O surgimento do Partido Comunista Revolucionário
Uma classe só pode conseguir um Partido Revolucionário quando seu desenvolvimento e amadurecimento chegam ao ponto de possuir dirigentes com experiência, dotados da qualidade de criar e elaborar uma teoria condizente com a realidade e capaz de conduzi-lo até seus objetivos serem alcançados.
Seu aparecimento no cenário político depende das condições econômico-sociais que geram a superestrutura propícia ao seu surgimento como organização partidária consequente.
Assim, a classe operária, desde muito tempo, tem sua vanguarda, mas, como não poderia deixar de ser, em nosso país seus valores integrantes e seus programas foram até o presente constituídos de princípios estratégicos e táticos errôneos e que, na prática, se tomaram contrários aos ideais do proletariado. Isso era fruto de sua falta de experiência e de seu peso numérico diminuto em relação às demais classes. Toda estrutura econômica do Brasil não permitia à pequena classe operária criar um Partido realmente seu. A medida que a penetração do imperialismo ia crescendo através do desenvolvimento capitalista, os operários ganharam maior experiência e seu movimento foi dotado de criar elementos capazes de se constituírem em elite defensora dos seus reais interesses.
A partir daí, ocorreu que, após vários anos de capengarem na defesa de programas reformistas, a classe operária engendraria sua vanguarda revolucionária capacitada para elaborar e definir, com justeza e clareza, seus verdadeiros objetivos.
O surgimento do PCR só poderia ser resultado de todo o período de lutas e sacrifícios que o proletariado desenvolveu durante os seus 67 anos de existência, como classe atuante. E a Carta de 12 Pontos aos Comunistas Revolucionários teria necessariamente que ser oriunda do acúmulo de experiências conseguidas através dos anos de movimentação constante, desencadeadas no dia a dia, pela obtenção do mínimo de organização em defesa de seus princípios.
Durante o movimento de massas ocorrido no período de 1950 a 1964, aclarava-se cada vez mais o movimento operário e o monolitismo tradicional do Partido ia se tomando impossível, pois certos elementos egressos das discórdias surgidas diante da política capitulacionista do Partido partiram para a organização das massas assalariadas do campo e obtiveram pleno êxito no trabalho de agitação. Acordando-as do sono em que estavam mergulhadas. A Revolução Cubana vitoriosa no “quintal do imperialismo” veio lançar a última pá de terra sobre a concepção de que só podiam fazer a revolução os Partidos Comunistas tradicionais.
O fracasso desse grupo heterogêneo de organizadores do campo, as Ligas Camponesas, em virtude de não possuírem um programa definido de ação e ficarem simplesmente na agitação pela agitação, proporcionou a diversos elementos verificarem a inconsequência, a propagação de ideias confusas e contraditórias, além da crescente onda de oportunismo existente no movimento comunista e que se confirmou quando do golpe de abril de 1964.
Após este fato, algumas pessoas que ainda se passavam por revolucionárias começaram a mostrar a sua verdadeira face.
Surgia, para a constatação dessas qualidades das direções do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e de seus programas, a desagregação por completo do movimento revolucionário; grupos e subgrupos que se digladiavam entre si, apareceram e, todos eles, como “vinhos da mesma pipa” não afirmavam uma linha política, com tática e estratégia revolucionária, nem retomavam uma posição capaz de construir a coesão da direção, pois suas ideias e seus esquemas estavam poluídos dos mesmos erros do passado e as divergências realmente políticas possuíam caráter secundário.
Deste combate ideológico e orgânico nasceu o PCR, como o que de melhor havia no movimento operário do país.
Foi, então, elaborado um documento, definido e concreto, sobre os problemas capitais para a tomada do poder, a Carta de 12 Pontos aos Comunistas Revolucionários, que não se destinava às discussões acadêmicas, mas, sim, para servir de orientação a um intenso trabalho prático, pois só com o mesmo poderíamos nos afirmar como organização proletária e revolucionária.
Balanço crítico sobre as atividades no campo e na cidade
Desde o início do trabalho o núcleo centralizador e organizador do Partido, preocupou-se com a constituição, no campo, de uma forte e marcante presença partidária entre as massas camponesas. Esta disposição era e é fruto de nossa construção, já exprimida na Carta de 12 Pontos e em discussão com companheiros nossos e elementos de outras organizações de que a contradição entre o imperialismo e o povo brasileiro, a principal de nossa sociedade, manifesta-se de maneira mais acentuada e podemos afirmar que mais explosiva nas áreas camponesas. Por outro lado, como também dizemos que a forma principal de luta é a luta armada e que esta deverá se desenvolver plenamente onde a contradição principal mostra-se mais aguçada, teremos necessariamente que nos embrenhar na organização deum movimento camponês sobre nossa orientação e direção, pois os homens que habitam nessa área e constituem no elemento humano que formará o grosso das guerrilhas, método inicial pelo qual se veste a nossa luta armada. Daí nosso entusiasmo e afinco de ir para o campo.
Verificamos então que a situação após o golpe havia mudado totalmente. Na época de Arraes todo mundo era revolucionário e quem falasse mais alto e mais “radical” obtinha por pouco tempo a massa de camponeses atordoados pela satisfação em extravasar seu espírito de rebeldia conseguido através da exploração e opressão em que havia vivido até aquela época. Soubemos verificar praticamente o conceito de que quando a revolução está em ascenso todos são revolucionários e que difícil é manter-se revolucionário quando aquela está em descenso.
