias e lindas, da perda de tempo em deslocações e consequente aumento de gastos gerais.»(27)

E comenta um destacado economista:

«A extrema divisão da propriedade restringe consideravelmente o seu rendimento. É na verdade angustiosa a vida de milhares de proprietários, pequenos e grandes, com courelas ou glebas quase microscópicas, espalhadas por extensas áreas.»(28)

Esta passagem refere-se a «grandes» e «pequenos», mas é manifesto caber aos últimos o maior prejuízo e a maior «angústia». A pulverização exige do pequeno agricultor esforços desproporcionados, que acabam por tornar inviável a exploração. Explorações com um total de 2 ha, 1 ha e ainda menos, divididas em numerosas parcelas distantes, multiplicam o trabalho necessário para o seu amanho, fazem despender tempo e energias em transportes e acabam por atirar o pequeno produtor para o salariato.

Num estudo de uma finalista do I. S. Agronomia, pode ler-se a monografia de uma família de pequenos cultivadores do distrito de Leiria, cuja exploração compreende 8 prédios rústicos a distâncias de 1 a 2,5 quilómetros da habitação, somando no total 1 hectare e meio. O maior dos prédios tem 7950 metros quadrados; outro tem 2000 metros quadrados, dois têm 1500, outros dois 1000, e os dois restantes cerca de 500 metros quadrados. A família tem ainda de renda um prédio de 1100 metros quadrados. Não só a área á manifestamente reduzida, como o seu retalhamento e a sua dispersão agravam as dificuldades. Dois dos quatro membros da família vêem-se obrigados a emigrar meses inteiros como assalariados(29). Noutra monografia, lê-se que uma família de pequenos cultivadores possui, além de 500 m2 arrendados, 6550 metros quadrados divididos em 14 courelas a distâncias de 1 a 9 quilómetros da habitação! Tal como no caso antecedente, dois dos membros da família emigram como assalariados(30).

No Minho interior, dada a grande fragmentação e dispersão, dizem os agricultores que «mais tempo se perde pelos caminhos do que a amanhar as terras»(31). E bem se compreende que assim seja quando a exploração já de si pequena está dividida em número elevadíssimo de retalhos minúsculos, como num caso, entre muitos casos, de um pequeno proprietário do Lindoso que possuía 9600 metros quadrados em mais de 100 pedaços!(32) Na Beira Litoral, formam-se, em socalcos, glebas que chegam a 50 metros quadrados(33). Em S. Brás de Alportel (Algarve), a divisão chegou a ponto de o mesmo herdeiro ficar com dois e três quinhões separados, não tendo algumas vezes certos quinhões mais que 2 a 3 metros de largura por 7 a 8 metros de comprimento(34). Em zonas de hortas na freguesia de Alvite (concelho de Viseu) havia em certo ano 52 prédios em 711 metros quadrados, ou seja, uma área média de 14 metros quadrados(35). Esta é a tal forma ideal de exploração, a tal «terra abarcável a uma simples vista» de que falava o professor universitário. Chega a atingir as raias do absurdo pretender que as pequenas explorações familiares — não como as idealizam alguns, mas tal como são na realidade portuguesa — em terra insuficiente, retalhada, dispersa, distante, podem concorrer em eficiência, rendimento, produtividade, com as grandes explorações de tipo capitalista.

Há quem diga poder esta situação ser facilmente solucionada através dos «emparceiramentos» ou «emparcelamentos». Por um sistema de trocas e de compensações, far-se-ia a junção das courelas dispersas. Dadas as enormíssimas vantagens que uma tal junção teria para o pequeno cultivador, como explicar então que as leis e projetos de emparcelamento não tenham tido qualquer eficiência? A razão está em que, além do sonho utópico de alguns, tais leis e projetos têm sistematicamente visado, a coberto da proteção dos interesses dos pequenos cultivadores, à efetiva proteção dos interesses dos grandes. Os emparcelamentos, contra os apregoados propósitos, seriam apenas um processo para os grandes lavradores expropriarem as melhores terras dos pequenos seus vizinhos, centralizando e melhorando as suas grandes explorações agrícolas. É pois apenas a desesperada resistência dos pequenos agricultores, de facto ou previsível, que tem obstado à efetivação de tais leis e projetos.

É a este respeito muito significativo um projeto de lei apresentado à Assembleia Nacional em 1951(36). Segundo o artigo 1 desse projeto, o proprietário «pode ser obrigado por aquele que tenha terreno (confinante) com maior superfície (tripla) a trocá-lo por terreno da mesma natureza». Segundo o artigo 3, «na hipótese de o prédio do requerido ser encravado ou quando a área do prédio do requerente seja dez vezes superior à daquele, o maior confinante pode obrigar o requerido à venda do prédio». Este emparcelamento compulsivo seria evidentemente uma arma violenta na mão dos grandes proprietários e, a ser aprovado o projeto de lei, daria pretexto para uma brutal cruzada de expropriações de pequenos cultivadores que nos dias de hoje não se faria sem guerra aberta. Daí ter a Câmara Corporativa, no seu parecer sobre esse projeto de lei, entendido necessário sublinhar que «o emparcelamento não se destina à constituição da grande propriedade nem visa à reunião desta na mão de poucos, contra o que se poderia supor»; que «ninguém ganha e ninguém perde»; e que, por isso, é de condenar no projeto «a troca coativa individual»(37) — Entretanto, segundo a Câmara Corporativa, é demasiada a dupla exigência feita por decreto anterior(38) do voto de 2/3 dos proprietários a que pertencerem pelo menos 2/3 das terras a emparcelar e «há que minorar a tal exigência»(39). O projeto será discutido e uma lei será aprovada. Uma coisa, porém, é certa. Poderão em alguns casos grandes proprietários expropriar pequenos agricultores ao abrigo de uma lei de «emparcelamento». Poderão em outros casos muito raros fazer-se localmente ajustamentos entre pequenos proprietários. Mas, na economia contemporânea, a dispersão e a pulverização das pequenas explorações em várias courelas manter-se-ão como grande desvantagem da pequena produção e como fator da sua completa ruína.

Não ficam ainda por aqui as desvantagens do pequeno produtor no referente à terra. Além de pouca e de muitas vezes fragmentada, ela custa-lhe extraordinariamente mais cara que ao grande lavrador. Ao contrário do grande, o pequeno cultivador está amarrado à sua habitação. Não pode comprar ou alugar terra muito distante. Disto se vale quem vende ou aluga pequenos tratos de terra, para exigir preços ou rendas que todos quantos têm abordado este assunto reconhecem ser «exageradíssimos» (este mesmo superlativo é utilizado a este respeito por vários publicistas). E, muitas vezes, ao mais elevado preço junta-se a mais fraca fertilidade. Do Alentejo, por exemplo, diz-se que, enquanto um grande rendeiro paga em média 71$00 por hectare, “o proprietário que dá terras a seareiros, que é por certo o pior das herdades, recebe por hectare 159$84, isto é, 2,74 vezes mais que pela terra que arrenda nas herdades, sem que pela sua parte despenda mais um centavo”(40). A grande exploração exerce-se nas terras de boa qualidade, que lhe custam mais baratas. E a terra pior é retalhada e vendida ou alugada a altos preços ao pequeno produtor.

Abafados nas suas pequenas courelas, tendo nelas o único recurso para o seu sustento, não é de admirar o titânico esforço dos pequenos cultivadores para extrair da escassa terra uma produção maior. Daí por vezes os relativamente altos rendimentos unitários – obtidos porque preço veremos mais tarde – que deslumbram olhos pouco precavidos. Também não é de admirar, quando as terras são fracas, ou as culturas esgotantes, ou curtos os prazos de arrendamento, que tal esforço conduza a terra ao esgotamento. Há, todavia, quem, em vez de procurar compreender a tão simples razão das exageradas exigências feitas à terra pelos pequenos produtores e particularmente pelos pequenos rendeiros e parceiros, prefira atacá-los em termos violentos e (ao mesmo tempo que chama aos grandes lavradores “os melhores patriotas” e “os melhores amigos da terra”) acuse a “ ação nefasta daqueles, considere-os os “melhores obreiros da liquidação da secular matéria orgânica”, indigne-se contra a chamada “exploração mineira do solo agrícola” e acabe por proclamar que, por esse crime, serão julgados “no tribunal dos verdadeiros interesses da nação”(41).

Quando nos lembramos, porém, que se citam casos em que o seareiro de meio hectare de terra pobre apura 10$55 e o proprietário 110$55 (36,8% do preço da terra!) temos de concordar com quem dizia que o proprietário

“pode bem não se preocupar com o esgotamento do solo em detrimento do interesse nacional, pois que em três anos tem a terra paga com acréscimos”(42),

e não podemos deixar de concluir que “no tribunal dos verdadeiros interesses da nação” foi há muito proferida a sentença.

Maquinaria e nível técnico

Não existem em Portugal estatísticas de máquinas agrícolas. A lacuna estatística reflete o baixíssimo emprego de maquinaria na agricultura portuguesa, mas alguma coisa mais se poderia fazer, tornando-se informações regulares aquelas que, episodicamente, já têm sido publicadas. O pouco que se conhece na atualidade, é por intermédio dos seguros e tanto o Anuário Estatístico como a Estatística Agrícola (que despendem dezenas de páginas com informações de interesse secundário) não dão sequer um simples quadrozinho indicando os seguros de máquinas agrícolas por distritos. Esta a razão porque nos socorremos de elementos sem grande atualidade, embora igualmente válidos para o fim agora em vista.

Segundo o Anuário Estatístico de 1928, realizaram-se no ano agrícola de 1926-1927, 567 seguros de máquinas agrícolas. Destes seguros, 421 diziam respeito aos três distritos alentejanos; 67, ao de santarém; 28, ao de Setúbal; 31, ao de Lisboa e 10, ao de Castelo Branco, ou seja, 567 seguros, representando 98% do total, nos sete distritos onde predominam as grandes explorações. Nos distritos de Braga, Porto, Vila Real e Viseu, não se registaram grandes seguros de máquinas agrícolas e nos restantes sete distritos registaram-se, no conjunto, 10 seguros. Segundo dados publicados pelo antigo Ministério da Agricultura (única estatística de máquinas agrícolas por concelho de que dispomos) havia em 1931 em Portugal 854 debulhadoras, das quais 510 nos três distritos alentejanos; 120 no de Santarém; 64 no de Lisboa, 57 no de Setúbal e 36 no de Castelo Branco. Isto é: 787 debulhadoras, representando 92% do total, nos sete distritos onde predominam as grandes explorações. Nos distritos de Viana do Castelo, Aveiro e Vila Real, não havia debulhadoras. Nos oito distritos restantes, em conjunto, havia 67 debulhadoras, das quais 28 no do Porto e 13 no da Guarda(43).

Quanto a tratores, estatísticas mais recentes mostram semelhante distribuição. Em 1952-1954, havia no continente 1906 tratores, dos quais 778 nos distritos alentejanos: 281 no de Santarém; 535 no de Lisboa; 147 no de Setúbal; 90 no de Castelo Branco(44), ou seja: 1531 tratores, representando 80% do número total, nos sete distritos onde predominam as grandes explorações.

Destes números, pode concluir-se ser o uso das máquinas agrícolas quase exclusivo dos distritos onde predomina a grande propriedade e a grande empresa, e ser ou muito escasso ou completamente inexistente nas regiões onde predominam as pequenas explorações.

Já se tem pretendido ser esta distribuição geográfica determinada não pelo regime de propriedade e grandeza das explorações, mas por diferenças da configuração dos terrenos e mais particularmente das culturas. Tal opinião não tem qualquer fundamento. Nesse mesmo ano de 1931, havia 27 debulhadoras no concelho de Vila do Conde, 8 no de Mirandela, 7 no de Barcelos, 2 nos de Braga, Figueira da Foz e Viseu e 1 em cada um dos seguintes concelhos: Vila Nova de Gaia, Coimbra, Celorico da Beira, Meda e Vila Nova de Foz Côa(45). Isto mostra que as debulhadoras são tecnicamente viáveis em todo o País e que, dispersas em regiões onde predominam as pequenas explorações, existem grandes empresas que as utilizam. O concelho de Vila do Conde, que se destaca no distrito do Porto pelo número relativamente elevado de máquinas utilizadas, destaca-se também pelo predomínio da empresa capitalista, sendo o concelho onde é mais elevada a percentagem de assalariados rurais (72% em relação à população agrícola ativa) e mais baixa a percentagem de pequenos agricultores em «explorações familiares» (5%)(46). Onde existem grandes explorações capitalistas evoluídas, seja no Sul, seja no Norte, aí aparece o uso de máquinas.