A primeira batalha que enfrentamos foi a da descoberta dos antigos companheiros militantes do movimento a fim de conhecermos o pensamento de cada um deles sobre a situação atual. À medida que a procura ia se desenvolvendo tomávamos contato com a realidade. Esta apresentava-se radicalmente diferente da que existia no governo de Arraes. Os sindicatos com a intervenção dos padres Nelo e Crespo e dirigidos por seus “sacristãos”, os camponeses pelegos, vendidos aos latifundiários que faziam e fazem o trabalho para a polícia; isso tolhia qualquer iniciativa dentro dos organismos de massa do movimento camponês. Os camponeses amedrontados com o terror desencadeado pelo golpe e executado pelos policiais, pelo exército e pelos capangas dos latifundiários, não reagiam a nada; sem uma direção revolucionária consequente a massa não podia reagir. Nós não havíamos sido, havíamos corrido e não tínhamos nos preparados para o pior. Absorvidos no trabalho legal descuidamo-nos da constituição de um dispositivo mínimo de reagir a qualquer avanço do inimigo ou pelo menos nos manter na região. No entanto, é preciso esclarecer que nessa época estávamos sob a hegemonia do PCdoB. A penetração de agentes inimigos era muito maior e realizava desde as formas mais sutis até mais descaradas através da introdução nos sindicatos de advogados e “professores” cuja função primordial era de informar as autoridades golpistas a situação e movimentação no campo.
O elemento humano, que nos foi sendo apresentado por nossos antigos companheiros que se tinham ligado a nós, possuía ilusão de todos os tipos, desde a reforma agrária na zona canavieira até as “penadas” em favor do exército. Tudo tínhamos contra nós: a massa inculta, medrosa, vacilante e facilmente envolvida pelos seus próprios inimigos, porém nem tudo era negativo. A nosso favor, consolidava-se a situação concreta revolucionária, pois desde o golpe de abril a situação dos camponeses piorava assustadoramente, o que provocava um saudosismo aos tempos de Arraes. Confiavam em nós dentro de certos limites e manifestavam-se a favor de uma guerra contra os latifundiários e seu aparelho repressor. Isto é o que está ao nível de seu raciocínio: o inimigo próximo é o que eles consideravam seu inimigo, por isso possuem ilusão no exército. Não sabem que fatalmente o segundo virá em favor do primeiro, pois é o seu sustentáculo.
Assim apresentava-se a nós o movimento camponês. Passamos a agir com dificuldades iniciais no trabalho aliciador em virtude de as nossas pessoas não se integrarem com o meio ambiente, facilmente nos destacávamos. Partimos então para a constituição de uma direção camponesa que instruída e dirigida por nós fizesse o trabalho executado por nós anteriormente, ou seja: explicar às massas o que foi o golpe, mostrar suas consequências para os camponeses, operários e estudantes, desenvolver o nível político delas através da execução prática de um programa mínimo de atuação de nossos quadros no dia a dia, criar pequenos núcleos ou bases de apoio para o Partido nos engenhos, utilizar-se do trabalho assistencial, tais como, distribuição de remédios e roupas etc., a fim de comunicar-se e ganhar a confiança dos camponeses, abrir as perspectivas para através de uma luta por suas reivindicações econômicas passar ao desencadeamento da luta armada e inocular essa tarefa na cabeça das massas, ou seja: a necessidade da guerra como única forma capaz de acabar com os seus sofrimentos.
Na consolidação desta direção obtivemos as maiores experiências com o movimento camponês. Nossa política com os quadros, nossa convivência mais íntima com os elementos partidários, ganhou, enriqueceu-se e nos capacitou na difícil tarefa de lidar com os camponeses e seus defeitos. A “massa pura” começou a destilar seus quadros impuros ante os nossos olhos de analistas, até certo ponto incrédulo com o que víamos.
Nossos quadros experimentais traziam desvios de: fanfarronadas, covardias, traição, mentira, falta de confiança, inimizade.
Ao iniciarmos a transposição de alguns camponeses que constituíam a direção para uma área mais importante, travamos dura batalha no convencimento para a transferência e em uma série de medidas de segurança que deveríamos tomar afim de resguardar nosso trabalho na área nova. Em primeiro lugar, nossos elementos não queriam se mudar, alegando problemas familiares, a “terrinha” plantada que seria abandonada etc. Depois alguns concordaram; constatamos após longa discussão que a mudança de ideias era proveniente de conveniências, motivos pessoais fúteis. Outros não faziam o trabalho junto às massas e nos davam relatórios fantasmas, manifestavam que só estavam conosco por enquanto e a guerra nós que a fizéssemos.
Assim, percebemos e fomos aclarando nossa visão sobre o campo. Para surpresa nossa e esgotamento da paciência, a direção camponesa passou a ser autossuficiente e a se contrapor a nós como se ela fosse independente.
Mesmo assim vamos nos firmando e reconhecendo o valor coletivo das massas camponesas e, dentro de certos limites, alguns valores individuais aparecem. Adotamos, entretanto, uma resolução de importar quadros para trabalhar no meio camponês, capacitados francamente e que dominem nossa linha política e nosso programa mínimo para o campo, pois as massas camponesas tem que ser dirigidas. Seu peso e seu potencial revolucionário propulsionarão a guerra da mesma forma que os combustíveis impulsionam as máquinas. Teremos, pois, que construir a máquina e explorar o manancial de combustível encontrado na região.
Aprendendo a caminhar por entre empecilhos e dificuldades, nosso trabalho cresceu e começamos a aparecer em toda a região norte através de atuação do movimento de massas: greves e reuniões, estas em alguns engenhos se realizaram com a presença de até quinze camponeses, foram sendo desencadeadas. Nossas bases de apoio firmavam-se, chegávamos a passar dez ou mais dias com vida exclusivamente no campo, isso basta para demonstrar o que já possuíamos, levando em conta a disparidade entre nós e os camponeses e a condição de ilegalidade a que estamos submetidos.
Durante esse período, cometemos erros de segurança que não se constituíram nos determinantes, mas contribuíram para que o inimigo se alertasse contra nós. Porém, o que levou a nossa descoberta foi a movimentação das massas por suas reivindicações econômicas e as pequenas, mas encorajadas, vitórias obtidas pelos camponeses. Cada ação desenvolvida nos engenhos, nossas palavras confirmavam-se e isso concorreria para que o camponês passasse a acreditar no que dizíamos e a confiar no seu poderio de classe numerosa, a temer menos os latifundiários. Alertaram-se com isso os donos de terras, passaram a raciocinar em termos de que os comunistas estavam no campo atuando.
Fomos descobertos então por um agente do inimigo, um plantador de cana atualmente investigador de polícia, que montou guarda vários dias para nos agarrar. Com as bases já possuídas e a falta de conhecimento do latifundiário acerca do nosso trabalho, conseguimos escapar ilesos e adotamos a decisão de eliminarmos o policial plantador logo que pudéssemos, por ser tradicional inimigo dos camponeses e por não podermos mais aparecer ante as massas caso não façamos nada. Perdemos toda condição de ilegalidade que possuíamos nessa região e só poderemos voltar a atuar nela armados.
Aqui cabe a nós uma autocrítica. Durante todo o período em que trabalhamos com as massas camponesas, sempre às alertamos para a necessidade do enfrentarmos o inimigo todas as vezes que esse aparecesse, que não deveríamos recuar por temor aos “cortes” nos engenhos, nem ameaças pessoais que são feitas à medida que o trabalho das massas fosse ganhando maior intensidade e aparecendo. Nosso propósito era retirar o medo dos camponeses e fazê-los crer que para a salvação, a única saída é a constituição de uma luta armada e de uma oposição em pé de igualdade aos nossos inimigos: latifundiários, polícia e o exército. Ressaltávamos os sacrifícios necessários para chegarmos a uma situação satisfatória e capacitada de golpear o inimigo com as mesmas armas com que somos golpeados. Paralelamente por amontoamento do trabalho, falta de recursos materiais, falta de quadros, melhor entrosamento orgânico-partidário, deficiências inevitáveis à toda organização que inicia criar corpo, não nos preparamos para enfrentar o inimigo. Recuamos no momento preciso, deixamos nossas bases desprotegidas e voltamos as costas às palavras dadas e proferidas nas reuniões. Não aplicamos nossa teoria à prática, nossa propaganda armada não funcionou na hora precisa. Em virtude desse fato, nos deslocamos à outra região, avançamos no trabalho que se caracteriza pelos matizes já explicados, embora alguns outros possam ser encontrados.
Assim se processa nosso movimento no campo. Se, por um lado, tivemos insucesso, os êxitos saltam aos olhos. Temos uma visão real do campo, as possibilidades concretas da situação econômica nos proporcionam amplo campo de ação no qual a colheita vislumbra-se promissora: os camponeses reagem esporadicamente aos latifundiários, estes, cada dia, observam seus momentos contados premidos pela situação financeira em que se encontram e pela perspectiva de explodir organizadamente o ódio dos camponeses contra eles.
Apesar de todas as dificuldades mantivemos nossa segurança: somos entusiasmados porque agora constatamos que nosso programa para o campo corresponde à realidade, bastaria só isso para não desanimar, pois o Partido que possui um programa que se coaduna com a realidade tem 70% para vencer.
Nossos insucessos têm como causa o nosso pequeno tempo de existência. Somos ainda uma pequena organização com todas as dificuldades acumuladas nas costas de um pequeno número de militantes e só encontrarmos uma forma, única, de não cometermos erros e não termos derrotas: é cada um esperar sentado a queda do capitalismo, isso, porém, acarretará no seu contrário, não obteremos nenhum acerto, a vitória dessa forma não nos pertencerá.
Se com relação ao movimento camponês nós partimos céleres, com o movimento revolucionário de cidades, setor estudantil e setor operário não nos descuidamos e começamos a trabalhar com afinco para criar uma organização revolucionária capaz de colocar o movimento estudantil e operário no seu devido lugar, longe das vacilações existentes desde a legalidade.
Nosso primeiro contato com os estudantes nos revelou incoerências tremendas no que diz respeito à política de massas adotada por duas organizações dominantes no setor estudantil: revisionistas e apistas.
Estes, uma organização constituída simplesmente por pequeno-burgueses e burgueses, exígua e diminuta, atuando somente no setor estudantil, depois do golpe apresentaram-se com ares de “organização partidária” que dotava o marxismo-leninismo e se propugnava a fazer uma revolução socialista no Brasil, enfim, “seguir o caminho da revolução guatemalteca” como afirmava um de seus membros dirigentes. Logo as percebeu que por seu caráter de classe, sua estrutura liberal estava fadada a ser minada e isto para os agentes do imperialismo no movimento de esquerda, os trotskistas, é mais do que campo fértil para boa semente. Adotando a sua velha tática, o “entrismo”, pois como afirmava um deles: “a revolução proletária mundial está eminente, nós os trotskistas não podemos perder tempo em formar partido; temos que fortalecer ideologicamente os existentes com nossa penetração”, aproveitaram-se e dominaram a Ação Popular (AP) valendo-se de sua débil atuação orgânica.
Os resultados para o movimento estudantil teriam que ser desastrosos; as organizações estudantis dominadas pelos apistas partiam ao “esquerdismo” esquema de transformar os organismos de massa em partidos políticos que deveriam formar milícias estudantis e que estes se constituíam na massa fundamental para a revolução. Em resumo, era a iniciação da transformação da União Nacional dos Estudantes (UNE) em partido político nacional coordenador de seus diretórios regionais e estaduais através dos diretórios estudantis. Essa forma de organizar partido tem como base a própria formação apista, pois possuidora da influência somente no movimento estudantil não avançou além disso nem um passo. No afã de a todo custo de transformá-la em organização política, encontraram como saída milagrosa para sua situação vexatória a transformação política dos organismos de massa onde cada um deles se constituíssem em base partidária.
Suas palavras amorfas e incondizentes com as do movimento estudantil acarretaram a paralisação do seu trabalho e a perda paulatinamente do que conquistaram logo após o golpe de abril. A todos ficou claro que o fenômeno AP só poderia acontecer em virtude da existência do direitismo e capitulacionismo dos elementos militantes do PCB. Por isso, os apistas estão fadados a desaparecerem como organização política que nunca foram e praticamente perderam sua influência no movimento estudantil.