Além disso, a diferença de culturas entre as várias regiões poderia explicar a diferença do número absoluto de máquinas, mas não a diferença do seu número em relação às necessidades. A diferença da cultura dos cereais praganosos, por exemplo, explicaria a diferença do número absoluto de debulhadoras, mas não a diferença da percentagem dos cereais debulhados mecanicamente. Ora, em 1949, enquanto nos distritos de Portalegre, Beja Setúbal, Évora, Lisboa, Santarém e Castelo Branco as percentagens de trigo debulhado mecanicamente, em relação ao total da colheita, foram, respetivamente, 74%, 68%, 68%, 67%, 56%, 42% e 40%, nos distritos de Braga, Guarda, Aveiro, Viana do Castelo e Coimbra foram, respetivamente, 10%, 10%, 8%, 8% e 5%, oscilando nos restantes distritos entre 20% e 36%(47). A debulha mecânica da aveia nos primeiros distritos citados subiu, respetivamente, a 54%, 50%, 49%, 70%, 24%, 37% e 19% da colheita e em nenhum dos cinco últimos alcançou 10%. A debulha mecânica de cevada nos primeiros sete distritos foi de 56%, 42%, 39%, 58%, 26%, 26% e 11%; e em nenhum dos cinco últimos alcançou 10%. Na debulha mecânica do centeio, apesar das percentagens um pouco mais elevadas em alguns distritos de pequena propriedade (15% no de Viana do Castelo, 24% no de Viseu), os de grande mantêm-se na dianteira a grande distância (43% no de Beja; 46% no de Portalegre; 58% no de Évora)(48). Estes números significam que, enquanto os grandes lavradores utilizam a económica e rápida debulha mecânica, muitos pequenos cultivadores continuam por todo o País a fazer a debulha morosa e cara a pé de gado ou a trabalho braçal. É bem claro que a desproporção no referente ao uso de máquinas entre umas e outras regiões resulta do mero facto de numas predominarem as pequenas explorações e os prédios rústicos de área reduzida e noutras predominarem as grandes empresas agrícolas de tipo capitalista.

Elementos mais recentes mostram a rápida generalização das debulhadoras a todo o País(49). Os grandes lavradores de cereais por toda a parte (nas regiões de grande como de pequena propriedade) compram debulhadoras que utilizam para si ou na debulha do cereal dos pequenos a troco de elevadas maquias. Tal evolução tornou-se relativamente simples com uma máquina deste tipo, porque não é a debulhadora que, adquirida pelo pequeno produtor, vai para a pequena exploração, mas o pequeno produtor que leva o cereal à debulhadora do grande. A debulha de cereais, como a moagem, a vinificação, etc., tende, com a crescente divisão social do trabalho, a separar-se da agricultura, sobretudo da pequena lavoura, e a tornar-se atividade industrial (muitas vezes exercida pelos grandes lavradores) de que o pequeno agricultor fica dependente. Estes novos aspetos reforçam as teses defendidas quanto à superioridade da grande lavoura.

No Alentejo, Ribatejo e arredores de Lisboa, grandes proprietários ou grandes empresas alugam debulhadoras e enfardadeiras. Aí também a maior vantagem é para o dono das máquinas, que não só se serve delas para a própria produção como cobra ainda elevadíssimo aluguer. O negócio é tão vantajoso que, no Alentejo, os grandes proprietários vão ao ponto de obrigar os seareiros nas suas terras «a utilizar as suas máquinas, cortando-lhes a liberdade de recorrer àqueles que mais lhes convenham, quantas vezes só lho permitindo em Outubro, quando chegam as primeiras chuvas»(50)!

Nalgumas regiões, ferreiros engenhosos fabricam rudimentares semeadores, sachadores e descaroladores mecânicos(51) para uso dos pequenos agricultores. O engenho não é, entretanto, o bastante para introduzir o uso das máquinas na pequena produção na mesma escala da grande. Só pessoas cegas para as realidades podem pensar ser a razão do nulo emprego das máquinas na pequena produção o facto de que «os inventores [...] se têm preocupado com as grandes máquinas para as grandes culturas» e poder assim introduzir-se em larga escala o emprego de máquinas na pequena produção no dia em que os inventores «deem mais atenção às pequenas máquinas e alfaias»(52).

O uso ou não de máquinas está diretamente relacionado com a grandeza e a força económica das explorações agrícolas. As grandes explorações usam-nas de forma crescente. As pequenas explorações, pela carência de recursos e por estreiteza da exploração, são inibidas de as usarem. E isto não apenas em relação às debulhadoras, máquinas particularmente caras, mas mesmo em relação ao simples motor, à simples bomba, à ceifeira, à charrua, até às alfaias. O mero facto de não poder utilizar máquinas, condena a pequena exploração a uma constante pioria em relação à grande, a ficar cada vez mais para trás, perdendo dia a dia terreno na eficiência e economia de cultivo.

O uso das máquinas é apenas um dos aspetos da superioridade técnica das grandes explorações capitalistas em relação às pequenas. Essa superioridade manifesta-se em toda a situação geral e nos métodos de cultivo adotados numas e noutras. Se acompanhamos os trabalhos da pequena lavoura, em vez da sua tão gabada perfeição encontramos as mais das vezes deficiências técnicas de toda a natureza. Nas pequenas explorações do Noroeste, por exemplo, a lavoura do milho é precipitada. São comuns práticas prejudiciais como a «decrua» que, «em vez de amontoar, retira a terra dos pés das plantas»; faz-se o desbandeiramento prematuro; realiza-se a fenação no campo onde se corta a erva ou nos caminhos, sendo assim prejudicada pela chuva; não há nitreiras, o estrume é «geralmente mal curtido» e «as estrumações são deficientes, tanto sob o ponto de vista de quantidade como de qualidade»; o material agrícola é mau e as lavouras «superficiais e imperfeitas», semeia-se o milho a lanço, gastando quantidades desnecessárias de semente, e usa-se, na cultura de batata, semente excessivamente pequena e má; «rega-se mal», desperdiçando-se água, «utilizando-se águas a temperaturas baixas e pouco batidas» e regando-se às horas do calor; as ceifas são sempre à foucinha, mesmo quando «haveria vantagem em utilizar a gadanheira»; a sementeira mecânica, a sacha mecânica, o trabalho mecânico em geral, estão totalmente ausentes(53). Tal é o panorama da pequena exploração «intensiva» em região que não é das mais atrasadas.

Enquanto as pequenas explorações se mantêm ligadas a métodos tradicionais e rotineiros, as grandes explorações utilizam cada vez mais os recursos e ensinamentos da ciência e da técnica. O pequeno produtor detém, é certo, o conhecimento empírico acumulado por gerações, e esse conhecimento não deve ser desprezado pela técnica moderna. Mas a prática de gerações, só por si, não pode competir vantajosamente com os resultados de investigações, de ensaios, de estudos, de prática de grandes empresas, levados a cabo com recursos poderosos, resultados que abarcam a síntese do conhecimento não só de gerações como de países distantes.

Bem elucidativo das diferenças da evolução técnica na pequena e na grande lavoura é o movimento de frequência das escolas. Em 1927-1928, matricularam-se no Instituto Superior de Agronomia e na Escola Superior de Medicina Veterinária 212 alunos e nas escolas médias e práticas de agricultura 447(54). Os primeiros representam 32% e os últimos, 68% do total. Em 1948-1949, matricularam-se no ISA e na ESMV 902 alunos e nas escolas médias e práticas 663(55). Os primeiros representam 58% e os últimos, 42% do total. Estes números mostram claramente, primeiro: a insignificante frequência das escolas médias e práticas de agricultura; depois: o aumento da frequência nas escolas superiores de agronomia e veterinária; finalmente: a subida da percentagem dos alunos matriculados nestas últimas e a descida da percentagem dos alunos matriculados nas primeiras.

Se tivermos em conta a natureza e diversidade de composição social do corpo discente destas escolas, fácil é de concluir pelos progressos beneficiando a grande lavoura em contraste com as dificuldades da pequena. Só das escolas práticas podia beneficiar diretamente o pequeno lavrador. Mas não só vemos diminuir o número dos alunos que as frequentam (297 em 1927-1928 e 225 em 1948-1949), como os poucos «diplomados» aproveitam em geral a preparação adquirida para conseguirem qualquer emprego mais remunerador e menos esgotante que o trabalho na terra. As escolas médias (regentes agrícolas), onde nos últimos anos tem descido o número de alunos, são frequentadas por indivíduos das «classes médias» de várias origens, a maioria dos quais com vistas a alcançarem empregos públicos. Quanto às escolas superiores, elas são fundamentalmente escolas de preparação técnica da grande lavoura, seja diretamente, seja por via do Estado. A função destas escolas foi definida em 1929 por um professor do ISA com magnífica clareza. Falando na necessidade de «educar o estado-maior rural dos grandes lavradores, pois não serão decerto os pequenos fazendeiros que hão-de fazer progredir a nossa agricultura», esse professor fez um apelo aos grandes lavradores:

«É de absoluta necessidade que os grandes lavradores mandem os seus filhos ao Instituto. Esta escola não foi criada para fazer lavradores, mas para fornecer aos que o são ou vão ser a instrução científica que lhes é indispensável.»(56)

Pelos números atrás citados vê-se terem os grandes lavradores ouvido o apelo do professor de Agronomia.

Nada de admirar que o Estado gaste mais com as escolas superiores do que com as médias e práticas e que as despesas com as primeiras aumentem em ritmo mais veloz do que as despesas com as últimas. De ano para ano, este sentido da evolução torna-se mais nítido. Quando se repara que as escolas práticas de agricultura tinham em 1946-1947 o total de 17 professores, ao passo que o ensino liceal tinha 1154, o elementar e complementar comercial e industrial, 1436, o artístico, 88; quando se repara que a sua frequência total no mesmo ano foi de 226 alunos, ao passo que a dos liceus passou de 40 000 e a das escolas de ensino eclesiástico foi de 6727; quando se repara que em 1947 terminaram nelas o curso 35 alunos, ao passo que nos liceus terminaram o curso 1869 alunos, no elementar comercial, 1464, e centenas nas Faculdades(57) —não pode deixar de concluir-se que o número de «práticos» na agricultura, bem como as despesas do Estado com esse escalão do ensino, são manifestamente irrisórios. Em 1949 gastaram-se com o ISA e a ESMV 6498 contos, com as escolas de regentes agrícolas 5367 contos e com as escolas práticas de agricultura 1080 contos(58). As percentagens respetivas sobre o total são 50%, 42% e 8%. A situação é tão desproporcionada que o comentador das contas públicas declara:

«Parece que as coisas se deviam passar de modo exatamente oposto.»(59)

Mas não. Dada a natureza de classe do Estado, as coisas passam-se tal como é natural que se passem.

O grande significado que agora nos interessa de todos estes factos e números é o refletirem a estagnação técnica da pequena lavoura e os acentuados esforços e progressos dos grandes lavradores para se assenhorearem de uma técnica moderna e eficiente. Nas condições do capitalismo só eles o podem fazer. Só a grande lavoura pode aplicar com sucesso em larga escala as conquistas da ciência e da técnica moderna, e, por não o poder fazer, o pequeno produtor é explorado e esmagado. Tal o caso de uma região de vinhos famosos onde «o pequeno lavrador, regra geral, não fabrica o vinho, vende as uvas ao industrial, impossibilitado como está, por falta de técnica, de tirar do fabrico o rendimento exigido pelo apuro da qualidade. Isto dá em resultado vender as uvas a preços que regulam pelos do vinho de qualidade vulgar, mas que o industrial transforma no precioso néctar que coloca no mercado a preços muitas vezes por cento (sic) superior ao que deu pelas uvas»(60). O pequeno agricultor tem uma prática inexcedível; mas quem sabe escolher o adubo apropriado à terra, quem descobre o inseto ou fungo daninho e receita o medicamento exterminador, quem conhece os métodos mais eficientes, apurados pela experiência nacional e internacional, e não pela de uma freguesia isolada, é o agrónomo. O pequeno agricultor sabe, como ninguém, guiar a charrua e cantar aos bois e conhece os animais em todos os seus defeitos como em todas as suas virtudes; mas quem diagnostica a doença, quem vacina, quem trata, quem cura, é o veterinário. O agrónomo e o veterinário são, porém, os filhos do grande lavrador, e não os filhos do camponês pobre. O pequeno agricultor atinge alto virtuosismo ao semear, e em seara bem semeada não se conhecem as belgas; mas são os grandes lavradores que utilizam sementes selecionadas e semeiam em linha. O pequeno lavrador trabalha o seu estrume; mas os elementos nobres somem-se levados pela água e pelo sol, e são os grandes lavradores que possuem nitreiras e empregam adubos apropriados à terra. O pequeno agricultor, porque, olhando o firmamento, adivinha as variações atmosféricas, sabendo quando as nuvens «são só vento» ou quando os «pés de silva» no céu azul anunciam chuva, escolhe muitas vezes com inexcedível acerto o melhor momento para cada trabalho; mas é o grande lavrador que, com a rapidez do trabalho mecânico, com a extensão das culturas, com a mais sólida base financeira, melhor resiste aos azares do tempo. E até na rega — virtude sempre e tão justamente apontada e louvada ao pequeno cultivador— este está em situação de inferioridade; enquanto os pequenos agricultores continuam a elevar a água à força de braços, com roldanas, sarilhos, cegonhas, picanços, cabaços e mesmo à corda e caldeira, só a grande lavoura pode utilizar motores; enquanto nas pequenas explorações debruçadas sobre o Vouga se vêm «arrozais morrendo de sede», as grandes lavouras de Alcácer (dos Núncios, dos Linces, dos Dourados, dos Amarais e de outros mais) beneficiam de dispendiosas barragens. O pequeno agricultor aferra-se à sua prática e não pode deixar de fazê-lo. O grande lavrador beneficia largamente das conquistas da ciência e da técnica.