No oposto, estavam como ainda estão, os revisionistas. Sua política para o movimento estudantil nada mais era do que o prolongamento de sua política partidária. Isto é, não se deve passar das liberdades relaxadas pela ditadura, pois caso contrário, iremos presos. Partindo deste absurdo esquema simplista e reacionário desde a origem de sua formulação, obtiveram, esses traidores, dois resultados: total submissão do movimento à ditadura, pois seus quadros ficaram atados a uma linha de massas elástica que cada vez mais cedia terreno aos algozes e carrascos ditatoriais; o segundo resultado era um tiro pela culatra, os revisionistas não conseguiriam escapar às prisões.
Essa política provocou entre os militantes do PCB confusão, pois quanto mais ficavam a reboque e capitulavam, mais viam seus quadros presos e a inoperância de suas atitudes. O esfacelamento orgânico também foi fatal, os militantes em sua maioria acomodaram-se enquanto outros desligavam-se da organização tornando-se baratas tontas que vagueiam para onde leva a onda.
Nada mais podemos acrescentar a não ser que os organismos estudantis perderam sua combatividade, passaram a colaborar com as diretorias escolares, isolando-se do contato com as massas.
Surgiu a necessidade de afirmarmos nossa posição revolucionária para a condução do trabalho do Partido no setor estudantil; uma linha política norteadora dos nossos quadros e que obtivessem, ao ser defendida, apoio incondicional por parte dos estudantes. Esta foi elaborada e partiu do princípio de que a reivindicação dos estudantes não é elemento propulsionador de aglutinador do movimento contra a ditadura, quando levadas às suas últimas consequências. Revelamos aos nossos camaradas a importância da nova posição assumida e que esta não se constituía em uma conciliação ou união das duas anteriormente descritas; observamos e explicamos o porquê de partir de reivindicações sentidas dos estudantes e seu caráter revolucionário quando bem conduzidas. Alertamos os camaradas para que se conduzíssemos a luta contra a ditadura no movimento estudantil obteríamos vitórias na construção do Partido, no recrutamento de quadros e no aguçamento da luta de classe nas cidades. Explicávamos, ainda, o caráter do papel desempenhado pelos estudantes na revolução brasileira se destacávamos até onde vai a importância e seu valor no conjunto para o desenvolvimento da guerra popular.
Nossa plataforma surtiu o efeito desejado, nossos quadros começaram a se movimentar e a despertar pessoas das massas para a nossa posição. Começamos a nos diferenciar, a mostrar aos estudantes a existência de algo novo, de uma posição nova.
Crescemos e nos desenvolvemos, em alguns lugares mais, em outros menos. Isso não quer dizer que estejamos satisfeitos e tenhamos alcançado o que queremos. Não! Estamos ainda rastejantes em uma cidade como Recife, embora nossa posição seja importante, não é dominante. Ao sul do Recife, demos poucos passos e agora é que estamos ganhando simpatia e aparecendo como força política diante das massas, dominando alguns jornais e podendo sair para a conquista de algum cargo dentro dos diretórios. Observando o trabalho ao norte do Recife, dominamos por completo o movimento estudantil, quase todos os diretórios estão em nossas mãos. Apresenta-se com altos e baixos nosso trabalho entre os estudantes, obtivemos vitórias em todos os locais onde atuamos, somente onde houve disputa sem nossa presença as demais forças de esquerda conseguiram nos ultrapassar.
O resultado advindo da não operosidade de alguns companheiros acarretou o fenômeno de que só em algumas faculdades do Recife e sul do Recife possuímos elementos; outra falha apresentada é a que caracteriza por um intenso movimento de massas e falta de recrutamento e estrutura partidária. Temos, pois, a necessidade urgente de pelo menos ganhar um elemento em cada faculdade, ou nas mais importantes, a fim de que possamos aumentar o nosso trabalho e saímos da fase de organização atuante para a de dominante. Todo emprego de nossa política não pode ser estendido sem possuirmos um elemento internamente atuando nas faculdades; nossa influência do exterior é incapaz de provocar apoio maciço dos estudantes de uma escola para o Partido e sua política é impossível despertar uma classe ou camada sem viver seus problemas e atuar junto aos seus componentes. Daí haver necessidade de ganhar novos camaradas, não só nas faculdades dominadas, mas também nas não conquistadas.
Nossas debilidades partidárias no trabalho com os estudantes residiram na incompreensão de nossa linha política para o movimento estudantil. Graças à pronta intervenção do Partido, ela foi contornada. A aplicação comprovada durante todo o trabalho e os sucessos obtidos quando de sua aplicação, tornou-a capaz de orientar os companheiros sem haver mais nenhuma vacilação.
No movimento operário reside nosso grande problema. Até agora, por falta de um companheiro capaz de ficar exclusivamente trabalhando nesse setor e devido à repressão desencadeada durante o golpe contra a classe operária, não penetramos em uma só fábrica. Todo trabalho feito tem sido fruto de um companheiro do movimento estudantil que se esforça para assistir um grupo de base do setor têxtil. Pouco rendimento foi alcançado em virtude dos passos de tartaruga para organizá-los e desenvolvê-los.
Todo o desenrolar descrito de nosso trabalho sintetizou os acertos e erros cometidos quer na cidade quer nos campos. Algumas palavras sobre a organização merecem a atenção e a meditação dos camaradas a fim de aprimorar a maneira de como organizar e desenvolver o trabalho do Partido.
Nas cidades, a estruturação de organismos partidários reúne algumas facilidades que não são encontradas no campo. Isso tem sua causa na falta de cultura existente entre as massas camponesas e seu baixo nível de compreensão sobre problemas que exigem maior raciocínio e ultrapassem os limites de sua vida de trabalho; seu modo de produção ainda bastante anárquico, pois baseia-se na produção e não na diária, obriga-os a serem indisciplinados, liberais e de uma curiosidade capaz de ferir a segurança que o nosso trabalho exige; a falta de concatenação e amontoamento de ideias é outra dificuldade encontrada entre a maioria dos quadros camponeses. Aliado a isso, o analfabetismo peculiar a essa zona não permite o avanço e a maior clareza dos camponeses para uma visão de conjunto das tarefas do Partido. Podemos afirmar mesmo que no campo não há uma consciência firmada dos elementos e que os norteie contra os inimigos, somente apreensão econômica acarreta a vontade de luta.