A questão das máquinas e da superioridade técnica da grande exploração agrícola não é uma questão livresca ou uma discussão escolástica. É uma realidade vivida e sofrida por centenas de milhares de pequenos agricultores. É uma diferença real de situação com uma série de importantíssimas consequências de carácter económico. Enquanto o uso de máquinas e a adoção de uma técnica moderna permitem o aumento da produtividade do trabalho nas grandes explorações, a sua ausência impossibilita-os nas pequenas. Com o desenvolvimento do capitalismo, a grande exploração afasta-se cada vez mais da pequena. No que diz respeito à produtividade do trabalho, os seus preços de custo são cada vez mais baixos e o seu triunfo no mercado é cada vez mais esmagador.

O emprego de máquinas e o desenvolvimento da técnica agrícola em geral não representam um benefício para a pequena produção agrícola, antes agravam as suas dificuldades e apressam a sua derrota e a sua decomposição. Como disse Lénine, as pequenas explorações «declinam e arruínam-se sob o jugo da sua técnica atrasada»(61).

Das vendas, do dinheiro e do crédito

Muitas vezes, gabam-se os produtos da pequena exploração e os preços por que esta os consegue vender. O pequeno produtor seria o grande triunfador no mercado, pela qualidade dos produtos oferecidos e pelo baixo preço dos mesmos. Entretanto, quem quer que tenha estudado ou simplesmente observado de perto a situação, vê coisas bem diversas.

Em primeiro lugar: os «preços de custo» são em geral mais baixos na grande produção e, por isso, esta consegue oferecer mais barato os seus produtos. Muitas vezes, preços vantajosos para a grande são preços de ruína para a pequena.

Num estudo feito sobre a «exploração» e «produtividade» em 18165 hectares de arroz nas bacias do Vouga, Mondego, Tejo e Sado, verificou-se que os «preços de custo efetivo» nas pequenas explorações ou excedem os preços do mercado ou lhes são ligeiramente inferiores, ao passo que nas explorações capitalistas são sempre muito inferiores aos preços do mercado(62). Pelo mesmo estudo se pode concluir ser dificultosa a situação dos produtores de arroz no Vouga e no Mondego (predomínio dos pequenos produtores) e desafogada no Tejo e no Sado (predomínio dos grandes). O que se passa na produção de arroz passa-se, de uma forma geral, em relação a todos os produtos agrícolas. Este exemplo põe a claro as enormes dificuldades e mesmo a impossibilidade de o pequeno produtor aguentar a concorrência.

Em segundo lugar: a própria organização da troca cria dificuldades insuperáveis ao pequeno produtor. Do mercado externo é afastado pelo monopólio efetivo dos grandes lavradores. No mercado interno, impossibilitado, as mais das vezes, de o alcançar diretamente, sujeito aos maiores preços dos transportes para as menores quantidades, não podendo ele mesmo resolver o problema da concentração de produtos, fica na completa dependência de intermediários e tem de submeter-se aos preços e condições que lhe oferecem.

«Na atividade comercial —reconhece um especialista categorizado— a empresa familiar está em piores condições que a capitalista porque, trabalhando com quantidades menores, obtém preços menos favoráveis, quer na compra quer na venda.»(63) «No regime da pequena propriedade — escreveu outra pessoa altamente cotada no meio agrícola— a produção individual é sempre tão pequena que não paga as despesas da escolha e da conveniente apresentação dos produtos. Desconhece, o pequeno agricultor, as necessidades dos grandes mercados, não possui conhecimentos para efetuar a venda vantajosa, para se defender, eficazmente, da concorrência; não pode fiscalizar a venda, nem pôr em prática a propaganda indispensável; não pode utilizar maquinismos que façam diminuir as despesas da produção, nem valorizar industrialmente os subprodutos; não pode, enfim, utilizar, com êxito, os transportes rápidos, nem, em muitos casos, os processos modernos de conservação.»(64)

Em terceiro lugar: a própria natureza da pequena produção origina a permanente carência de recursos financeiros. O pequeno produtor só excecionalmente tem «dinheiro em caixa». Para comprar necessita de vender, e quando não vende não pode comprar. Por isso, o pequeno agricultor não é livre de escolher a melhor ocasião para vender. A sua escassez de recursos obriga-o a vender a preços vis logo após a colheita e até, nalguns casos, antes da colheita. Precisa de o fazer para comprar o indispensável à continuação dos trabalhos, para pagar juros ou dívidas em atraso e por razão ainda mais imperiosa: o inadiável e violento pagamento dos impostos.

Até neste último aspeto, a situação da grande lavoura é incomparavelmente mais vantajosa. Não já só pelos seus maiores recursos financeiros, como também pelo facto de pagar (conforme é comum nos países atrasados) menos de imposto que a pequena. Em 1949, a contribuição predial rústica paga nos distritos de Braga, Aveiro, Viana do Castelo e Viseu, foi, respetivamente, de 41, 33, 31 e 24 escudos por hectare. Nos distritos de Portalegre, Évora, Setúbal e Beja, respetivamente 15, 14, 10 e 9 escudos por hectare. Esta desproporção, longe de se atenuar, tem-se agravado. De 1939 para 1949, enquanto nos primeiros quatro distritos citados a contribuição predial rústica liquidada aumentou de 4 a 9 escudos por hectare, o aumento nos últimos quatro distritos foi de 2 a 3 escudos por hectare(65). Note-se que, em Beja, houve atualização pelo cadastro geométrico, o que torna ainda menor o aumento aí verificado em relação aos distritos de pequena propriedade.

Não se pense que estas diferenças de imposto, entre regiões onde predomina a grande propriedade e regiões onde predomina a pequena, derivam apenas de diferenças de qualidade do solo. Estas últimas existem sem dúvida. Mas a razão fundamental das primeiras é o facto incontrovertível de que, em Portugal, as explorações agrícolas pagam tanto mais quanto menores são. Isto harmoniza-se aliás com a ciência corrente que, conforme vimos, considera ser «o rendimento líquido por hectare tanto maior quanto menor for a área explorada». Mas, para que não fiquem dúvidas, podemos confrontar não já o que paga por hectare cada região, mas o que paga numa mesma região a pequena e grande exploração agrícola. Na freguesia de Santo Ildefonso, no concelho de Elvas, as propriedades de mais de 80 ha, abrangendo uma área de 4480 ha, pagaram, em determinado ano, 56 700$00; as propriedades de 40 a 80 ha, abrangendo 504 ha, pagaram 10 400$00; e as de menos de 40 ha, abrangendo uma área de 674 ha, Pagaram 28 100$00(66). Fazendo as contas, vemos que a grande pagou 12$70 por hectare, a média 20$60 e a pequena 41$70. Também na freguesia de Cuba, enquanto pequenos prédios pagavam até 80$00 por hectare, grandes prédios pagavam apenas 5$00 e 8$00(67). Estes exemplos, confirmando o que já se tem chamado o carácter «regressivo» da contribuição predial rústica, confirmam também a mais gravosa situação do pequeno lavrador em relação aos impostos.

Compreende-se a dificuldade do pequeno agricultor em pagar os impostos dada a sua míngua de recursos; e compreende-se também como, para os pagar, tenha de vender as colheitas em altura menos conveniente e aos mais fracos preços.

«As laranjas de Amares — diz pessoa conhecedora da região— em Janeiro, são vendidas pelo lavrador ao desbarato para pagar as contribuições, com o encargo de as defender dos ladrões até aos meses da Primavera ou do Verão, para que, nesses meses, o comprador as venda por preços dez vezes superiores àquilo por que as comprou.»(68)

Do facto de o pequeno produtor estar assim estrangulado pela falta de dinheiro resulta que muitas vezes a concorrência entre a pequena e a grande produção se resolve não numa competição no mercado, mas numa simples transação entre os próprios competidores. Tal o caso dos grandes lavradores que, à semelhança do que se passa com estas laranjas, compram as colheitas aos pequenos a baixo preço na altura da abundância, para mais tarde as venderem a altos preços na altura da escassez. Tal o caso do pequeno vinhateiro que, por não ter vasilhame para o próprio vinho, o vende no lagar ou o dá a guardar ao grande vinhateiro, que fica com as borras e descontos frequentemente superiores a 10%. Tal o caso da troca imediata da azeitona por azeite no lagar do grande lavrador, onde além do eventual prejuízo de qualidade são gerais os cálculos e descontos escandalosos. Tal ainda o caso da «contagem» das rendas pagas em géneros, em que o excedente das rendas é comprado pelo grande lavrador por uma indigna bagatela. Em todos estes e outros casos, a concorrência resolve-se em vantagem da grande produção muito antes de os produtos chegarem ao mercado. Assim, em determinadas épocas do ano, o grande produtor é o único a dispor de produtos para venda, subindo então os preços à sua feição e vendendo não só os das suas explorações como também os das pequenas. Em contrapartida, não é raro que o pequeno produtor, com o correr do ano, venha a comprar a preços exorbitantes aquilo mesmo que vendeu a preços não compensadores.

A falta de dinheiro, consequência da natureza e das dificuldades da pequena produção, é importante fator de novas dificuldades, além das más condições da venda dos produtos. O pequeno produtor vê-se numa situação eternamente embaraçada, em que produz menos, pior e mais caro, porque não tem dinheiro para gastar com o que é preciso, e não tem dinheiro para gastar porque produz menos, pior e mais caro. A escassez de recursos financeiros obriga o pequeno agricultor a comprar piores sementes, a utilizar menos e piores adubos, a abster-se de empregar inseticidas e fungicidas muitas vezes ao preço da ruína das culturas, a servir-se de piores alfaias, a ter pior gado e não o alimentar convenientemente, a atrasar ou dispensar culturas e a abster-se de segurar os bens produzidos, do que resultam frequentes e irremediáveis desastres. E, apesar de todas as limitações, o pequeno agricultor não se desembaraça com os próprios recursos e tem de recorrer ao crédito. Em geral, fá-lo em condições ruinosas.

Pensam, entretanto, alguns que, bem vistas as coisas, o pequeno agricultor dispõe de mais capital e de mais crédito do que o grande. O Prof. Henrique de Barros, seguindo o Prof. Lima Basto, entende que «as pequenas explorações empregam mais capital por hectare do que as grandes e que, por exemplo, 10 empresários de explorações de 10 ha conseguem obter créditos mais elevados que um só empresário de uma exploração de 100 ha»(69). Que 10 empresários de explorações de 10 ha consigam obter créditos mais elevados que um só empresário de uma exploração de 100 ha é em muitos casos possível. Mas não prova o que visa provar, pois, na maior parte do País, uma exploração de 10 ha está longe de ser uma pequena exploração. A afirmação para demonstrar alguma coisa (e não seria ainda o dispor o pequeno agricultor de mais créditos), devia por exemplo ser assim redigida: «20 ou 50 empresários de explorações de 1 ha dividido em múltiplas courelas obtêm créditos mais elevados do que um só empresário de uma exploração de 20 ou 50 ha». É, porém, duvidoso que, nesta redação, correspondesse à verdade.

É certo que, muitas vezes, o pequeno produtor deve mais por hectare que o grande. Mas isso não significa que tenha mais crédito. O que sucede, geralmente, é amontoar o pequeno produtor dívidas que cobrem quase todo o seu ativo e o põem permanentemente à beira da ruína, enquanto o grande está em situação mais folgada. Em terras de igual valor venal por hectare (e são estas que mais interessa considerar neste caso, pois quanto maior for o preço da terra maior é a garantia oferecida), o pequeno deve maior soma por hectare, mas o grande só não deve tanto ou mais porque não precisa ou não quer. Na pequena produção não é a aptidão para conseguir crédito que é grande: o que é grande é a precisão que obriga.

Contra a opinião destes técnicos distintos, a grande exploração tem incomparavelmente mais facilidades de capital e de crédito do que a pequena. Se ideias feitas não ofuscassem as realidades, bastaria atender à posição em relação ao mercado e à venda dos produtos, que há pouco esboçámos, para se desvanecerem, para sempre, quaisquer ilusões acerca das facilidades de crédito do pequeno produtor.

No domínio da obtenção do crédito, há algumas diferenças essenciais entre a pequena e a grande exploração agrícola, em manifesta vantagem desta última.

A primeira consiste em que o grande lavrador (proprietário ou rendeiro) dispõe, muitas das vezes, de recursos de origem variada que o dispensam do apelo ao crédito, ou lho facilitam em caso de necessidade, enquanto os pequenos rendeiros, por não poderem oferecer qualquer garantia, nem sequer podem valer-se do crédito, e os pequenos proprietários, dada a exiguidade das suas terras, num instante as comprometem na garantia de uma pequena dívida.

A segunda diferença consiste em que o grande lavrador paga normalmente menor juro que o pequeno. Enquanto o primeiro tem a facilidade de recorrer aos estabelecimentos bancários ou a capitalistas com os quais se encontra ligado por outros interesses, o segundo tem de dirigir-se a particulares entre os quais proliferam usurários cruéis e criminosos. Em 1948, a taxa média para o crédito agrícola individual na Caixa Nacional de Crédito (anexa à Caixa Geral dos Depósitos) era de 3,2% e para o crédito agrícola mútuo de 4%(70). Quanto aos juros em empréstimos particulares e sobretudo em pequenos empréstimos, eles excedem em muito os juros legais. Fale-se em 3% ou em 5% ao ano a um pequeno cultivador e ele julgará ser anedota.

Na distribuição geográfica do crédito agrícola concedido em 1940 pela Caixa Nacional de Crédito (além do que é incluído na rubrica «crédito hipotecário» da CGD) salta à vista que, num total de 376 855 contos emprestados no continente, 226127 contos (60%) disseram respeito a cinco distritos de grande propriedade (Portalegre, Évora, Beja, Setúbal e Santarém) e apenas 35 325 contos (9%) a cinco distritos de pequena propriedade (Aveiro, Braga, Coimbra, Guarda e Viana do Castelo)(71). Isto denota serem os grandes lavradores quem utiliza a massa do crédito agrícola a juro módico.

O mesmo se conclui dos números referentes ao número e valor dos empréstimos hipotecários de prédios urbanos e rústicos concedidos por estabelecimentos de crédito e por particulares. Em 1949, os primeiros realizaram 2520 contratos correspondentes a 604 492 contos e os segundos 11 629 contratos correspondentes a 738 606 contos, o que dá para os primeiros uma média de 240 contos por contrato e para os segundos 64 contos(72). Estas médias mostram que os empréstimos registados pelas estatísticas, na sua maioria a juros legais, beneficiam apenas os grandes lavradores e capitalistas. Quanto aos pequenos, qualquer pessoa que tenha vivido em regiões onde predominam pequenas explorações conhece como os pequenos empréstimos são feitos secretamente e como prosperam e enriquecem os usurários, muitos deles juntando courela atrás de courela, como produto de dívidas não pagas e de juros criminosos.

Naturalmente que os cantores das excelências da pequena produção não vêm o caso assim. Eles vêm o lavrador rico a amparar e a salvar dos embaraços o pequeno. Se os pequenos agricultores, estrangulados pela falta de dinheiro, recorrem ao crédito, quem iria imaginar que existem juros usurários? Quem iria supor que a situação da pequena exploração se compromete, quantas vezes sem remédio? Não, isso não sucede, no entender de certos economistas. O pequeno agricultor recorre aos ricos lavradores e estes emprestam sob hipoteca a tão módicos juros e em condições tão favoráveis que bem podem «ser considerados como verdadeiros beneméritos da sua terra e da sua região»(73). Aqui também, tal como Júlio Dinis na Morgadinha...

A terceira diferença consiste em que o pequeno agricultor se liberta muito mais dificilmente das dívidas do que o grande. Deixando aqui apontada esta diferença, reservamos a demonstração para quando tratarmos do problema, não já apenas da situação relativa da pequena e da grande lavoura, mas da decisão da luta que entre elas se trava.

Pelos mais elevados «preços de custo», por todas as variadas dificuldades em colocar os produtos, pela carência de recursos financeiros obrigando a vender na pior época e ao pior preço, pelas dificuldades na obtenção do crédito — o pequeno agricultor não pode competir vantajosamente com o grande e é irremediavelmente batido na concorrência. Isto sucede na economia capitalista ao longo de toda a sua evolução, e, com redobrada força, na sua fase monopolista.

Quando os próprios organismos do Estado fixam preços, pautam entregas de produtos, limitam quantidades a reter para consumo, centralizam, distribuem, exportam, etc., essa intervenção decide em absoluto e prontamente a sorte da concorrência a favor da grande produção. É que, então, à diferença basilar de possibilidades junta-se a diferença de organização, com o uso pela grande lavoura, na sua luta contra a pequena, do eficiente e poderoso aparelho do Estado e das suas peças corporativas. Então, os grandes agrários estão solidamente organizados e unidos em organismos técnicos, noutros de compra e distribuição, de fixação de preços, de orientação e direção da agricultura nacional (organismos que impõem as suas decisões com a autoridade do Estado), enquanto os pequenos agricultores se encontram dispersos, isolados, sem hábitos de cooperação, impossibilitados de criar organismos de classe e (mais ainda) muitas vezes separados e opostos pelo seu individualismo cuidadosamente fomentado. Os grandes agrários vão ao ponto de criarem e dirigirem coercivamente eles próprios o que chamam organismos pela defesa da pequena lavoura com o nome de «cooperativa» ou com outros, que mais não são do que monopólios, que submetem o pequeno produtor aos seus caprichos.

O «maior peso vivo do gado»

Entre as «vantagens técnicas» da pequena produção, cita-se, com frequência, o «maior peso vivo de gado por hectare», insinuando-se que, no referente a gado, quanto menor for a exploração em melhor situação se encontra.

A distribuição geográfica do gado mostra que, de facto, nos distritos onde predomina a pequena exploração, o peso vivo por hectare é superior ao dos distritos onde predomina a grande. Em 1940, enquanto nos distritos de Viana do Castelo, Braga, Aveiro, Leiria e Coimbra o peso vivo por hectare de superfície territorial era, respetivamente, de 160, 154, 129, 66 e 59 quilogramas, nos distritos de Portalegre, Évora, Setúbal e Beja era, respetivamente, de 54, 52, 40 e 39 quilogramas(74). Apesar de que, nem em todos os casos, existe tal correspondência (nos distritos de Évora e Portalegre o peso vivo por hectare é superior ao dos distritos de Bragança e Guarda), pode concluir-se, na base desses elementos, que, nas zonas de pequena propriedade, a terra sustenta em geral mais gado e recebe em geral mais matéria orgânica do que nas zonas de grande propriedade.

Estatísticas posteriores não só confirmam esta distribuição regional como mostram que, dentro de cada região e em todas as regiões, cabe às pequenas explorações o maior peso vivo por hectare.

Indicando as cabeças de gado, nas explorações classificadas segundo a área de cultura arvense, o «Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente» do INE (1952-1954), permite que se calcule, pela primeira vez à escala continental, o peso vivo nas grandes e nas pequenas explorações. Feita por nós a estimativa (atrás exposta) da área de cultura arvense nas várias classes de explorações, calculamos o peso vivo total do gado e os quilogramas por hectare. No total continental, a situação apresenta-se da seguinte forma:

Área da cultura arvense
das explorações
Quilograma
por hectare
Até 0,25 ha
928
0,25 a 0,50
580
0,50 a 1 ha
471
1 a 3 ha
306
3 a 5 ha
228
5 a 10 ha
155
10 a 20 ha
102
20 a 50 ha
64
50 a 100 ha
62
100 a 200 ha
61
200 a 500 ha
63
500 a 1000 ha
56
1000 a 2500 ha
45
2500 a 5000 ha
38
5000 a 10 000 ha
31
10 000 a 20 000 ha
3

Vê-se que, salvo o caso das explorações de 200 a 500 ha de cultura arvense, apresentando um peso vivo de gado por hectare ligeiramente superior ao apresentado pelas explorações de 50 a 200 ha, o peso vivo é tanto maior quanto menor é a exploração.

A tabela 24, resumindo o nosso cálculo, mostra a situação nos dezoito distritos do continente. Em todos os distritos, verifica-se o mesmo fenómeno: o peso vivo de gado por hectare inversamente proporcional à grandeza da exploração.

TABELA 24
Peso vivo de gado por hectare de cultura arvense (quilogramas)
(1952 – 1954)
Explorações segundo hectares de cultura arvense
Distritos Menos
de 0,5
0,5 - 1 1 - 5 5 - 20 20 - 100 100 – 500 Mais de
500
Total
Aveiro
956
665
356
185
64
--
--
368
Beja
464
249
97
56
43
47
39
45
Braga
774
695
470
238
73
5
--
401
Bragança
651
308
188
141
99
63
--
146
Castelo Branco
667
342
211
117
89
82
43
127
Coimbra
458
313
198
120
67
40
46
197
Évora
662
221
105
55
38
60
41
47
Faro
862
426
208
97
60
65
55
121
Guarda
545
286
193
118
78
61
--
144
Leiria
668
455
286
162
95
184
--
321
Lisboa
626
351
215
167
150
89
51
182
Portalegre
683
343
155
104
70
72
49
65
Porto
638
570
398
227
101
--
--
331
Santarém
635
346
188
102
97
105
62
125
Setúbal
1028
387
220
104
65
72
57
81
Viana do Castelo
1167
1043
553
219
75
28
--
691
Vila Real
608
482
350
191
63
25
--
288
Viseu
441
345
271
158
60
25
--
264
Continente
677
471
278
130
64
63
44
130

Mas significará isto, realmente, uma vantagem das pequenas explorações? Significará que, quanto a gado, elas se encontram em melhor situação do que as grandes? A nosso ver, não pode significar tal coisa.

De início, diga-se que a razão inversa apontada oferece importantes irregularidades, algumas das quais a tabela 24 acusa, raras até aos 10 ha de cultura arvense, mas numerosas daí para cima. As explorações médias apresentam, frequentemente, menos peso vivo por hectare do que as grandes e mesmo muito grandes. Assim, as explorações de 10-20 ha de cultura arvense apresentam menos que as de 50-100 ha em Coimbra e Santarém, que as de 100-1000 ha em Évora, que as de 200-500 ha em Santarém e Leiria; as de 20-50 ha menos que as de 50-100 ha em Castelo Branco, Coimbra e Santarém, do que as de 50-200 ha em Portalegre, do que as de 50-1000 ha em Beja e Faro, do que as de 50-2500 ha em Évora, do que as de 100-500 ha em Setúbal, do que as de 200-500 ha em Bragança, Leiria, Santarém e Viseu, do que as de 2500-10 000 ha em Beja; as de 50-100 ha menos do que as de 100-200 ha em Portalegre, do que as de 100-1000 ha em Setúbal e Beja, do que as de 100-2500 ha em Évora, dc que as de 200-500 ha em Bragança, Leiria, Santarém e Viseu, do que as de 200-1000 ha em Faro; as de 100-200 ha menos do que as de 200-500 ha em Beja, Bragança, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Santarém, Setúbal e Vila Real, e do que as de 500-1000 ha em Coimbra, Évora e Faro.O distrito de Leiria apresenta mesmo uma exploração de 200-500 ha (Gama de Óbidos?) com mais peso vivo de gado por hectare que todas as de 3 a 200 ha.

Que significam estas irregularidades? Porque não se verificam elas nas mais pequenas explorações? Quanto a nós, as menores apresentam, a distância, o maior peso vivo de gado por hectare, não por abundância ou sequer suficiência de gado, mas pela extrema exiguidade da terra. Quando o gado de trabalho apenas existe a título de exceção, a real determinante do alto peso vivo por unidade de superfície não é a maior ou menor riqueza de gado (a pobreza é geral nas pequenas explorações), mas a maior ou menor estreiteza da terra. Quando, nas médias e grandes explorações, intervém, em escala apreciável, gado de trabalho, já as posições com frequência se alteram, coincidindo muitas vezes a maior extensão com o maior peso vivo de gado por hectare.

No minifúndio, a mais insignificante existência pecuária representa logo elevado peso vivo por hectare. Em exploração de 1200 metros quadrados, por exemplo, a existência de um porco e uma cabra corresponde (em média) a 816 quilos por ha. Isto é: nitidamente mais do que numa exploração de Alpiarça, indicada no «Inquérito» atrás citado, que, tendo de 100 a 200 ha de cultura arvense, possui a superabundância de 139 bovinos, dos quais 135 de trabalho, além de 11 muares, 356 ovinos e 3 suínos — o que dá entre 270 e 540 quilos por ha. Ninguém negará a esmagadora superioridade desta última exploração, no que diz respeito a gado, em comparação com a pobreza, orçando pela miséria, daquela pequena que, com um porco e uma cabra, apresenta o número elevadíssimo de 816 quilos por ha. Não se está perante o bem da abundância de gado, mas do mal da escassez da terra.