Atentamente observando as questões acima expostas, verificamos que nas cidades podemos realmente possuir um Partido. Embora este não possua um arcabouço clássico, poderíamos esquematizar uma organização levando em conta o tipo adequado às necessidades e tarefas do Partido, a situação de ilegalidade e concentração policial na área em que atuamos. A teoria de que não se pode fazer a guerra e construir Partido onde o inimigo é forte está superada, pois se ele se especializa, nós devemos fazer o mesmo.
Em virtude dessa facilidade e melhor compreensão, metodização e consciência encontradas nas cidades, poderemos constituir nas mesmas direções por setores capazes de construir Partido sem que sejam destruídas caso o inimigo consiga descobrir-nos. Paralelamente poderão as direções setoriais estar ligadas ao núcleo central a fim de nortearem seus trabalhos partidários de acordo com a tarefa principal do Partido, a guerra popular.
No campo isso não pode acontecer como foi provado nesse tempo de trabalho executado. A constituição de uma direção camponesa resultou em fracasso devido aos fatos observados e já expostos. Os quadros dirigentes do movimento camponês não aparecerão enquanto não surgir a luta armada e eles passarem a crer e a confiar no Partido dirigente da guerra. Mesmo assim descobrimos o caminho na atualidade para penetrar no campo e despertar os camponeses. Em primeiro lugar não nos interessa que os camponeses na fase atual nos conheçam como Partido Comunista; em segundo lugar o fundamental é acordar as massas do campo para os seus problemas vitais, para o seu convencimento, em poder resolvê-los e encontrar a melhor forma de solucioná-los. Assim o Partido elaborou uma maneira de entrar em contato com eles sem despertar a ira de seus algozes, os latifundiários. Este trabalho, executado por elementos ligados a nós, reveste-se de três etapas: conhecimento do terreno e situação dos camponeses, ganhar sua confiança pessoal através do exemplo prático na produção e na solidariedade prestada a eles, recrutamento para as nossas posições dos melhores elementos nos melhores engenhos das usinas importantes. Após estas três etapas serem ultrapassadas, poderemos comprovar a solidez de nossa base de apoio com o início dos movimentos por reivindicações econômicas mobilizadoras de amplas massas e que mostrarão o potencial revolucionário dos camponeses.
Devemos, no entanto, estar preparados a fim de não sermos colhidos de surpresa caso o inimigo nos descubra na fase de construção das bases de apoio no campo e, também, para começarmos a golpear o inimigo quando do início da movimentação das massas, a fim de capitalizar para nós os elementos mais decididos do campesinato, capacitando o grupo, núcleo central do Partido que se utiliza da repressão aos inimigos do povo, transformar-se em núcleo guerrilheiro atuante.
Têm os camaradas uma apreciação sintética de como se desenrola e funciona o trabalho do Partido, expressar sua aprovação ou enriquecê-la através de uma crítica objetiva é dever de todo militante. Assim trabalha, desenvolve-se e caminha um Partido revolucionário.
Travar a luta ideológica contra as manifestações e penetração de ideias estranhas à ideologia do proletariado e ao nosso partido como vanguarda desta classe
É necessário que cada membro do Partido tenha em mente, agora, na fase em que estamos nos firmando, que o combate ideológico se reveste da máxima importância a fim de que a organização, no seu nascedouro, não se encha de “vícios passáveis”, falhas essas que futuramente poderão vir à tona com maior virulência. É preciso cortar logo o mal pela raiz, antes que ele se desenvolva e tome conta do belo arbusto nascente.
A burguesia como classe dominante não utiliza somente contra o proletariado e seu Partido os “cantos de sereia” da corrupção econômica e financeira. Do modo como explora a classe operária nas fábricas e nos campos, tenta também corromper através de promessas de um nível de vida ideal, os quadros valorosos do proletariado, dopando com uma propaganda sistemática e minuciosa os comunistas. A batalha contra esta segunda frente, a frente ideológica, tem que ser executada radicalmente, pois estamos envolvidos pelo mundo burguês circundante.
A mais nefasta manifestação de penetração burguesa em nossa organização é a que entrega e desarma o proletariado em sua luta contra a burguesia. Ela é resultado da campanha pseudo-anti-imperialista que se desencadeou no mundo em virtude de a contradição principal da sociedade contemporânea ser aquela cujos componentes contrários são o imperialismo e os povos. A firmeza desta constatação levou os Partidos Comunistas perderem de vista outra contradição, a contradição fundamental de nossa sociedade entre a burguesia e proletariado. Daí a falta de objetividade dos programas “comunistas” no que se refere à tomada do poder e a consequente entrega de sua realização à burguesia, deixando como incumbência aos operários a simples participação secundária na revolução democrático-nacional e sua hegemonia com os burgueses.
O PCB é um dos apologistas dessa política e um férreo inimigo da classe operária, pois levam ilusão aos nossos quadros. Por isso, somos obrigados a conduzir a política revolucionária dos comunistas em manter-se sempre em alerta contra as influências capitulacionistas e reformistas, mascaradas com inteligência e sutileza, proveniente dessa organização e difundidas nas massas por seus militantes. As demais organizações de esquerda e que defendem opiniões estranhas ao proletariado, embora também perigosas, não constituem na atualidade perigo iminente contra nosso Partido. As ideias esquerdistas poucas vezes têm constituído obstáculo à nossa pureza ideológica. Embora não devamos perdê-las de vista, nosso centro de ataque é o reformismo e o revisionismo, porque têm seu suporte ideológico retirado de conceitos históricos “inovados”, firmados pelos traidores do movimento obreiro e são apoiados ostensivamente pela burguesia; constituem-se, os revisionistas, em seus lacaios mais operosos na tarefa de desvirtuar os caminhos dos verdadeiros comunistas e causar confusão no seio das massas. Nosso combate a esses grupos de traidores não pode ser realizado palidamente.