É uma verdade facilmente verificável que a maioria esmagadora das pequenas explorações não possui gado de trabalho. Contando bovinos, de trabalho e de trabalho e leite, equinos de trabalho, muares e asininos, 400 000 explorações de menos de 1 ha de cultura arvense (metade do número total das explorações) possuem apenas 153 000 cabeças, o que significa (tendo em conta o uso de juntas e parelhas), que cerca de 300 000 explorações de menos de 1 ha de cultura arvense não possui qualquer gado de trabalho.

Em contrapartida, 5745 explorações de 50 a 500 ha de cultura arvense têm 46-137 cabeças das espécies referidas, o que dá uma média de 8 animais de trabalho por exploração; 776 explorações de 500 a 2500 ha têm 30 251 cabeças, o que dá a média de 40 animais de trabalho por exploração; 72 explorações de mais de 2500 ha de cultura arvense têm 8052 cabeças, o que dá a média de 112 animais de trabalho por exploração.

Estudando em pormenor pelo mesmo Inquérito as existências pecuárias das grandes explorações, defrontamos com algumas dispondo de enormíssimos recursos. Alguns exemplos de explorações com 5000 a 10 000 ha de cultura arvense: uma, em Moura, com 450 bovinos, dos quais 280 de trabalho, além de 70 equinos, dos quais 40 de trabalho, 50 muares e 2 asininos; outra, em Estremoz, com 320 bovinos, dos quais 140 de trabalho, além de 40 equinos (11 de trabalho), 70 muares e 10 asininos; outra, em Reguengos, com 273 bovinos, dos quais 210 de trabalho, além de 80 equinos, 28 muares e 6 asininos; outra, em Alter do Chão, com 505 bovinos, dos quais 340 de trabalho, além de 8 equinos, 20 muares e 4 asininos. Explorações com 2500 a 5000 ha de cultura arvense: uma em Montemor-o-Novo, com 150 bovinos, dos quais 80 de trabalho, além de 2 equinos, 20 muares e 2 asininos; outra, em Grândola, com 239 bovinos, dos quais 80 de trabalho, além de 2 equinos, 20 muares e asininos; outra, em Grândola, com 239 bovinos, dos quais 58 de trabalho, além de 44 equinos (14 de trabalho), 26 muares e 4 asininos; três, em Alcácer do Sal, tendo em média 481 bovinos, dos quais 249 de trabalho, além de (em média também) 65 equinos, 25 muares e 2 asininos. Explorações com 1000 a 2500 ha de cultura arvense: uma, em Crato, com 204 bovinos, dos quais 114 de trabalho, além de 46 equinos, 26 muares e 14 asininos; outra, em Benavente, com 239 bovinos, dos quais 149 de trabalho, além de 81 equinos (49 de trabalho), 2 muares e 1 asinino; outra, em Palmela, com 600 bovinos, dos quais 40 de trabalho, além de 100 equinos, 54 muares e 6 asininos. Nota-se ainda que todas estas grandes explorações têm não somente meios de trabalho animais como meios de trabalho mecânico, e melhor se compreende a sua situação de incomparável superioridade, no que se refere a gado de trabalho, em relação às pequenas explorações.

Entretanto, nestas grandes explorações, o peso vivo de gado por hectare situa-se entre 40 e 200 quilogramas, enquanto, nas explorações de menos de 1 ha, as médias distritais de peso vivo por hectare sobem a centenas de quilogramas e, por vezes, a mais de uma tonelada.

A carência de gado nas pequenas explorações agrícolas fica também claramente evidenciada, reduzindo todas as suas existências pecuárias a «cabeças normais»(75). As 400469 explorações com menos de 1 ha de cultura arvense possuem apenas 300 968 «cabeças normais», ou seja, menos de uma «cabeça normal» por exploração. E entre as de menos de 1 ha, destacam-se as 130 038 de menos de 0,25 ha, que, embora acusando 928 quilos de peso vivo por hectare, possuem apenas 51236 «cabeças normais», ou seja, menos de meia «cabeça normal» por exploração. Em nenhum distrito as explorações de menos de 0,25 ha possuem em média 1 «cabeça normal» e apenas em três distritos as explorações de 0,25 a 0,5 ha atingem tal média. É evidente estarmos em presença de uma autêntica indigência pecuária, atingindo cerca de metade das explorações agrícolas do continente, e não perante qualquer situação florescente ou de vantagem, que os altos pesos vivos por hectare parecem indicar aos olhos apressados. Mostra-se que o peso vivo de gado por hectare é fraca dimensão de riqueza pecuária.

Confirma-se, assim, com dados recentes, a ideia acerca da miséria pecuária na pequena produção; mas esta podia encontrar base bastante nos elementos disponíveis. Em 1949, o número de manifestantes de gado foi de 673 000, o de manifestantes de bovinos de 258 000(76) e o de proprietários rústicos de 1 300 000(77). Quer dizer: mesmo que todos os manifestantes de gado fossem proprietários (o que não é exato), não teriam manifestado gado mais de 600 000 proprietários (cerca de metade do seu número total) e não teriam manifestado bovinos mais de 1 000 000 de proprietários (quatro quintos do seu número total). Mesmo tomando apenas os pequenos agricultores indicados no «Censo» como «patrões» e «isolados» ativos na agricultura, o seu número de 1949 (419 000) excedia em 160 000 o de manifestantes de bovinos. Já na base desses elementos se podia concluir e demonstrar que a esmagadora maioria dos pequenos agricultores não possui gado de trabalho e que uma elevadíssima percentagem não possui qualquer gado. Isto é, aliás, sabidíssima verdade para quem quer que tenha tido contacto direto com as aldeias portuguesas, ou mesmo apenas olhos atentos e honestos.

Mesmo quanto ao maior peso proporcional de matéria orgânica nas pequenas explorações (ponto em que insistem alguns técnicos) ele é mais que duvidoso. As pequenas explorações, quando dispõem de algum gado, não conseguem as mais das vezes incorporar na terra própria toda a matéria orgânica respetiva, porque os animais — seja no pasto, seja em transportes — passam grande parte do tempo em terra alheia.

Qualquer pessoa que tenha percorrido com insistência estradas e caminhos de Portugal, encontrou certamente, com frequência de espantar, mulheres e crianças apanhando cuidadosamente do chão os excrementos dos animais que passam. Pequenos acontecimentos esclarecem por vezes os grandes. Neste incidente trivial, revela-se, dolorosamente, a falta de matéria orgânica em muitas pequenas explorações.

Lima Basto falava de um lavrador que possuía 31 juntas de bois e que «do número de jeiras utilizáveis só aproveitava em média 42,38% e no máximo, e, só num mês, 70%»(78), demonstrando, com esse exemplo, a existência de «capacidade não utilizada» (idle overhead dos americanos). Na verdade, enquanto grandes agricultores têm gado a mais, os mais pequenos têm gado a menos; enquanto o problema económico de muitos grandes lavradores é o da «capacidade não utilizada», não só a maioria esmagadora dos pequenos produtores não tem gado de trabalho, não só uma elevadíssima percentagem não tem qualquer gado, como aqueles que o têm, têm-no em geral insuficiente e pior, sujeito a mais duro trabalho e mais mal alimentado.

Apresentar-se como «vantagem» da pequena exploração o maior peso vivo de gado por hectare, esquecendo-se a exiguidade da terra, a falta de gado de trabalho e a miserável escassez das outras espécies, é ocultar o fundamental da realidade económica atrás de um preciosismo tecnicista.

Dos bois e das vacas

Índice altamente significativo do que se acaba de afirmar é o predominante uso de vacas de trabalho pelos pequenos agricultores. Sejam as vacas turinas em Aveiro e Leria, as arouquesas no Vale do Vouga, as mirandesas e barrosãs mais a leste e a norte — por toda a zona onde predominam as pequenas explorações há grandes manchas onde os pequenos agricultores utilizam em todos ou em parte dos trabalhos vacas em vez de bois. Isso acontece também, é certo, nas grandes explorações; mas, como regra, acontece mais nas pequenas.

O uso de vacas de trabalho é bastante mais usual do que muitos supõem. Não há nenhum distrito em que as estatísticas não acusem o aluguel de juntas de vacas, sendo a diferença do preço médio por dia de trabalho, em relação às juntas de bois, por vezes muito apreciável. Em 1949, por exemplo, subiu a mais de 10 escudos nos distritos de Beja, C. Branco, Évora, Faro, Lisboa e Setúbal; a 9 escudos nos distritos de Braga e Viseu; a 6 e 7 nos distritos de Leiria, Viana do Castelo e Bragança(79). Estas quantias não são insignificância para o pequeno agricultor, que, não possuindo gado de trabalho, tem de o alugar e, por isso, aluga, muitas vezes, vacas em vez de bois, por economia. Coisa semelhante acontece em muitas regiões com o pequeno agricultor que possui bovinos de trabalho. A vaca é mais barata, consome menos e acrescenta ao trabalho as crias e o leite. É mais económica e remuneradora. Daí a preferência. Os trabalhos executados por vacas não ficam tão perfeitos - «quem vacas gabou, nunca com bois lavrou» -, as lavras são menos fundas, os transportes mais demorados. Mas o pequeno agricultor não se pode dar ao luxo de ter gado exclusivamente de trabalho. Os recursos são poucos e a necessidade manda.

A tabela 25 mostra que a percentagem de vacas é maior nos distritos onde predominam as pequenas explorações (salvo os do Porto e Coimbra). Nos distritos de Viseu, Faro, V. do Castelo e Guarda a percentagem de vacas de trabalho e ceva passa de 80% ; nos de Braga, Bragança, Leiria e Vila Real passa de 70%. Em nenhum dos distritos alentejanos (incluindo Setúbal) chega a 55%.

TABELA 25
Bovinos de trabalho e ceva de mais de 18 meses(80)
(1940)
Distritos Total Bois Vacas Vacas (%)
Aveiro
42072
16676
25396
60,4
Beja
13065
5926
7139
54,6
Braga
66198
19463
46735
70,6
Bragança
22829
4934
17895
78,4
Castelo Branco
14482
4344
10138
70,0
Coimbra
21346
9865
11481
53,8
Évora
16210
8147
8063
49,7
Faro
14924
2627
12297
82,4
Guarda
14989
1580
13409
89,5
Leiria
17720
4705
13015
73,4
Lisboa
10953
6993
3960
36,2
Portalegre
18438
8329
10109
54,8
Porto
48359
36155
12204
25,2
Santarém
21246
11133
10113
47,6
Setúbal
14651
7792
6859
46,8
Viana do Castelo
53430
8837
44593
83,5
Vila Real
31392
8247
23145
73,7
Viseu
33732
6139
27593
81,8
Continente
476036
171892
304144
63,9

Em muitos concelhos, as percentagens de vacas são elevadíssimas. E se, em alguns casos, isso se relaciona com o predomínio da pastorícia e da criação, em muitos outros é simples resultado das razões económicas apontadas. No distrito de Aveiro, a percentagem de vacas em relação ao total de bovinos de trabalho e ceva de mais de 18 meses está compreendida entre 70% e 90% em cinco concelhos e passa de 90% em dois. No distrito de Braga, apenas em dois concelhos é inferior a 50% e em sete concelhos passa de 70%. No distrito da Guarda, está compreendida entre 70% e 90% em cinco concelhos e passa de 90% em outros cinco. No distrito de Leiria, passa de 70% em oito concelhos. No de Viana do Castelo, no total de dez concelhos, só em dois é inferior a 70%, em quatro está compreendida entre 80% e 90% e em três passa de 90%. No distrito de Vila Real, em sete concelhos e no de Viseu em doze, passa de 70%(81).

Em 1952-1954(82), a situação apresenta-se sem quaisquer alterações de vulto. As percentagens de vacas de trabalho e de trabalho e leite em relação ao total de bovinos de trabalho e leite são, tanto no total como nos distritos, quase a repetição das apuradas para 1940. Igual a ordem de grandeza e igual a situação relativa dos distritos.

Nalgumas regiões de pequena propriedade, o uso de vacas de trabalho é de tal forma dominante que, no arrolamento de 1934, segundo informações dos intendentes da pecuária de Braga e Guarda, «muitos manifestantes inscreveram os bovinos de trabalho, que possuíam, como gado leiteiro»(83). Não se julgue tratar-se de diferenças de somenos. Graças ao erro de inscrição, o concelho de Vila Verde (distrito de Braga), por exemplo, aparece em 1934 com 155 não leiteiros e 10 487 leiteiros! E em 1940 com 10 309 não leiteiros e 57 leiteiros! Essa esclarecedora confusão não se deu apenas nas duas intendências de Braga e de Guarda, mas, como admite o relatório do arrolamento, «possivelmente em mais algumas»(84). E, de facto, coisa semelhante se deve ter passado em outros distritos, designadamente nos de Aveiro, Leiria e Viana do Castelo. Neste último, confrontando-se os arrolamentos de 1934 e 1940, nota-se que o número de bovinos em geral aumentou menos que os de trabalho e ceva e que o número de leiteiros diminuiu. A mesma confusão deve explicar o facto. Os erros de inscrição de bovinos nas categorias de «leiteiros», «não leiteiros» e de trabalho significam que, para os pequenos lavradores de algumas regiões, gado de trabalho e gado leiteiro é uma e a mesma coisa, ou seja, que utilizam principalmente vacas de trabalho.

O estudo do gado bovino de trabalho nas pequenas e grandes explorações dentro de cada distrito confirma que, em geral, as vacas são utilizadas mais vulgarmente nas pequenas explorações, enquanto nas grandes se dá preferência aos bois de trabalho. Assim, em 1952-1954, as percentagens de vacas de trabalho e de trabalho e leite em relação ao total dos bovinos de trabalho e de trabalho e leite eram as seguintes no total continental(85):

Explorações com menos de 1 ha 75,1%
Explorações com 1-5 ha 66,0%
Explorações com 5-50 ha 62,8%
Explorações com 50-500 ha 52,4%
Explorações com mais de 500 ha 46,2%

Aparece com toda a clareza o mais frequente uso de vacas de trabalho nas mais pequenas explorações e a sua substituição por bois de trabalho em tão maior escala quanto maiores são as explorações.

Isto não significa que tal se verifique sempre e em todos os casos (regionais e individuais), mas apenas que é o traço característico do conjunto da situação portuguesa. Divididas as explorações em dois grandes grupos, segundo a área de cultura arvense — as de menos e as de mais de 5 ha — verifica-se que, não só no total continental, como em treze dos dezoito distritos, a percentagem das vacas de trabalho é superior nas de menos de 5 ha e apenas em cinco (Beja, Bragança, C. Branco, Coimbra e Guarda) nas de mais de 5 ha. Divididas em três grupos (de menos de 5 ha, de 5-50 ha e de mais de 50 ha), verifica-se que, como mostra a tabela 26, a menor percentagem de vacas de trabalho se encontra nas explorações de mais de 50 ha não só no total continental como em oito distritos, nas de 5-50 ha em outros oito distritos e nas de menos de 5 ha apenas em dois distritos. Em contrapartida, a maior percentagem encontra-se nas explorações de menos de 5 ha, em doze dos dezoito distritos.

TABELA 26
Vacas de trabalho
(Percentagem em relação aos bovinos de trabalho)(86)
Distritos Com
menos
de 5 ha
Com
5-50 ha
Com
mais
de 50 ha
Aveiro
62,8
55,6
-
Beja
50,8
48,0
55,4
Braga
74,1
61,5
68,1
Bragança
73,7
75,9
55,6
Castelo Branco
29,0
82,8
84,0
Coimbra
53,5
66,1
43,4
Évora
54,3
49,2
41,9
Faro
86,0
82,5
65,0
Guarda
82,5
89,4
90,7
Leiria
76,5
70,1
9,5
Lisboa
41,2
22,7
35,1
Portalegre
64,7
73,8
51,5
Porto
32,9
28,4
Santarém
60,1
37,6
37,1
Setúbal
55,7
36,5
37,3
Viana do Castelo
84,6
64,1
Vila Real
70,7
63,7
38,0
Viseu
75,8
70,2
Continente
67,9
62,9
49,4

Nos distritos de Aveiro, Évora, Faro, Leiria, Porto, Santarém, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu apresenta-se o mesmo panorama do total continental: uso de vacas tanto maior quanto menores as explorações. Sete outros distritos apresentam irregularidades que não desmentem, porém, esta mesma tendência. Apenas nos distritos de Castelo Branco e Guarda se mostra uma tendência inversa, pois neles o uso de vacas parece ser tanto maior quanto maiores as explorações. No conjunto, a tendência para o maior uso de vacas de trabalho nas pequenas explorações aparece com toda a clareza.
Não deixa de haver quem considere benéfica a substituição de bois por vacas e veja no uso de vacas de trabalho uma «vantagem» mais da pequena produção. Vai-se mesmo ao ponto de preconizar, como «medida de fomento» (sic), «a isenção de taxas municipais aos lavradores que usassem vacas e não bois para o trabalho»(87). A verdade é ser o uso de vacas de trabalho não um índice de progresso e desafogo, mas um índice de dificuldades e inferioridade.

Já há um século e meio, falando da miséria dos domínios turcos, Malthus referia, como sinal do «deplorável estado» da agricultura, o facto de serem as terras lavradas por vacas e raramente por bois, em virtude de estes exigirem muito maior despesa(88). Também Lénine, ao estudar a decomposição do campesinato russo, mostrava ser o uso de vacas de trabalho um índice da pioria da situação do camponês médio(89). Serem as vacas de lavoura sintoma de atraso agrícola é verdade há muito conhecida. Mas até hoje não vimos que os especialistas portugueses tenham ao menos aflorado ao de leve este assunto, antes temos ouvido com frequência canto e louvores a tal índice de miséria.

Embora fechando os olhos ao fundo do problema económico, os mais competentes veterinários são unânimes em admitir a decadência das espécies como consequência da sua utilização simultânea (agravada por deficiente alimentação) no trabalho, na criação e na função galactófora.

«A raça turina escrevia o Prof. Miranda do Vale — é explorada em função mista (trabalho-leite), encontrando-se, devido a esta espoliação, em franca decadência.»(90)

Aqueles que aplaudiram a invasão da raça turina com a substituição de bois por vacas, aproveitadas simultaneamente na função leiteira e no trabalho, não têm razões para grandes entusiasmos.

Dado o seu intenso aproveitamento como leiteira, esforçando-se de mais, comendo de menos — é talvez a vaca turina a maior sacrificada. Mas não a única.

«A raça barrosã — dizia o mesmo autor — mercê das péssimas condições higiénicas, e principalmente pelo que diz respeito à alimentação, encontra-se também longe de ser considerada em estado florescente»(91).

E um professor universitário, embora mais optimista, reconhece a mesma situação ao gabar a vaca barrosã

«a quem se dá fome, que trabalha, sustenta a cria e ainda pode dar uma romea (5 litros) de leite por dia, mungindo-se apenas duas tetas»(92).

As exigências demasiadas feitas ao gado bovino e em especial às vacas nas pequenas explorações, juntas à sua pior alimentação e fraca higiene, determinam o seu enfraquecimento, o seu menor rendimento e muitas vezes o encurtamento da vida. Não é por acaso, que, entre as reses reprovadas no Matadouro Municipal de Lisboa, as mais elevadas percentagens cabem à raça turina. Em 1944, por exemplo, enquanto as reprovações de bovinos adultos não passaram de 4% e 5% para as raças arouquesa e transtagana e de 7% para as raças africanas, barrosã, mirandesa e ribatejana, atingiram 11% para a raça turina. Também as mais altas percentagens de reprovações por tuberculose couberam à raça turina com 6%(93). E não é igualmente por acaso que as mais altas percentagens de rejeição de bovinos nos matadouros se verificaram nas regiões de pequena propriedade e particularmente naquelas onde a vaca é mais abusivamente utilizada no trabalho. Considerando em conjunto as rejeições totais e parciais, elas atingiram em 1946 e em relação aos bovinos abatidos (aprovados mas rejeitados totalmente) 78% no distrito da Guarda, 60% no de Leiria, 50% no de Vila Real, 41% no de Bragança, 38% no de Coimbra, 36% no de Braga, 31% no de Aveiro. No conjunto continental as rejeições representaram 27%, média muito inferior à de qualquer destes distritos(94). No distrito de Lisboa as rejeições rondaram os 30% e em todos os restantes foram inferiores a 20%.

Nalgumas regiões como o Noroeste e grande parte das Beiras, a importância vital dos bovinos e particularmente das vacas para o pequeno produtor resulta do facto de ser muitas vezes a criação quase a única fonte de receitas pecuniárias. O produto da exploração agrícola mal dá para o consumo familiar. O milho, produção essencial no Minho, é normalmente absorvido pela renda, nos casos de arrendamento. É o gado (comprado ou criado pelo pequeno produtor ou recebido em regime de parceria) que dá ao camponês pobre uma ligação com o mercado. Os benefícios não são grandes, nas parcerias o grosso do lucro é para o grande proprietário ou capitalista, formam-se assim, muitas vezes, grandes e prósperas explorações pecuárias assentes em pequenas e miseráveis explorações agrícolas, mas o pouco que o gado dá é tudo ou quase tudo de que dispõe o pequeno agricultor para fazer face a encargos monetários: um punhado de adubo, sementes, o conserto de uma alfaia, roupa, mercearia, tabaco e também, com peso que por vezes esmaga, a liquidação de impostos e dívidas «entre as quais figura, muitas vezes, a renda em atraso»(95).

Apesar da importância decisiva do gado para a pequena exploração, ele não tem aí tratamento equivalente (alimentação, higiene, regime de trabalho, divisão de funções, assistência veterinária) ao que lhe é dado na grande. Numa e noutra é frequente ter o gado melhor passadio que os homens. Mas o nível é diferente e diferentes as razões por que isso acontece. Quanto ao pequeno agricultor são as razões imperiosas apontadas que o levam a velar pelo bem-estar do seu gado mesmo à custa do próprio sacrifício. São tantos os cuidados, que alguns senhores distintos, ao estudarem a situação nos campos, colocam, sorrindo, num mesmo pé homens e bichos. Assim, por exemplo, D. Francisco de Almeida Manuel de Vilhena apresenta, em livro seu, várias fotografias. Depois de algumas retratando exemplares de gado de raça barrosã, surge a de um trabalhador com um subtítulo estabelecendo o paralelo: «Um belo exemplar da raça trabalhadora e enérgica de Entre Douro e Minho.»(96) Numa outra fotografia, onde se vêm exemplares das duas «raças», sublinha: «O barrosão é quase um membro da família do pequeno agricultor minhoto.»(97) Não se pretende aqui discutir o aristocratismo de D. Francisco, mas apenas salientar como, mesmo aos olhos de um especialista aristocrata, que vê superiormente o pitoresco e não vê as suas causas, não podem escapar os desvelados cuidados do pequeno agricultor pelo seu gado.

Esses cuidados, que parecem pitorescos e risonhos aos senhores distintos, traduzindo toda a amargurada situação do pequeno agricultor, têm um significado profundamente trágico. O camponês pobre sabe bem que exige demasiado dos animais, que os não alimenta como convém, que os não tem bem alojados, que não lhes cuida com prontidão das moléstias e achaques. E, entretanto, a vida ou a morte do bovino é quase a vida ou a morte da pequena exploração. Daí o facto de que, muitas vezes, «os pequenos agricultores põem a comodidade e o bem-estar dos seus animais acima dos seus próprios e dos de sua família»(98). Daí essa preocupação absorvente e dominante, bem retratada por Aquilino, no Brás de Terras do Demo, quando, depois de quinze dias de inconsciência por pancada recebida no caminho da feira onde ia vender a vaca, pergunta antes de mais nada ao voltar a si: «A Galante?» Daí esses sentimentos de ternura do camponês pelo bovino, quase o endeusando, como fizeram os antigos povos de agricultores, ornando-o espaventosamente, admirando-o modelado em barro nos bonecos das feiras. É a situação profundamente trágica do pequeno agricultor, a ligação da sua sorte à sorte do bovino, que lhe impõe sacrifícios pessoais para assegurar a vida, o trabalho e a criação dos bichos e lhe molda os sentimentos ao sabor desta imperiosa necessidade.

Quanto aos grandes lavradores, se muitos constroem estábulos e currais higiénicos e fornecem abundante alimento ao gado, enquanto os trabalhadores vivem em pocilgas e subalimentados, a razão é que a saúde, a vida e a morte do gado correm por sua conta, e no que respeita à saúde, vida e morte dos trabalhadores da terra, isso deixou de suceder desde a abolição da escravatura.

Em volta dos rendimentos unitários

Entre os grandes argumentos utilizados na defesa das excelências da pequena produção agrícola, talvez aquele que mais poder de sugestão oferece é o respeitante aos elevados rendimentos unitários na pequena produção. São, porém, abundantes as confusões a esse respeito. Uma das confusões mais vulgares é entre a grande propriedade e a grande empresa capitalista. Não se tem em conta que o direito de propriedade sobre extensas áreas é anterior ao capitalismo. Se, por um lado, esse direito favorece fisicamente o estabelecimento de grandes empresas em confronto com as regiões onde a terra está muito retalhada, por outro lado, não só não implica a existência de empresas evoluídas como dificulta a sua multiplicação e retarda o seu desenvolvimento dado o elevado preço da terra, dada a insuficiência de capitais ao dispor do grande proprietário.