Esta forma de adulteração do pensamento operário através dos partidos revisionistas e “esquerdistas”, embora perigosa, é fácil combatê-la e isolá-la, pois estamos alertados contra ela depois do 20º Congresso do PCUS e da desmoralizante situação a que esses partidos levaram o movimento comunista.
Entretanto, difícil é o combate às sutis influências a que são submetidos os comunistas pelo meio circundante, a sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção e que cria todo um emaranhado de armadilhas semelhantes aos tentáculos de um polvo para envolver e derrotar a consciência operária. Nosso Partido deve, frente a esse problema, se converter numa escola do pensamento proletário. Devemos batalhar contra todas as formas de vacilações caracterizadas pela ilusão dos militantes em se situarem dentro dessa sociedade sem romperem com os liames que os prendem a ela; obrigação também criticarmos as dúbias opiniões sobre as formas e conteúdo que caracterizam as artes burguesas e que, muitas vezes, dominam alguns camaradas; e ainda caracterizar bem os pontos de vista progressistas e os proletários. Só com a filtração contínua desencadeada por uma crítica justa através de fatos, poderemos manter uma pureza ideológica capaz de elevar à frente a segunda etapa da revolução no Brasil, a socialista.
Desta forma, devemos estudar, discutir e pesquisar a fim de possuirmos coletivamente um pensamento único, coeso em torno dos problemas políticos e ideológicos que afligem o movimento revolucionário durante os últimos 25 anos.
Situação financeira
Importante problema em que nos debatemos na atualidade é o que se refere aos recursos necessários para o desenvolvimento de nossa principal tarefa: organização do Partido e a guerra.
Nossas finanças, que de início já eram pequenas e insuficientes, com o crescimento do trabalho encontram-se totalmente “estouradas” e estamos vivendo de finanças extras e não das regulares como deve ser normalmente. Da inicial capacidade de Cr$ 650,00 passamos a Cr$ 850,00, mesmo assim as despesas têm ultrapassado nossas arrecadações.
Todos os companheiros sabem e concordam com a nossa política de vivermos de nossas próprias forças internas. Só poderemos aceitar ajuda do exterior após iniciarmos um trabalho concreto de aplicação de nossa teoria à prática, unicamente quando da confirmação de nossas palavras através da ação revolucionária.
Embora a manutenção dessa atitude tenha ocasionado dificuldade e talvez pudéssemos ter crescido mais se nossa posição fosse outra, estamos seguros de que ninguém poderá ordenar, nem sugerir os métodos de ação ou as formas de iniciação da luta armada. Seguiremos o caminho determinado por nossas análises sem opiniões e influências estranhas ao que pensamos. Isso nos diferencia também das demais “forças” de esquerda atuantes no Brasil, pois em sua maioria o grosso de suas finanças provém do exterior.
Outro ponto importante de nossa política financeira é a de que devemos viver das arrecadações da região onde atuamos e até agora não podemos alcançar essa meta. Devemos dar o máximo de nossos esforços para a consecução desse princípio.
Assim teremos de iniciar de uma maneira mais concreta, mais objetiva os “ataques” aos elementos contribuintes e a expansão, em número, de amigos, a fim de aumentarmos as contribuições. Duas falhas notamos dentro do trabalho de finanças:
1ª) Complacência com a burguesia e a pequena burguesia, isto é, algumas pessoas nos ajudam pouco sob a alegação de que a situação está ruim e que o arrocho é grande. Há necessidade de exigirmos o máximo. Sabemos muito bem que em uma “noitada” ou em gastos supérfluos para satisfazerem seus familiares, desembolsam quantias consideráveis. Agora perguntamos: se assim procedem, por que não podem contribuir mais para a vanguarda do proletariado desencadear o processo revolucionário no país? Este fenômeno ocorre inclusive com os camaradas nossos. Outra face da compaixão, a maneira como deve se comportar um companheiro diante dos contribuintes: esse raciocina como se fosse pedir esmolas. Devem os camaradas, ao irem receber a ajuda, estarem imbuídos de que ela é simplesmente uma obrigação. Qualquer vacilação de nosso amigo deve ser combatida, demonstrando com argumentação os compromissos assumidos com a organização, exigindo assim o cumprimento do trato previamente estabelecido. Com a burguesia, em certos casos, devemos tratar como se fôssemos uma entidade comercial, pois só desta maneira muitos deles podem raciocinar.
2ª) A opinião de alguns companheiros de que o mercado está saturado e não temos onde conseguir finanças. Nosso pensamento é de que agora, com o desmascaramento dos partidos da “esquerda” e a afirmação de nossas posições, o campo de arrecadação aumentará e tenderá a se expandir.
Dessa forma é preciso paulatinamente irmos superando essas duas deficiências e preocupando-se em aumentar nossas finanças na região, a fim de cumprirmos, através dos novos amigos e da maior contribuição por parte dos já existentes, a tarefa de vivermos com as próprias forças arrecadadas no Nordeste.
A linha militar
Os camaradas deverão, na situação atual, apreender ao máximo nosso documento, aplicá-lo e discuti-lo, levando em conta a tarefa fundamental para o Partido e dar todos os esforços a fim de ser esta iniciada o mais breve possível. Isto exige por parte de todos os companheiros uma maior atenção ao trabalho de organização e, também, um desprendimento de suas limitações, para se integrarem totalmente no esforço coletivo de levar a cabo nossos planos.
Entretanto, algumas considerações de ordem teórica se fazem necessárias para começarmos a luta armada. Temos o objetivo de com isso dotar os militantes de um conhecimento firme do que pensamos e, através de uma discussão mais ampla, captarmos o que pensam sobre o assunto. Assim sendo, passaremos a desenvolvê-lo.