A verdade é ser característica da grande empresa capitalista não apenas a extensão da terra, mas o volume do capital nela investido. O progresso do capitalismo na agricultura, no que respeita ao aspecto técnico, produtividade, divisão do trabalho, não se traduz num alargamento ilimitado da área de cultura de cada empresa, mas no aumento do capital e da sua composição orgânica. Já Lénine o mostrou. Uma empresa pode tornar-se maior reduzindo a área cultivada. A redução da área cultivada é mesmo, onde existe a exploração «extensiva», o único caminho para a formação de maiores empresas capitalistas.

Tomar, como é frequente, a grande exploração «extensiva» como grande empresa capitalista típica é pois claramente um erro. Uma e outra são, é certo, empresas capitalistas e grandes empresas, dado que se baseiam no trabalho assalariado e em grande massa de trabalho assalariado. Mas, ao passo que a primeira se caracteriza pelos fracos capitais investidos na terra (escassa mão-de-obra em relação à área, ausência de plantações, de obras de rega, de oficinas tecnológicas, de construções, de vias de comunicação, etc.), a segunda caracteriza-se pelo elevado investimento de capital (constante e variável).

Há, porém, quem não faça a destrinça, tome como padrão de grande empresa capitalista a grande propriedade latifundiária alentejana (coincidindo, aliás, muitas vezes, com a pequena exploração) e, sem reparar em antecedentes históricos, no desenvolvimento do capitalismo na agricultura portuguesa e nos obstáculos levantados a esse desenvolvimento pela propriedade particular da terra, compare a cultura «extensiva» nas grandes propriedades alentejanas (mesmo quando arrendadas em pequenos lotes) com cultura «intensiva» na pequena produção e conclua pela inegável superioridade da pequena em relação à grande. É evidente que tal conclusão assenta em base falsa.

Por outro lado, não se repara assim que nem a exploração «extensiva» é exclusiva da grande propriedade, nem a «intensiva» da pequena. No distrito de Bragança há mais de 1 milhão de prédios rústicos numa área de 655 000 hectares, o que dá a cada prédio uma área média de menos de 6000 metros quadrados. No distrito de Vila Real há cerca de 800 000 prédios rústicos numa área de 424 000 hectares, o que dá também a cada prédio uma área média inferior a 6000 metros quadrados, reduzida a 4000 depois de descontados os 107 000 hectares de terras baldias. E, entretanto, em Trás-os-Montes, «a cultura permanece extensiva, os pousios são prolongados, os incultos vastos, o gado manadio frequente e as quotas de produção dos vários géneros em relação à superfície total quase sempre baixas»(99). Em contrapartida, nas grandes quintas do Douro investem-se importantes capitais. Vemos, neste caso, os pequenos agricultores transmontanos praticando a cultura «extensiva» e os grandes lavradores durienses a «intensiva». Exemplos semelhantes se poderiam apontar noutras regiões e muito particularmente no Alentejo, onde há pequenas explorações mais «extensivas» que muitas grandes.

Vê-se, pois, que a habitual comparação entre a grande exploração «extensiva» e a pequena produção «intensiva» não é a justa comparação que possa decidir da superioridade ou inferioridade da pequena e da grande produção.

Postas estas restrições, deve salientar-se ser sem dúvida nas regiões de grande propriedade que mais proliferam e se desenvolvem as grandes empresas. Podem e devem, por isso, fazer-se várias comparações entre essas regiões e aquelas onde predomina a pequena produção, de forma a esclarecer posições e vantagens. Mas de tudo o que menos se pode comparar com esse fim são as produções unitárias. Não se ter em conta que, no nosso país, há uma importante diferença climática entre o Sul, onde predomina a grande propriedade, e o Norte, onde predomina a pequena; não se terem em conta diferenças de solo, de chuvas, de cursos de água, de culturas; e comparar, por exemplo, à toa, como é hábito, produções unitárias provinciais, distritais ou concelhias do Norte minhoto ou beirão com as do Sul alentejano — conduz necessariamente, embora sem base bastante, à ideia da superioridade e maior eficiência da pequena produção em relação à grande empresa capitalista. A este erro não têm escapado destacados economistas.

É verdade serem os rendimentos unitários nas grandes zonas de pequena propriedade superiores aos das grandes zonas de grande propriedade. Em 1941, por exemplo, enquanto em 3 dos 55 concelhos do Alentejo (incluindo o distrito de Setúbal) a produção de trigo por hectare passou dos 10 quintais, no distrito de Aveiro apenas num concelho o rendimento unitário foi inferior a 10 quintais, ultrapassando os 15 quintais em 7 concelhos e os 20 em dois. Nos distritos de Viana do Castelo, Braga e Porto, em 24 concelhos no total de 40, a produção média por hectare ultrapassou os 10 quintais(100). Estes números e outros semelhantes, que se podiam citar, relativos a outros produtos agrícolas, indicam uma maior produção por hectare nos distritos de pequena propriedade.

Não só, porém, se podem e devem fazer algumas reservas a estes números, como eles estão longe de ter o significado que lhes é atribuído.

Em primeiro lugar: se é certo indicarem, em geral, as estatísticas uma superior produção unitária de cereais e legumes nos distritos de pequena propriedade, nem sempre isso sucede. Nesse mesmo ano de 1941 e ainda em relação ao trigo, o resultado no distrito de Coimbra (pequena propriedade) não foi mais brilhante que no Alentejo. Quanto ao arroz, a produção por hectare nos distritos alentejanos de Setúbal e de Santarém, onde predominam os arrozais de dezenas e centenas de hectares, excede geralmente e com larga margem a dos distritos de Aveiro, Coimbra e Leiria. Mas mesmo em relação aos legumes, as estatísticas apresentam por vezes curiosos contrastes. Em 1940 a produção de feijão por hectare no distrito de Évora teria sido a mais alta do País, a produção unitária de grão de bico no distrito de Beja teria sido superior à dos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Leiria, Porto e Viana do Castelo (todos de pequena propriedade) e a produção unitária de batata no distrito de Setúbal só teria sido ultrapassada pela do distrito do Porto(101).

Em segundo lugar: a variação dos rendimentos por hectare indicada pelas estatísticas de uns anos para outros é de tal monta que aconselha prudência na sua utilização. Estudando-se em detalhe as oscilações em cada concelho, observam-se altas e baixas impressionantes e díspares, sobretudo nas regiões de pequena propriedade ou onde a cultura em que isso se verifica tem reduzida importância. Assim, por exemplo, em relação à produção de trigo em 1941 e 1949(102), a produção por hectare teria passado de 6 para 11 quintais em Guimarães e de 14 para 5 em Ponte da Barca; de 19 para 9 em Santo Tirso e de 4 para 16 em Paços de Ferreira; de 7 para 15 em Penedono e de 17 para 6 em Resende; de 8 para 30 em Carregai de Sal e de 13 para 3 em S. Pedro do Sul, etc. Deve notar-se que na maioria dos concelhos onde se verificam tão grandes variações cultivam-se de trigo pequenas superfícies: Guimarães 10 ha em 1949; Ponte da Barca 11; Paços de Ferreira 4, etc. Em relação ao milho, verificam-se igualmente oscilações díspares. De 1941 para 1949, em Arronches, a produção teria passado de 8 para 19 hectolitros por hectare e em Alter do Chão de 6 para 1; em Almada, teria subido de 6 para 15 hectolitros e no Barreiro descido de 12 para 2; em Loures, teria subido de 10 para 44 hectolitros e em Mafra descido de 21 para 6; em 4 concelhos algarvios a produção unitária teria subido mais de 50% e de 100% e em outros 5 descido mais de 50%. Nuns casos haverá causas locais particularmente favoráveis ou desfavoráveis explicando estas diferenças. Noutros casos, erros de estimativa.

Estas reservas indicam a necessidade de não tomar, esquematicamente, números referentes às produções unitárias regionais como base de apreciação da eficiência da pequena e da grande produção e, sobretudo, não tomar (como já têm feito publicistas de mérito) concelhos isolados e anos isolados. Estas reservas indicam, também, a necessidade de não considerar em abstracto a produção deste ou daquele produto agrícola, sem ter em conta a importância real da sua produção nesta ou naquela região, bem como o processo de cultivo. Comparar produções unitárias em regime de sequeiro com as de regadio e até de horta, ou comparar a produção unitária de um cereal ou legume num concelho onde se semeia área insignificante com a de outro onde esse cereal ou legume é cultura destacada, a poucos resultados pode conduzir para o fim em vista.

Consideradas, no entanto, estas reservas, deve ter-se por verdadeiro — sosseguem os intranquilos espíritos dos técnicos cantores da pequena produção — que, de forma geral, a produção por hectare das grandes regiões onde predomina a pequena propriedade é superior à das grandes regiões onde predomina a grande. Isso se deve não só a razões climáticas e diferenças do solo como à herança da exploração «extensiva» recebida do feudalismo e ao sobre-humano esforço dos pequenos agricultores nas suas pequenas courelas.

Mas o grande interesse para o fim de avaliar da superioridade ou produtividade da pequena ou da grande exploração não está em comparar as produções unitárias da pequena produção minhota ou beiroa com as do latifúndio alentejano (como fazem defensores das excelências da pequena produção); o que verdadeiramente interessa para esse fim é comparar a pequena produção da Beira com a grande exploração da Beira, a pequena produção do Minho com a grande exploração do Minho, a pequena produção alentejana com a grande empresa alentejana e assim sucessivamente; e comparar também — e isto é um ponto capital — a produtividade do trabalho numas e noutras, ou seja, as horas de trabalho necessárias numas e noutras para a produção de cada unidade de determinado produto. Só desta forma as diferenças de produções unitárias terão, para o fim em vista, qualquer valia.

Infelizmente, se abundam os elementos gerais acerca das produções e rendimentos unitários por distritos e concelhos, escasseiam os estudos relativos à pequena e à grande produção neste ou naquele distrito, neste ou naquele concelho, tanto no referente às suas produções unitárias como no referente à produtividade do trabalho.

Alguns poucos estudos conhecidos, comparativos da grande e da pequena produção, parece não darem razão aos defensores da superioridade da segunda. A Federação Nacional dos Produtores de Trigo fez um «Inquérito ao custo da produção do trigo», abrangendo 200 concelhos do País onde a cultura do trigo tem alguma importância. Henrique de Barros publica, em primeira mão, alguns resultados desse inquérito(103). Repare-se nos seguintes exemplos respeitantes a um único concelho. Em terra limpa (diorito e mioceno): enquanto uma grande exploração (conta própria) obtinha 1050 quilos por hectare, uma pequena exploração (conta própria e arrendamento) apenas 850 quilos. Em cultura sob montado de azinho e olival (pórfiros): enquanto duas grandes explorações (conta própria e arrendamento) obtinham 600 quilos por hectare, uma pequena exploração (parceiro-cultivador) não ia além de 413 quilos e outra pequena exploração (parceiro-proprietário) de 137 quilos. Em terra limpa (xistos e granitos): enquanto quatro grandes explorações (duas por arrendamento e duas em conta própria) obtinham 725 e 650 quilos por hectare, uma pequena exploração (conta própria) não ia além dos 600 quilos. Ficam aqui em contraste os rendimentos unitários obtidos pela grande e pela pequena exploração em idênticas condições climáticas e de fertilidade natural do terreno. Nos casos apontados, o rendimento unitário é inferior nas pequenas explorações.

Não se pretende tirar deste caso isolado uma conclusão geral. Mas pode daqui concluir-se que o debate acerca dos rendimentos unitários na pequena e na grande exploração agrícola em Portugal está ainda muitíssimo longe de poder considerar-se encerrado. Neste domínio, os agrónomos têm diante de si um vastíssimo terreno para explorar.

Entretanto, seguindo especialistas estrangeiros, agrónomos portugueses arvoram o pretenso superior rendimento unitário da pequena exploração agrícola numa «lei» económica de completa precisão. Verdade, verdade, a «lei» tem sofrido algumas variações. Antes era assim formulada: «o rendimento bruto por hectare é tanto maior quanto menor for a exploração». Assim concebida, a «lei» revelou-se inexacta dados os frequentes desmentidos. E então, vendo-se embora como vantagens da pequena produção a «maior produção bruta por hectare» e o «aumento do rendimento líquido», retifica-se a «lei» para os seguintes termos: «Nas condições mesológicas onde é possível a pequena produção agrícola (sic) e em regime normal de cultura (re-sic), o rendimento líquido por hectare é tanto maior quanto menor for a área explorada.»(104) Esta nova formulação foi recebida de braços abertos por outros defensores da superioridade da pequena produção(105). E, na realidade, bem o merece, pois dá margem de segurança notável. Sempre que o rendimento por hectare da pequena exploração se apresente inferior ao da grande, sempre que o desenvolvimento do capitalismo dê à grande empresa maiores rendimentos unitários e «líquidos», pode atribuir-se às «condições mesológicas» desfavoráveis ou a um «regime anormal de cultura». Mas tal recurso só raramente será preciso. Como teremos ocasião de ver, a forma viciada do cálculo dos «rendimentos líquidos» em que se baseiam estas opiniões garante no papel a superioridade à pequena produção, estando esta em manifesta inferioridade na vida.

Para concluir estas reservas, deve ainda notar-se que as produções unitárias por si só (mesmo sem de momento se considerar a questão basilar da produtividade do trabalho) são insuficiente indicação da eficiência do método de cultivo. No Alentejo e Algarve há exemplos do aumento da produção bruta por hectare quando do estabelecimento de pequenas explorações em grandes propriedades. Mas também, com frequência, tal aumento tem como contrapartida o esgotamento do solo e as posteriores diminuições dos rendimentos unitários. Assim sucedeu, por exemplo, quando do parcelamento da Herdade da Torre. «Houve aumento da produção bruta por hectare, nomeadamente de trigo; mas o desaparecimento dos pousios e consequentemente do gado ovino e bovino reduziu a exploração agrícola à cultura cerealífera, diminuindo as possibilidades de reconstituição da fertilidade da terra pelo descanso ou pelas adubações orgânicas. Deste facto resulta diminuição progressiva da fertilidade do solo, obrigando a maiores despesas com adubações e mondas, sem, aliás, impedir a diminuição das produções unitárias e sobretudo a do rendimento líquido.»(106) É evidente que em tais casos, muito frequentes, o maior rendimento unitário da pequena exploração agrícola não pode ser levado à conta de uma vantagem desta.

Todas estas reservas não excluem, porém, que, numa série de produtos agrícolas, com frequência se alcancem na pequena produção altos rendimentos unitários. Mas, conforme a seguir se verá, tão-pouco isso pode significar uma «vantagem» da pequena exploração. Porque a questão não é tanto o produto que se obtém, como o que é necessário para o produzir.


Notas de rodapé:

(1) Marx, O Capital, 1. III, cap. LXVII, 5. (retornar ao texto)

(2) Inquérito à Freguesia de St.° Tirso, p. 239. (retornar ao texto)

(3) Inquérito à Habitação Rural, v. I, p. 237. (retornar ao texto)

(4) E. C. Caldas, Um problema de Determinação de Renda. (retornar ao texto)

(5) A. Lino Neto, A Indústria dos Lacticínios e a Questão
Agrária, pp. 10 e 37. (retornar ao texto)

(6) E. Castro Caldas no Inquérito à Habitação Rural, p. 206. (retornar ao texto)

(7) H. de Barros, Economia Agrária, v. I, p. 53. (retornar ao texto)

(8) Idem, ibidem, v. I, p. 382. (retornar ao texto)

(9) E. Castro Caldas no Inquérito à Habitação Rural, p. 206. (retornar ao texto)

(10) J. C. I., Plano Geral de Aproveitamento dos Baldios Reservados, 1941, v. II, p. 28. (retornar ao texto)

(11) Idem, ibidem, 1941, v. II, p. 55. (retornar ao texto)

(12) Idem, ibidem, 1941, v. II, p. 99. (retornar ao texto)

(13) Idem, ibidem, 1941, v. II, p. 120. (retornar ao texto)

(14) Idem, ibidem, 1941, v. II, p. 139. (retornar ao texto)

(15) Idem, ibidem, 1941, v. III, p. 19. (retornar ao texto)

(16) Idem, ibidem, 1941, v. III, p. 152. (retornar ao texto)

(17) Idem, ibidem, 1941, v. III, p. 19. (retornar ao texto)

(18) Idem, ibidem, 1941, v. II, p. 28. (retornar ao texto)

(19) H. de Barros, Economia Agrária, v. I, pp. 411-412. (retornar ao texto)

(20) Idem, ibidem, v. I, p. 411. (retornar ao texto)

(21) I. N. E., Inquérito às Explorações Agrícolas do Con- tinenter v. I. (retornar ao texto)

(22) J. C. I., Aguçadoura, p. 65. (retornar ao texto)

(23) Inquérito às Exportações Agrícolas do Continente. (retornar ao texto)

(24) Na base de elementos do Inquérito às Explorações Agrícolas. (retornar ao texto)

(25) J. C. I., Plano Geral de Aproveitamento dos Baldios Reservados, v. I, p. 30. (retornar ao texto)

(26) Idem, ibidem, v. II, p. 57. (retornar ao texto)

(27) Idem, ibidem, v. I, p. 30. (retornar ao texto)

(28) Parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1948, Diário das Sessões, supl. ao n.° 43 de 15 de Abril de 1950, p. 111. Id. Estudos de Economia Aplicada, O Problema Económico Nacional, p. 61. (retornar ao texto)

(29) Maria P. das Neves, Subsídios para o Estudo da Mão-de Obra na Orizicultura, p. 262 e segs. (retornar ao texto)

(30) Idem, ibidem, pp. 287 e seg. (retornar ao texto)

(31) Inquérito à Habitação Rural, v. I, p. 91. (retornar ao texto)

(32) Ibid., v. I, p. 91. (retornar ao texto)

(33) J. C. I., Relatórios de Revisão de Reserva. Anexon.°2, Reconhecimento dos Baldios do Continente, v. I, p. 78. (retornar ao texto)

(34) E. A. L. Basto, Alguns Aspectos Económicos da Agricultura em Portugal, p. 62. (retornar ao texto)

(35) Parecer da Câmara Corporativa, Diário das Sessões da 4 de Março de 1952, p. 387. (retornar ao texto)

(36) Apresentado por G. Sá Carneiro, Diário de Noticias de 29 de Abril de 1951. (retornar ao texto)

(37) Diário das Sessões de 4 de Março de 1952, pp. 394 e 397. (retornar ao texto)

(38) Decreto n.° 5705, de 10 de Maio de 1919. (retornar ao texto)

(39) Diário das Sessões, cit., p. 394. (retornar ao texto)

(40) E. A. Lima Basto, Inquérito Económico Agrícola, v. IV, p. 112. (retornar ao texto)

(41) J. Rebelo Vaz Pinto, A Colonização do Pliocénico, Campo Aberto à Iniciativa Particular, in J. C. I., Problemas de Colonização, v. I, pp. 73, 77 e 78. (retornar ao texto)

(42) E. A. Lima Basto, Inquérito Económico Agrícola, v. IV, p. 112. (retornar ao texto)

(43) Boletim do Ministério da Agricultura, Julho de 1931. (retornar ao texto)

(44) Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente. (retornar ao texto)

(45) Boletim do Ministério da Agricultura. (retornar ao texto)

(46) Censo de 1940. (retornar ao texto)

(47) Estatística Agrícola, 1949. (retornar ao texto)

(48) Ibid., 1949. (retornar ao texto)

(49) Ibid., 1954. (retornar ao texto)

(50) J. C. da Mota Furtado, Boletim do Ministério da Agricultura, Julho de 1932, pp. 453-454. (retornar ao texto)

(51) J. C. I. Reconhecimento dos Baldios do Continente, v. I, p. 22. (retornar ao texto)

(52) E. A. L. Basto, Inquérito Económico Agrícola, v. IV, p. 422. (retornar ao texto)

(53) Inquérito à Freguesia de Sto. Tirso, pp. 52, 53, 54, 57, 58, 60, 61. (retornar ao texto)

(54) Anuário Estatístico, 1928. (retornar ao texto)

(55) Ibid., 1949. (retornar ao texto)

(56) F. A. de Almeida Figueiredo, Questões Agrícolas e Agronómicas, pp. 106, 107, 185. (retornar ao texto)

(57) Estatística da Educação, 1946-1947. (retornar ao texto)

(58) Parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1949, Diário das Sessões, 2° supl. ao n.° 99 de 19 de Abril de 1951, pp. 86-87. (retornar ao texto)

(59) Parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1946, p. 56. (retornar ao texto)

(60) Elísio Pimenta na Assembleia Nacional, Diário das Sessões de 23 de Janeiro de 1952, p. 247. (retornar ao texto)

(61) Lénine, As Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo, II. (retornar ao texto)

(62) E. C. Caldas, Formas de Exploração, p. 215. (retornar ao texto)

(63) E. A. Lima Basto, Industrialização da Actividade Agrícola. (retornar ao texto)

(64) Vieira Natividade, «Associações Agrícolas», Boletim do Ministério da Agricultura, Janeiro de 1932. (retornar ao texto)

(65) Calculado na base de elementos do Anuário Estatístico das Contribuições e Impostos. (retornar ao texto)

(66) Vitória Pires e Paiva Caldeira, Inquérito à Freguesia de Sto. Ildefonso, p. 72. (retornar ao texto)

(67) Inquérito à Freguesia de Cuba, pp. 143, 190, 196 e outras. (retornar ao texto)

(68) Manuel D. Basto na Assembleia Nacional, Diário das Sessões de 13 de Março de 1952, p. 495. (retornar ao texto)

(69) Economia Agrária, v. I, p. 396. (retornar ao texto)

(70) Parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1948, p. 48. (retornar ao texto)

(71) Na base de elementos do Parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1940, Ed. da A. Nacional, pp. 53-54. (retornar ao texto)

(72) Estatísticas Financeiras, 1949. (retornar ao texto)

(73) Inquérito à Freguesia de Sto. Tirso, p. 99. (retornar ao texto)

(74) Relatório que precede o Arrolamento Geral de 1940. O cálculo de peso vivo foi feito adoptando as seguintes médias por cabeça: bovinos 298 quilogramas; cavalares 267; muares 264; asininos 136; suínos 75; ovinos 27 e caprinos 25. (retornar ao texto)

(75) Calculado segundo o critério do Arrolamento Geral de 1940: 1 bovino = 1 muar = 1 equino = 2 asininos = 4 suínos = ovinos ou caprinos. (retornar ao texto)

(76) Arrolamento Geral de Gado. (retornar ao texto)

(77) Armário Estatístico das Contribuições e Impostos. (retornar ao texto)

(78) Inquérito Económico Agrícola, v. IV, p. 392. (retornar ao texto)

(79) Estatística Agrícola. (retornar ao texto)

(80) Números absolutos do Arrolamento Geral de Gado de 1940. O Arrolamento não discrimina os animais de trabalho. (retornar ao texto)

(81) Números calculados na base de elementos do Arrolamento Geral de Gado de 1940, bovinos de trabalho e ceva de mais de 18 meses. (retornar ao texto)

(82) Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente. (retornar ao texto)

(83) Relatório que precede o Arrolamento Geral de Gado de 1934, p. 13. (retornar ao texto)

(84) Idem. (retornar ao texto)

(85) Calculada na base de elementos do Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente. As áreas das explorações dizem respeito à cultura arvense. (retornar ao texto)

(86) Calculada na base de elementos do Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente do I. N. E. As áreas dizem respeito à cultura arvense. Não se tomaram em conta os casos em que o número de cabeças de um grupo de explorações é inferior a 50. (retornar ao texto)

(87) Sugestão de um Sindicato Agrícola do Distrito da Guarda, cit. por Miranda do Vale, Inquérito ao Abastecimento de Carne Bovina, p. 44. (retornar ao texto)

(88) Malthus, An Essay on Population, I, X. (retornar ao texto)

(89) Lénine, A Questão Agrária e os «Críticos» de Marx, VIII. (retornar ao texto)

(90) Miranda do Vale, lug. cit., p. 80. (retornar ao texto)

(91) Idem, ibidem. (retornar ao texto)

(92) D. A. Tavares da Silva, Bases da Produção Económicu de Laticínios, Crítica da Orientação Tecnológica Nacional, 1933, p. 9. (retornar ao texto)

(93) Calculado na base de elementos da Estatística Agrícola de 1944. (retornar ao texto)

(94) Calculado na base de elementos da Estatística Agrícola de 1946. (retornar ao texto)

(95) E. Castro Caldas, no Inquérito à Habitação Rural, v. I, p. 208. (retornar ao texto)

(96) Inquérito à Freguesia de Sto. Tirso, fig. 36. (retornar ao texto)

(97) Ibid., fig. 28. (retornar ao texto)

(98) Lima Basto, no Inquérito à Habitação Rural, p. 9. (retornar ao texto)

(99) Inquérito à Habitação Rural, v. I, p. 271. (retornar ao texto)

(100) Estatística Agrícola. (retornar ao texto)

(101) Anuário Estatístico, 1940. (retornar ao texto)

(102) Anuário Estatístico, 1941. Estatística Agrícola, 1949. (retornar ao texto)

(103) Economia Agrária, v. II, pp. 158 e segs. (retornar ao texto)

(104) Mário Pereira, A Empresa Agrícola Familiar no Pliocénico ao sul do Tejo, in J. C. I., Problemas de Colonização, v. I, pp. 61-62. (retornar ao texto)

(105) E. Castro Caldas, Formas de Exploração, p. 174. Henrique de Barros, Economia Agrária, v. II, p. 392. (retornar ao texto)

(106) J. Vaz Pinto, Parcelamento da Herdade da Torre. (retornar ao texto)

Inclusão 01/03/2013