As contradições fundamentais da sociedade brasileira são três: a contradição entre o imperialismo e o povo, entre o proletariado e a burguesia e entre os latifundiários e os camponeses. Porém, a condutora de todo o processo revolucionário, a que possui maior peso político na atualidade, é a contradição que coloca em duas frentes opostas o imperialismo e o povo; a esta nós chamamos principal.
Esta contradição é resultante do aprofundamento da exploração desencadeada nos países cujas economias estão submetidas aos ditames dos imperialistas. É a todos patente a crise em que se debate o sistema capitalista internacional e os esforços desenvolvidos por suas classes dominantes para se manterem no poder. Encontram como forma o desenfreado processo de absorção das riquezas dos países subdesenvolvidos, espoliando-os sem cessar, provocando uma revolta em cada povo que se torna cada dia mais acentuada. Daí nossa afirmação de qual a nossa contradição principal de nossa sociedade, pois ela é a que atinge as mais amplas classes e camadas da nação brasileira, capitalizando para os que a desenvolverem um potencial revolucionário capaz de derrotar a ditadura no Brasil.
Porém os grupos imperialistas a fim de concretizarem sua política de dominação utilizam-se na atualidade de métodos diferentes dos realizados em outras épocas. Enquanto nosso país outrora era transformado em simples mercado consumidor de produtos manufaturados no exterior, de 1956 para cá sofreu uma expansão industrial concentrada em determinada região nas mãos dos trustes estrangeiros com a finalidade de ser processada a exploração em novas formas, isto é, através da dominação econômico-financeira do país com a remessa de divisas para o exterior por seus grandes monopólios aqui instalados no Centro-Sul. Às demais regiões coube o papel desempenhado antigamente por todo o país, ou seja, exportadoras de matérias primas e importadoras de produtos manufaturados. O Nordeste com seus 20 milhões de habitantes foi uma delas. Por ser grande fonte de matérias primas e forte mercado consumidor, passou a ser alvo da maior exploração no país por parte dos grupos econômicos radicados no Centro-Sul. Aliado a isso, uma oligarquia latifundiária, sustentáculo da dominação imperialista, expolia uma grande massa de assalariados agrícolas e camponeses, tornando a exploração nessa área mais gritante. Após observarmos essas particularidades, afirmamos ser o Nordeste onde a contradição principal manifesta-se com maior violência.
Assim formulamos dois conceitos de real valor para a elaboração estratégica e tática de nossa teoria militar: a contradição principal é aquela que se desenvolve entre o imperialismo e o povo e ela apresenta-se de maneira mais aguda na região nordestina.
Não se deve perder de vista, entretanto, que esta contradição é a global de nossa sociedade e que em certos momentos ela poderá deixar de ser a principal para se tornar secundária, tomando o seu lugar uma das duas outras que também fundamentais. Melhor explicando, podemos afirmar que durante uma greve na cidade a contradição principal, naquele momento, é a contradição entre o proletariado e a burguesia. Os companheiros do Partido deverão compreender com atenção máxima de expansão e queda das contradições nos momentos e nos lugares em que atuam, pois do entendimento desse fenômeno depende muitas vezes o julgamento da luta de classes. No campo isto torna-se claro. Lá, a contradição principal passa a ser entre latifundiários e campesinato, tendo ainda a particularidade a de ser a criadoura da luta armada. Só quando o avanço e aguçamento da luta de classes em todos os setores estiverem plenamente desenvolvidos, a contradição principal, imperialismo e povo, torna-se a clara para as amplas massas, pois o aprofundamento das contradições específicas (burguesia x proletariado e latifundiário x campesinato) patenteará o caráter primordial da contradição principal (imperialismo x povo) durante todo o processo revolucionário brasileiro.
Merece importância para nós o desenvolvimento da contradição burguesia x proletariado, pois é necessário estarmos alertas contra as influências burguesas no nosso meio. É preciso compreender os camaradas que as etapas revolucionárias no Brasil não possuem interrupção. Passaremos de uma à outra, de democrático-nacional à socialista. Portanto, os nossos militantes devem durante toda a luta travada contra o imperialismo, aguçar paralelamente a luta contra a burguesia, com a finalidade de ir criando uma consciência cada vez mais proletária e capacitando ao Partido possuir uma clara visão do movimento revolucionário, a fim de não ser minado por concepções estranhas à classe operária, embora venham cobertas com o manto do anti-imperialismo. Devemos afirmar nossa política de combate ao imperialismo, mas também à burguesia, pois talvez em futuro próximo esta venha se constituir no inimigo mais pernicioso para nós. Portanto, é obrigação, desde já, combater os pensamentos burgueses em todos os setores e termos uma linha demarcatória definida entre o que serve e o que presta para o proletariado, a fim de mantermos a hegemonia da classe operária durante o processo revolucionário.
b) Contradição do Campo — fator de origem e surgimento do núcleo guerrilheiro.
A luta armada é, para nós, a continuação da luta de classe violentamente. Afirmamos também que a guerra no Nordeste deverá partir do campo para a cidade, pois todo peso econômico da região depende de sua estrutura agrária e sua população concentra-se nas zonas rurais com maior intensidade do que nas cidades. E dentro da zona rural nordestina escolhemos como área inicial para o desenvolvimento da guerra popular a zona canavieira, por esta possuir uma tradição de movimento intenso e ser dotada de concentração camponesa maior do que no sertão e no agreste, chegando em certas partes a ter 100 habitantes por quilômetro quadrado. Aliado a tudo isso, seu constituinte humano mantém relações de produção caracterizadas pelo assalariado, campeando uma exploração brutal com o desrespeito a todos os direitos dos trabalhadores. Daí termos de descobrir a maneira de desencadearmos a luta armada nos aproveitando de uma aguda situação existente entre o campesinato esfomeado e os abastados latifundiários. Através dessa análise chegamos à conclusão de que o inimigo principal que devemos atacar é o apropriador.
Vários fatores nos conduziu a essa assertiva de que o inimigo principal, agora, é o apropriador e não o inimigo em armas e que somente desta forma poderemos mobilizar as massas para a guerra, podendo com este apoio dado resistirmos aos ataques que se sucederão desencadeados pelas forças repressivas do Estado, mas sim a exploração a que estão submetidos os camponeses através dos séculos, transformando os donos de terra em seus odiados inimigos, e a ilusão que ainda possuem no exército as massas camponesas, numa visão não imediatista dos fenômenos sociais, resultando disso a concentração de seu ódio contra os latifundiários e na maioria das vezes contra os vigias e capangas, instrumentos dos senhores das terras.
Partindo do esquema estratégico de que nós com o desenvolvimento da luta de classes no campo através das reivindicações econômicas, estas automaticamente se transformarão em movimento armado, elaboramos todo um plano tático de executarmos os latifundiários, algozes número um dos camponeses, todas as vezes em que eles (os latifundiários) cometem um crime ou qualquer outra arbitrariedade, durante o processo de desencadeamento do aguçamento da luta de classes deflagrado por nós e baseado em um programa mínimo de reivindicações que defende: a entrada dos camponeses no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do açúcar, trabalho diário de oito horas, pagamento em dinheiro e não através de vale ou “gabão”, assinatura das carteiras profissionais a fim de acabarmos com os trabalhadores volantes e os empreiteiros. Desta forma, adotamos o princípio de na fase primeira recusarmos o combate com as unidades do exército e da polícia, somente os enfrentando se formos surpreendidos, tomaríamos, no entanto, todas as precauções para que isto não aconteça a fim de não perdermos a iniciativa no combate, o que seria fatal para nós. Entretanto, deveremos estar preparados para se isso acontecer, podermos escapar ao inimigo e recuarmos, só lhe dando combate quando acharmos necessário.
Para colocarmos em prática esse plano, necessitamos de no mínimo cinco homens ativos, conhecedores da situação política e geográfica da região em que vamos atuar, zona sul de Pernambuco e norte de Alagoas, pois esta é a parte da zona canavieira mais larga, perfazendo um total de 120 km, a fim de haver maior concentração de camponeses e de matas. Um grupo mantendo mobilidade constante e um amplo apoio das massas desenvolvido através da base de apoio consolidado pelos castigos efetuados contra os algozes dos camponeses, será capaz de resistir ao inimigo em armas, conduzindo para o Partido os recursos e apoio de todas as massas da região, rompendo por outro lado a barreira das discussões bizantinas entre os grupos de esquerda e facilitando aos reais revolucionários desligarem-se de seus esquemas absurdos para cambiarem seus esforços em favor do núcleo combatente guerrilheiro.
Paralelamente, nas cidades deveremos possuir uma organização estruturada por setores do movimento operário e estudantil, separados completamente um do outro, cuja função específica é aguçar, até as últimas consequências, a luta de classes com a finalidade de “preocupar” as classes dominantes e servir como base de recrutamento para a luta armada dos melhores e mais combatentes elementos da cidade. Outro setor chamado logístico, ligado diretamente ao núcleo que está em armas combatendo o inimigo, preocupar-se-á e funcionará como retaguarda citadina do foco guerrilheiro. Tratará das ligações entre o campo e a cidade, de uma rede de aparelhos nas cidades (principalmente Recife e Maceió), obtenção de recursos médicos e financeiros, seja desapropriação ou coleta, criação do grupo de informações, outro de agitação e propaganda e futuramente formará o núcleo combatente citadino com a finalidade de golpear o inimigo através de sabotagens, roubos e execuções dos assassinos policiais da DOPS, como também “nossos conselheiros” ianques.
c) Nossa luta é parte da luta mundial anti-imperialista e a única forma de provar que somos internacionalistas proletários.
Os companheiros devem estar convencidos da premência em nosso país do desencadeamento da guerra popular. Para isso, é preciso ter em mente que nossa luta é parte integrante da luta mundial dos povos contra o imperialismo e que a maior prova que poderemos dar de internacionalismo proletário é quanto antes iniciarmos a luta armada contra a ditadura implantada com o beneplácito dos grupos norte-americanos em nosso país. Todos os esforços serão poucos para levarmos até o fim nosso plano sem que antes de o executar sejamos surpreendidos pelos agentes da ditadura.
Nossa luta debilitará o sistema imperialista e por isso servirá de ajuda indireta aos combatentes vietnamitas que enfrentam o mais poderoso exército do mundo capitalista, dando com isso o exemplo aos outros povos de qual é seu caminho a seguir.
Cumpramos assim nosso dever de comunistas revolucionários e internacionalistas proletários, desencadeando a luta armada no Brasil e nos juntando àqueles que de arma na mão combatem o imperialismo no mundo.
Resoluções
Após os camaradas apreciarem nosso trabalho, situação e necessidade, deveremos adotar com afinco a execução prática das resoluções abaixo numeradas:
Consolidar organicamente o Partido existente através das seguintes normas:
- Aplicar sua linha política integralmente;
- Reunir assiduamente os seus conselhos;
- Pagar as mensalidades exigidas.
- Construir Partido na classe operária, principalmente no Recife.
- Desenvolver o trabalho no setor estudantil, tomando como base as faculdades do Recife: Direito, Engenharia, Medicina, Fafipe e UCP.
Travar luta ideológica contra a infiltração burguesa em nosso meio proveniente de dois fatores:
- Penetração advinda dos partidos políticos;
- Influência do meio burguês circundante.
- Intensificar o trabalho político entre as massas camponesas.
- Preparar nas cidades apoio logístico necessário para desencadear a luta armada através dos castigos aos inimigos dos camponeses.
- Tentar contato com o exterior a fim de dar maior divulgação e propaganda de nossos documentos, autorizando um companheiro da executiva realizá-lo.
- Adotar como dístico de nosso jornal “A Luta”, o apelo de Che Guevara à Tricontinental: “Criar, dois, três… muitos Vietnãs”.